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domingo, 28 de outubro de 2018

O Evangelho segundo o Espiritismo não incluído no “Pacto Áureo”



Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Estudos e entrevistas que realizamos ao longo de alguns anos nos estimularam à elaboração do livro União dos espíritas. Para onde vamos? (Ed. EME, 2018)1 e, mais recentemente, à preparação da palestra de abertura do Encontro promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo para comemoração - nos dias 20 e 21 de outubro de 2018 -, dos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 1948).2,3
Os Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita4 contém riquíssimo material de estudo e propositivo elaborado por notáveis líderes espíritas vinculados ao movimento espírita de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e do antigo Distrito Federal. 
Como repercussão das teses aprovadas houve rejeição por parte da direção da Federação Espírita Brasileira da época.
Todavia, vários dos protagonistas do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, por estarem no Rio de Janeiro participando do Congresso da CEPA, repentinamente, foram recebidos pelo presidente da FEB. E num dia e meio, sem prévia preparação aconteceu a reunião que ficou conhecida como a Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, também chamado “Acordo de Cavalheiros” e cognominado por Lins de Vasconcellos como “Pacto Áureo” e se constituiu no Acordo de Unificação do Movimento Espírita Brasileiro. Na oportunidade, o presidente da FEB Wantuil de Freitas, em nome da Diretoria da FEB, apresentou outra proposição, contendo dezoito itens, sintetizando os princípios sobre os quais poderiam assentar-se a União e a Unificação do Movimento Espírita, além de detalhamento de providências complementares para o funcionamento do Acordo.1,5
O Acordo foi assinado no dia 5/10/1949 na sede da FEB, “ad referendum” das Entidades cujos dirigentes estavam presentes, pois essa reunião não havia sido planejada e mesmo porque o tempo da reunião foi extremamente exíguo para se tratar de temas tão complexos.
Pelas reações ocorridas em São Paulo logo após o evento, e por declarações de alguns protagonistas, sabe-se que prevaleceu um gesto de boa vontade, mas com a expectativa de um futuro aprimoramento do documento.1,5
Esse aprimoramento ou revisão que não ocorreu, faz falta com vistas ao atendimento do cenário atual do movimento espírita.
A primeira questão a ser levantada é sobre o Artigo 1o do “Pacto Áureo”: “Cabe aos Espíritas do Brasil porém em prática a exposição contida no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo.”
E o outro relacionado à fundamentação, é que apenas no Artigo 12o cita-se duas obras de Allan Kardec: “As Sociedades componentes do Conselho Federativo Nacional são completamente independentes. A ação do Conselho só se verificará, aliás, fraternalmente, no caso de alguma Sociedade passar a adotar programa que colida com a doutrina exposta nas obras: O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, e isso por ser ele, o Conselho, o orientador do Espiritismo no Brasil.”
A citação do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, desde aquela época gerou controvérsias. Independentemente do conteúdo da obra há várias especulações ligadas ao fato de que se trata da única obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier que faz citação nominal de um autor não aceito pela ampla maioria dos espíritas brasileiros.1
Aí surgem indagações óbvias: Por quê os proponentes do Acordo de união que foram participar do 2º Congresso da CEPA levando a tese “Prevalência do Espiritismo Religioso”, e a própria FEB deixariam de citar o livro O evangelho segundo o espiritismo, a obra espírita mais lida e comercializada no Brasil? Por quê no citado Acordo não estão relacionadas todas Obras Básicas de Allan Kardec?1
Fato digno de nota é que Francisco Cândido Xavier, não podendo comparecer ao citado Congresso Brasileiro enviou mensagem assinada pelo espírito Emmanuel com o título: "Em nome do Evangelho", incluída nos Anais do Congresso.1,2,3,4,5
À vista disso consideramos que no caso de uma revisão do "Pacto Áureo" ou na elaboração de um acordo de união novo, e sem nenhum juízo do conteúdo geral do livro, seja removida a referência à obra Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho, bem como de apenas duas obras do Codificador, substituindo pela citação completa das Obras Básicas de Allan Kardec.1,2,3
Pelo menos em tempos mais recentes seria uma total incoerência, pois até nas recomendações de Estatutos para os centros espíritas, em geral, há a indicação como Artigo 1º, por exemplo:
“O Centro Espírita ... fundado em ... , neste Estatuto designado “Centro”, é uma organização religiosa, com duração indeterminada e sede na cidade de ... , no endereço ... , e que tem por objeto e fins: I – o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base nas obras de Allan Kardec, que constituem a Codificação Espírita.”1
Depois de analisar o “Pacto Áureo” item a item em nosso livro União dos espíritas. Para onde vamos?, concluímos:
“Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do “Pacto Áureo” está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática “ao pé da letra” o que está definido em seus artigos. O “Pacto Áureo” é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”1,2,3
Mesmo se considerando várias ações encetadas pelo CFN da FEB para se divulgar Allan Kardec, como a Campanha Comece pelo Começo, aprovada em novembro de 2014, não se pode olvidar que o “Pacto Áureo”, com a questão doutrinária que destacamos e vários itens defasados, ainda é uma norma vigente. Há necessidade de se rediscutir e se refazer o “Pacto Áureo”!

Referências:
1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018. 144p.
2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. 70 ANOS DO CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIFICAÇÃO ESPÍRITA – HISTÓRICO. Texto da palestra em edição digital: http://www.usesp.org.br/Associacao/Documentos; Depois clique em DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA, que contém o arquivo: Palestra - Comemorações dos 70 anos do 1o CBUE.
3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. 70 ANOS DO CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIFICAÇÃO ESPÍRITA – HISTÓRICO. Vídeo. Link: https://www.youtube.com/watch?v=oZVb7MfxejQ
4) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. 191p. Edição em versão digital AEC/USE: http://www.usesp.org.br/Associacao/Documentos; Depois clique em DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA, que contém o arquivo: Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita.
5) Monteiro, Eduardo Carvalho; D’Olivo, Natalino. USE - 50 anos de unificação. São Paulo: USE. 1997. 335p.

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.



quinta-feira, 25 de outubro de 2018

CÉREBRO TRIÚNO


 


Francisco Habermann

Pode parecer engraçado, mas os músicos, poetas e artistas já sabem o que os cientistas tanto procuram em nosso cérebro. Penso que os políticos também...
Refiro-me aos segredos da nossa cachola – que os estudiosos chamam de encéfalo - essa máquina de evolução milenar que hoje nos domina ou nos engana no dia-a-dia. Percebemos essas nuances quando focamos nossos hábitos, por exemplo.
Hábito é algo interessante e até intrigante. A gente os tem, cultiva-os e nem os percebemos. Ficam tão arraigados em nossa rotina diária que a vida só nos parece boa se nada mudar no cotidiano. Caso mude, vem a crise e sofrimentos. O que não valorizamos são os ensinamentos advindos dessas crises. Aprendemos ( ou não ) com as mudanças. É nesse ponto que queria chegar.
Na atualidade somos explorados por mecanismo de inteligência artificial baseado especialmente em nossos hábitos. A dependência digital eletrônica é um exemplo. É uma realidade moderna e está presente desde a infância dos nascidos nas duas últimas décadas e também entre adesos tardios como este escriba. É mecanismo gerador de hábitos.
O assunto hábito tem tudo a ver com a neurofisiologia cerebral nossa, considerada desde os primórdios da evolução dos organismos vivos aqui na Terra. Vale recordar que a estrutura encefálica vem evoluindo desde o unicelular. Considerando os milhões de anos dessa trajetória orgânica, foram nas crises e nas modificações da rotina existencial que as alterações dos circuitos cerebrais propiciaram as necessárias modificações de hábitos. Os que entendem da evolução histórica desta máquina dizem que ela tem três andares: o reptiliano ( mais antigo, instintivo – no tronco encefálico ), representando o passado; o intermediário, racional, cortical, representando o presente; o lobo frontal – fonte superior de idealismo elevado, representando nosso futuro. Visão integradora ciência-espiritismo sobre esse assunto é abordada no recomendado livro ‘O cérebro triúno – a serviço do espírito’ dos professores Irvênia L.S. Prada, Décio Iandoli Jr e Sérgio L.S. Lopes ( AME Editora, SP,2018, 561 páginas ).
Será que a situação atual dos nossos cérebros – diante de seríssima crise de hábitos em variadas frentes, inclusive a política – permanece ainda limitada apenas na área primitiva reptiliana, instintiva, dominadora, competitiva pelo poder, violenta, disruptiva?
Nossos circuitos cerebrais necessitam serem religados aos andares superiores urgentemente. Os poetas e artistas do belo e superior já fazem isso. Foi o que Fernando Pessoa ( na voz de Alberto Caeiro ) já dizia há muito tempo ( ‘Guardador de Rebanhos’): “Sou um guardador de rebanhos, / O rebanho é os meus pensamentos...”
Vale uma bela reflexão nesta semana!


sábado, 13 de outubro de 2018

O túmulo [de Jesus] permanece aberto e vazio (Jorge Hessen)

O túmulo [de Jesus] permanece aberto e vazio (Jorge Hessen)

Jorge Hessen
jorgehessen@gmail.com


As pessoas têm sentido inquietação e temor perante a expectativa da desencarnação. Há aqueles que sofrem de tanatofobia (receio mórbido da morte). Psicólogos têm examinado os efeitos mentais e sociais causados por pensar na morte. Muitas pessoas associam a desencarnação a sentimentos como tristeza, dor e saudade. Raros fazem associação a sentimentos como aceitação e libertação. Falar sobre a morte ainda é visto como algo depressivo e mórbido. Muitos têm ressalvas de como e com quem falar sobre o tema. Normalmente os amigos e parentes próximos são pessoas mais procuradas para conversar sobre isso.
E esse receio tem sido alimentado por uma mistura de falsos conceitos religiosos, senso comum e crenças pessoais arraigadas. As religiões humanas são especialmente responsáveis por gerar uma série de fobias e mitos a respeito da inevitável viagem ao túmulo.  
O problema do medo da morte é que tal fobia pode impedir que tenham liberdade e prazer de viver. Daí o conforto que a Doutrina Espírita apresenta, ao instruir sobre a vida do espírito aqui e no além.   A morte apenas dilata as concepções e aclara a introspecção, iluminando o senso moral, sem resolver, obviamente, de maneira absoluta, os problemas que o Universo propõe a cada passo, com os seus espetáculos de grandeza.
A maior surpresa da morte física é a de colocar o homem face a face com própria consciência, onde edifica o céu, estaciona no purgatório ou precipitaos no abismo infernal. Nesse sentido, a ninguém devem o destino senão a si próprios.
Por outro lado, os que vivem com mais dedicação às coisas do Espírito, esses encontram maiores elementos de paz e felicidade no futuro. Todos os que alcançaram aproveitar a encarnação sem viciações e apegos, os que cumpriram a lei de amor, adquirem laços magnéticos menos densos aprisionando o Espírito ao corpo. 
Permitamos que o pensamento sobre a “morte” componha de forma ininterrupta e serena nossos estados mentais, reflexão sem a qual estaremos desaparelhados, ou para o regresso inevitável ou despreparados para enfrentarmos com serenidade a “morte” dos nossos entes queridos.
A revelação Espírita demonstra que “morte” física não é o aniquilamento das aspirações e anseios no bem, porém o ingresso para a existência autêntica, para a vida real. Sim! A existência física é ilusória, fugaz, transitória demais. A separação do corpo pela “morte” não é uma anomalia da natureza. Simplesmente transfere-se da dimensão física, para o ambiente espiritual.
Sobre isso, Allan Kardec nos remete a Jesus, e com o Cristo certificamos que o fenômeno da “morte” é totalmente diferente. No túmulo de Jesus não há sinal de cinzas humanas, nem pedrarias, nem mármores luxuosos com frases que indiquem ali a presença de alguém. Quando os apóstolos visitaram o sepulcro, na gloriosa manhã da “ressurreição”, não havia aí nem luto nem tristeza. Lá encontraram um mensageiro do reino espiritual que lhes afirmou: “não está aqui”.
Os séculos se dissiparam e o túmulo [de Jesus] permanece aberto e vazio, há mais de dois mil anos. Seguindo, pois, com o Cristo, através da luta de cada dia, jamais localizaremos a amargura do luto por ensejo da “morte” de pessoa amada, e sim a vida em plenitude.