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domingo, 18 de dezembro de 2016

VEM AÍ O NATAL

     Margarida Azevedo 
Sintra/Portugal


...e com ele as depresssões e as angústias; o stress, os pobrezinhos e as ceias colectivas em instituições de caridade. Sabe-se que durante todo o ano vão-se construindo pobres, tantos que,nem cogumelos. Não interessa a redução do poder de compra, nem as injustiças sociais mais o bloqueio de quem pretende singrar na vida, nem o silenciar de quem tem razão. É tudo isto, e muito mais, que virá a justificar o natal da caridade, não de quem dá, mas de quem, humilhantemente, precisa.

Por entre montras reluzentes, lojas simpáticas com cânticos natalícios, centros comerciais a abarrotar, surgem as alegrias dos que podem comprar; o riso amarelo dos que só compram o que podem, politicamente remetidos para o consumo do que não querem; dos que muito compram, mas que não precisam de nada, por status, por ser chique, porque dá classe. Também há, poucos, os que não compram…

Este painel é revelador de um cristianismo de fachada, cumpridor de datas, incapaz de conciliar a tradição com a modernidade, de articular o lado espiritual com a necessária mudança social que o tempo, objectivamente, vai impondo. Em Portugal, os Centros Espíritas, na sua maioria, fecham portas nos dias 24 e 25 de Dezembro. Devem ser das poucas organizações cristãs a fazê-lo. Lamentamos. Mas é claro, como fora da caridade não há salvação, o dever está cumprido: as bananinhas, as bolachinhas e o leitinho já seguiram viagem rumo aos necessitados, aliviando a consciência. Assim se dispensa a ida ao Centro Espírita, para orar pelos que já partiram, ou pelos que estão do lado de cá da cortina, à procura de uma explicação avisada, convincente, que nos diga porque é que há tanta ingratidão.

De facto, tudo se resume a mais um dia feriado. Quem foi Jesus, o que significa o seu nascimento, o que representa para nós, hoje, aqui e agora, pouco importa. O Jesus histórico, o Cristo, o modo como estava no judaísmo, não são relevantes.

Ora não são as lojas, os presentes, as cores, o brilho, a iluminação das ruas, a fantasia em torno das crianças, enfim, os responsáveis pelo alarido que esmaga a religiosidade, mas a sobrevaloração do comercial, o apagar da luz do Espírito, a ausência do reencontro das famílias em torno de uma prece, ou na celebração da felicidade .

Por outro lado, politicamente, há que globalizar. Na tentativa de tornar o Cristianismo uma religião universal, tolerante, respeitadora das diferenças, verifica-se pecisamente o contrário. Distanciando-se, infelizmente, das suas raízes, não se afirma enquanto seguidor do seu profeta, mas como representante de sociedades baseadas numa economia de mercado, confundindo a felicidade da mensagem salvífica, no contexto teológico de então e de hoje, com o poder de compra de que o materialismo dos nossos dias é representativo. Dito de outro modo, a felicidade do Natal depende mais do brilho das gambiarras da árvore de natal do que propriamente do festim espiritual a que Jesus alude nos evangelhos. O religioso confunde-se com o laico, perdem a sua contiguidade, e o segundo sobrepõe-se ao primeiro. 

Comprar transformou-se num anti-depressivo, é aconselhado para combater frustrações e expulsar as neuras, uma forma de combater a lembrança dos infurtúnios da infância, tais como as repressões da família que, incompreensivelmente, não deixava os meninos darem pontapés nas canelas dos avós, quando estavam muito nervosos, ou quando faziam birra porque não queriam comer a sopa mas a sobremesa. Enfim, pequenas desgraças psicológicas. Felizmente que há natal para sublimar esses tempos de terror familiar. Assim, lembre-se, ao receber uma prenda natalícia, pode muito bem estar a colaborar na cura de grandes quadros depressivos, neuróticos, ansiosos, e tudo o que de mais houver na psique.

Efectivamente, podemos oferecer uma prenda a quem quisermos porque dar é um prazer, mas que isso não seja encarado como uma obrigação do Natal, antes como um gesto de amor para com aquele que recebe. Neste sentido, o Natal será todos os dias, no que há de mais saudável: amar.


Margarida Azevedo

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