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Margarida Azevedo |
Margarida Azevedo
Mem Martins, Sintra, Portugal
Porque perdidos em discursos fúteis, pregadores do vazio e da inconsequência, vivem enrodilhados no vaivém de ideias mesquinhas, desconfiados e hipócritas, desvirtuando a sublime Doutrina Espírita.
Dizem aceitar as outras doutrinas, mas soa a falso. Para eles só o Espiritismo tem a verdade, só os espíritas sabem o que se passa no além, só os Centros espíritas são dignos de serem chamados Casa de Deus.
Nada na Doutrina aponta para semelhante postura. A Verdade é Deus, a vida do além é abordada desde todos os tempos e o mundo inteiro é a Casa de Deus. O Espiritismo não inventou a verdade, não descobriu o além nem tão pouco a modo de o contactar, tal como não pode ter-se como o mais digno representante do Reino de Deus na Terra, fazendo dos Centros um espaço epifânico de curas e purificações.
O deus que defendem é um ser exclusivista, partidário, não o Deus de que Israel nos deu testemunho, o Deus dos profetas do Antigo Testamento e dos quais Jesus veio sedimentar e comentar os seus ensinamentos, acrescentando o papel do amor como a grande redenção, manifestação incondicional da fé.
Mas não ficamos por aqui. Na sua habitual rejeição dos estudos bíblicos, defendem coisas que vão contra não só a Doutrina, como também os preceitos de Jesus, nomeadamente expressos em Mateus.
Não lhes bastando fazerem da Doutrina espírita uma doutrina do passado com fétidas referências às outras vidas como fonte de todos os males, o que a Codificação não defende, gastam-se a falar do fim do mundo, que está para breve.
Ora, isto é a maior heresia que se pode pronunciar, em termos espíritas. O Espiritismo não é uma doutrina apocalíptica, nem o será.
Levados por teorias inconsequentes e mórbidas, às quais não tiveram força para se lhes impor, prova de que lhes são semelhantes, começaram por defender que o mundo iria acabar em 21 de Dezembro de 2012. Mas atenção, nesses espíritas não surge a palavra acabar mas sim transformar, cujo significado vem dar no mesmo. Nessa data deveria ter havido uma grande transformação em que os maus iriam definitivamente desaparecer, uma espécie de catarxis à escala mundial, uma coisa gigantesca; seria o fim de uma falsa civilização, aquela em que vivemos, por meio de um milagre ou um acto de mágica comandados pelos seres bonzinhos do além. Por outras palavras, esses seres viriam pôr fim às calamidades e aos sofrimentos, e a tudo o que demais existe e que seja considerado nocivo, por meio de um processo de “limpeza” espiritual, libertando os bons para sempre e recambiando os maus para as trevas. O livre curso da História iria ser alterado, tudo o que fazemos, pensamos ou projectamos seria destruído por meio dessas vontades aniquiladoras.
Não tendo consciência do facto, trata-se de uma versão grosseira da teoria do Céu, Inferno e Purgatório de algumas igrejas cristãs. O nosso trabalho, as nossas conquistas seriam destruídos, de nada valendo o que foi feito junto dos carenciados do alimento espiritual e material.
Porém, a teoria ridícula, de forte impacto nessas pessoas, depressa caiu, graças a Deus, sem que eles, no entanto, deem sinais de fraqueza. Uma nova teoria está a surgir, idêntica e pior nos seus fundamentos. É que, se a primeira apoiava-se em interpretações incorrectas da sabedoria Maia, muito digna de respeito, como qualquer outra, esta baseia-se, imagine-se, em assembleias, chamemos-lhe assim, de Entidades do nosso sistema solar que, em magnas reuniões, decidiram que em Julho do ano 2019 o planeta Terra será palco de grande transformação. Ora, ora, quem diria!
Como se tal não bastasse, para tornarem credíveis essas loucuras, afirmam que é Jesus Cristo, imagine-se, o mentor de semelhante enormidade. É Ele quem dirige essas sessões de grande gabarito. Da nossa parte, afirmamos peremptoriamente, não aceitamos, venha de onde vier, ditado seja por que Entidade for. O mundo acaba-se para os que morrem/desencarnam, e ponto final. Alguém salvará os corpos? Não! Pretendemos salvar os corpos? Também não. Todos iremos passar para o lado de lá um dia, é a única certeza de que dispomos. Como? Só Deus o sabe.“Preocupemo-nos antes em salvar os Espíritos, porque os corpos serão sempre lançados ao laboratório da Natureza onde se tornarão em pó, cinza e nada.” (Eduardo Fernandes de Matos, grande tribuno da Doutrina e homem de profundo espírito crítico, nosso professor de Espiritismo).
Reuniões de Jesus com Mentores? Mas quem é que tem acesso a essas Entidades? Se não temos acesso a tão grandes Espíritos, como ter acesso às suas tarefas? Alguém pode dizer com certeza o que se passa na “agenda de Jesus”?
Segundo aprendemos, Jesus afirmou que podem passar o céu e a terra, mas as suas palavras jamais passarão. Ora, Jesus, através dos Evangelhos, o que constitui para nós uma escritura sagrada, afirmou peremptoriamente: “Porém, daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas únicamente meu Pai.”(Mt 24: 36); “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há-de vir.”(Mt 25: 13).
Não há nada, absolutamente nada que para nós se sobreponha a isto. Eis a nossa Escritura Sagrada, ou parte ínfima dela. É isto que respeitamos acima de todas as coisas que por aí se escrevem e dizem.
Há quem afirme, veja-se, que as profecias são reveladas para não serem cumpridas. Mas o que é isto? O que é, então, uma profecia? Nós explicamos, quando o bailarino é fraco diz que é o chão que está torto.
Fraternidade, sabedoria e amor são fáceis de pregar. Conquistá-los por meio de honestidade em todos os aspectos, humildade e empenho forte na modificação interior é difícil.
Materialismo, enganos imediatistas e ilusões são fáceis de abordar. Estudar criticamente, interrogar tudo, analisar passando ao crivo da razão e da fé, e partir sempre de máximas que tanto o Evangelho como a Codificação nos aconselham, é bem mais trabalhoso.
Só para refrescar alguns cérebros, nos quais nos incluímos como igualmente necessitados de relembrar a todo o momento, tomemos, além das citações supramencionadas, as seguintes advertências:
“A concordância no ensinamento dos espíritos é, portanto, o melhor controlo, mas é preciso ainda que ocorra sob certas condições. A menos segura de todas é quando um médium interroga, ele próprio, vários espíritos sobre um ponto duvidoso.”( O Evangelho Segundo o Espiritismo, p.16.);
“O Espiritismo e o Cristianismo ensinam a mesma coisa.”(idem, p.29)
“Eis o que diz o Senhor dos exércitos: Não escuteis as palavras dos profetas que vos profetizam e que vos enganam. Eles relatam-vos as visões do seu coração, e não o que ouviram da boca do Senhor. Dizem àqueles que me blasfemam: O Senhor falou, a paz estará convosco; e a todos os que caminham na corrupção do seu coração: Não vos acontecerá mal algum. Mas quem, de entre eles, assistiu ao conselho do Senhor, quem viu e ouviu o que Ele disse?
Eu não enviei esses profetas, e eles correram por si mesmos; não lhes falei e eles profetizaram de suas cabeças.
Eu ouvi o que dizem esses profetas que profetizam a mentira em Meu nome, dizendo: Eu tive um sonho, eu tive um sonho. Até quando haverá essa fantasia no coração dos profetas que profetizam a mentira, e cujas profecias não são senão as seduções do seu coração?
E quando esse povo, ou um profeta, ou um sacerdote vos interroga e vos diz: Qual é o fardo do Senhor? Vós lhe direis: sois vós mesmos o fardo, e eu lançar-vos-ei para bem longe de mim, diz o Senhor.” (Jr 23:16-18, 21, 25-26, 33. Idem, p. 255).
E passando os olhos pelo Livro dos Espíritos, Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, itens VII, X, XII, XIII, XIV, Allan Kardec estava longe do que viria a passar-se quase dois séculos mais tarde.
A razão é tão falível como qualquer outra capacidade humana, há que ter cuidado com ela. Kant foi o filósofo da crítica da razão, advertindo-nos seriamente para o facto; a linguagem já não é um garante totalmente fiável da qualidade dos Espíritos. Entidades negativas usam linguagem elaborada. Por vezes, até surge o contrário, Entidades com uma linguagem simples e relativamente rude são desprezadas, basta que digam verdades difíceis de ouvir. A identificação de Espíritos das baixas falanges já não se faz pela explicitação dos nomes pois os encarnados, dominando esse critério, são eles que os simulam; em múltiplos casos são os encarnados que chamam aos Espíritos o que eles não são, e não o contrário. Quanto à caligrafia, os médiuns, nas suas obsessões e fascinações, sabem mudar de letra tantas vezes quantas as necessárias.
Todavia, perguntamos, vamos desprezar as advertências do séc. XIX? Não. Vamos alargá-las, dar-lhes continuidade, pois os tempos em que vivemos estão bem mais complexos.
Como denunciar as negatividades, e no caso em epígrafe, dos falsos espíritas? Pela resistência à crítica, pela recusa em dizer “eu não sei”, por aceitarem tarefas que não são para si, pelo desejo mórbido de comando, por muito falarem, pela ignorância dos seus discursos, pelo ridículo de certas práticas, tais como ir para o campo olhar o céu para estudar Astronomia com gente de áreas totalmente diferentes e recebendo psicografias ridículas em conformidade com semelhantes práticas, ou então imporem-se contra a Medicina, a Justiça e a Educação (só para citar alguns exemplos) negando-as, sem as conhecerem, impondo princípios moralistas ingénuos e inconsequentes.
Os falsos espíritas vivem perdidos em leituras dos Espíritos trevosos, antíteses da Doutrina, fascinados por conhecimentos de nada, que não levam a nada, que são nada. Recusam-se a ler obras de outras doutrinas, recusam os cientistas bíblicos, teólogos e exegetas, que têm em fraca consideração.
Os falsos espíritas são uma epidemia que não defende o estudo sério, nem a força da oração como a grande alavanca da alma. Alguém faz encontros de oração? Algum Centro, governado por eles, convida pessoas de fora, de fora da Doutrina, entenda-se, para dissertar sobre um tema bíblico? Os falsos espíritas ainda julgam que o campo doutrinário está dividido em ideologias, ainda não sabem que Ciência é tudo o que se estuda, desde a Literatura à Matemática, passando, obviamente, pela Bíblia e todos os livros sagrados da Humanidade. Eles ainda não sabem que as equipas de estudos teológicos são compostas por cientistas e estudiosos de todos os quadrantes, mesmo ateus. Eles não sabem que as grandes teses não têm cor ideológica e que o pesquisador, seja qual for a sua área, intelectualmente honesto, pretende chegar mais perto da verdade.
A maioria dos livros em que se movimentam está impregnada de sectarismo, divisionismo e falso amor. É certo que a obra de Kardec é o rosto de uma época, mas cabe-nos, justamente, prolongá-la. Como? Não tanto em conhecimentos, pois à rapidez a que o nosso mundo voa é muito difícil. Ela completa-se pela maturidade dos nossos comportamentos, pela vida mais fraterna, pela necessidade de viver uma irmandade de todos os homens e de todas as mulheres à face da terra. Não é de conhecimentos que nos distanciamos, mas no modo como os transmitimos, na escala de importância que lhes catalogamos. Por outras palavras, não é a Ciência, mas o modo como estamos nela
Já não estamos no tempo dos azuis e dos verdes. Os tempos são de aceitação de todas as cores pois é por meio delas que são floridos os jardins. Deus facultou-nos a diversidade. Assim sendo, cada um de nós é parte desse divino ao ser portador de uma tonalidade.
E, por favor, não façam de Francisco Xavier o papa do Espiritismo. Criticam os católicos por defenderem a infalibilidade do papa, mas nem se dão conta de que estão a fazer o mesmo com Kardec e, principalmente, com F. C. Xavier. Não façam de Emmanuel uma Entidade tipo anjo Gabriel. Os falsos espíritas são os que adoram seres iguais a si, que idolatram. Sim, são eles que introduziram a idolatria no seio da Doutrina. Perfeito só Deus, esta a maior das máximas.
Na nossa prece, e porque a responsabilidade de falar ao mundo é enorme, pedimos-Te, Senhor, que nos dês a coragem para enfrentarmos os nossos erros, a humildade para os denunciarmos, a força para continuar a estudar.
Jesus, tu que disseste que “Não é quem diz Senhor, Senhor que entra nos Reino dos Céus, mas quem faz a vontade do Pai”, ajuda-nos a conquistar a santidade, um coração puro e a traçar caminhos rectos e verdadeiros que nos conduzam a Deus.
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Bibliografia
KARDEC, A., O Livro dos Espíritos, CEPC, Lisboa, 1984, Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, itens VII, X, XII, XIII, XIV, pp. 39-42; 45-52.
__________O Evangelho Segundo o Espiritismo, Livros de Vida, Editores, 2002, pp. 16; 29; 255.
XAVIER, F.C., A Caminho da Luz, FEB, RJ, 1991, cap. XXIV, O Espiritismo e as grandes transições, pp.203 – 210.