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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Os Problemas enfrentados pelo Movimento Espírita após a morte de Allan Kardec e as atuações de Delanne e Denis


Leonardo Marmo Moreira


A palavra "derrocada" muito provavelmente é exagerada, mas, realmente, o movimento espírita francês enfrentou muitas dificuldades após a desencarnação de Allan Kardec.

A liderança do movimento espírita após a desencarnação de Kardec passou a ser "dividida" entre Pierre Gaëtan Leymarie e Amélie Gabrielle Boudet, mas, na prática, a viúva de Kardec passou a ser uma espécie de "presidente de honra", pois lenta e gradualmente, Leymarie foi isolando Madame Boudet das tomadas de decisões (vide a obra de nosso confrade Adriano Calzone, "Madame Kardec"). 

A centralização do poder por Leymarie começou a ser sentida no movimento espírita, em um primeiro momento, através da "Revista Espírita". De fato, o grande periódico deixado por Allan Kardec passou a ser dirigido por Leymarie, que imprimiu uma administração no mínimo "polêmica" (os mais críticos talvez arriscassem afirmar "caótica"). De fato, Leymarie era simpatizante das ideias e dos trabalhos de Roustaing, da Teosofia de Madame Blavatky e até da maçonaria. Assim, alegando estar respeitando o caráter evolutivo da Doutrina Espírita, para não deixar o Espiritismo estacionado no tempo, Leymarie passou a considerar para publicação artigos pouco doutrinários, desde que fossem espiritualistas.

Tais dificuldades acabaram repercutindo, pelo menos indiretamente, no chamado "Processo dos Espíritas" (processo que gerou o livro homônimo traduzido ao português por Hermínio C. Miranda), quando Madame Kardec e Leymarie vão para o banco dos réus em função de publicação de fotos de efeitos físicos.

O próprio Gabriel Delanne terá oportunidade de afirmar que os problemas que o movimento espírita enfrentava tinham sido causados pelo próprio movimento espírita.

Alguns confrades, aproveitando a menção a Delanne, poderiam questionar: Onde estavam Gabriel Delanne e Léon Denis nesse momento?

Quando Kardec desencarnou Gabriel Delanne, muito embora espírita militante, nascido em "berço espírita", tinha apenas 12 anos de idade e Léon Denis, muito embora mais velho que Delanne (tinha 23 anos quando Allan Kardec desencarnou) serviria o exército na Guerra franco-prussiana de 1870 e, apesar de já espírita, ainda não estava muito integrado ao movimento espírita. Ademais, Léon Denis era de Tour, interior da França, e não da capital. Longe de Paris, Denis demoraria mais tempo para ganhar uma certa notoriedade no movimento espírita da época. Tanto Delanne como Denis demorariam um certo tempo para publicar seus primeiros livros espíritas. Apesar de mais jovem, Delanne publicaria antes de Denis. De fato, em 1883 Delanne, já reconhecido como destacado trabalhador espírita parisiense, publicou "O Espiritismo perante a Ciência" e pouco tempo depois Léon Denis publicaria "O Porquê da Vida". Trata-se de um intervalo de aproximadamente catorze (14) anos desde a morte de Allan Kardec. No entanto, o intervalo entre a atuação efetiva no mundo físico de Kardec e a dupla Delanne/Denis, dependendo do tipo de análise, pode até ser considerado maior, pois Delanne e Denis passaram a exercer maior influência no movimento espírita somente da década 1890 e, principalmente, a partir de 1900.

No livro "Entre Irmãos de Outras Terras", da psicografia de Chico Xavier e Waldo Vieira, André Luiz entrevista Gabriel Delanne sobre os problemas que o Movimento Espírita enfrentou na Europa, e sobretudo na França, após a morte de Allan Kardec, e Delanne afirma que a França enfrentou três grandes guerras (a guerra franco-prussiana de 1870 e as duas grandes guerras mundiais), o que dificultou muito o andamento do movimento espírita francês. Essa opinião corrobora a análise de Léon Denis sobre o impacto da primeira guerra mundial sobre muitas sociedades espíritas que tiveram que ser fechadas (vale lembrar a obra de Denis intitulada "O Mundo Invisível e a Guerra").

Portanto, as guerras foram decisivas para os problemas no Espiritismo francês pós-Kardec, mas antes delas, a liderança do movimento espírita sofreu demais após a morte de Allan Kardec, principalmente pela falta de coerência doutrinária, principalmente no órgão de divulgação legado por Kardec, que era a "Revue Spirite". De qualquer maneira, a partir do momento em que Delanne e Denis conseguiram uma justa notoriedade, dentro do seio do movimento espírita, o cenário melhora sensivelmente. Realmente, a partir de então, haverá uma significativa revivescência do movimento espírita francês até meados da década de 1920, quando Denis, Delanne e também Gustave Geley e Camille Flammarion desencarnam. 

Subsequentemente, em 1935, desencarnaria o "Pai da Metapsíquica" e simpatizante do Espiritismo Charles Richet e estaríamos às portas da Segunda Guerra Mundial, que geraria, entre outras dificuldades, a ocupação nazista da França por quase meia década.

Nesse momento, Chico Xavier já atuava no movimento espírita brasileiro, pois já tinha publicado "Parnaso de Além-Túmulo" em 1932 e estava publicando "Cartas de Uma Morta", de Maria João de Deus, e "Crônicas de Além Túmulo" de Humberto de Campos. De fato, Chico Xavier converte-se ao Espiritismo aos oito de Julho de 1927 menos de três meses após a desencarnação de Léon Denis, o último dos quatro trabalhadores citados a retornar ao mundo espiritual (Denis, Delanne, Geley e Flammarion).

Assim, a "passagem do bastão", em termo de liderança do movimento espírita no mundo, da França para o Brasil, salvo melhor juízo, ocorreria, de fato, após a morte de Léon Denis, entre o final da década de 1920 e o início da década de 1930, com o início do mediunato de Chico Xavier, e não com a atuação de Bezerra de Menezes no Brasil. De fato, Doutor Bezerra desencarna em 1900, época que Delanne e Denis estavam chegando ao "auge" de suas atuações espíritas, o que ainda duraria mais de 25 anos! Vale lembrar que o tio espírita de Eurípedes Barsanulfo geraria a "conversão" do querido sobrinho ao Espiritismo em meados da primeira década do século vinte, ao emprestar para ele uma cópia da maravilhosa obra de Léon Denis "Depois da Morte".

Logo, apesar de uma significativa e compreensível "crise" no movimento espírita francês nos anos imediatamente subsequentes à morte de Allan Kardec, a atuação verdadeiramente apóstólica de Gabriel Delanne e Léon Denis manteve vivo o legado kardequiano por muitas décadas, inclusive durante e após a primeira guerra mundial.

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