Chico Xavier disse, em 28 de agosto de 1988, em entrevista ao Diário da Manhã, de Goiânia-Goiás, respondendo à pergunta se seria Kardec reencarnado: “Não, não sou. (...) digo isto com serenidade. Não sou. Consulto a minha vida psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração sou eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que, em doze anos, deixou dezoito livros maravilhosos”.
Pelo contrário, no programa “Pinga-Fogo 2”, Chico relatou ter vivenciado, em diversas existências, um intelectual derrocado e veio como médium para resgatar essa dívida. Assim se expressou: “... nos informamos com ele [Emmanuel] de que, em outras vidas, abusamos muito da inteligência, nós em pessoa...” e, igualmente, reproduz as seguintes palavras de Emmanuel: "Você não escreverá livros, em pessoa, porque você mesmo renunciou a isso... Seu Espírito, fatigado de muitos abusos dentro da intelectualidade, quis agora ceder as suas possibilidades físicas a nós outros, os amigos espirituais”.
Segundo essa informação, seria impossível Chico Xavier ter sido Kardec, visto que o Codificador foi vitorioso em sua missão, não se limitando apenas à observação do fenômeno da comunicação mediúnica, já que se aprofundou nesse intercâmbio e descortinou amplamente o universo espiritual, tomando conhecimento de suas leis e de suas relações com o mundo físico.
Ao contrário do brilhante trabalho intelectual desempenhado por Kardec, Chico se caracterizou apenas como intermediário dos Espíritos, sabendo-se que a codificação kardeciana ressalta que não existe médium perfeito (Revista Espírita, fev. 1859, “Escolhos dos Médiuns”) e o melhor de todos é aquele que tem sido menos enganado (“O Livro dos Médiuns”, cap. 20, nº 226, 9ª).
Contudo, em qualquer revelação, o critério adotado por Kardec da Universalidade dos espíritos deve ser sempre empregado, utilizando-se o crivo da coerência, passando tudo pelo bisel da criticidade, sem que seja o pesquisador possuído por qualquer forma de extremismo. É válido o pensamento esclarecedor do Espírito Erasto, encontrado, em “O Livro dos Médiuns”, 2ª parte, cap. XX, item 230: “Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos antigos provérbios. Não admitais, pois, o que não for para vós de evidência inegável. Ao aparecer uma nova opinião, por menos que vos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica. O que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai corajosamente. Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa”.
Importante ressaltar que Kardec não reencarnaria para ser assistido por um Espírito (Emmanuel), que responderia por ele a todas as perguntas, em todos os momentos, como foi verificado exaustivamente no programa Pinga-Fogo 1. Aliás, o próprio médium disse que compareceu à televisão com a permissão de Emmanuel. A propósito, Emmanuel sempre exortava o médium a respeitar a Doutrina em sua fidelidade e citava Kardec como referência, com reverência. Em nenhum momento, o guia espiritual fez menção ao fato de Chico ser o próprio codificador e nem o tratava como tal. Como ninguém ignora, era comum Emmanuel dar reprimendas no médium, advertindo-o com rigor inúmeras vezes, como no episódio do avião, quando Chico manifestou ruidosamente medo de morrer.
Enquanto Allan Kardec demonstrava pulso firme e resoluto no trato com as pessoas, sendo denominado até mesmo de “Apóstolo da Verdade”, o médium não sabia dizer “não”, chegando ao ponto de engolir uma barata que se encontrava na sopa para não deixar a dona da casa constrangida (“Lindos Casos de Chico Xavier”, páginas 196-197). O Codificador, certamente, alertaria a todos os comensais do grave fato ocorrido. Certa feita, o querido Chico, com medo de fazer desfeita, comeu desbragadamente por insistência de sua anfitriã e, no final, ainda foi tachado de glutão e guloso.
Kardec apresentava-se equidistante das religiões tradicionais, sendo portador de uma religiosidade marcante, alicerçada na fé raciocinada, separando-a do religiosismo (misticismo, exterioridade, culto), restabelecendo a fé pelo raciocínio, tendo sido morto na fogueira pela Igreja, quando vivenciou a personalidade ímpar do reformador religioso João Huss (século XV d.C.).
Chico, quando católico, era extremamente beato e praticava com fervor os sacramentos. Também colecionava ilustrações de santinhos em sua gaveta, o que foi constatado após sua desencarnação. Intensamente místico, carregou na procissão uma pedra enorme na cabeça e, “pagando os seus pecados”, afastando o “diabo”, seguia à risca as receitas paroquiais (repetia mil vezes seguidas a oração da Ave-Maria). Largou a Igreja Católica devido à sua extraordinária mediunidade.
A calvície, que muito incomodava o Chico, era retocada por uma peruca ou escondida por um vistoso boné. Kardec apresentava uma incipiente calvície e parecia não se incomodar com isso.
O médium, opostamente ao codificador, sempre se depreciava, intitulando-se “besta”, “um nada”, “capim” e “verme”. Na infância, Chico era espancado barbaramente pela mulher que o acolheu em sua casa, como igualmente teve sua barriga ferida com garfo. E foi, até mesmo, obrigado a lamber as feridas da perna de um primo. Chico, no recreio, sofria muitas surras, apanhando dos colegas a socos e pontapés. O médium era perseguido por obsessores e acometido por perturbações espirituais.
Na escola, no Castelo de Zahringenem, em Yverdon-les-Bains, na Suíça, como discípulo do famoso educador Pestalozzi, Kardec com quatorze anos de idade já orientava seus pares, ensinando aos seus colegas menos adiantados.
A mãe de Chico, em mensagem psicografada, lhe disse que não encarasse a mediunidade como uma dádiva, porque “imperfeito como era não merecia favores de Deus” (“As Vidas de Chico Xavier”, pág. 57). Emmanuel exortou-o à prática da disciplina. O Espírito Eça de Queiroz observou no médium “porções de sofrimentos, pedaços de angústia esterilizadora, recordações tristonhas, lágrimas cristalizadas” (“As Vidas de Chico Xavier”, pág.56). Em outra ocasião, sentindo intensa dor, solicitou a presença de Emmanuel, que duramente lhe disse: Sua condição não exonera você da necessidade de lutar e sofrer, em seu próprio benefício (“As Vidas de Chico Xavier”, pág.74).
Chico disse a Arnaldo Rocha que o próprio Kardec veio, em Espírito, orientá-lo no início de suas atividades
O confrade Arnaldo Rocha (ex-marido de Meimei e amigo íntimo de Chico Xavier desde 1946), falando sobre o saudoso médium, em palestra proferida na União Espírita Mineira, disse que é uma estultice essa ideia de que Chico e Kardec sejam o mesmo Espírito, e fez conhecer um diálogo que tiveram, no qual o médium lhe informou de que ele fora, em verdade, a Srta. Japhet, a médium que teve papel considerável na revisão dos textos da primeira edição de “O Livro dos Espíritos” e que o próprio Kardec veio, em Espírito, orientá-lo nos primeiros meses de sua preparação como espírita iniciante, na cidade de Pedro Leopoldo. (N.R.: o vídeo dessa palestra pode ser visto clicando-se em
http://vimeo.com/9098617.)
Pode-se afirmar, baseado na veracidade da previsão do Espírito da Verdade sobre a volta muito breve de Kardec (“Ausentar-te-ás por alguns anos”), que o codificador possa perfeitamente ter errado nos seus cálculos, desde que, para a Espiritualidade Superior, alguns anos representam muito mais do que três a quatro dezenas de anos (“a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste século ou no princípio do outro”).
A hipótese de Chico ser Kardec também foi repelida por Herculano Pires (“O melhor metro que mediu Kardec”, segundo Emmanuel), na obra “Curso Dinâmico de Espiritismo.
(*) Fonte: Revista O Consolador - link http://www.oconsolador.com.br/ano5/209/especial.htm