|
Vladimir Alexei |
Vladimir Alexei
Belo Horizonte das Minas Gerais,
20 de junho de 2019.
Houve uma época em que a preocupação na divulgação espírita era apenas em relação ao seu conteúdo doutrinário. Por isso as críticas ferozes, e os “ataques” à Federação Espírita Brasileira eram muito comuns. Aquela instituição representava um modelo recalcitrante de publicações equivocadas e que distorciam as bases doutrinárias trazidas por Allan Kardec, não obstante o seu belíssimo trabalho secular de divulgação de autores clássicos e outras obras relevantes de cunho doutrinário.
Com a perda da hegemonia, o crescimento e a popularização do Espiritismo pela internet e demais meios de comunicação, a Federação viu seu prestígio esmaecer e se mantém como um Vaticano dos espíritas, cheia de idosos que se perpetuam – ou trocam entre si –, nos cargos daquela instituição falida doutrinariamente.
O salto na propagação do Espiritismo pelas mídias sociais, televisão e cinema, no início representou um grande avanço. Era possível perceber evangélicos e católicos ligados às novelas repletas de mensagens espiritualistas, ainda que, nessa parte, o dogma de cada religião falasse mais alto.
Essa mistura entre o Espiritualismo e o Espiritismo, ganhou contornos perigosos e excludentes. Perigosos porque o grande público não está preocupado em distinguir e saber o que é espírita e o que é espiritualista. Funciona como um modismo: acender incenso, fazer o sinal da cruz e aplicar passe, como se tudo fosse um processo “doutrinário”. Excludente porque aqueles que aprenderam de forma diferente não se sentem impelidos a participar dessa massificação.
Com isso, percebe-se que as bases, os fundamentos da Doutrina Espírita deixaram de ser importantes. Os princípios fundamentais sob os quais erigiu-se o edifício doutrinário vem sendo lapidados, em suas bases, a partir de veiculações sem o menor vestígio de coerência, estudo ou preocupação com o que realmente fala a doutrina espírita, a começar pela “reencarnação”.
Espíritas até bem-intencionados, debruçam-se e se autodenominam “pesquisadores” (com métodos bastante questionáveis, diga-se de passagem) sobre a reencarnação, com citações extensas de entrevistas, depoimentos, memórias e reflexões subjetivas, carentes de subsídios para melhor fundamentação de algumas hipóteses. Outros valem-se de décadas com atuação no movimento espírita, livros muito bem escritos (mas nada doutrinários), com prestígio midiático, para se arvorarem donos da verdade sobre a reencarnação.
A preocupação dos pesquisadores clássicos com relação a reencarnação era a de não se “fechar questão” pela fragilidade das evidências utilizadas. O maior estudioso sobre a reencarnação, no Brasil, foi o engenheiro Hernani Guimarães Andrade, correspondente direto do pesquisador canadense Ian Stevenson, que desenvolveu trabalhos que sugerem reencarnação. Por que “sugerem”? Por cuidado em relação ao método de apuração e verificação dos resultados em tema tão complexo. Sugere reencarnação porque aquilo que os estudiosos reuniram, pode induzir a que haja profundas semelhanças entre reencarnações de um mesmo espírito.
Obras muito bem escritas, como do exímio pesquisador e excelente divulgador, Hermínio C. Miranda, sugerem reencarnações que foram construídas a partir de estudos, busca de semelhanças, mas que não podem ser estudadas como se fosse uma verdade absoluta. É o caso de “As marcas do Cristo”, obra em dois volumes que sugere ser Lutero a reencarnação de Paulo de Tarso. Não é, e nunca foi unanimidade entre os espíritas. O que não diminui o esforço do autor, pela pesquisa, pela fundamentação e coerência dos seus apontamentos! São volumes excelentes para serem lidos e refletidos. Porém, mesmo assim, não é unanimidade. O que denota o respeito ao pesquisador é o respeito que o pesquisador possuia em tudo que era doutrinário, ou seja, ao pesquisar, o autor citado sempre foi muito respeitoso em relação aos fundamentos doutrinários e sua ousadia é respeitada porque ele assim sempre se postou diante da doutrina e de seus leitores.
Uma série de eventos correlacionados entre as características de uma pessoa, relatos, fotografias, filmagens, pinturas, esculturas, etc., eram profundamente analisados levando em consideração a fragilidade dessas correlações, ainda que o pesquisador evidenciasse, descritivamente, quais métodos haviam sido utilizados.
Na atualidade, esse “pudor científico” deixou de existir.
No ano de 2019 uma série de informações veiculadas pelas redes sociais (facebook, twitter e instagram), davam contas de que Emmanuel havia reencarnado na figura do Sérgio Moro, Juiz de Direito, por profissão, ocupando o cargo de Ministro da Justiça.
Quem já leu as obras do Emmanuel e tem um mínimo de noção do perfil psicológico daquele Espírito, talvez não ousasse afirmar isto. Dificilmente um Espírito com aquela “folha corrida” se prestaria a atuar na ribalta dos encarnados, para chamar a atenção publicamente com comportamentos duvidosos, na aplicação profissional. Emmanuel sempre foi muito sério, mesmo para aqueles que não aceitam ou não gostam do seu estilo. Nesse caso, não estamos avaliando a obra, se possui erros doutrinários ou não e sim a figura, o espírito, já que falamos sobre reencarnação.
Por outro lado, em uma reportagem da revista Carta Capital, o autor de um artigo francamente incomodado com a “direita espírita” – que é uma massa de manobra exemplar, com direito a palestras no Senado Federal defendendo a democracia, lisura e o combate a corrupção, como faziam os fariseus da época do Cristo –, teve a audácia de colocar, na mesma frase, um repórter americano, Glenn Edward e o Espírito da Verdade, como se fosse o Glenn um emissário do Espírito da Verdade, citando frase do Espírito da Verdade para ilustrar. A divulgação dos tais diálogos foi muito importante porque reforça aquilo que Allan Kardec perguntou aos Espíritos Superiores na questão 625 de O Livro dos Espíritos: Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para servir de modelo e guia? "Jesus". Ou seja, todos nós reencarnados, estamos em um processo de crescimento espiritual, não merecendo o status de "modelo" ou de "guia" de ninguém. Quem elege outro, que não seja o Cristo, está fadado a dissabores e frustrações ou a ilusões prolongadas por ser obrigado a manter seu pensamento e posicionamento motivados pelo orgulho.
Diante desse cenário turbulento, obsessivo, hipócrita e preocupante, talvez fosse o momento do espírita se recolher e repensar suas atuações na mídia, na imprensa e nas redes sociais. Falamos muito sobre o espiritismo, mas a prática, a vivência tem sido sofrida.
A sede por notoriedade e por aparecer na mídia tem sido tão grande que os espetáculos de aberrações são recursos usados por espíritas para chamarem a atenção para aquilo que fazem. Querem “chocar”. Quando conseguem a atenção das pessoas abrem a caixa de pandora...
Mais do que compreender o que fala a doutrina espírita, é necessário colocar em prática aquilo que aprendemos. Menos emissões pessoais e mais reflexões doutrinárias. Menos egoísmo e mais altruísmo ante as diferenças. Mais fraternidade para com os pensamentos diferentes e menos rótulos. Percebe-se um retrocesso na fraternidade (é subjetivo, sem dúvida!).
Tanto a direita, quanto a esquerda possuem méritos e deméritos. Ambos possuem argumentos para discussões intermináveis, que elevam o estresse de cada um, como se os deixasse a “beira de um ataque de nervos”. Com qual objetivo? “Vencer um debate”? Mostrar que possui mais argumentos? Mostrar quem está mais certo e o outro mais errado? "Mostrar o que os espíritos disseram", como se Espírito Superior fosse papagaio de pirata, sempre a disposição desses médiuns? Para o que? Qual objetivo? Estimular o egoísmo?
Que essa adolescência tardia acabe logo e os debates evoluam para questões mais importantes como a redução das distâncias sociais, o volume absurdo de pessoas abaixo do nível de pobreza, miséria e o desperdício.