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sexta-feira, 27 de maio de 2016

Divino Instinto, Impunidade e Dignidade Lesada


Luiz Carlos Formiga


Uma adolescente de 16 anos foi estuprada na Zona Oeste, do Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
 Em depoimento à polícia, disse que foi à casa de um rapaz, com quem se namorava há três anos. Lembra-se de estar a sós com ele, na casa dele, e depois acordar nua, em outra casa na mesma comunidade, mas diante de 33 homens.
Qualquer tipo de violência nos entristece. A negação dos direitos humanos da mulher, violência de gênero, nos deixa desequilíbrios.
Imaginem a dor ao tomar conhecimento de um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 1974, que referia uma manifestação do Procurador de Justiça declarando que considerava o estupro praticado pelo réu uma “cortesia” e não um crime.
 A moralidade da mulher é levada em consideração mais do que a análise e julgamento do ato em si. São acusadas de “sedutoras”.
 A postura majoritária na magistratura era de omissão, nada fazendo para que fosse respeitada a dignidade da mulher.
 Ainda é fato que os crimes sexuais, e de modo especial o de estupro, aumentaram nas últimas décadas, mas não cresceram, na mesma proporção, as condenações impostas aos agressores.
É urgente a modificação desse quadro.
Sabemos que a lei não educa ninguém. Pedagogos e professores podem ser acusados, mas “ninguém restaura um serviço sob as trevas da desordem”. Qual a origem de tanta “ocupação”?
No Brasil o perfil conservador dos agentes jurídicos conduz ao entendimento de que o Direito é um instrumento de conservação e contenção social, mais do que de transformação social. O Juiz de Curitiba faz apenas o seu trabalho. Não deveriam existir neste inicio de século tantas “delações premiadas”. Isso é bom ou mau sinal?
Voltemos ao divino instinto. Fomos programados geneticamente para a reprodução da espécie. Este instinto possui a mesma intensidade, tanto no homem quanto na mulher. Nas primeiras encarnações a sexualidade poderia e deveria ser usada precocemente, antes que fossemos devorados, por algum predador. Talvez por isso alguns digam que a carne é fraca, quando na realidade somos espíritos imaturos.
O divino instinto pode ser disciplinado.
O indivíduo quando convivendo com inseguranças e sentimentos de rejeição, sem receber amor, busca o sexo como forma de autoafirmação e alívio de incertezas ou carências. Mas, possuindo responsabilidade não mais é governado pelo sexo,  como adultos emocionalmente infantis.
Diz Joanna de Angelis que “inseguranças e medos, muito comuns na adolescência, procedem das atividades mal vividas nas jornadas anteriores, que imprimiram matrizes emocionais ou limitações orgânicas, deficiências ou exaltação da libido, preferências perturbadoras que exigem correta orientação, assim como terapia especializada.”
Pode este instinto levar ao crime?
Estupro é constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Crianças e jovens vivem num mundo onde as manchetes de jornal as fazem perguntar sobre assuntos que deixam os pais em “saia justa”.
Fiquei perplexo ao ler:
Para aderir a uma das ferozes gangues de rua da América Central, Benky, uma jovem pequenina com os olhos fortemente maquiados com rímel e os braços recobertos de tatuagens, teve de fazer sexo com uma dúzia de garotos do grupo, certa noite. Ela se lembra de ter chorado incontrolavelmente quando o último deles terminou, e de ter sido cercada por todos os membros da gangue, que a cumprimentaram por sua admissão plena à Mara Salvatrucha.
 O líder da gangue ordenou a Benky, que então tinha 14 anos, que roubasse ônibus, arrancasse correntes do pescoço das pessoas e até matasse uma menina de uma gangue rival. Ela sempre obedeceu, embora Benky declare que não estava completamente certa de que a rival havia morrido depois de levar um tiro nas costas.
Eu achava que a gangue seria como minha família, explica Benky sobre sua adesão. Pensei que receberia o amor que me faltava. Mas eles me batiam. Davam-me ordens. Diziam que eu tinha de roubar ou matar alguém, e eu obedecia.
Um outro caso verídico é o de uma jovem de olhar entristecido.
Contou que fora o padrasto quem a colocara no plano inclinado. Ela havia ouvido as senhoras falarem do brasileiro que pregava o amor como antídoto da dor e, como sofria muito, resolveu dar-se uma chance. Jogou fora a substância corrosiva, colocada no refresco, para ouvi-lo. Divaldo Pereira Franco explica que não era má vontade, mas que o seu anfitrião o aguardava. Porém, gostaria muito de encontrá-la mais tarde. Ela respondeu a Divaldo que não se preocupasse porque era uma mulher da noite.
Marcaram o encontro na casa do anfitrião. À noite conta que vivia num bairro de alta classe social e econômica. Quando o pai morreu ela contava quase quinze anos. A mãe tinha quarenta e dois anos e era uma mulher frívola, de caráter vulgar e, em menos de três meses depois, estava nos bailes e festas.
Ligou-se a um homem mais jovem do que ela, destes que vivem a explorar mulheres ingênuas. Ele veio viver em nossa casa e começou a procurar-me. Minha mãe acreditou quando ele disse que eu havia me oferecido. Após a bofetada, colocou-me na rua.
Aos quinze anos eu estudava e tinha uma amiga de dezessete anos, que me recebeu em casa. Ela disse que a vida era maravilhosa e que devíamos desfrutá-la. Ela era acompanhante de velhos executivos e uma noite lhe rendia quinhentos dólares.
Mais tarde ela me disse que se não trabalhasse também não comeria e levou-me a uma casa.
Divaldo ouviu-a pacientemente ...
Os homens demonstram sua posição na escala evolutiva pelas decisões que tomam diante da vida. Em muitos a consciência ainda não despertou para os verdadeiros valores. De posse de liberdade relativa demonstram pouca responsabilidade. Antes de governar, parecem governados pelos instintos. São escravos das paixões, dos instintos.
Não devemos esquecer a importância do amor e que geralmente são as mães que educam os homens. Devemos lutar para que sua dignidade não seja lesada e contra a impunidade, como aquele Juiz de Curitiba (Lava Jato). Necessitamos trabalhar para que “dignidade” e “impunidade combatida” façam parte da cultura do nosso povo

quarta-feira, 25 de maio de 2016

EXPERIÊNCIA “PRÉ-MORTE” SANCIONA IMORTALIDADE - Jorge Hessen

Lars Grael, iatista brasileiro

Jorge Hessen


Em 1998, durante uma regata, Lars Grael, iatista brasileiro, detentor de 2 medalhas olímpicas, teve 2 paradas cardíacas após sua perna direita ter sido decepada por uma lancha que o atropelou quando velejava em Vitória. Ao ser amputada a sua perna e perder muito sangue, Grael teve paradas cardíacas e conheceu uma experiência de quase-morte. Nas palavras do próprio Lars, “foi uma experiência muito difícil de descrever”. O médico José Carlos Ramos de Oliveira, outro sobrevivente de parada cardíaca, endossa a sensação de Lars: “só quem passou por isso sabe o que é uma “experiência de quase morte”. Outro caso foi a de Maria Aparecida Cavalcanti , radialista e professora universitária em São Paulo, que afirma ter passado por 3 “experiências de quase-morte”. O relato abaixo se refere à segunda dessas experiências, ocorrida depois de um desastre automobilístico em Santa Catarina, em 1994.

"No momento do acidente, eu me senti tragada por um ‘túnel de vento’. Fiquei flutuando no asfalto e vendo o carro capotar num barranco. Outro carro parou e 3 homens saíram dele. Um deles desceu o morro e disse: ‘Tem uma mulher morta ali’. Era eu. Não tive nenhum choque ao ver o corpo – apenas lamentei, em pensamento, o que tinha sofrido. Fora do corpo, conseguia enxergar em todas as direções ao mesmo tempo. Então eu avistei 2 pessoas flutuando acima do morro. Uma delas era uma mulher morena. A outra, a silhueta de um homem alto, me pareceu conhecida – apesar de ser transparente. A moça esticou o braço direito e disse, sem mexer a boca: ‘tenha calma; isso está na sua programação’. Essa frase funcionou para mim como uma senha. Era como se eu resgatasse toda a minha memória. Deslizei em direção à dupla, mas lembrei que meu único filho de 12 anos estava sozinho num chalé sem vizinhos e sem telefone. Alguém precisava resgatá-lo. Nesse mesmo instante, fui tragada de novo pelo túnel e voltei ao corpo. Daí senti uma dor horrível. Foi o único jeito de avisar a família sobre o acidente e resgatar meu filho."[1]

O Dr. Raymond Moody popularizou o termo "experiência de quase-morte" em seu livro "Vida após a vida", escrito em 1975. Posteriormente, em 1982, o pesquisador George Gallup Jr. e William Proctor publicaram a "Aventuras na imortalidade", um livro que aborda a "experiência de quase-morte" baseado em duas pesquisas do Instituto Gallup, refletindo especificamente a quase morte e a crença na vida após a morte. Outro distinto estudioso Kenneth Ring, um dos mais prolíficos pesquisadores e autores de estudos sobre "experiência de quase-morte", relata um grande número de indivíduos que adquiriram autoconfiança e se tornaram mais extrovertidos após a experiência. Kenneth também verificou que as pessoas que passam por "experiência de quase-morte" tendem a perceber um aumento no senso de sentimentos religiosos e crença em um mundo espiritual. 

As teorias que explicam as “experiências de quase-morte" caem em duas categorias básicas: explicações científicas (incluindo médicas, fisiológicas e psicológicas) e explicações transcendentes (incluindo espirituais e religiosas). Obviamente, essas últimas não podem ser provadas nem negadas. A explicação metafísica mais comum é que alguém que passa por uma "experiência de quase-morte" está, na verdade, experimentando e lembrando de coisas que aconteceram com sua consciência não corpórea (espiritual). 

É natural que a ciência clássica – cuja realidade só admite o que pode ser observado e medido – não corrobora a retórica mística, mas não oferece meios de resolver essa questão, os cientistas têm tão-somente comprovado que as drogas cetamina [2] e PCP (cloridrato de fenciclidina), por exemplo, podem criar sensações nos usuários que são quase idênticas a muitas "experiências de quase-morte". Obviamente, isso apenas raspa a superfície das explicações possíveis para uma "experiência de quase-morte". 

Relatos sobre visões do que ocorre 'do lado de lá' são tão antigos quanto às pirâmides egípcias, às epopéias gregas e aos registros das civilizações indianas e chinesas. Na obra “República”, de Platão narra-se a história de um soldado morto pelo inimigo que viajou para a Terra dos Mortos, mas foi proibido de beber do Rio do Esquecimento porque tinha que retornar à vida. Relatos mais atuais de visões perto da morte foram feitos por Ernesto Bozzano em 1908, descreveu que muitas pessoas, em seu leito de morte, afirmavam ver pessoas conhecidas que já haviam morrido. Em 1927, o físico inglês sir William Barrett, membro da Royal Society, publicou o livro Deathbed Visions, no qual relata que essas pessoas não só viam parentes e amigos falecidos, mas contavam histórias de outros mundos. Na década de 1960, o parapsicólogo americano Karlis Osis fez um estudo-piloto sobre essas visões e encontrou algumas coincidências, como o fato de a maioria dos testemunhos se referir a conversas com pessoas já mortas.

Para alguns pesquisadores tais experiências sugerem a existência da mente, ou consciência, independentemente do cérebro, ou mesmo da existência e sobrevivência da “alma”. Obviamente que outros pesquisadores, os materialistas, têm convicção de que tais experiências são apenas o produto de um cérebro em estado fisiológico alterado. Naturalmente isso não invalida suas pesquisas , pois os Benfeitores do Além explicam que “assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta reage sobre ele, dentro de certos limites, e que pode acontecer impressionar-se o Espírito temporariamente com a alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as impressões”. [3]

A Doutrina Espírita fornece elementos que permitem concluir que muitas das “experiências e quase morte” resultam do desligamento parcial do perispirito. Na questão 157 de O Livro dos Espíritos , Kardec indagou: No momento da morte, a alma sente, alguma vez, qualquer aspiração ou êxtase que lhe faça entrever o mundo aonde vai de novo entrar? Os Espíritos alumiaram o tema respondendo: “Muitas vezes a alma sente que se desfazem os laços que a prendem ao corpo. Já em parte desprendida da matéria, vê o futuro desdobrar-se diante de si e goza, por antecipação, do estado de Espírito.”[4]. Na questão 407 o Codificador perguntou: É necessário o sono completo para a emancipação do Espírito? Os Seres do Além responderam: “Não; basta que os sentidos entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre, quanto mais fraco for o corpo.” [5] Além disso, na questão 424 o mestre lionês esquadrinhou de forma sutil: Por meio de cuidados dispensados a tempo, podem reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se à vida um ser que definitivamente morreria se não fosse socorrido? A resposta dos Espíritos: “Sem dúvida e todos os dias tendes a prova disso.”[6]

A morte não é mais a mesma. Hoje um coração parado não significa que seu dono vá, necessariamente, passar para o “lado de lá”. Graças a uma série de procedimentos médicos e um aparelhinho chamado desfibrilador, uma parcela razoável de pacientes dados como mortos tem sido “ressuscitada” nas UTIs mundo afora. Várias dessas pessoas têm histórias para contar. São histórias que desconcertam a ciência com perguntas muito difíceis – e que só agora começam a ser respondidas. As "experiências de quase-morte" parecem oferecer alguma esperança de que a morte não é necessariamente algo a ser temido, nem é o fim da consciência. Mesmo a ciência tem dificuldades para lidar com a morte - a comunidade médica tem se debatido por décadas com definições específicas para morte clínica, morte orgânica e morte cerebral. 

Nota e referências bibliográficas: 



[1] Disponível em < http://super.abril.com.br/ciencia/na-fronteira-da-morte > acesso no dia 21/05/2016
[2] É uma droga dissociativa usada para fins de anestesia, com efeito hipnótico e características analgésicas
[3] Kardec Allan. O Livro dos Espíritos, questão 374a, Rio de Janeiro: Ed. FEB 2001
[4] Idem questão 157
[5] Idem questão 407
[6] Idem questão 424

sexta-feira, 20 de maio de 2016

SEXISMO E ESPIRITISMO (Jorge Hessen)




Nicola Thorp, uma britânica de 27 anos, foi contratada em regime temporário na empresa PwC, e seus empregadores disseram que ela teria de usar sapatos com salto de "5 a 10 centímetros" de altura. Durante o período de estágio, Nicola se recusou a usar salto e reclamou que os funcionários masculinos não tinham obrigações equivalentes. Além do fator extenuante, é uma questão de sexismo, afirmou. Resultado: foi demitida. Thorp disse que a empresa deveria refletir melhor a sociedade moderna, pois hoje em dia as mulheres podem ser elegantes e formais e usar sapatos sem salto. Na opinião de Frances O'Grady, secretária-geral da União de Sindicatos da Grã-Bretanha, TUC, um código de vestimenta que exige saltos altos "cheira a sexismo”.[1]

O Sexismo é um neologismo oriundo do termo inglês sexism, que se refere ao conjunto de ações e ideias que privilegiam determinado gênero ou orientação sexual em detrimento de outro gênero (ou orientação sexual). De maneira geral, o termo é usado como exclusão ou rebaixamento do gênero feminino. Trata de uma posição que pode ser praticada tanto por homens quanto por mulheres, portanto, o sexismo está presente intragêneros tanto quanto intergêneros.

Para a Psicologia, o sexismo é um ideário, construído social, cultural e politicamente, em que um gênero ou orientação sexual tenta se sobrepor ao outro. Em relação ao preconceito contra mulheres, diferencia-se do machismo por ser mais consciente e pretensamente racionalizado, ao passo que o machismo é muitas vezes um comportamento de imitação social. 

O sexismo muitas vezes está ligado à misoginia, que por sua vez, sendo uma palavra que vem da junção de duas palavras gregas, miseó gyné (ódio e mulher, simultaneamente), se enquadra para designar o desprezo ou ódio pelo gênero feminino e pela feminilidade, ou seja, as características ligadas às mulheres. Está diretamente relacionada à violência contra a mulher, seja de forma física, verbal ou discriminatória, e possui como antônimo a filoginia que é o apreço e admiração pelas mulheres, e pode, em alguns casos, ser considerada como um preconceito benevolente.

É verdade! Há pessoas que promovem atitudes sexistas contra seu próprio gênero. A forma como a cultura age no imaginário coletivo permite que seja possível encontrar mulheres que defendam que "lugar de mulher é na cozinha", ou homens afirmando que "marido que não procura trabalho é vagabundo", assim como há mulheres e homens que se contrapõem a tais ideários, indistintamente. 

Apesar das discussões políticas, midiáticas e acadêmicas sobre igualdade de gênero travadas nas últimas décadas, muitas ideias sexistas ainda permeiam a cultura brasileira e explicam parte das diferenças sociais, econômicas, ocupacionais e comportamentais entre os gêneros.

Notemos as convenções das seguintes frases: “homem não chora, porém mulher é sentimento”; “homem é livre, porém mulher é dependente”; “homem é provedor, porém mulher é provida”; “homem é cérebro, razão, mas mulher é coração, emoção”; “homem é força, porém mulher é lágrima”; “homem é herói, contudo mulher é mártir”; “homem pensa, todavia mulher sonha”; ou frases mais poéticas como: “homem é oceano, porém mulher é lago”; “ homem é águia, e voa, mas mulher é rouxinol, e canta”; “ homem domina o espaço, contudo mulher conquista a alma”, “homem tem consciência, no entanto mulher tem esperança”.

Observemos nas frases acima que a poesia de Vitor Hugo está representada. Alcança-se que há aí profunda associação à masculinidade fincada ao poder, saber e força. E que tudo o que se refere à mulher assinala-se pela fraqueza, subordinação e inferioridade. Aparentemente, contrastes sexistas nesses moldes igualam homem e mulher, mas vistos com olhos críticos eles perpetram o desrespeito às diferenças, cravam a desigualdade entre os sexos e imprimem a injustiça nas relações entre homem e mulher.

A sociedade institui, regulariza e nutre papéis sociais identificados com os sexos e reveste as crianças nesse ideário como numa camisas-de-força. Estas não são abrigadas pelo que elas são, mas pelo que o adulto quer que elas sejam. Daí a prática sexista, desde a infância. Menino marcha com o pai, joga com o professor e associa-se a grupos de meninos. Menina vive com a mãe, brinca com a professora e convive com meninas. Menino é conquistador, menina é chorona. Menino pega peso, menina lava prato. Menino tem carrinho, menina ganha boneca. Bota é para menino, menina usa sandália. Brinco e cabelo comprido são para ela, eles usam cabelo curto e usam armas para brincar. Aí está: chegamos à raiz da violência, monopólio do homem, que vitimiza a ambos. [2]

Se programas de educação não sexista forem implementados na Terra, avançaremos muito para que as diferenças entre homem e mulher não se transformem em desigualdades e em injustiças. Os Benfeitores Espirituais, na época da Codificação, também denunciaram o sexismo, racismo, pena de morte, escravidão e qualquer outra forma de injustiça social e preconceito como sendo contrários às Leis Divinas, e recomendavam liberdade de pensamento, liberdade de consciência, igualdade de tolerância.

Observemos que Kardec arguiu os Espíritos se são iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos. Os Mentores afirmaram que Deus outorgou a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir. O Codificador persistiu com os seres do além sobre a origem da desqualificação moral da mulher em alguns países. Os Espíritos elucidaram que era do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito. [3]

Apostilando ainda sobre o tema, o Codificador questionou sobre a razão da mulher ser mais frágil que a do homem, e foi aclarado pelos Benfeitores que justificaram que tal situação é para determinar funções especiais. Para o homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; para a mulher, os trabalhos leves; para ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor. 

O professor lionês ainda cogitou se a fraqueza física da mulher a colocaria naturalmente sob a dependência do homem. Os Espíritos exemplificaram que Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o escravizarem. O Criador apropriou a organização de cada ser às funções que lhe cumpre desempenhar. Tendo dado à mulher menor força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior sensibilidade em relação com a delicadeza das funções maternais e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados. [4]

Ora, as funções a que a mulher é destinada pela Natureza tem importância tão grande quanto as deferidas ao homem, e maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida. Kardec garantiu que uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Os Espíritos reforçaram que para ser equitativa, a lei humana deve realmente consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher, porém não das funções. 

Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos. [5

Referências bibliográficas:

[1] Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/geral/2016/05/160512_salto_alto_polemica_fn acesso 15/05/2016
[2] Disponível em https://www.emaze.com/@ALWCTWI/Revolu%C3%A7%C3%A3o-Feminina acesso 16/05/2016
[3] Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, perg. 817 e 818
[4] Idem perg. 819 e 820

[5] Idem perg. 821 e 822

quinta-feira, 19 de maio de 2016

BREVÍSSIMA REFLEXÃO HISTÓRICAS SOBRE UM “ CRISTIANISMO” SEM JESUS (Jorge Hessen)




Jorge Hessen

Jesus Cristo nos trouxe uma mensagem de paz, de amor, de justiça e de tolerância; uma mensagem de caráter permanente; uma mensagem cujos postulados soergue e anima. A partir de Sua mensagem o deus parcial, rancoroso e vingativo que extravasava o delírio da sua cólera, passou a ser suplantado pelo Criador de infinita misericórdia, de justiça e de perdão. Porém, Sua mensagem, que exonerou dos altares o rancoroso deus Jeová, Senhor dos Exércitos, que punia inclusive os erros dos pais nos filhos durante muitas gerações, tempos depois, transformou-se num guante pesado. A História o demonstra.

No século XIII, ao Sul da França, nos arredores da cidade de Albi, propagava-se uma seita religiosa de origem eslava considerada herética pela Igreja romana. Seus adeptos eram alcunhados “albigenses” (naturais de Albi) ou mais propriamente, “cátaros” (termo grego que significa puros). Nesse contexto, o papa Gregório IX organizou um tribunal especificamente dedicado a tratar a heresia dos albigenses. Um dos movimentos que mais tinha certas ligações com os cátaros era a Ordem dos Templários, criado na Palestina nos rastros das cruzadas, e que representava uma associação militar de cunho religioso , oficialmente criada para proteger as peregrinações militar-religiosas e responsável pela guarda e câmbio de bens, mas igualmente aberta ao estudo e discussão de assuntos “místicos”. 

Entretanto, a Ordem de São Domingos foi convocada para dizimar os Cátaros e os dominicanos fizeram com que a ação desse famigerado tribunal se propagasse impiedosamente a todo mundo cristão. Sobretudo na Itália e na Espanha o tribunal tomou o conhecido nome do “Santo Ofício”, que se transformou numa instituição poderosíssima onde se distinguiram pela crueldade os inquisidores Torquemada e 

No episódio das cruzadas, em que milhões de "bravos soldados do Cristo", partindo da França, da Inglaterra, da Itália, da Espanha sob o comando de Urbano II, que propunha aos seus seguidores banharam-se no sangue dos "infiéis" (violadores dos lugares santos da Palestina). Movimento que esse que prenunciou a terrível Cruzada ulterior contra as Consciências – a abominável "Inquisitione". 

Os documentos históricos minutam suas bárbaras atrocidades: Giordano Bruno é queimado vivo em Roma no campo Fiore. Galileu teve que negar a tese heliocêntrica e torna-se um prisioneiro em seu próprio domicílio, Tommaso Campanella é ´perseguido durante 27 anos, sofre numa masmorra pelo terrível crime de querer pensar em LIBERDADE! João Huss foi condenado à fogueira por ter proposto trinta e nove questões religiosas que o Concílio de Constança julgou heréticas. Jerônimo de Praga, Vanini e Savanarola tiveram a mesma sorte que Huss. Muitos outros mártires mantiveram a luta pela emancipação do pensamento. Até que na Renascença bradou-se o grito de liberdade intelectual do homem. Essa aurora alvissareira ofuscava os monstros do obscurantismo e da tirania do cristianismo da época.

Tendo sedimentado seu total controle na Europa ocidental, a Igreja romana constituía-se em uma instituição poderosa econômica, política e militarmente. Constituía-se num gigantesco feudo, proprietária de dois terços das melhores terras produtivas da Europa e sua organização impunha uma violenta censura e controle material , espiritual e intelectual (ou crer ou morrer), submissão total à autoridade eclesiástica, etc. Em brutal e explícita oposição à boa convivência humanista dos primeiros cristãos, a Igreja de Roma punha-se com toda a violência que dispunha contra todos os que questionassem a legitimidade de tais empreendimentos brutais.

Enfim, difícil, dificílimo mesmo! É compreendermos esses fatos históricos do Cristianismo (sem Jesus), porquanto o Mestre galileu ensinou-nos o amor ao próximo, incluindo aí os inimigos; Convidou-nos a fazermos o bem aos que nos odeiam; A Orarmos pelos que nos perseguem e caluniam. Por tudo isso, asseguramos que a missão do Espiritismo, tanto quanto o ministério do legítimo Cristianismo (com Jesus), não será destruir as escolas de fé, até agora existentes.

O Messias de Nazaré acolheu a revelação de Moisés. A Doutrina dos Espíritos respeita os princípios fidedignos de todos os sistemas religiosos. Jesus respeitou os antigos Profetas. O Consolador Prometido não veio ao mundo para perseguir os pioneiros dessa ou daquela forma de crer em Deus, até porque, as cruzadas espíritas são peregrinações sublimes de paz, amor e caridade, sim! O Espiritismo é, acima de tudo, o processo libertador das consciências, a fim de que a visão do homem alcance horizontes amplos de luz.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

As Três Forças do Espiritismo

Sustenta-se a Doutrina Espírita em seu maior patrimônio, sua Filosofia. Ela “é, sem duvida, imperecível, porque repousa nas leis da Natureza e porque, melhor do que qualquer outra, corresponde às legítimas aspirações dos homens”, (1) atende a fé raciocinada, e impõe-se durante décadas à sociedade mundial, qual afirma Allan Kardec: fé inabalável só é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade” (2) Contudo, conta ainda o Espiritismo com mais duas forças, as Inteligências Espirituais, os Espíritos que propagam os princípios da terceira revelação com a participação de médiuns e, os Espíritas, voluntários participantes da seara. 

Não acolhendo assalariados em suas fileiras, utiliza-se de seus adeptos nos trabalhos de sua organização atuando como; presidentes, secretários, tesoureiros, e na sua divulgação como; escritores, expositores, evangelizadores, médiuns, etc. No entanto, incorrem na observação contida nos Evangelhos de Jesus: “A seara na verdade é grande, mas os trabalhadores são poucos” (3)

Daí o apelo: (...) “Ó verdadeiros adeptos do Espiritismo!.. (...) Ide e pregai a palavra divina. É chegada a hora em que deveis sacrificar à sua propagação os vossos hábitos, os vossos trabalhos, as vossas ocupações fúteis. Ide e pregai. Convosco estão os Espíritos elevados. (...) Faz-se mister regueis com os vossos suores o terreno onde tendes de semear, porquanto ele não frutificará e não produzirá senão sob os reiterados golpes da enxada e da charrua evangélicas. Ide e pregai!”(...) (4) 

Porém, para facilitar que mais adeptos se interessem por trabalhar na obra, faz-se necessário tomar duas providências; que freqüentadores busquem maior aproximação à casa, e que os seus dirigentes abram mais espaços mais oportunidades à participação, ao cooperativismo. 

Assim, a exemplo das famílias onde pais, mães, avôs avós, mostram o segredo das suas profissões, às suas futuras gerações, seria interessante que os dirigentes convidassem freqüentadores da instituição para participarem dos movimentos comuns como; abrir a Instituição, ajudar na sua limpeza, nas pequenas reformas, presidir reuniões doutrinárias, etc., lembrando, todavia, que os convites sejam feitos pessoalmente, pois, os apelos de público caem no vazio!.. 

Importante ainda, que os diretores, mesmo no direito de suas decisões, se aconselhassem antes, com demais companheiros. Nesta hora, além de estarem buscando seguro proceder, estariam trazendo os consultados aos interesses da Instituição, envolvendo-os. Nada, porém, que lhes tirassem o direito soberano de decidir. Não é nos aconselhamentos entre marido e mulher, filhos, que se procuram os interesses da família? No Espiritismo tudo deveria acontecer como em família!.. 

Servem, portanto, ao Espiritismo três forças. 1º: Sua filosofia. 2º: Espíritos, seres inteligentes da criação, os que divulgam ensinamentos à sociedade, e 3º: Os seus trabalhadores, os que o mantêm e o divulgam. 

A estes últimos se dirige o Espírito de Verdade: “Aproxima-se o tempo em que se cumprirão as coisas anunciadas para a transformação da Humanidade. Ditosos serão os que houverem trabalhado no campo do Senhor, com desinteresse e sem outro móvel, senão a caridade! (...) Ditosos os que hajam dito a seus irmãos: “Trabalhemos juntos e unamos os nossos esforços, a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra” (...) (5) 

Portanto, estando a terceira força comprometida com a causa Espírita, saudemo-la, e aproveitemos as oportunidades de trabalho que a seara nos oferece!..

(1) – O.P. - Pág. 346
(2) – E.s.E. – Cap. XIX, 7
(3) – Mateus, 9, 37 
(4) – E.s.E. – Cap. XX, 4
(5) -- E.s.E. -- Cap. XX. 


Cachoeiro de Itapemirim, ES.
Domingos Cocco
E-mail: domingoscocco1931@yahoo.com.br 
Rua Neca Bongosto n°06 – Bairro Sumaré CEP 29304-590 - Tel. (028) 3522-4053
Cachoeiro de Itapemirm – Estado do Espírito Santo

segunda-feira, 16 de maio de 2016

JESUS E AS MÁSCARAS

Margarida Azevedo
Sintra/Portugal



            A máscara é um dos pilares mais incisivos da cultura. É uma amostra de algo a que chamamos identidade, cujo mecanismo assenta em dois pilares, a saber, o gesto e  a palavra. Estes necesssitam de uma componente bem estruturada, o corpo, o qual é responsável pelos  elementos mecãnicos sem os quais ela não seria possível, como por exemplo, a voz, os braços, …

Para além deste aspecto, que é biológio, há outros, plásticos, com aspectos e funções bem definidos. Estes, mais que alterar o aspecto do rosto e do corpo,  constroem um vasto e complexo processo de transformação, resultante da estranha necessidade de mostrar outra figura, figura essa que conduz a um desapossar-se de si,  impondo-se com uma linguagem própria e portadora de uma mensagem. Ela  abrange todos os aspectos da vida: políticos, sociológicos, as crenças e a fé… a partir de duas coordenadas que não definimos, a saber, o espaço e o tempo. Assim, a máscara pode aludir a um tempo e a um espaço imaginários, por exemplo, “Era uma vez um arlequim num palácio de cristal …”; a um tempo e a um espaço reais, por exemplo, “Quando era criança, a minha avó contava-me muitas histórias do tempo em que era jovem.”

            Essas histórias, sagradas ou profanas, desenvolvem a curiosidade de experimentar  a vivência dos seus heróis numa simbiose em que o herói da história torna-se parte do ouvinte e este dele. Este processo de fusão advém, não apenass de um mecanismo psicológico que permite identificar-se com o herói, mas, e muito mais, por não ser possível viver sem imitar; Aristóteles afirmou, na Poética que o homem é o mais imitador de todos os animais. Mas também somos os mimos dos nossos heróis, e estes são uma criação fantasiosa e imaginária da necesssidade de criarmos gente, diferente de nós no tempo e no espaço. Desta forma, e por muito estranho que nos pareça, esta verdadeira alucinação é um estado criativo que torna a vida suportável, uma vez que a realidade é causadora de desconforto. Dito de outro modo, a realidade plástica torna sofrível o desconforto de uma vivência infeliz; precisamos de arlequins, de palácios de cristal e de chocolate, palhaços, pierrots.

De igual modo, e com a mesma intensidade, precisamos de imitar os profetas, idealizá-los, construí-los ou adaptá-los às nossas necessidades. Desde sempre os fiéis se vestiram a rigor para os seus ritos. Trajar um fato de penas, de peles, enfeitar-se com ossos ou dentes de animais tem feito parte do imaginário religioso, assim como vestir-se como o santo da devoção para lhe agradar e pedir benesses. Daí o folclore e o religioso serem manifestações de uma mesma realidade. O milagroso, por exemplo, está vinculado a grandes e intensas manifestações da máscara. O que é a cura milagrosa de um leproso? Uma transformação radical, a passagem de um aspecto, que se não quer, para outro mais saudável e vigoroso, permitindo a integração social. A partir da cura surgem os ritos de adoração com a sua poesia, a dança, o traje.                

Os cristãos, particularmente, estão vinculados ao milagroso nos feitos de Jesus junto dos doentes, as curas, quer nas alterações súbitas e radicais da natureza, como no acalmar da tempestade, a pesca milagrosa ou a multiplicação dos pães e dos peixes; além destes, temos as transformações muito exuberantes do aspecto de Jesus, tal como é descrito, por exemplo, no episódio da montanha (Mt 17:1-9; Mc 9: 2-8; 9:13; Lc 9:28-36): Seis dias após uma pregação (Mt; Mc), ou mais ou menos oito (Lc),  Jesus sobe a uma montanha onde foi transfigurado (Mt; Mc), ou foi orar (Lc). Os textos não dizem se Jesus tinha como objectivo transfigurar-se, mas sabemos que o episódio foi de grande recolhimento e intensidade mística, de tal forma que os apóstolos, Pedro, e os irmãos Tiago e João, não percebendo o que estava a acontecer, ficaram cheios de medo; Pedro propôs que montassem três tendas, uma para Jesus, outra para Moisés e outra para Elias, mas mantendo-se assustado; como os identificaram, os textos não dizem, parece que estavam tão reais como Jesus.

Pergunta-se: Porquê esta deslocação a uma alta montanha? Porquê a transfiguração? Em Lucas, o episódio está enquadrado numa oração, não nos restantes. O que não deixa dúvidas é que a transfiguração aconteceu para identificar Jesus como Filho muito amado de Deus; parece que o ensino, a pregação às multidões, não seriam suficientemente arrebatadores para uma tal revelação; o acontecimento é reforçado pelo surgir de uma voz identificadora que sai de uma nuvem, cuja sombra incide sobre eles,  envolvendo a própria revelação em mistério.

Seguidamente, em Mateus e Marcos, Moisés e Elias limitam-se a desaparecer logo após a revelação; em Lucas é acrescentado que os apóstolos não contaram a ninguém, “…,naqueles dias,…”. Fica, residualmente, a grande questão da mudança de aspecto, por parte de Jesus, que, ao que parece, foi o único a passar por alterações significativas do seu aspecto. Esta máscara mística, que não anula a figura terrena, uma vez que os apóstolos nem por um momento perderam a noção de que Jesus era efectivamente Jesus,  ficaram aquém de perceber o fenómeno da identidade de Jesus, que foi o que realmente aconteceu. Para nós, a transfiguração associada a uma tão grande revelação pretende mostrar que não estamos fatalmente ligados a um aspecto, que pode surgir um momento desvinculador com outro discurso. Na transfiguração de Jesus, a grande verdade sobre a sua verdadeira natureza, saída de uma voz, impõe uma verdade arrebatadora. Quantas vezes o popular alude a momentos similares, em que a máscara cai por terra e novas realidades se lhe sobrepõem? A nossa dificuldade está em descodificar esses momenos, cuja consciência dos mesmos vem, geralmente, a posteriori.  Curiosamente,  o evangelho de João, o único que alarga a genealogia de Jesus para lá do mundo carnal, o Verbo, não contém este episódio. É caso para perguntar: Porquê? No entanto, ele é de tal modo importante que Tomás de Aquino classifica-o, ao que parece, como o maior dos milagres.

Vejamos os episódios da ressurreição: Maria Madalena viu Jesus ao pé do túmulo e não o reconheceu (Jo 20:14-16), assim como dois, que iam de Jerusalém para um povoado, Emaús, também não o reconheceram (Lc 24:13-17); aparece aos apóstolos e é confundido com um espírito, e viu-se obrigado a pedir que lhe tocassem para verificarem que era ele mesmo em carne e osso, mostrando-lhes ainda as mãos e os pés (Lc 36: 41-42). Em Marcos 16: 9, aparece primeiro a Maria Madalena, de quem tinha expulsado sete demónios, e depois, “noutra forma”, (porquê?), a mais duas pessoas (Mc 16: 12-13) que não creram;  por seu lado, os apóstolos não acreditaram nas afirmações dos que diziam que o tinham visto; por fim, apareceu aos Onze e, quando estavam à mesa, censurou-lhes a incredulidade. Em Mateus 28:16-17, não há um irreconhecimento total, mas a incerteza por parte de alguns. Em João 20: 19-20“…mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria por verem que era o Senhor.”, Jesus,  porém, mais à frente, acrescenta:”Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram.”.

A singularidade destes episódios reside no facto de que é o próprio profeta que se transforma; é ele quem impõe o processo vinculativo da máscara a etapas decisivas de forma a, por meio das diferentes apresentações, testar a fé. A máscara impõe-se ainda, e consequentemente, como factor identitário de uma duplicidade existencial: Jesus é o mesmo (nos gestos e nas palavras, no modo do partir do pão), o que é  muito pouco, porém outro, aquele que transporta consigo a esperança e a certeza de uma sobrevivência para além da morte. Quanto ao não reconhecimento, ele é basicamente incredulidade.

Perante o facto de não reconhecerem o mestre, com quem conviveram tão de perto, com quem comeram à mesma mesa, assistiram a curas, pregações, enfim, várias questões se impõem: O que mudou, efectivamente, no aspecto de Jesus? Porque não lhe bastou dizer quem era? O que é que significa, perante a nova apresentação, não ver, mas crer? Parecce que houve uma desmemorização, que coincide com o surgir de outra figura, isto é, uma alteridade. Em Mateus, há uma incerteza, por parte de alguns, mas, quanto aos outros, identificaram ou não Jesus? Sabemos que não há um irreconhecimento total, o que significa que há um reconhecimento incerto.

Assim, a que fé aludiam os apóstolos? À de Jesus pregador, baseada nas palavras e nos gestos. Ainda não tinham assumido a nova forma de fé,  a da ressurreição.

 Toda a fé carece de um suporte identitário, o que está sempre dependente de uma noção de mundo, circunscrito ao gesto e à palavra. A resssurreição é o testemunho da mudança radical entre esse mundo, que nós desenhamos, e um outro que não definimos, mas agora por ela revelado e que significa vida eterna. É facto que desconhecemos a natureza da nossa mesma humanidade, vinculada a processos transformativos radicais, mas podemos avançar, ainda que timidamente, que algo se revela e que  podemos defini-lo como o humano que sobrevive. É isso. Somos sobreviventes às castástrofes próprias da nossa existência. E fazemo-lo como? Através da mitica realidade plástica, mimando  esses episódios. Certeza, só a de  sabermos que temos que mudar, imperetrivelmente, o que já não é pouco

sexta-feira, 13 de maio de 2016

MORTE, UM TEMA QUE AINDA GOLPEIA ANSEIOS E AFLIGE SENTIMENTOS (Jorge Hessen)



Jorge Hessen

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O homem contemporâneo, que investiga desde o micro ao macrocosmo, cambaleia ante os vestíbulos da sepultura com a mesma amargura dos egípcios, dos gregos e dos romanos de épocas recuadas. Os milênios que arrasaram civilizações e refundiram povos não transformaram a emblemática expressão do túmulo. Infinito ponto de interrogação, a morte continua ferindo sentimentos e torturando inteligências. O homem tem sentido perturbação e temor perante a expectativa da desencarnação. E esse receio tem sido alimentado por uma mistura de falsos conceitos religiosos, senso comum e crenças pessoais arraigadas.

O problema do medo da morte é que ele pode impedir que se tenha encanto na vida e minar a confiança de que a vida tenha maior significado. As religiões textualistas são especialmente responsáveis por  gerar uma série de fobias e mitos a respeito da inevitável viagem ao túmulo. A má formação religiosa tem deixado muitas pessoas confusas a respeito da situação dos mortos no além-tumba. Os destinos, que incluem o céu, inferno, purgatório, limbo, vão desde o misterioso até o absolutamente assombrador. Por outro lado, a obra Death -The Final Stage of Growth afiança que a morte é uma parte integrante da nossa vida. É normal, é o fim natural de todos os organismos vivos. Tal crença materialista, por sua vez, tem fomentado uma filosofia niilista e o comportamento pessimista.

Há pessoas que sofrem de tanatofobia (receio mórbido da morte). Psicólogos têm examinado os efeitos mentais e sociais causados por pensar na morte. Segundo alguns, pensar na morte nos torna mais nacionalistas, mais preconceituosos e reforça atitudes igrejeiras ou inconscientemente religiosas, bem como afetam as crenças políticas. Narram que a morte nos deixa mais punitivos e conservadores. A lembrança da morte alimenta o desejo por fama comumente associado a uma imortalidade simbólica, daí a busca pela imortalidade nas tais academias de letras.

Será que pensar mais na morte pode nos tornar mais punitivos e preconceituosos? Talvez n’alguns tais efeitos possam ocorrer justamente porque estejam desacostumados a pensar e falar sobre a morte. Entendemos que pensar diariamente sobre a inexorável lei da desencarnação pode nos tornar mais sóbrios diante dos desafios do dia-a-dia. Reconhecemos além disso que o viver tentando ocultar na consciência a futura desencarnação demonstra uma evidente pusilanimidade diante dos necessários obstáculos da reencarnação.

O problema do medo da morte é que ele pode impedir que tenhamos liberdade e prazer de viver. Daí o conforto que a Doutrina Espírita nos traz, ao instruir sobre a vida do espírito aqui e no além. Somos espíritos eternos, nossa vida não principia nem termina em uma única existência. Da mesma forma, as legítimas afeições são para sempre. As afeições não morrem com a desintegração do corpo físico. Os sentimentos não pertencem ao corpo, mas ao espírito, e os transportamos conosco. A morte apenas dilata as concepções e nos aclara a introspecção, iluminando-nos o senso moral, sem resolver, obviamente, de maneira absoluta, os problemas que o Universo nos propõe a cada passo, com os seus espetáculos de grandeza.

A desencarnação é a única regra para a qual não há exceção. Todos pereceremos, portanto não há como iludirmos o pensamento tentando camuflar esse impositivo da natureza. Em face disso, permitamos que o pensamento sobre a “morte” componha de forma ininterrupta e serena nossos estados mentais, reflexão sem a qual estaremos desaparelhados para a desencarnação ou até despreparados para enfrentar com resignação a “morte” dos nossos entes queridos.

A “morte” física não é o extermínio das aspirações e anseios no bem, porém o ingresso para a existência autêntica, para a vida real. Sim! A existência física é ilusória, fugaz, transitória demais. A separação do corpo pela “morte” não é uma anomalia da natureza; simplesmente transfere-se da dimensão física para o ambiente espiritual. Todavia, efetivamente importa refletir que “morrer” (término da vida biológica) e desencarnar (desligamento do perispírito) são fenômenos que nem sempre acontecem simultaneamente. Os intervalos de tempo para desligar-se do corpo variam para cada Espírito. Para uns podem ser mais demorado, para outros podem ser passagens ligeiras.

Nossas ações tecem asas de libertação ou grilhetas de cativeiro, para a nossa vitória ou nossa perda. A maior surpresa da morte física é a de nos colocar face a face com própria consciência, onde edificamos o céu, estacionamos no purgatório ou nos precipitamos no abismo infernal. Nesse sentido, a ninguém devemos o destino senão a nós próprios.

O intervalo de tempo entre a “morte” biológica e a desencarnação tem relação direta com os pensamentos e ações praticados enquanto encarnados. Ninguém topará com o “céu” ou o “inferno” do lado de “lá”, porquanto o “empíreo” e a “geena” são conteúdos mentais construídos aqui no plano físico. Após o fenômeno da desencarnação, cada Espírito irá deparar com o cárcere ou a liberdade de consciência a que faz merecer como fruto do desleixo ou disciplina mental que cultivou durante a experiência física.

São indescritíveis flagelações no além, que vão da inconsciência descontínua à loucura completa, senhoreiam as mentes torturadas, por tempo variável, conforme as atenuantes e agravantes da culpa, induzindo as autoridades superiores a interna-las no plano físico (reencarnação), quais enfermos graves, em celas físicas de breve duração, para que se reabilitem, gradativamente, com a justa cooperação dos Espíritos reencarnados, cujos débitos com eles se afinem. Os endividados que se afundaram nos excessos, nas viciações, nos prazeres mundanos, cunham intensas impressões e vínculos magnéticos na matéria, e unicamente alcançarão a liberação desses laços após um intervalo de tempo muito longo. Lembrando que mesmo após a ruptura dos embaraços magnéticos, que o algemavam à vida física, padecerá no além, por tempo indefinido, os tormentos disseminados nas vias de suas experiências no mal (eis aí a símbolo do inferno).

Já os que vivem com mais dedicação às coisas do Espírito, esses encontram maiores elementos de paz e felicidade no futuro. Todos os que alcançaram aproveitar a encarnação sem viciações e apegos, os que cumpriram a lei de amor, adquirem laços magnéticos menos densos prendendo o Espírito ao corpo. Nesse caso, a desencarnação será rápida, proporcionando adequada liberdade, até mesmo antes de sua consumação. Para os que sofreram mais, em razão da sua renúncia aos apelos da vida mundana, a morte é um remanso de tranquilidade e de esperança. Encontrarão no além a paz ambicionada nos seus dias de lágrimas torturantes (eis aí a metáfora do céu).

quarta-feira, 4 de maio de 2016

MOLÉSTIA MENTAL EXPLICADA SOB O PONTO DE VISTA ESPÍRITA (Jorge Hessen)


Jorge Hessen

A jovem britânica Sara Green tinha um amplo histórico de problemas de saúde mental desde os 11 anos de idade. Ela gostava de escrever em seu diário, relatando as dificuldades que enfrentava no dia a dia. Aos 17 anos de idade, foi internada numa clínica psiquiátrica na Inglaterra para tratamento, mas acabou suicidando-se por automutilação, numa das unidades de tratamento especial.

Antes de ser internada, Sara foi vítima de bullying no colégio. Em face disso, se autoflagelava para tentar aliviar sua consternação. Cria que os colegas não a aceitavam na escola, que a odiavam pelo que era, mas expunha que não se gostava também. Green não conseguia entender como se deixou ser afetada nesse nível de anulação da autoestima.

Enquanto esteve internada, as automutilações se agravaram. O caso de Sara não é único. Serviços de saúde mental, seja no Reino Unido ou em outros países, têm demonstrado falhas ao lidar com crianças e adolescentes portadoras de distúrbios mentais. Segundo a ONG Inquest, somente na Inglaterra, desde 2010 nove jovens morreram durante internações em clínicas de tratamento psiquiátrico.

Não trataremos as eventuais falhas da clínica inglesa. Explanaremos rapidamente sobre os transtornos, as automutilações ou autolesões. Tais ocorrências são associadas a um distúrbio psicológico conhecido como Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), classificada pelo psicanalista Adolph Ster como uma patologia entre a neurose e psicose que gera uma disfunção no metabolismo cerebral, desintegrando o ego e gerando um sentimento de perda desesperador.

A literatura específica anota que os sintomas (TPB) costumam surgir durante a adolescência, permanecendo por aproximadamente uma década na maioria dos casos. As pessoas acometidas desse transtorno sentem uma necessidade enorme de autopunição pelos insucessos e frustrações pessoais na vida cotidiana. Os pesquisadores acreditam que pode ter origem genética também associada a fatores traumáticos durante a infância ou adolescência, como possíveis abusos sexuais, negligências, separações e orfandade.

A pessoa acometida do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) sente alívio emocional cada vez que se machuca. Entre os frequentes ferimentos associados estão: esmurrar-se, chicotear-se, enforcar-se por alguns instantes, morder-se, apertar ou reabrir feridas, arrancar os cabelos, queimar-se, furar-se propositalmente com objetos pontiagudos, beliscar-se, ingerir agentes corrosivos e objetos, envenenar-se por overdose de remédios ou produtos químicos (sem intenção de suicídio), bater com a cabeça na parede, esmurrar superfícies duras.

O fato é que a ciência clássica não alcança elucidar suficientemente as razoáveis causas dos distúrbios psicológicos e mentais. A psiquiatria se mantém aprisionada aos limites do cérebro, fonte que, como nós espiritas sabemos, não é a raiz essencial das patologias mentais, mas tão somente a exteriorização do efeito da enfermidade.

Gostem ou não, aceitem ou não, em verdade, o Espiritismo abalou as estruturas da ciência mecanicista vigente e trouxe uma insurreição no campo das idéias materialistas, inovando as considerações religiosas e científicas. A ideia da existência de um ente extra físico (Espírito) pôde elucidar a origem de muitos enigmas patológicos da psiquê.

Nesse sentido, o Espiritismo avança muito mais ao debater e analisar racionalmente a Lei da reencarnação, explicando a questão dos vínculos de causas atuais e passadas das doenças. A Lei de causa e efeito amplia o debate e auxilia a compreender, por exemplo, que a vida presente é reflexo do que temos sido até hoje, incluindo aí as nossas experiências pretéritas (reencarnações anteriores).

Os atuais quadros psicopatológicos devem ser analisados sob esse prisma (causa e efeito), como reflexo dos distúrbios morais de vidas anteriores, considerando sua manifestação de uma forma invariavelmente dramática, trazendo sofrimento tanto para o doente como para a família; daí concluir-se que realmente signifique repercussão de desvios éticos das existências pregressas.

A partir do momento da concessão da reencarnação com todas as fases, durante e após a concepção, o reencarnante imprime as suas necessidades e heranças genéticas nas moléculas de DNA do novo corpo físico, comprometendo ou até mesmo potencializando as funções dos neurotransmissores cerebrais. As experiências de vidas anteriores do Espírito, portanto, são os legados trazidos e construídos por si mesmo, plasmando-se-lhe o fadário. Se houver sincero desejo de redimir-se das faltas, o mecanismo da Lei de causa e efeito aplica-lhe o abrandamento correspondente aos ecos dos deslizes morais que lhe pesam na economia moral.

Isso equivale a assegurar que o gérmen da doença mental já estava registrado no perispírito do reencarnante. Da neurose mais simples, passando pela demência, histeria, ansiedade mórbida, esquizofrenia, a gênese é sempre espiritual. Destacando no debate que a doença mental é expiação ou prova também para os pais que podem ter sido coadjuvantes das culpas desses doentes.

Compreendemos que a cura integral dos quadros psicopatológicos é muito difícil porque consta do plano reencarnatório do Espírito, mas a dor, tanto do doente quanto da família, pode ser suavizada se houver em mente nos envolvidos no drama a certeza de que Deus não coloca fardos pesados em ombros frágeis.

Sob o ponto de vista espírita, a terapêutica no tratamento das tragédias psicopatológicas (obsessivas ou não) é essencialmente preventiva, pois o Espiritismo sugere a resignação ante às vicissitudes da vida que poderiam causar o acirramento ou a atenuação da doença. O autoconhecimento, a busca constante da reforma íntima e a transformação pessoal de cada envolvido constituem meios eficazes de manter a saúde psíquica de todos, já que qualquer um de nós pode ser doente em potencial.

Se atinarmos para a vida eterna, notaremos que sofremos hoje tão somente uma fase diminuta e transitória da existência. Urge reconhecer, por isso mesmo, que a cruz que transportamos, embora possa parecer excessivamente pesada, pode ser perfeitamente carregada se mantivermos a força moral e confiança na Providência Divina, e todo esforço será recompensado consoante estabelece os Estatutos do Criador, em cujos códigos jamais haverão espaços para dispositivos injustos.