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sexta-feira, 27 de março de 2009

A FEB ANTE O ELEVADO ESCOPO UNIFICACIONISTA



"- Quando a verdadeira união se fizer espontânea, entre
todos os homens no caminho redentor do trabalho santificante
do bem natural, então o Reino do Céu resplandecerá na Terra,
à maneira da árvore divina das flores de luz e dos frutos
de ouro". (Neio Lucio)


O Espiritismo precisa da FEB? Como você vê o papel da FEB no Movimento Espírita? Devemos continuar defendendo-a? Essas perguntas nos foram endereçadas por uma confreira espírita de Brasília, motivo pela qual resolvemos escrever o presente texto.
Antes de qualquer comentário acerca da Federação Espírita Brasileira, recordamos aqui que a sua Missão é: "Promover o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo, com base nas obras da Codificação de Allan Kardec e no Evangelho de Jesus; a prática da caridade espiritual, moral e material, dentro dos princípios espíritas; e a união solidária e a Unificação do Movimento Espírita, colocando o Espiritismo ao alcance e a serviço de todos".(2) (grifamos) Portanto, quando refletimos sobre a Casa-Máter somos remetidos ao conceito de Unificação. Para a FEB, o trabalho unificacionista é uma atividade-meio objetivando fortalecer e facilitar a ação do Movimento Espírita na sua atividade-fim de promover o estudo, a difusão e a prática da Doutrina.
A proposta da Unificação legítima, aquela que de fato transcende aos limites que os homens insistem em estabelecer, está firme e vigorosa na Codificação e para administrar o ideário unificador, a FEB criou (via Pacto Áureo) o Conselho Federativo Nacional em 1949, que por sua relevância, propõe reunir e congregar representantes do Movimento Espírita brasileiro para bem estruturá-lo. Por decorrência a FEB encaminha seu projeto por uma Unificação sem uniformização, por saber que a padronização dos comportamentos humanos, em qualquer nível, é ruinosa, por obstar a liberdade não só de ação, mas, sobretudo de pensamento. Desta forma, a idéia febiana é unir para irmanar; unir esforços para construir, unificar para fortalecer e para convergir, lembrando que Jesus e Kardec são um todo, por conseguinte unos e afluem para um só escopo. A propósito, o eminente Codificador assinala que o maior obstáculo à divulgação da Doutrina é a falta de unidade. Recorda Bezerra de Menezes, que "o serviço da Unificação em nossas fileiras é urgente, mas não apressado. Uma afirmativa parece destruir a outra. Mas não é assim. É urgente porque define objetivo a que devamos todos visar; mas não apressado, porquanto não nos compete violentar consciência alguma"(3) (grifamos)
Um dos mais antigos textos específicos [mediúnicos] sobre Unificação foi psicografado por Chico Xavier em 1948. Mensagem essa dirigida aos participantes do 1o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, realizado em São Paulo, de 31 de outubro a 05 de novembro de 1948, e coordenado pela então nascente USE-União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Nessa página, intitulada "Em nome do Evangelho", Emmanuel se fundamenta na expressão "Para que todos sejam um"(4) . Em verdade, a Unificação é um processo lento, de amadurecimento, que caminha no sentido de estimular a vivência de participação, de intercâmbio e de respeito entre as instituições espíritas, considerando suas diversidades de condições, respeitando-se a autonomia administrativa que dispõem.(5)
Para alguns confrades a FEB difunde demasiadamente o aspecto religioso da doutrina, motivo pelo qual, nutrem certa ojeriza bastante estranha frente a tudo que tenha laços com a religião. Várias instituições laicas vêm tentando ingerir-se no Movimento Espírita brasileiro. Companheiros que afirmam não ser o Espiritismo o Consolador Prometido, pois Espiritismo e Cristianismo seriam duas doutrinas distintas. (sic) Negam a adjetivação cristã ao Espiritismo. Nesse vórtice alienante não admitem submissão a qualquer poder constituído, as regras, para o espírito anarquista são atropelos para o livre-pensar, por isso, usando a liberdade como bandeira de suas teses extravagantes, são convictos de suas "sapiências" e julgam que suas idéias são a expressão da verdade.
Durante um período esses confrades defendiam essa laicidade da Doutrina no bojo de uma campanha informal, denominada de "espiritização" do movimento que, dentre outras coisas, combatiam: a transformação do Espiritismo em apêndice do Cristianismo, a crença de que o Espiritismo possui um aspecto religioso, a excessiva pregação de cunho evangélico, o uso de expressões estranhas ao corpo semântico do Espiritismo, como evangelização, mediunidade com Jesus e culto evangélico no lar, a "igrejificação" do movimento, com a adoção de uma estrutura hierárquica formal, a supervalorização da culpa e da dor.
O que fica evidente nesses grupos é uma ação de intelectuais afins (normalmente adornados pela "autoridade" das titulações acadêmicas) com a intenção de criar um novo movimento de idéias, utilizando o Espiritismo como ponte para teorias insertas nas ciências sociais e políticas. Confrades esses que estão inequivocamente exercitando seu livre-arbítrio, porém, que o façam sem acrescentar mais cisões ao Movimento Espírita brasileiro.
No que tange à tarefa institucional da FEB é interessante examinar as instruções de Allan Kardec, quando trata da organização do Movimento Espírita.(8) O mestre lionês demonstra não só a necessidade do órgão diretivo, mas como deveria funcionar. Por forte razão, deixar a Doutrina Espírita solta à volúpia insofreável das interpretações pessoais pode transformar o Movimento Espírita numa confusão sem precedentes. Quem não entende a necessidade de uma instituição unificadora torna-se partidário do que se chama movimento "anárquico-libertário"(?!). E não são poucos os remanescentes de tais arroubos progressistas formando escolas de um "Espiritismo à moda" sob os frágeis pilares das "meias verdades".
A unidade doutrinária foi a única e derradeira divisa de Allan Kardec, por ser a fortaleza inexpugnável do Espiritismo. Nesse sentido, o papel das federativas estaduais [sintonizadas com a FEB] além da necessidade de harmonioso relacionamento com as casas espíritas adesas, precisa programar-se contra a dispersão sistemática e generalizada, em caminho de desintegração, por força de interferências estranhas. Manter vigília contra os movimentos paralelos que disseminam práticas exóticas, mistas de magia e de superstição, com a introdução de ritos de outros credos e cerimônias religiosas de estranho aspecto e significação. Munir-se contra a infiltração nas fileiras espíritas de ideologias discutíveis, ligadas a movimentos políticos-revolucionários e tentativas reiteradas de dominação político-partidária, tudo incompatível com os sãos princípios e com as finalidades essenciais da Doutrina. Por essa razão e por não ser tarefa das mais fáceis, as federativas estaduais ainda encontram extremas dificuldades de realizarem o ideal da Unificação sonhada por Kardec e Bezerra de Menezes.
É importante lembrar que, na lógica unificacionista, as Entidades integrantes do Conselho Federativo Nacional (9) mantêm a sua autonomia, independência e liberdade de ação. Os vínculos com o CFN têm por fundamento a solidariedade e a união fraterna, livre, responsável e conscientemente praticada à luz da Doutrina Espírita, com vistas à sua difusão. Nesse sentido, obviamente, as Instituições Espíritas, sediadas no território nacional, que desenvolvem suas atividades dentro dos princípios básicos da Doutrina Espírita contidos nas obras da Codificação Kardequiana estão, naturalmente, aptas a participar do esforço de Unificação do Movimento Espírita, em trabalho de apoio recíproco e solidário, para uma mais eficiente difusão do Espiritismo.
Porém, o Movimento Espírita é campo fértil à fascinação e à gênese de idéias advindas da pseudo-sabedoria, por isso, cremos que a indulgência é necessária, mas a conivência, jamais. Respeitar idéias diferentes é obrigação cristã, contudo, acatá-las, não obrigatoriamente. Sobre isso Kardec nos chama a atenção: "A tática ora em ação pelos inimigos dos Espíritas, mas que vai ser empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na armadilha; e tende certeza de que quem quer que procure, seja por que meio for, romper a boa harmonia, não pode ter boas intenções".(10) Deste modo, mister a entronização de Allan Kardec "nos estudos, nas cogitações, nas atividades, nas obras, a fim de que a nossa fé não faça hipnose, pela qual o domínio da sombra se estabelece sobre as mentes mais fracas acorrentando-as a séculos de ilusão e sofrimento".(11)
Para se arrostar o desafio de união na diversidade ante a conquista do desiderato unificacionista é imperioso que "seja Allan Kardec, não apenas crido ou sentido, apregoado ou manifestado, a nossa bandeira, mas suficientemente vivido, sofrido, chorado e realizado em nossas próprias vidas. Sem essa base é difícil forjar o caráter espírita-cristão que o mundo conturbado espera de nós pela unificação.



Jorge Hessen
E-Mail: jorgehessen@gmail.com
Site: http://jorgehessen.net
FONTES:
1- Xavier, Francisco Cândido. Jesus no Lar, Ditado pelo Espírito Néio Lúcio, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, cap. 46.
2- Disponível em<> acesso em 18/08/2005
3- (Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em reunião da Comunhão Espírita Cristã, em 20-4-1963, em Uberaba, MG.) publicada no Reformador edição de dez/1975.
4- (João, 17:22).
5- "O Espiritismo é uma questão de fundo; prender-se à forma seria puerilidade indigna da grandeza do assunto. Daí vem que os centros que se acharem penetrados do verdadeiro espírito do Espiritismo deverão estender as mãos uns aos outros, fraternalmente, e unir-se para combater os inimigos comuns: a incredulidade e o fanatismo".(In Obras Póstumas - Constituição do Espiritismo - Item VI)
6- Provêm de laicismo, doutrina que proclama a laicidade absoluta das instituições sociopolíticas e da cultura, ou que pelo menos reclama para estas autonomias em face da religião.
7- A rigor não há sistema científico, social, filosófico ou religioso (sério), que funcione, ou que se sustente sem princípios normativos.
8- Na verdade há grande confusão entre movimento espírita e Espiritismo. O primeiro, é o conjunto de ações perpetrado pelos seguidores de Allan Kardec ao longo da história espírita. O segundo, o conjunto de ensinamentos legados à humanidade pelos Espíritos superiores, através do trabalho missionário de Allan Kardec...
9- Entidades Federativas Estaduais, Entidades Especializadas de Âmbito Nacional, Centros e demais Sociedades Espíritas
10- Kardec, Allan, Revista Espírita Ano V fevereiro 1862, Vol 2.
11- (Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em reunião da Comunhão Espírita Cristã, em 20-4-1963, em Uberaba, MG.) publicada no Reformador edição de dez/1975.
12- (Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em reunião da Comunhão Espírita Cristã, em 20-4-1963, em Uberaba, MG.) publicada no Reformador edição de dez/1975.

quarta-feira, 11 de março de 2009

MANSUETUDE NÃO É ALIENAÇÃO




Estaremos vivenciando os princípios Espíritas, promovendo ou participando dos movimentos "democráticos" de greve na sociedade? Alguns confrades (servidores públicos, leia-se professores) têm agido de maneira equivocada em participar de movimentos grevistas, insistentemente praticados em nosso País.
Com o intuito de ajudá-los a refletir melhor sobre esse comportamento, evocamos os oportunos argumentos de Chico Xavier: "fui operário de fábrica, trabalhava num filatório e era muito feliz" explicando que "os movimentos de protesto no Brasil impressionam. Ainda que demorem as providências de recursos capazes de trazer ao nosso povo benefícios que penso serem justos, mas que não podem ser produtos de greve.(1)". (grifamos)
Quando uma sociedade é educada para tolerância recíproca para o respeito à autoridade, para o trabalho persistente, sem conflitos entre servidores e governo, empresários e trabalhadores se as pessoas se unissem para compreender a necessidade dos valores espirituais na vida de cada um ou de cada grupo social, seríamos um país venturoso e pacífico.
O médium mineiro elucida que "se os privilegiados pela inteligência compreendessem os problemas do nosso povo, nós teríamos encontrado ou estaríamos encontrando uma vida de muito progresso, cultura, alegria e, sobretudo PAZ!."
O extraordinário Espírito Emmanuel sedimenta suas advertências argumentando que "os regulamentos apaixonados, as greves, os decretos unilaterais, as ideologias revolucionárias, são cataplasmas inexpressivas, complicando a chaga da coletividade".(2) (grifamos)
Movimentos grevistas tendem a ser agressivos, apaixonados, delirantes, quase sempre apoiados nos pilares das teses materialistas. Em face disso, recorremos ao iluminado Mentor de Chico Xavier que admoesta ainda: "Todos os absurdos das teorias sociais decorrem da ignorância dos homens relativamente à necessidade de sua cristianização"(3).
E para despertar alguns confrades distraídos que incendeiam esses movimentos com objetivos declaradamente políticos, lembremo-nos que "o sincero discípulo de Jesus está investido de missão mais sublime, em face da tarefa política saturada de lutas materiais".(4)
Muitos podemos admirar política enquanto ciência, enquanto princípios, enquanto filosofia, mas que obrigatoriamente não precisamos envolver-nos em partidarismos políticos. Pensamos ser justo lutar por nossa ação voluntária na Sociedade; seja na ação profissional; seja na ação de cidadania, sem trocar nossa dignidade por conveniências pessoais. Precisamos demonstrar maturidade nas concepções políticas. Até porque quem se evangeliza, quem cumpre deveres e cobra direitos sem afobamentos é um cidadão politicamente correto.
A problemática da greve é que ela é uma faca de dois gumes. Todos os que participam de greve dizem que é um direito constitucional. É evidente que é uma prerrogativa constitucional, mas que se choca com outros direitos constitucionais. Lembremos que "Toda criança tem direito à escola". Se o professor faz greve - porque é o seu direito - como fica o da criança que tem direito à escola?
Torna-se, portanto, imperioso exercitarmos os códigos do Evangelho nos vários setores sociais sem fanatismos ideológicos, sem greves, sem violências, com paciência e humildade, até porque Jesus ensinou-nos a mansuetude (o que não é alienação). A Terceira Revelação explica que temos um determinismo biológico, porém a maneira de agirmos no âmbito do limite que inicia no berço e culmina no túmulo é da nossa livre eleição, e podemos lograr a vitória espiritual com o esforço de querermos vencer a nós mesmos, movidos pela fé espírita cristã.

Jorge Hessen
E-Mail: jorgehessen@gmail.com
Site:
http://jorgehessen.net



FONTES:
1- Idem, ibdem
2- XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador, pelo espírito Emmanuel, 6ª.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1976, Pergunta n.º 57
3- Idem, ibdem, Pergunta n.º 57
4- Idem, ibdem, Pergunta n.º 60

segunda-feira, 9 de março de 2009

entrevista João Xavier de Almeida de Braga Portugal


JORNAL DE ESPIRITISMO
entrevista João Xavier de Almeida (Nº 32, Janº-Fevº 2009, Braga, Portugal)

JDE – Há quanto tempo conhece o Espiritismo?
JXA - O meu primeiro contacto com fenómenos espíritas (não com a Doutrina) data de 1960, junto duma médium muito desenvolvida e pouco disciplinada, que se afastara dum grupo de Racionalismo Cristão.
JDE – Como aconteceu esse contacto?
JXA - Resultou de descrições e muitas perguntas que me fez minha irmã mais velha, que acabava de conhecer aquela médium. Eu nunca ouvira falar de médiuns e creio que até desconhecia esse termo; tomado de imensa curiosidade, não tardei em contactá-la.
JDE – Teve uma ligação longa com a FEP. Pode descrevê-la sumariamente?
JXA – Fiz parte, em 1984, duma lista eleitoral da FEP, como tesoureiro, convidado pela saudosa Maria Raquel Duarte Santos, então presidente. Nos mandatos seguintes continuei como tesoureiro, até 1990. Em 1991/92, já na presidência do nosso prestigioso confrade Santos Rosa, fui vice-presidente. Em 1993, numa lista decisivamente apoiada pelo prezado companheiro Arnaldo Costeira, assumi a presidência. Exerci-a por três mandatos, até final de 1998.
JDE – Como descreveria a evolução do movimento espírita, desde 1974 até hoje?
JXA – Com as possibilidades existentes, a inegável evolução positiva que existe poderia ser bem mais acentuada; não enjeito a minha quota-parte de responsabilidade nisso, quer pelas funções que exerci quer simplesmente pelo compromisso espírita que me prezo de assumir.
De muito positivo, temos no nosso País o incremento do conhecimento doutrinário, em aprofundamento individual e em cobertura territorial;
grupos e centros novos, sempre a aparecer em quase todas as regiões;
muita actividade espírita regular (estudo sistematizado, palestras, fluidoterapia, atendimento fraterno, desobsessão…), ao longo dos dias da semana, por todo o País; iniciativas muito produtivas, de periodicidade mais ampla e de maior porte:
jornadas culturais espíritas, seminários, encontros, a frutuosa tradição anual do Fórum Espírita Nacional em Leiria, congressos nacionais e internacionais;
muito mais actividade noticiosa, muita divulgação, intervenção pública contra o preconceito anti-espírita, ainda por vezes veiculado na comunicação social; nessas tarefas, cabe um grande destaque para a ADEP (Associação de Divulgadores do Espiritismo de Portugal);
novas publicações espíritas de cobertura nacional e internacional (impressas e/ou electrónicas).
De francamente negativo, a desatenção das cúpulas (na qual eu próprio incorri) à necessidade de incentivar, e mesmo descobrir, o talento de tantos militantes espíritas dotados de invulgar criatividade, aptidão, dinamismo _em áreas e graus variáveis. E não se fomentar uma cultura de participação ampla, nas decisões de interesse colectivo.
Também muito negativos, são certos factores culturais da nossa sociedade, que dificultam as iniciativas de integração e coordenação local, regional e nacional, das quais deveria resultar a desejável unificação espírita no País. Importa frisar: unificação não tem a ver com unicidade nem com hegemonia de pessoas ou grupos; mas sim com interacção sadia, mútuo robustecimento entre as instituições de cúpula e as de base, como meio de consolidar todo o movimento espírita, reforçando-lhe o poder de transformar beneficamente a Sociedade. Reiteradas exortações da espiritualidade superior insistem no ideal da unificação.
Tenho ainda como negativa, nada espírita nem cristã, a infantil presunção de grandeza do movimento espírita português, assim como o absurdo lamento de que não lhe é dada internacionalmente a importância devida. No princípio do século XX, Lenine queixava-se do que chamou as “doenças infantis” do nascente socialismo russo. E há muito mais tempo, Jesus advertia os discípulos desavindos que disputavam entre si ridículas superioridades: o maior de vós será aquele que se fizer o mais pequenino e servir a todos.
JDE – Dada a sua experiência, como comenta a afirmação de a doutrina espírita estar desactualizada?
JXA – Como uma afirmação sem sentido, sem fundamento. Acharão os seus autores que já não há Deus? ou que acabaram os espíritos, ou a reencarnação…? Que se saiba, nunca explicaram o que quer dizer aquela peregrina afirmação. Acresce que ainda estamos longe de sentir e vivenciar em pleno os altos valores morais e intelectuais do Espiritismo, quanto mais de os termos ultrapassado!
JDE – Entre os pontos estruturais do Espiritismo, qual deles lhe fala mais ao coração?
JXA – É usual indicarem-se cinco pontos estruturais da doutrina espírita: existência de Deus, imortalidade da alma, sua comunicabilidade com o mundo material, sua pluralidade de existências na matéria e a pluralidade dos mundos habitados. A existência de Deus constitui não só o tema do primeiro quesito mas também o de todo o capítulo inicial de O Livro dos Espíritos, e ainda o fundamento e razão de ser de todo o conteúdo da obra. Deus é a causa primária de tudo que existe ou possa existir, infinita perfeição em qualquer dos seus múltiplos aspectos: Vida, Verdade, Amor… O conceito de Deus, aprofundado através do Espiritismo ou de qualquer outra perspectiva, conforta, ilumina, fortalece e, francamente: empolga.
JDE – No futuro da Humanidade, a ciência encontrar-se-á com a doutrina espírita?
JXA – Sim, sem dúvida. Alguns cientistas têm aprofundado estudos anátomo-fisiológicos (por exemplo, da glândula epífise) que corroboram postulados da doutrina espírita. A própria codificação desta, no século XIX, resultou da pesquisa exaustiva que um académico notabilíssimo, Allan Kardec, efectuou com metodologia científica. Tratando-se de factos que a ciência académica não conseguia explicar nem podia negar, esta viu-se forçada a rever o seu paradigma newtoniano, materialista, utilíssimo até aí, mas onde agora não cabia a possibilidade e realidade daqueles factos indesmentíveis. Perante o desafio espírita, o trabalho honesto de cientistas de muitos países fez surgir disciplinas como a Metapsiquica, de Charles Richet; a Parapsicologia, de Joseph Rhine; a Psicotrónica, nas antigas URSS e Checoslováquia; a Paranormologia, do padre Andrea Resch, no Instituto de Latrão (Vaticano). O rigor e fidelidade desses estudos obrigou as academias a reconhecer-lhes o carácter de ciência.
Além do mais, o próprio Espiritismo constitui, em si, uma ciência das leis da Vida e do Universo, baseada em factos observados e repetíveis. Não tem lugar para crenças, superstição ou artigos de fé intocáveis. Dinâmico e actual, caminha com a ciência, pronto a abdicar de qualquer ponto doutrinário seu, que ela prove ser errado.
JDE – Na sua perspectiva, como se explica que uma doutrina tão baseada no raciocínio e nos factos, tarde a ser abraçada por um maior número de pessoas?
JXA – Essa atitude perante o Espiritismo caracteriza quase sempre o que é inovação ou descoberta, ou se tenha por incómodo a interesses constituídos. Por exemplo, Luís Pasteur foi ridicularizado e vexado pelos seus contemporâneos (incluindo cientistas), ao estabelecer os princípios da vacina anti-rábica. O mesmo aconteceu a Charles Darwin, quando publicou “A Origem das Espécies pela Selecção Natural”, em 1859; longas décadas se escoaram até que o princípio da evolução biológica se tornasse um ponto pacífico, ainda hoje se lhe opondo alguns meios religiosos.
E pur si muove… já lamentava Galileu Galilei, em prudente surdina.
JDE – O que podem fazer os espíritas em favor da doutrina?
JXA - Aprofundar o conhecimento e vivência dos seus altos valores intelectuais e morais. Num desabafo, Kardec afirmava que os maiores inimigos do Espiritismo se encontram no seu seio. Nada mais acertado. Porém, não nos compete brandir essa frase em tom acusatório contra outrem, mas sim usá-la para vigiar-se cada um a si próprio. Se, enquanto espírita, eu ferir gravemente o magno princípio da caridade, ou der algum péssimo exemplo, actuo sem dúvida como inimigo do Espiritismo no interior deste.
Acho ainda um bom serviço ao Espiritismo abstermo-nos de lhe apor acessórios: Espiritismo laico, religioso, cientificista, de mesa branca, de isto, de aquilo. Espiritismo é ele próprio, e nada mais: uma ciência que estuda o ESPÍRITO, sua origem, natureza, relação com o mundo corpóreo. Estuda, está sempre a aprender, não decreta dogmas estáticos (nem extáticos…). Estuda, com um paradigma lógico do ESPÌRITO, e por isso tem na sua tripla vertente (ciência-filosofia-moral) um alcance que lhe faltaria com o nosso habitual paradigma lógico: sensorial, cerebral, material e materialista, limitado. Einstein afirmava que a descoberta científica não resulta de uma elaboração lógica, mas de um rasgo de iluminação; só depois a razão lógica o vai testar experimentalmente.
Penso que os espíritas sim, eles é que têm direito à liberdade da diferença, consoante a sua formação, sensibilidade, vocação…, o que não faz uns mais espíritas nem menos espíritas do que outros. Com esse direito cabe-lhes, muito mais do que tolerarem-se, o dever de se compreenderem, respeitarem, amarem. E cooperarem! “Fora da caridade não há salvação” é o grande lema do Espiritismo que nos vincula a todos, com todas as nossas diferenças, necessárias e inevitáveis.
JDE – Dos conteúdos doutrinários do Espiritismo, o que fica mais relevante para quem se interessa por eles?
JXA – Julgo que o seu eminente carácter educativo, nos planos individual e social.
JDE – Uma mensagem para os nossos leitores?
JXA – Para todos nós, a singela mensagem (que relutamos em assimilar) do modelo e guia da Humanidade, Educador incomparável: AMEMO-NOS UNS AOS OUTROS.
(Texto da entrevista publicada no nº 32 de JORNAL DE ESPIRITISMO,
Janeiro/Fevereiro 2009, Braga, Portugal)

segunda-feira, 2 de março de 2009

KARDEC, RACISMO E ESPIRITISMO - UMA REFLEXÃO



Não fales e nem escrevas
Algo que fira ou degrade;
Racismo é uma chaga aberta
No corpo da Humanidade
(Cornélio Pires) (1)



.....
O racismo(2) é um tema pouco abordado nas hostes doutrinárias. A bibliografia é escassa. Os escritores e estudiosos espíritas brasileiros ainda não se debruçaram com maior profundidade sobre o assunto. Para alguns, as poucas análises sobre a questão do segregacionismo e da escravidão do negro, no Espiritismo deixam transparecer as influências da teoria arianista (3), da visão positivista e idealista da história, desconsiderando os fatos nos seus relativismos e contradições.
Para a investigação kardequiana, a respeito do negro, torna necessário ser considerado o contexto histórico em que foi discutida a temática. Incidiria em erro, sob o ponto de vista histórico, considerar Allan Kardec contaminado de preconceitos ou de índole racista. Essa palavra detém uma carga semântica muito forte, inadequada para definir os ideais do mestre lionês. Não há nenhum indício de que ele tenha discriminado algum indivíduo ou grupo de origem negra ou quaisquer indivíduos, sejam no movimento espírita ou fora dele. A jornalista Dora Incontri, com mestrado e doutorado em Educação, pela USP, em seu livro Para entender Kardec, nos trás um fato interessante que muito bem nos dará uma idéia de quem era o senhor Rivail. Vejamos: "É bom lembrar que, na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, havia um Camille Flammarion, astrônomo, e um calceteiro (operário braçal que fazia as calçadas de Paris, de quem Kardec noticia a morte) e ambos eram membros da Sociedade".(4)
Os contraditores de Kardec se valem de textos insertos na Revista Espírita e principalmente em Obras Póstumas, 1ª parte, capítulo da "Teoria da Beleza". A rigor não consideramos essa teoria um ponto doutrinário e muito menos consta das Obras Básicas. Trata-se de uma pesquisa de Kardec que não chegou a publicá-la. Veio a público após o seu desencarne, quando algumas anotações deixadas foram reunidas no livro citado, donde se infere que aquele pensamento ainda não estava perfeitamente consolidado. Por justeza de razões importa lembrar que Kardec não compilou o Espiritismo em seu próprio nome. Ele atribuía a Doutrina como sendo dos Espíritos. Destarte, urge se faça distinção entre o que revelaram os Benfeitores Espirituais sob o princípio do consenso universal dos Espíritos e o que escreveu e pensava particularmente Kardec, inclusive na Revista Espírita.
No bojo da literatura basilar da Terceira Revelação, o Codificador ressalta que, "na reencarnação desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade."(5) Ante os ditames da pluralidade das existências, ainda segundo Kardec "enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram a considerar-se membros de uma grande família."(6)Como se observa, idéias essas que descaracterizam radicalmente um Kardec preconceituoso. (grifei) Entretanto, apesar da atitude (para alguns preconceituosas) atribuída a Kardec em relação ao negro, fruto do contexto em que viveu (repetimos) sobre discriminação e preconceito a determinada etnia, sua obra sai indene de todas as críticas no sentido ético. Até porque para abordagem do tema é imprescindível contextualizá-lo de acordo com teorias de superioridade racial muito em voga na época. A frenologia, por exemplo, advogava uma relação entre a inteligência e a força dos instintos em um indivíduo com suas proporções cranianas. Uma espécie de "desdobramento" pseudocientífico da fisiognomonia. Num artigo na Revista Espírita de abril de 1862, "Frenologia espiritualista e espírita - Perfectibilidade da raça negra", Kardec faz uma espécie de releitura dessa "ciência" com um enfoque espiritualista, demonstrando que o "atraso" dos negros não se deveria a causas biológicas, mas por seus espíritos encarnados ainda serem relativamente jovens. (7)
Indagamos: existem povos mais adiantados que outros? É possível desconhecer a discrepância entre silvícolas e citadinos? Se não é a diferença da evolução espiritual, o que os torna desiguais, então? É evidente que podemos adequar as terminologias para culturas "complexas ou simples" no lugar de "avançado ou atrasados", o que na essência não altera a situação de ambos. Sabemos também [isso é incontestável] que a antropologia e a sociologia surgem eurocêntricas. E a antropologia foi uma espécie de sociologia criada para estudar os povos primitivos.(8) Contudo, a Doutrina Espírita tem mais amplitude do que toda essa questão. Para nós "não há muitas espécies de homens, há tão somente cujos espíritos estão mais ou menos atrasado, porém, todos suscetíveis de progredir pela reencarnação. Não é este princípio mais conforme à justiça de Deus?"(9)·
No livro Renúncia, monumental obra da literatura mediúnica, identificamos trecho que nos chamou a atenção para reflexão sobre o assunto. Robbie, filho de escravos e irmão adotivo de Alcione, ao desencarnar disse-lhe "desde que mandei os gendarmes (10) libertar o cocheiro, por entender que me cabia a culpa (...) sinto que não tenho mais a pele negra, que tenho a mão e a perna curadas (...) veja Alcione (...) e esta lhe explica: São estas as provas redentoras, meu querido Robbie! Deus te restitui a saúde da alma, por te considerar novamente digno." (11)(grifei) Dá para imaginar o Espírito Alcíone racista...?
E por que teriam os negros sofridos tanto com a escravidão? Segundo Humberto de Campos os escravos seriam "os antigos batalhadores das cruzadas, senhores feudais da Idade Média, padres e inquisidores, espíritos rebeldes e revoltados, perdidos nos caminhos cheios da treva das suas consciências polutas".(12)
A concepção de que o homem possa encarnar na condição de branco, negro, mulato ou índio, estabelece uma ruptura com o preconceito e a discriminação raciais. Não esqueçamos, porém, que na Grã-Bretanha, ainda hoje, muitos adeptos do Neo-espiritualismo rejeitam a tese da reencarnação, por não admitirem a possibilidade de terem tido encarnações em posições inferiores quanto à raça e à condição social. Com essa visão, um Espírito, reencarnado num corpo de origem negra, estará sujeito à discriminação e isso lhe será uma condição, uma contingência evolutiva a ser superada. Para uns pode ser uma expiação, para outros uma missão.
Com os princípios espíritas se "apaga naturalmente toda a distinção estabelecida entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais o orgulho fundou castas e os estúpidos preconceitos de cor". (13) Como se observa, uma doutrina libertária , como o Espiritismo, não compactua, sob quaisquer pretextos, com nenhuma ideologia que vise a discriminação étnica entre os grupos sociais.
A verdade é que nos grandes debates de cunho sociológico, antropológico, filosófico, psicológico etc, o Espiritismo provocará a maior revolução histórica no pensamento humano, conforme está inscrito nas questões 798 e 799 de O Livro dos Espíritos, sobretudo, quando ocupar o lugar que lhe é devido na cultura e conhecimento humanos, pois seus preceitos morais advertirão aos homens a urgente solidariedade que os há de unir como irmãos, apontando, por sua vez, que o progresso intelecto-moral na vida de todos os Espíritos é lei universal, tomando, por modelo, Jesus, que ante os olhos do homem, é o maior arquétipo da perfeição que um Espírito pode alcançar.(14)

Jorge Hessen
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FONTES:
1- Xavier, Francisco Cândido. Caminhos da Vida, Ditada pelo Espírito Cornélio Pires, São Paulo: Ed. CEU, 1996.
2- O racismo, segundo a acepção do "Novo Dicionário Aurélio" é "a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças". O Conde de Gobineau foi o principal teórico das teorias racistas. Sua obra, "Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas" (1855), lançou as bases da teoria arianista, que considera a raça branca como a única pura e superior às demais, tomada como fundamento filosófico pelos nazistas, adeptos do pan-germanismo.
3- Entre os teóricos do racismo alemão, dizia-se dos europeus de raça supostamente pura, descendentes dos árias.
4- Incontri, Dora. Para Entender Kardec, Grandes Questões, São Paulo: Publicações Lachâtre, 2001
5- Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2002, pág. 31.
6- Idem págs. 415-416
7- Kardec, Allan. Revista Espírita de abril de 1862.
8- Primitivo era todo aquele povo que não havia chegado ao grau de cultura e tecnologia do europeu. Sem dúvida que era uma visão do europeu da época, que considerava os negros e os latinos selvagens.
9- Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, texto escrito por Allan Kardec, e Constitui o Capítulo V item 6º, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2001
10- Soldado da força incumbida de velar pela segurança e ordem pública, na França.
11- Xavier, Francisco Cândido. Renúncia, 7 ª ed. Ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1973, pg 412.
12- Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do Mundo Pátria do Evangelho, Ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1980.
13- Kardec, Allan. Revista Espírita de abril de 1861 297-298).
14- Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2003, parte 3ª, q. 798 e 799, cap. VIII item VI - Influência do Espiritismo no Progresso.