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terça-feira, 7 de abril de 2015

Uma verdade aterradora e deplorável


Sérgio de Jesus Rossi


Há poucos anos, fiz uma palestra em nosso C. E. Paulo de Tarso justamente sobre o aborto; lembro-me de que me referi ao clássico argumento dos abortistas, completamente falacioso.
        Esgrimiam a estatística de então, que registrava a morte de 15% das mulheres em procedimentos abortivos, debitando essa tragédia inquestionável à falta de atendimento médico adequado, já que se tratava de prática proibida; assim, culpavam a ilegalidade do aborto pelo falecimento de quase 50.000 gestantes, mas omitiam o número mais importante, e trágico.
        Afinal, das crianças abortadas, exatamente 100% morreram, e isso era mais de 1.560.000 !
        Apenas esta cifra já seria suficiente para mostrar toda hipocrisia e egoísmo que dominam os defensores do infanticídio pré-natal.
        A verdade, aterradora e deplorável, é que as pessoas pretendem continuar usufruindo sua pretensa liberdade para fazerem o que bem entenderem sem assumir qualquer responsabilidade; desejam exercer a plena promiscuidade sexual sem “riscos”.
        Tal raciocínio justificaria, para mentes assim distorcidas, a eliminação de qualquer tipo de “incômodo”, incluindo uma eventual gravidez inesperada; a mulher, particularmente, consegue elidir o próprio instinto maternal em nome de seu suposto direito de utilizar o próprio corpo como quiser, esquecendo, convenientemente, que o feto também é um corpo que deveria ter as mesmas prerrogativas . . .
        Felizmente, tais seres, destituídos de sentimentos verdadeiros de amor e humanidade, ainda são minoria na sociedade brasileira, mas, em outros países, o cenário parece calamitoso.
        Acabei de ler um livro que, em princípio, nada tem a ver com o nosso tema.
        Entretanto, é sintomático dos descaminhos morais de grande parte dos povos mais avançados.
        O título é “Previsões” e reúne as idéias de 30 pensadores das mais diversas áreas da cultura mundial, sendo a grande maioria originária da Grã Bretanha e dos Estados Unidos, além de um da Índia, um da Eslovênia, um da Austrália e um da Nigéria; porém, todos têm em comum a residência e o trabalho em ambiente cultural anglo-saxônico.
        Cada texto é precedido de uma apresentação e biografia resumida do autor, procurando mostrar a evolução e a gênese de suas idéias; no total, portanto, têm-se 60 dissertações variadas e tecnicamente perfeitas, porém todas permeadas, em maior ou menor grau, por uma cega confiança nas possibilidades da Ciência, que será capaz, no devido tempo, de resolver todos os problemas da humanidade.
        Seria tedioso mostrar que tal posicionamento reflete o entranhado materialismo que permeia considerável parcela de tais ambientes, mas é possível selecionar alguns trechos bastante expressivos, extraídos da apresentação e do texto de Peter Singer, australiano, filósofo, defensor intransigente dos animais e vegano; sua especialidade é a ética, considerada, porém, sob inusitado enfoque, no mínimo, estranho.  Ele a classifica como “utilitarista”, possível eufemismo para “cínica”.
        O seu posicionamento quanto à “manipulação” dos animais é extremo, a ponto de criticar aqueles que os acolhem em casa, denunciando a expressão “animais de estimação” como humilhante !  Ele entende que animais mais inteligentes, como os grandes primatas, deveriam ter os mesmos direitos dos seres humanos.  Na verdade, discorda completamente do conceito de tutela humana sobre os animais, rejeita a idéia de alguém assumir o papel de guardião de um bichinho.
        Sua postura, aqui sintetizada, mostra claramente a sua preocupação com a vida desses seres, apesar do evidente exagero.
        Entretanto, sua defesa da vida não é tão abrangente assim.
        Ele defende, por exemplo, que os bebês, quando nascidos com graves incapacidades, poderiam receber uma injeção letal, aplicada pelo próprio médico, a fim de evitar uma futura e provável morte, lenta e dolorosa para todos; talvez ele imagine que essa competência caberia ao pediatra ou, quem sabe, ao obstetra.
        Ele acredita que nosso direito à vida não é absoluto apenas porque somos humanos, já que nem todas as vidas têm o mesmo valor, “porque os graus de autoconsciência, inteligência e a capacidade de ter relacionamentos significativos com os outros, tornam algumas vidas mais valiosas do que outras”. A frase é de Kate Worsley, ao descrever o pensamento de Peter Singer, e prossegue: “a presença ou ausência de capacidades tais como a autoconsciência são relevantes para decisões sobre dar ou não um fim à vida”.
        Ela cita também palavras do próprio Singer: “haverá qualquer motivo para se viver, além de si mesmo, do dinheiro, do amor e da família ?”.
        Bem, se ele não conhece nenhuma outra razão para viver, a situação fica dramática.  Para ele, embora certamente não tenha sequer consciência disso.
        Ele começa o seu texto afirmando que o seu campo é a ética aplicada !
        Suas palavras: “. . . [estamos] ainda governados pelos vestígios de uma ética cristã que a maioria de nós não aceita genuinamente, mas incapazes de tomar a iniciativa para algo mais coerente”.
        E prossegue: “isso significaria a legalização da eutanásia voluntária e o suicídio assistido por um médico”.  Não esquece de incluir nessa categoria os doentes vegetativos e os recém-nascidos com incapacitação grave; defende que a eutanásia e o aborto são justificáveis em diversas circunstâncias.
        Para completar, citemos que, desde 1999, ele é professor de Bioética no Centro de Valores Humanos, da Universidade de Princeton.
        Detendo inegável prestígio junto à comunidade científica internacional e ao público em geral, Singer provavelmente não enfrenta grandes amarguras devido a seus conceitos sobre o direito à vida, e principalmente à morte.
        A triste conclusão leva-nos a identificar o avanço inexorável do materialismo, na companhia inevitável do individualismo e do egoísmo, ambos infrenes; a eugenia praticada pelos nazistas talvez não acarretasse atualmente o mesmo horror e repugnância que acometeram, com justiça, os demais povos da Europa.
        Nosso país não está, naturalmente, a salvo de tal conjuntura, o que demandará enfrentamento severo da parte daqueles que perseveram acreditando nos valores inalienáveis da vida; ainda que as leis de relativização da existência avancem, não poderemos jamais recuar de nossas convicções, muitas vezes sob o fogo cerrado do hedonismo irresponsável.
        Os vanguardistas do assassinato consentido não titubeiam em classificar seus opositores como conservadores, religiosos, carolas, atrasados; não conseguem, ou não querem, entender que o nosso guia é a ética, não a lei, menos ainda qualquer religião ou filosofia.
        Para os espíritas, especificamente, não se trata de ser contra o aborto e a eutanásia porque o Espiritismo assim o determina; ao contrário, somos espíritas porque a nossa doutrina endossa as nossas convicções, ditadas pelo raciocínio escrupuloso.

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