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domingo, 31 de maio de 2015

O LUTO QUE NINGUÉM VÊ


Margarida Azevedo
Frequentou Universidade Nova de Lisboa
Mora em Sintra



A perda de alguém é sempre uma dor que cai bem fundo e que não se explica. Sabemos que vamos morrer, sabemos que os entes queridos, um dia, partirão também. Espera-nos, portanto, alguma solidão, alguma saudade; aguarda-nos uma tristeza que pode ter repercussões inesperadas, imprevistas.
Por outras palavras, vivemos a permanente impotência contra a dor sentimental quando a morte arrebata, gloriosa, aquele ou aquela que nós pensamos que ela não tnha o diretio de levar. É a sensação de furto, uma invasão sem pudor, o ridicularizar de lutas e labutas na ânsia de uma vida com mais sentido.
No entanto, por uma razão qualquer, um fundamento que espelha a nossa deshumanidade, e não mais que isso, não lamentamos a morte daqueles que rotulamos de ignóbeis, aberrações frívolas do humano, “os que envergonham a nossa espécie!”, diz-se.
Há os que merecem morrer, porque há os que não deviam ter nascido, os que estão a mais. E há os que felizmente morrem antes de nascer. Os abortados que viriam a dar grande trabalho aos progenitores, com as suas deficiências, as malformações. “Ah! Ainda bem que Deus se lembrou deles a tempo. Grande felicidade.”, diz-se também.
Tudo se passa como se viéssemos a um mundo que nos promete a imunidade à dor, que nos dota de poderes decisivos e selectivos, de tal forma que nos dá carta branca para seleccionarmos quem deve morrer, quem deve nascer, que mortos devemos chorar.
Os vivos têm-se por favorecidos ou privilegiados, os escolhidos de uma selecção rigorosa, apesar da mistura de caracteres tão diferenciados. Não importa.
A frieza da sociedade cria excedentários e limita a dor da morte aos que julga merecerem-na. Que dirão os casais, que planearam um filho, que fizeram projectos para a sua vida, planos de educação, enfim, os cuidados que pais dedicados têm para com os filhos, e vêm o seu filho morrer ao terceiro ou quarto mês de gestação!? Que pensarão os pais dos que morreram em prisões, quantos na esperança na modificação do(a) seu/sua filho(a), e cuja tristza, o vazio, aquele abraço que se esperava acontecer impregnado de arrependimento, aquele abraço que morreu nas paredes frias e impesssoais da prisão e que jamais saíu de lá…
Tudo tem direito ao luto, porque tudo tem uma identidade; tudo acontece em comunidade, tudo é parte integrante do mesmo, responsabilidade do colectivo. São as famílias que choram em silêncio, ou na vergonha, ou na solidão, choram o desepero, a falta de amor, a indiferença; choram o seu não direito à dor, à perda, ao direito de dizer que amaram perdidamente aquele que não chegou a vir totalmente ao mundo, aquele que, embora nele, se recusou, por razões perdidas nos mistérios da vida, a aceitá-lo, experienciá-lo como fonte do indefinido.
A sociedade criou lutos clandestinos. Para esses e respectivas famílias, a nossa prece:



Lembra, Senhor, a esta humanidade os seus deveres para contigo
Somos homens e mulheres numa realidadde frágil e perecível
Estamos perdidos entre a transcendência e a imanência
Entre a vida e a morte, o visível e o invisível
Que não sejamos coniventes com a indiferença
Que nos sintamos existencialmente implicados na vida
Torna visível a estrada gloriosa que conduz ao Teu reino
Consola as famílias que choram os seus filhos perdidos
Os que não chegaram a nascer, os que nasceram e não souberam viver
Conduz ao arrependimento todos os que agiram contra a Humanidade e contra Ti
Liberta-nos da fatalidade do luto
Conduz-nos à graça da perpetuidade da vida
Aos esplendores da certeza do reencontro universal
Tu, que és puro amor, pura verdade, vida cósmica
























sábado, 30 de maio de 2015

Juventude espírita: mudanças em andamento (*)






 ANTONIO CESAR PERRI DE  CARVALHO
acperri@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)


(*) Fonte:






O entusiasmo juvenil gerou a formação de grupos, inicialmente autônomos e depois como departamentos de instituições espíritas a partir de 1930. As ações juvenis no Movimento Espírita conquistaram expressão significativa, com abrangência nacional, atingindo um auge nos anos 1960.1,2

Num contexto de dificuldades políticas do país, arrefeceu-se o apoio a movimentos jovens e, simultaneamente, nos primeiros anos da década de 1970, a partir de decisões da Federação Espírita Brasileira3 surgiram questionamentos sobre cursos, eventos de jovens, acarretando um desestímulo e até desmantelamento de ações de infância e juventude, o que não foi seguido por todas as Entidades Federativas Estaduais. O presidente da FEB Francisco Thiesen considerou uma “decisão infeliz” e questionou os métodos e meios utilizados para a decisão de Conselhos Zonais.4 Na sua gestão como presidente, em 1977, Thiesen instala a Campanha Nacional de Evangelização Infantojuvenil, depois transformada em Campanha Permanente. Iniciou-se um outro ciclo no tratamento da juventude nos Centros Espíritas.
Na segunda metade da década de 1980, durante a gestão de Thiesen, foram implantadas as Comissões Regionais do CFN da FEB e começaram a ser criadas suas Áreas, como a da Infância e Juventude. No contexto destes eventos, nos últimos anos começaram a surgir questionamentos e propostas para avaliação da situação da juventude espírita no país, para se definir melhor os limites entre infância, adolescência e juventude.  
Diretrizes para as ações do jovem espírita do Brasil 
No ano de 2011, ocorreram manifestações sobre o tema nas reuniões plenárias realizadas nas quatro regiões do evento do CFN. Simultaneamente, o DIJ da Federação Espírita do Estado de Goiás propôs a realização de um evento jovem interestadual na região Centro, que originou a Confraternização de Juventude Espírita do Brasil – Comissão Regional Centro, aprovado pelo Conselho Federativo Nacional da FEB e efetivado em Goiânia em 2013. Agora já se programa evento similar para as outras regiões Sul e Nordeste, em 2015, e Norte, em 2016.
Na reunião ordinária do CFN de 2013, aprovaram-se as “Diretrizes para as Ações do Jovem Espírita do Brasil”5, que caracterizam a ação do jovem espírita como: “Possibilitar aos jovens momentos de estudo, aprendizado, ação, integração, troca de experiências e vivências, proporcionando espaço para o protagonismo juvenil na Juventude/Mocidade Espírita, no Centro Espírita, no Movimento Espírita e na sociedade”, estimulando o trabalho com espaços de: estudo, confraternização, vivência e ação social, comunicação social, integração do jovem no Centro e no Movimento Espírita e convivência familiar. A tônica principal do documento é abrir espaços para o protagonismo juvenil.
Durante a reunião ordinária do CFN da FEB de 2014, Jorge Elarrat apresentou um estudo, como profissional da área, sobre as estatísticas do IBGE – do Censo de 2010 -, relacionados com religiões. Com base em dados comparativos com as demais religiões mostrou que o Espiritismo e as religiões orientais são as que menos cresceram nas faixas etárias até 29 anos (figs. 1 e 2).




Sobre o Espiritismo, em geral, concluiu:  
“é a terceira religião no país com 2% de declarações; cresceu 55% em uma década; cresce em todas as regiões sendo mais presente no Sudeste (3,1%); exige atuação nas Regiões Norte (0,5%) e Nordeste (0,8%); possui maior presença nas faixas sociais A e B e de maior escolaridade; exige plano de divulgação para populações de menor renda; apresenta vale profundo na participação etária juvenil; exige revisão do modelo de atuação do movimento jovem; movimento está envelhecendo.”6 
A análise do tema juventude espírita, numa linha do tempo – desde as agremiações pioneiras dos anos 1930 até nossos dias –, permite-nos chegar ao pensamento de que é necessária uma avaliação desapaixonada e ampla de todo o processo, levando-se em consideração os sucessos e insucessos e, até num raciocínio dialético, considerar-se que após momentos caracterizáveis como tese e antítese, segue-se a síntese, com planejamento de uma etapa nova e adequada à realidade atual e atendendo às demandas do Movimento Espírita.2 
É preciso trabalhar com problemas e não somente com temas 
Relacionado também com o tema, numa série de quatro seminários intitulados “Educação & Atividades Espíritas” realizados na FEB em 2014 e no início de 2015, concluiu-se que há necessidade de algumas mudanças que possam levar a transformações, como:  
“criar  espaços interativos e dialógicos nos encontros de aprendizagem (mais conversa, menos exposição; os participantes têm muito com que contribuir); organizar espaços de aprendizagem atrativos e diversificados (jardins, excursões, visitas culturais e assistenciais);  promover mais momentos informais de confraternização; conhecer o perfil do grupo e considerá-lo na escolha de abordagens didático-pedagógicas, as quais devem ser criativas e diversas; desenvolver acolhimento e zelo nas relações interpessoais; abordar o conhecimento doutrinário como apoio à transformação moral e social e não como um fim em si mesmo; considerar os saberes anteriores e atuais dos participantes  no desenvolvimento do conteúdo; trabalhar com problemas e não somente com temas”.7 
Emmanuel comenta versículo da 2ª Epístola a Timóteo (2, 22): “O moço poderá  e fará muito se o espírito envelhecido na experiência não o desamparar no trabalho. Nada de novo conseguirá erigir, caso não se valha dos esforços que lhe precederam as atividades. Em tudo, dependerá de seus antecessores. [...] A mocidade poderá fazer muito, mas que siga, em tudo,  a justiça, a fé, a o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor”.8
 
Referências: 
1) Perri de Carvalho, Antonio Cesar. Abordagem sobre a juventude. In: Autores diversos, Rumos para uma nova sociedade. São Paulo: Ed. USE. 1996. p.145-155.
2) Perri de Carvalho, Antonio Cesar. Jovens no movimento espírita. Reformador. Ano 131, No.2.214, setembro de 2013, p. 326-328.
3) A FEB e o chamado “Movimento de Juventudes Espíritas”. Reformador. Ano 93, n. 1752. Março de 1975, p.60-61.
4) Thiesen, Francisco. Legado de um administrador. Edição especial. Rio de Janeiro: FEB. 1978. p. 49-50.
5) http://goo.gl/8McflL  (Acesso em 26/4/2015).
6) https://goo.gl/rXMTbD (acesso em 26/4/2015).
7) http://goo.gl/h8qO8i (acesso em 26/4/2015).
8) Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Caminho, Verdade e Vida. Rio de Janeiro: FEB. cap. 151, p. 317-318.

Duplo etérico: conceito espírita ou não? (*)

ALEXANDRE FONTES DA FONSECA
a.f.fonseca@bol.com.br
Campinas, SP (Brasil)

                 

O conceito de duplo etérico é controverso no meio espírita. Ele aparece em obras de autores respeitados como André Luiz, além de outros. Porém, “duplo etérico” não é um conceito espírita, isto é, não foi definido por Kardec ou os Espíritos. Na verdade, “duplo etérico” é um conceito esotérico. Ele é chamado de “Linga Sharira” e significa “na teosofia, o 3º princípio na constituição setenária do homem, que é levemente mais etéreo que o corpo físico (sthula sharira). Segundo a Teosofia, ele permeia todo o corpo humano, sendo um molde de todos os órgãos, artérias, e nervos”.[1] É fácil encontrar na internet definições, funções e interpretações diversas (e supostamente espíritas) para o duplo etérico. Ora se diz que o duplo etérico é um tipo de filtro de energias ou fluidos; ora se diz que ele é o perispírito do encarnado que contém fluido vital; ora se diz que é um corpo vital (outro termo não definido pelo Espiritismo); ou, ainda, que represente ou se manifeste através da aura; que ele é responsável pela vitalização da matéria; que é responsável por administrar as energias vitais etc. Um problema sério com essas definições é que elas são divulgadas como se fossem conceitos científicos, avançados e modernos quando, na verdade, carecem de base tanto científica quanto espírita, e demonstram desconhecimento a respeito da natureza dos fluidos. Por exemplo, o que são energias vitais para se afirmar que existe um corpo espiritual que administra essas energias? Ou o que seria um corpo vital? Há quem diga que André Luiz afirma que o duplo etérico é o corpo vital. Mas se não sabemos ainda o que é, de fato, o duplo etérico, qualquer definição desse tipo se torna vazia e redundante.
Na Doutrina Espírita, o termo “duplo etérico” aparece uma única vez n’O Livro dos Médiuns (LM).[2] Ao analisar a visão que uma senhora teve de um senhor que a visitou durante o período em que estava enferma e, em particular, buscando compreender a descrição que ela fez do senhor que, na visão, portava uma caixa de rapé (item 116 do LM), Kardec supõe (item 126 do LM) que “possivelmente, aos corpos inertes da Terra correspondem outros, análogos, porém etéreos, no mundo invisível; de que a matéria condensada, que forma os objetos, pode ter uma parte quintessenciada, que nos escapa aos sentidos”. Com o fito de desvendar essa questão e os mecanismos de outros fenômenos de efeitos físicos, como a escrita direta, Kardec apresenta uma série de questões ao Espírito São Luís (item 128 do LM). Em particular, na questão 4 do item 128 do capítulo VIII do LM, Kardec usa o termo “duplo etérico” da seguinte forma:
4ª Dar-se-á que a matéria inerte se desdobre? Ou que haja no mundo invisível uma matéria essencial, capaz de tomar a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, terão estes um duplo etéreo no mundo invisível como os homens são nele representados pelos Espíritos?
Não é assim que as coisas se passam. Sobre os elementos materiais disseminados por todos os pontos do espaço, na vossa atmosfera, têm os Espíritos um poder que estais longe de suspeitar. Podem, pois, eles concentrar à sua vontade esses elementos e dar-lhes a forma aparente que corresponda à dos objetos materiais.” (Grifos em negrito, meus.)
Da forma como Kardec faz a pergunta, é fácil perceber que ele considerava o conceito de “duplo etérico”, como a simples existência de um segundo corpo de natureza fluídica, assim “como os homens são nele representados pelos Espíritos”. A ideia do homem ser uma criatura que possui dois corpos (físico e perispírito) e, por isso, duplo, pode ser verificada nas seguintes palavras de Kardec na Revista Espírita de 1864[3]:
Quando a alma está unida ao corpo durante a vida, tem um envoltório duplo: um pesado, grosseiro e destrutível, que é o corpo; outro fluídico, leve e indestrutível, chamado perispírito. O perispírito é o laço que une a alma ao corpo; é por seu intermédio que a alma faz o corpo agir e percebe as sensações experimentadas pelo corpo. (Grifos em negrito, meus.)  
Ou seja, no máximo, o conceito de “duplo etérico” no Espiritismo é o de o homem possuir dois corpos: o físico e o perispírito.
O problema em torno do termo e do conceito de “duplo etérico” é sua propagação livre em livros, artigos e palestras espíritas, como se fosse um conceito espírita. Não que seja proibido pensar ou se expressar da forma que bem entende, mas há sempre responsabilidade com relação ao que os nossos leitores e ouvintes aprendem de nós. Infelizmente, várias referências apresentam o “duplo etérico” como um conceito avançado de natureza científica, citando referências como as obras de André Luiz, como argumento de autoridade. Para o leigo, argumentos como esse parecem ser fortes o bastante para introduzir um novo termo ao linguajar espírita. Porém, por recomendar que nossa fé seja sempre raciocinada, que nossa crença seja sempre baseada no entendimento, termos e novidades de outras religiões e filosofias só devem ser utilizados em estudos que os expliquem em termos espíritas. Isso é, exatamente, o que os Espíritos disseram a Kardec na resposta à questão 628 d’O Livro dos Espíritos (LE)[4]:
628. Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de toda gente?
Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado. Jamais permitiu Deus que o homem recebesse comunicações tão completas e instrutivas como as que hoje lhe são dadas. Havia, como sabeis, na antiguidade alguns indivíduos possuidores do que eles próprios consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que, aos seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis das leis que regem estes fenômenos, deveis compreender que esses indivíduos apenas recebiam algumas verdades esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na maioria dos casos, emblemático. Entretanto, para o estudioso, não há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição, nenhuma religião que seja desprezível, pois em tudo há germens de grandes verdades que, se bem pareçam contraditórias entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios sem fundamento, facilmente coordenáveis se vos apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem razão alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo que esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos e podem contribuir grandemente para vossa instrução”. (Grifos em negrito, meus.)
Se o Espiritismo fornece a explicação que torna os conhecimentos esotéricos verdades facilmente coordenáveis”, então são os conceitos do Espiritismo é que devem ser utilizados para interpretar e compreender esses conceitos de outras doutrinas. Ao introduzir conceitos esotéricos no linguajar espírita, consciente ou não, o movimento espírita age de modo contrário ao que foi recomendado pelos Espíritos na questão 628 do LE. É como se o movimento espírita não apoiasse a Doutrina Espírita, já que valoriza mais as teorias e conceitos de outras doutrinas. É como se o movimento espírita considerasse esses conceitos como mais avançados do que o Espiritismo. Se alguém, de fato, acredita que o Espiritismo é incompleto e inadequado para descrever fenômenos espíritas, que deixe o Espiritismo e se afilie em doutrinas ou filosofias que achar melhor. Se somos espíritas, devemos utilizar os conceitos do Espiritismo. Se desejamos ser espíritas, devemos estudar e compreender com profundidade a Doutrina Espírita.
Mas como o Espiritismo explica o que dizem ser as funções do duplo etérico como filtro, vitalização da matéria etc.? O Espiritismo explica todas essas funções de modo simples e com termos próprios. A Doutrina Espírita define e ensina dois conceitos fundamentais nessa questão: princípio vital e fluido vital. O cap. IV da primeira parte do LE é dedicado ao tema “Princípio Vital”. Nesse capítulo, no comentário à questão 70 do LE, Kardec introduz o termo “fluido vital”. Podemos dizer que o princípio vital é o princípio que permite a animalização da matéria, enquanto que o fluido vital é a porção ou quantidade de uma das modificações do Fluido Universal que contém o princípio vital. Assim explica Kardec no item II da introdução do LE:
Princípio vital, o princípio da vida material e orgânica, qualquer que seja a fonte donde promane, princípio esse comum a todos os seres vivos, desde as plantas até o homem. Pois que pode haver vida com exclusão da faculdade de pensar, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz achando-se a matéria em dadas circunstâncias. Segundo outros, e esta é a ideia mais comum, ele reside em um fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parcela durante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria então o fluido vital que, na opinião de alguns, em nada difere do fluido elétrico animalizado, ao qual também se dão os nomes de fluido magnético, fluido nervoso etc.”. (Grifos em negrito, meus.)
Portanto, o Espiritismo apresenta os conceitos de princípio vital e fluido vital de modo coerente com seus conceitos de fluidos, de perispírito etc. Como não há na codificação nenhuma menção à estrutura do perispírito como sendo formada por vários corpos, não há definição alguma de expressões como “corpo vital”. Essas expressões são destituídas de significado dentro do contexto espírita.
Mas alguns poderiam perguntar se não poderia ser a “aura”, o que algumas pessoas chamam de “duplo etérico”. Aqui, novamente, a questão está sendo proposta sem um maior aprofundamento na Doutrina Espírita. Nas obras básicas e na Revista Espírita, Kardec não usou a palavra “aura”. Porém usou a expressão “atmosfera fluídica” ou “atmosfera individual” e a definiu da seguinte maneira no item 11 do capítulo intitulado “Manifestações dos Espíritos” em Obras Póstumas (OP)[5]:
O perispírito não se acha encerrado nos limites do corpo, como numa caixa. Pela sua natureza fluídica, ele é expansível, irradia para o exterior e forma, em torno do corpo, uma espécie de atmosfera que o pensamento e a força da vontade podem dilatar mais ou menos. Daí se segue que pessoas há que, sem estarem em contato corporal, podem achar-se em contato pelos seus perispíritos e permutar a seu mau grado impressões e, algumas vezes, pensamentos, por meio da intuição”. (Grifos em negrito, meus.)
A definição acima coincide com o conceito de aura que conhecemos. No item 22 do mesmo capítulo e obra, Kardec diz:
O perispírito das pessoas vivas goza das mesmas propriedades que o dos Espíritos. Como já foi dito, o daquelas não se acha confinado no corpo: irradia e forma em torno deste uma espécie de atmosfera fluídica”. (Grifos em negrito, meus.)
Aqui Kardec usa a expressão “atmosfera fluídica”. Mais adiante em OP, no capítulo intitulado “Introdução ao estudo da fotografia e da telegrafia do pensamento”, Kardec diz:
Cada um de nós tem, pois, o seu fluido próprio, que o envolve e acompanha em todos os movimentos, como a atmosfera acompanha cada planeta. É muito variável a extensão da irradiação dessas atmosferas individuais. Achando-se o Espírito em estado de absoluto repouso, pode essa irradiação ficar circunscrita nos limites de alguns passos; mas, atuando à vontade, pode alcançar distâncias infinitas. A vontade como que dilata o fluido, do mesmo modo que o calor dilata os gases. As diferentes atmosferas individuais se entrecruzam e misturam, sem jamais se confundirem, exatamente como as ondas sonoras que se conservam distintas, ...” (Grifos em negrito, meus.)
Aqui, Kardec chama a aura de “atmosferas individuais” e não tem nada a ver com os conceitos de fluido vital. Vemos, portanto, que Kardec utilizou termos mais apropriados para os conceitos de fluido vital e irradiação de fluidos.
Percebemos, portanto, que o conceito de “duplo etérico” como uma camada ou corpo do perispírito não está presente na Doutrina Espírita. Cientificamente falando, não é correto fazer uso de termos de outras doutrinas, sem que haja justificativas plenamente coerentes com os critérios espíritas. Para quem respeitosamente acredita que o fato de um Autor respeitado como André Luiz ter usado o termo “duplo etérico”, seja razão suficiente para incorporar esse termo ao linguajar e conceitos espíritas, vejamos o comentário e o exemplo do próprio Allan Kardec na Revista Espírita de 1868[6] sobre um conceito que ele acreditava como correto (e que hoje sabemos pela Ciência que estava errado), mas que ele preferiu não adotá-la na Doutrina Espírita por ser apenas uma opinião própria:
A questão da geração espontânea está neste número. Para nós, pessoalmente, é uma convicção, e se a tivéssemos tratado numa obra comum, tê-la-íamos resolvido pela afirmativa; mas numa obra constitutiva da Doutrina Espírita, as opiniões individuais não podem fazer lei; não se baseando a Doutrina em probabilidades, não podíamos decidir uma questão de tal gravidade, apenas despontada, e que ainda está em litígio entre os especialistas. Afirmando a coisa sem restrição, teria sido comprometer a Doutrina prematuramente, o que jamais fazemos, mesmo para fazer prevalecerem as nossas simpatias”. (Grifos em negrito, meus.)
Como se vê nas palavras de Kardec acima, não se deve tomar opiniões ou descrições individuais de encarnados ou desencarnados com relação a conceitos que diferem do Espiritismo. Em Ciência, como sabemos, não é assim que o conhecimento progride.[7]
Por fim, há quem questione “por que confiar no Espiritismo, na forma como ele descreve os fenômenos espíritas (incluindo a relação entre fluido vital e o corpo físico)?" A confiança que nós espíritas podemos depositar no Espiritismo decorre do estudo da forma como Kardec obteve o conhecimento espírita. O Espiritismo é a única teoria conhecida na Humanidade que foi desenvolvida através do duplo caráter de uma revelação: divino e científico.[8] O Espiritismo não é fruto de opiniões isoladas de Kardec (como na citação acima), mas sim da observação, do estudo e da análise cuidadosa dos fenômenos espíritas, das mensagens e ensinamentos dos Espíritos e suas consequências. Kardec não formou a Doutrina a partir das primeiras mensagens, mas observou e testou, constantemente, durante sua vida, os conceitos apresentados pelos Espíritos. Em outras palavras, Kardec desenvolveu e aplicou um método científico apropriado para a investigação dos fenômenos espíritas, e teve na assistência constante dos bons Espíritos, a supervisão na preparação dos textos da Doutrina Espírita. Através desse esforço de observação e verificação dos conceitos observados ou ensinados pelos Espíritos, Kardec foi capaz de tornar um conjunto de crenças a respeito da vida após a morte em um verdadeiro conhecimento.[9] Por essas razões, os conceitos espíritas são muito mais confiáveis do que os de outras doutrinas esotéricas e mesmo daquelas que, superficialmente, se apresentam em nome de conceitos científicos como os da Física.
O movimento espírita deve ter notado que a Espiritualidade tem manifestado preocupação em nos orientar a pautar e valorizar nossos estudos pelo Espiritismo. Inúmeras mensagens, desde décadas, têm buscado incentivar o estudo e valorização do Espiritismo em nossas casas espíritas. Veja, por exemplo, trechos inteiros de mensagens de Bezerra e Camilo, pela mediunidade de Chico Xavier, Divaldo P. Franco e Raul Teixeira, transcritos na parte final do artigo intitulado “A Pureza Doutrinária e a Ciência”, publicado em O Consolador[7]. Aqui, encerramos o artigo com as seguintes palavras de Eurípedes Barsanulfo:[10]
Continuamos convosco, renovando nossos mais sinceros votos de um trabalho fervoroso, comprometido, idealista, estudado, dissecado, meditado, instruído, amadurecido, balizado, abençoado e, sobretudo, incrustado em Allan Kardec!” (grifos em negrito, meus.)
 
Referências: 
[1] Tirado do link da Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Linga_sharira.
[2] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 62ª Edição, Rio de Janeiro (1996).
[3] A. Kardec, “Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas”, Revista Espírita Jornal de Estudos Psicológicos 4 (Abril), pp. 147-156 (1864); FEB: Tradução de Evandro Noleto Bezerra.
[4] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76ª Edição, Rio de Janeiro (1995).
[5] A. Kardec, Obras Póstumas, IDE, 1ª edição, Araras (1993).
[6] A. Kardec, “A Geração Espontânea e A Gênese”, Revista Espírita Jornal de Estudos Psicológicos 7 (Julho), pp. 285-293 (1868); FEB: Tradução de Evandro Noleto Bezerra.
[7] A. F. da Fonseca, “A Pureza Doutrinária e a Ciência”, O Consolador 319 (2013), link de acesso: http://www.oconsolador.com.br/ano7/319/especial.html.
[8] A. F. da Fonseca, “Espiritismo: único conhecimento humano que tem o duplo caráter de uma Revelação!”, O Consolador 209 (2011), link de acesso: http://www.oconsolador.com.br/ano5/209/alexandre_fonseca.html.
[9] A. F. da Fonseca, “Como o Espiritismo contribui para a Sociedade?”, Jornal de Estudos Espíritas 1, artigo número 010203 (2013). Link de acesso: https://sites.google.com/site/jeespiritas/volumes/Volume-1---2013/resumo---art-n-010203.

                 [10] Mensagem psicografada pelo médium Emanuel Cristiano na noite de 20/04/2014 no Centro Espírita “Allan Kardec” de Campinas/SP.