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Paulo Neto |
O presente arquivo, em formato “PDF”, foi publicado no meu site www.paulosnetos.net, categoria “Artigos e Estudos” e contém as seguintes pesquisas:
Os textos de 1 a 7 foram publicados por meio eletrônico na revista semanal de divulgação espírita O Consolador (clique aqui), Londrina, PR, enquanto que os quatro primeiros textos e o quadro comparativo constam das páginas da revista Espiritismo & Ciência Especial n° 068, fev/2014, e o quinto a Espiritismo & Ciência Especial nº 69, mar/2013, da Mythos Editora.
Belo Horizonte, 04/12/2013.
Kardec reencarnou-se como Chico Xavier?
“O Espiritismo será o que dele fizerem os homens”. (Léon Denis).
Volta e meia este tema, polêmico por sinal, é comentado no meio Espírita. Publicaram-se vários textos e livros a favor ou contra esta tese; estão à disposição dos que se interessam pelo assunto. Podemos até tratá-la como uma possibilidade; mas, para admiti-la, é necessário resolver dois pontos:
1 – que o Espírito de uma pessoa viva possa manifestar-se;
2 – que, manifestando-se, dadas as condições necessárias para tal, o Espírito encarnado possa assumir a personalidade anterior, que lhe é atribuída.
Bom, o primeiro ponto, na verdade, já está resolvido, pois o próprio Allan Kardec (1804-1869) narra, na Revista Espírita, casos de manifestação de Espíritos de pessoas vivas. Na do ano 1860, por exemplo, há muitos casos notáveis de evocação de pessoas vivas; porém, para que isso ocorra é necessário que o encarnado não se encontre em estado de vigília, conforme nos explicou o codificador (KARDEC, 2001a, p. 138).
Em março de 1860, Kardec publica o artigo “Estudo sobre os espíritos de pessoas vivas”, no qual se reporta à evocação do Dr. Vignal, para estudo desses casos (p. 81-88). Provavelmente o resultado é o que consta em O Livro dos Médiuns, Capítulo XXV, “Das evocações”, item 284, “Evocação das pessoas vivas”, do qual transcrevemos as seguintes questões:
38ª Pode evocar-se o Espírito de uma pessoa viva?
“Pode-se, visto que se pode evocar um Espírito encarnado. O Espírito de um vivo também pode, em seus momentos de liberdade, se apresentar sem ser evocado; isto depende da simpatia que tenha pelas pessoas com quem se comunica”.
39ª Em que estado se acha o corpo da pessoa cujo Espírito é evocado?
“Dorme, ou cochila; é quando o Espírito está livre”.
43ª É absolutamente impossível evocar-se o Espírito de uma pessoa acordada?
“Ainda que difícil, não é absolutamente impossível, porquanto, se a evocação produz efeito, pode dar-se que a pessoa adormeça; mas, o Espírito não pode comunicar-se, como Espírito, senão nos momentos em que a sua presença não é necessária à atividade inteligente do corpo”.
(KARDEC, 2007b, p. 384-392, grifo nosso).
Assim, podemos dizer que é certa a possibilidade da manifestação de um Espírito encarnado; entretanto, haverá uma condição para que isso aconteça, qual seja a do encarnado estar numa situação em que a presença do seu Espírito não esteja sendo necessária à atividade inteligente no seu corpo físico.
Em relação ao segundo ponto, vejamos esta informação:
45ª Evocado o Espírito de uma pessoa viva, responde ele como Espírito, ou com as ideias que tem no estado de vigília?
“Isso depende da sua elevação; porém, sempre julga com mais ponderação e tem menos prejuízos, exatamente como os sonâmbulos; é um estado quase semelhante”.
(KARDEC, 2007b, p. 387-388).
A situação aqui é do Espírito evocado, não diz nada sobre a sua livre manifestação. E o fato de responder como Espírito não quer dizer que assuma a sua personalidade anterior. Concluímos, portanto, que não temos informações seguras para afirmar que isso possa acontecer. Além disso, ainda podemos acrescentar uma explicação de Kardec sobre um médium que fala na terceira pessoa do feminino:
Entre os fatos citados, há um que parece bastante bizarro; é o do militar que falava na terceira pessoa do feminino, é a distinção das duas personalidades em consequência do desligamento do Espírito; mas há um outro, que o Espiritismo nos revela, e do qual é preciso ter conta, porque pode dar às ideias um caráter particular: é a vaga lembrança das existências anteriores que, no estado de emancipação da alma, pode despertar, e permitir lançar um golpe de vista retrospectivo sobre alguns pontos do passado. Em tais condições, o desligamento da alma jamais é completo, e as ideias, se ressentindo do enfraquecimento dos órgãos, não podem estar muito lúcidas, uma vez que não o são mesmo inteiramente nos primeiros instantes que seguem à morte. […]. (KARDEC, 1993f, p. 227-228, grifo nosso).
Pelo exposto, pode-se aceitar que, na emancipação da alma, o encarnado pode ter vaga lembrança das existências anteriores, caso que não aconteceria se Francisco Cândido Xavier (1910-2002), carinhosamente Chico Xavier, emancipando-se, se manifestasse como Kardec, pois a lembrança dessa encarnação haveria de ser quase total, para poder transmitir suas mensagens. Isso quer dizer que Chico teria de se lembrar completamente de sua encarnação como Kardec para se manifestar como tal, enquanto que, em seus argumentos, o Codificador admite a possibilidade do Espírito ter apenas uma “vaga lembrança”.
Tudo o que estamos colocando tem razão de ser, pois há manifestações do Espírito Allan Kardec na mesma época em que Chico Xavier estava encarnado; o que nos levaria a crer que, nesse caso, teria ocorrido a manifestação de um Espírito de pessoa viva, caso Chico fosse mesmo Kardec reencarnado. Alguns autores falam dessas manifestações de Kardec, conforme veremos com as informações que se seguem.
Eduardo Carvalho Monteiro (1950-2005), em Allan Kardec (o druida reencarnado), narra o seguinte:
Na obra O Gênio Céltico e o Mundo invisível do mestre Léon Denis, só há pouco tempo disponível ao público brasileiro, o autor reproduziu uma série de mensagens do Espírito de Allan Kardec que, em verdade, escreveu a parte final de O Gênio Céltico. Madame Baumard, esta que o acompanhou nos últimos anos de vida como sua secretária, assim descreveu o processo criativo do grande escritor: “Durante os anos de 1926-1927, Denis manteve constantes contatos com o invisível. O interesse de Allan Kardec para com a obra em elaboração era “intenso”: apresentava-se a cada quinze dias e se encarregou, por ditado mediúnico, da parte final do livro” (MONTEIRO, 1996, p. 74, grifo nosso).
O biógrafo André Moreil (?-?), em Vida e Obra de Allan Kardec, afirma:
“Na segunda-feira da Páscoa de 1910, no centro 'Esperança' de Lião, por intermédio da Srta. Bernadette em estado de sonambulismo, Allan Kardec manifestou-se para agradecer ao que fora até então o seu único biógrafo, o espírita Henri Sausse”. (MOREIL, 1986, p. 174, grifo nosso).
Conforme nos informa o escritor Wilson Garcia (1949- ) “a Páscoa de 1910 coincide exatamente com o retorno ao corpo físico do Espírito que hoje conhecemos por Chico Xavier. Como se sabe, Chico nasceu em 2 de abril de 1910.” (GARCIA, 1999, p. 141). Assim, essa manifestação já seria de um espírito de uma pessoa viva. Nesse autor também encontramos:
Os registros de comunicações dadas por Kardec já na condição de Espírito fora do corpo físico não ficam apenas no período imediatamente posterior à sua desencarnação. Avançamos no tempo e uma dessas mensagens merece destaque, apesar de ser bem conhecida dos estudiosos. Foi dirigida ao extraordinário filósofo Léon Denis no ano de 1925 (mais uma vez, anote o leitor a data), contendo um veemente apelo de Kardec para que comparecesse ao congresso espiritualista daquele ano, em virtude da importância do evento para o Espiritismo. […]. (GARGIA, 1999, p. 143, grifo nosso).
De fato, em José Herculano Pires (1914-1979) se confirma isso:
Em 1925, quando se reuniu em Paris o Congresso Espiritualista Internacional, o próprio Kardec, através de comunicações mediúnicas teve de forçar Léon Denis, já velho e cego, a sair de Tours, na província, para defender o Espiritismo dos enxertos que lhe pretendiam fazer os representantes de várias tendências, como a aceitação ingênua de ilustres, mas desprevenidos militantes espíritas. […]”. (PIRES, 1978, p. 13-14).
Garcia também informa que “Wantuil e Thiesen reproduzem, ainda, na mesma obra [Allan Kardec], uma mensagem transmitida por Kardec no dia 14 de junho de 1979, no Grupo Espírita Ismael, do Rio de Janeiro. A íntegra do documento aparece ao final do volume III, fechando a biografia” (GARCIA, 1999, p. 146). Comprovamos que, de fato, na obra citada, existe essa mencionada mensagem.
Ao que tudo indica, não é de hoje essa ideia de se querer apontar alguém como sendo Kardec reencarnado. Vejamos, novamente, em Garcia:
Devemos registrar um outro fato. Denis faz uma anotação interessante no livro, a respeito de uma notícia que então se divulgava, dando conta de que Kardec estaria na época reencarnado. Ora, isso demonstra como a questão é antiga. Denis escreveu o livro em 1927, quando Chico estava com 17 anos de idade e dava início à sua tarefa mediúnica. Já havia na ocasião aqueles que admitiam estar Kardec reencarnado, mas não como Chico, note-se! Era ele um francês, com cerca de 30 anos de idade, portanto, teria reencarnado antes do novo século. Eis o registro de Denis: “Uma outra objeção consiste em pretender que Allan Kardec está reencarnado no Havre, desde 1897. Trinta anos teriam se passado de sua nova existência terrestre. Ora, pode-se admitir que um espírito deste valor tenha esperado tão longo tempo para se revelar por obras ou ações adequadas? Além disso, Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica. Em todos esses lugares ele se afirma pela autoridade de sua palavra e a sabedoria de seus conhecimentos” (O Gênio Céltico, p. 220). (GARCIA, 1999, p. 145, grifo nosso).
Então, desde o ano de 1897 já se vem afirmando que Kardec estaria reencarnado. Aliás, se pesquisarmos na Internet, veremos que, atualmente, são apresentados vários outros candidatos; além do Chico, conseguimos listar alguns deles; veja-se em nosso texto “Que se apresentem os candidatos a Kardec reencarnado”, disponível em nosso site www.paulosnetos.net, na categoria “Artigos e Estudos”.
Resolvemos confirmar todas essas informações a respeito da manifestação do Espírito Allan Kardec. Para isso recorremos à obra de Léon Denis (1846-1927) intitulada O gênio céltico e o mundo invisível, citada acima, de cuja “Introdução” tomamos esse trecho da fala do autor: “Com efeito, é pelo estímulo do Espírito Allan Kardec que realizei este trabalho, em que se encontrará uma série de mensagens que ele nos ditou, por incorporação, em condições que excluem toda fraude”. (DENIS, 2001, p. 28, grifo nosso). Essa obra foi publicada 1927, depois de sua morte.
Em duas oportunidades, Léon Denis fala sobre o Congresso Espírita de 1925 (p. 208 e 259), confirmando o que acima foi dito. Transcrevemos uma delas:
Então, ao se aproximar o Congresso de 1925, foi o grande iniciador, ele mesmo, que veio nos certificar de seu concurso e nos esclarecer com seus conselhos. Atualmente ainda é ele, Allan Kardec, quem nos anima a publicar este estudo sobre o gênio céltico e a reencarnação, como se poderá verificar pelas mensagens publicadas mais adiante. (DENIS, 2001, p. 259, grifo nosso).
Nessa obra de Denis, temos também a informação de que Kardec teria reencarnado em 1897 (DENIS, 2001, p. 278-279). Além disso, fato importante, ele não deixou de mencionar que “Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica.” (DENIS, 2001, p. 279).
À página 168, Denis coloca uma mensagem ditada pelo Espírito Allan Kardec em 25 de novembro de 1925; e, no final da obra, coloca outras treze ocorridas no período de janeiro a outubro do ano seguinte. Julgamos que não há como contestar a veracidade de tais manifestações, a não ser se comportando como um fanático, que faz de tudo para defender aquilo em que acredita.
O que podemos concluir disso tudo é que é bem pouco provável que o Espírito de Kardec, se reencarnado como Chico, pudesse manifestar-se tantas vezes como se demonstrou comprovado, dado que suas atividades mediúnicas, geralmente, se estendiam até altas horas, segundo seu próprio depoimento: “Nunca me deito antes das duas da madrugada” (UEM, 1992, p. 212). Para aceitarmos a tese, seria imprescindível levantar todas elas, especificando dia e hora de início e término, para ver se naqueles momentos nos quais Kardec se comunicou, Chico estava dormindo ou numa situação na qual o seu Espírito não precisasse comandar seu corpo físico. Fica aí o primeiro desafio para os que advogam essa tese.
Por outro lado, na possibilidade de isso ter ocorrido, ainda resta um outro desafio a ser vencido, que seria o de desmentir o próprio Chico, pois, nessa hipótese levantada, após emancipar-se do corpo, ele teria que, de forma totalmente consciente, como acontece com os desencarnados, ter assumido a personalidade anterior para se manifestar. Ora, isso nos leva à situação de que Chico deveria se lembrar dessa “mudança”. Então, como explicar que no dia 28 de agosto de 1988, em entrevista ao jornal Diário da Manhã, de Goiânia, respondendo à pergunta se ele seria Kardec reencarnado, disse:
Consulto a minha via psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração é eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que, em doze anos, deixou dezoito livros maravilhosos. […]. (COSTA E SILVA, 2004, p. 115-116, grifo nosso).
Antônio Corrêa de Paiva (?- ) confirma essa publicação, citando-a em sua obra Será Chico Xavier a reencarnação de Allan Kardec?, acrescentando a seguinte nota de rodapé:
Trecho fundamental da reportagem feita pelo “Diário da Manhã”, de Goiânia-GO, pelo jornalista Batista Custódio, no dia 28 de agosto de 1988, e que foi transcrita por Carlos Antônio Baccelli, em artigo publicado no mensário “A Flama Espírita”, de Uberaba-MG, em novembro de 1994. (PAIVA, 1997, p. 79).
Achamos bem curiosa a citação do nome de Baccelli, pois ele é um dos que vem defendendo de “unhas e dentes” que Chico Xavier era Kardec reencarnado. Será que se esqueceu dessa fala de Chico?
Outra pessoa que também defende essa tese é a Dra. Marlene Rossi Severino Nobre (1937- ); porém, ela ainda não se deu conta de que numa entrevista ao jornal Folha Espírita (São Paulo, Editora Fé), do qual é editora, o próprio Chico, ainda que indiretamente, nega isso. Em Lições de sabedoria, de sua autoria, ela informa que nessa obra “estão enfeixadas todas as entrevistas concedidas ao nosso jornal, ao longo dos seus 23 anos de existência (abril de 1974 e março de 1997), pelo médium Francisco Cândido Xavier” (p. 8), da qual transcrevemos.
FW – Pedindo desculpas por minhas ilações a respeito da pergunta que respeitosamente faço aqui, lembraria que no capítulo intitulado Minha Volta, escrito por Allan Kardec em 10/6/1860, constante de Obras Póstumas (FEB, pág. 300), diz o Codificador: “Calculando aproximadamente a duração dos trabalhos que ainda tenho de fazer e levando em conta o tempo de minha ausência e os anos da infância e da juventude, até a idade em que um homem pode desempenhar no mundo um papel, a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste século ou no princípio do outro”. Até o momento, ao que consta, ninguém sabe quem é ou teria sido Allan Kardec nessa prevista reencarnação. Inobstante, acha possível que essa previsão do Codificador não se tenha cumprido?
[Chico Xavier] Pessoalmente, não tenho até hoje qualquer notícia dos Espíritos Amigos sobre o regresso do Codificador à Terra pelas vias da reencarnação. Respeito as indagações que se fazem nesse sentido, mas, de mim mesmo, admito que em se tratando de Allan Kardec reencarnado, a obra que ele esteja efetuando, ou que virá a realizar, falará com eloquência com relação à presença dele seja como for, ou em qualquer lugar. (1/77). (NOBRE, 1997, p. 170-171, grifo nosso).
As inicias FW se referem ao jornalista e historiador Fernando Worm (1929- ).
Ademais, podemos ainda citar este trecho da fala de Chico Xavier, quando de sua entrevista no programa Pinga-fogo, realizado, em julho de 1971, pela extinta TV Tupi:
Quando ouvimos o Espírito de Emmanuel pela primeira vez, e que ele nos fez compreender a importância do assunto, nós nos informamos com ele de que, em outras vidas, abusamos muito da inteligência, nós, em pessoa, e que nesta consagraríamos as nossas forças para estar com ele na mediunidade, nos serviços de Nosso Senhor Jesus Cristo, no Espiritismo, e por isso mesmo coloquei minha vida nas mãos de Jesus e nas mãos dos bons Espíritos. (GOMES, 2010, p. 232-233, grifo nosso).
É certo que o Chico disse acima, não quer dizer na encarnação imediatamente anterior; porém, nos leva a refletir se caberia a Kardec, como personalidade anterior à de Chico, ter confessado “abusamos muito da inteligência”, referindo-se às suas outras encarnações anteriores.
Apresentamos mais um fato que corrobora tudo isso. Trata-se de uma entrevista que Chico Xavier participou quando da comemoração do primeiro aniversário do programa radiofônico “No Limiar do Amanhã”, ocorrida no ano de 1971, que encontramos disponível no site da Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires, da qual transcrevemos o seguinte trecho:
Pergunta nº 10 – Reencarnação de Kardec
Renato – Existe alguma notícia, já que se fala tanto, do plano espiritual sobre a reencarnação de Kardec aqui no Brasil ou em algum outro país?
Chico Xavier – Até hoje, pessoalmente, eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec reencarnado no Brasil ou alhures. Entretanto, eu devo dizer que em se tratando desses vultos veneráveis do nosso movimento, seja do cristianismo, seja do espiritismo, pessoalmente eu tenho muito receio de receber qualquer notícia, porque temo, pela minha fragilidade, e estimaria não ser o médium de notícias tão altas.
J. Herculano Pires – Excelente, Chico, essa resposta, porque infelizmente há por aí uma onda de reencarnações de Allan Kardec. Infelizmente há. Nós sabemos que isso são perturbações que ocorrem no movimento espírita em virtude da invigilância dos médiuns e da falta mesmo de compreensão de grande parte dos nossos companheiros no tocante à significação de uma personalidade espiritual como a de Kardec. De maneira que a sua resposta é também para nós de um valor inestimável.
Chico Xavier – Muito obrigado. Pensamos que, quando Allan Kardec surgir ou ressurgir, ele dará notícias de si mesmo pela sua grandeza, pela presença que mostre. (site Fundação Herculano Pires, grifo nosso).
Quem quiser escutar a voz do próprio Chico, fazendo essas declarações, basta acessar ao link indicado nas referências bibliográficas. Ressalte-se a anuência e considerações de Herculano Pires à resposta de Chico, pois, além de íntimo amigo do médium foi considerado pelo seu mentor, Emmanuel, como “o metro que melhor mediu Kardec” (PIRES, 2001, p. 7). Ora, esse fato é bem significativo porquanto evidencia que quem mais conhecia a obra e a personalidade de Kardec não considerava Chico Xavier como sendo a sua reencarnação.
Na sua obra Vampirismo, Herculano Pires deixa claro que, em sua opinião, Kardec, por ser Espírito de relativa evolução, não mais reencarnaria na Terra. Vejamos o que diz:
[…] Os espíritas de hoje farejam supostas reencarnações do mestre nas veredas escusas da mediunidade aviltada, como se ele, Kardec, fosse também um espírito errante que não se fixou nos planos elevados e espera uma ordem para descer de novo à reencarnação.
Analisemos rapidamente a ação de Kardec na Terra para vermos se a sua obra se completou ou não em sua última viagem a este pobre e desfigurado planeta. Ele provou a dupla natureza da Terra, como um mundo hipostásico semelhante ao Plotino. Esse mundo, que é a realidade física em que vivemos, se constitui de dois elementos fundamentais: espírito e matéria. Mostrou que o homem se deixara fascinar pela matéria, a ela se agarrando como náufrago do espírito e entregando-se apenas à Ciência da Matéria. Para corrigir esse desvio de percepção humana, fundou a Ciência do Espírito, que devia desenvolver-se pari passo com a sua parceira. […] E a partir dos fins do século passado começaram a surgir novos rebentos da Ciência do Espírito, todas elas moldadas no esquema de pesquisas de Kardec e obedientes aos processos metodológicos do mestre. Kardec voltou, não no corpo material que os materialistas conhecem, mas no corpo espiritual da sua concepção do mundo e do homem. Ninguém o vê ou o encontra reencarnado, mas ele está presente no desenvolvimento da ciência que fundou e plantou no chão do planeta. A Metapsíquica, a Biopsíquica, a Física Transcendental, a Medicina Psicossomática, a Parapsicologia, a Antropologia Cultural aí estão, aos nossos olhos e ao alcance dos nossos dedos. A obra de Kardec, completa e perfeita como uma semente com todas as suas potencialidades invisíveis, foi inteiramente completada pelo seu fundador. E tanto assim é, que germina na própria aridez da cultura materialista. Kardec responde: “Presente!” toda vez que o chamam no âmbito dessas ciências. […] toda a obra de Kardec é estruturada numa síntese didática em que uma palavra ou uma frase lida sem atenção impede a compreensão de problemas fundamentais, principalmente nas cinco obras da Codificação. (PIRES, 1980, p. 93-95, grifo nosso).
A primeira edição dessa obra é datada de outubro de 1980, mas apesar disso o que falou serve para a oportuna reflexão aos estudiosos da Doutrina.
Assim, quem ainda quiser sustentar a ideia de que Kardec reencarnou como Chico deve solucionar esses dois desafios, o que, acreditamos, resolverá de vez a questão.
Aliás, esse assunto só vem trazer prejuízos à Doutrina, pois os detratores utilizam-se de tais polêmicas para questionar a coerência dos ensinos dos Espíritos. Fora isso, também prova que nós, os espíritas, não nos entendemos sobre o assunto, conforme pudemos constatar em pesquisa, que resultou no texto “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, no qual fica claro que duas entidades Federativas do Movimento Espírita brasileiro apoiam teses conflitantes. Esse material também está disponível em nosso site, link já citado, na categoria “Artigos e estudos”.
Os antropólogos Marion Aubrée (1942- ) e François Laplantine (1943- ), num estudo sobre o Espiritismo no Brasil e na França, que resultou na obra A Mesa, o Livro e os Espíritos, publicada na França em 1990, apresenta duas especulações no Movimento Espírita, a saber:
a) Não nos entendemos em apontar (se é que isso seja preciso) quem foi Kardec:
Uma das hipóteses ouvidas com maior frequência, faz de Kardec a reencarnação de São Paulo. Alguns afirmam que ele poderia ter reencarnado como Chico Xavier, a figura maior, incontestavelmente, do Espiritismo brasileiro contemporâneo. Porém, a hipótese que prevalece, no que concerne a este último, é que seria a reencarnação de São João que, antes de renascer no Brasil, teria vivido na Itália na pessoa de São Francisco de Assis. Este, por outro lado, está associado frequentemente com Kardec, particularmente em razão do dia 4 de outubro, véspera da data do nascimento em Lyon daquele que se tornaria o codificador do Espiritismo, coincidir com o dia da festa de São Francisco. (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. 302).
b) Não definimos quem foi, diante de tantos candidatos que se apresentam:
[…] O Espírito de Allan Kardec manifesta-se com frequência no Brasil. Então, não se poderia considerar uma nova encarnação do mestre? Há atualmente no Brasil cerca de quarenta Kardec, cada qual considerando-se mais Kardec do que o outro. Porém, neste ponto, a opinião de todos os responsáveis espíritas é formal: “o retorno de Allan Kardec ocorrerá como o de Jesus. Não sabemos nem o dia nem a hora. E ele poderá reencarnar-se espírita ou não-espírita, tornar-se célebre ou viver incógnito. (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. 302-303, grifo nosso).
Infelizmente, portanto, temos a questão registrada na história do Espiritismo no Brasil, demonstrando, que nós, os espíritas, não nos entendemos em questões que, aos olhos do vulgo, deveriam ser bem simples.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Fev/2008
(Versão 12 – nov/2014)
Referências bibliográficas:
AUBRÉE, M e LAPLANTINE, F. A mesa, o livro e os espíritos: gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió: EDUFAL, 2009.
COSTA E SILVA, L. N. Chico Xavier, o mineiro do século. Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.
DENIS, A. O gênio céltico e o mundo invisível. Rio da Janeiro: CELD, 2001.
GARCIA, W. Chico você é Kardec? Capivari, SP: EME, 1999.
GOMES, S. Pinga-fogo com Chico Xavier. Catanduva, SP: Intervidas, 2010.
KARDEC, A. Revista Espírita 1858. Araras, SP: IDE, 2001a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1860. Araras, SP: IDE, 2000a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1993f.
KARDEC, A. Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
MONTEIRO, E. C. Allan Kardec (o druida reencarnado). São Paulo: Eldorado/Eme, 1996.
MOREIL, A. Vida e Obra de Allan Kardec. São Paulo: Edicel, 1986.
NOBRE, M. R. S. Lições de sabedoria: Chico Xavier nos 23 anos da Folha Espírita. São Paulo: Editora Jornalistica Fé, 1997.
PAIVA, A. C. Será Chico Xavier a reencarnação de Allan Kardec? Uberaba, MG, 1997.
PIRES, H. J. Na hora do testemunho. São Paulo: Paideia, 1978.
PIRES, H. J. No Limiar do Amanhã. São Paulo: Camille Flammarion, 2001.
PIRES, H. J. Vampirismo. São Paulo: Paideia, 1980.
UEM – União Espírita Mineira. Chico Xavier, mandato de amor. Belo Horizonte, 1992.
WANTUIL, Z. e THISEN, F. Allan Kardec (pesquisa biobibliográfica e ensaios de interpretação). Vol. III. Rio de Janeiro: FEB, 1992.
http://www.fundacaoherculanopires.org.br/nolimiardoamanha/especial1aniversario, acesso em 03.02.2014, às 10:00hs.
Áudio da pergunta 10: http://www.fundacaoherculanopires.org.br/plugins/content/jw_allvideos/includes/download.php?file=images/stories/audio/especial_P10_reencarnacao-de-Kardec.mp3
Este artigo foi publicado:
– Jornal Espírita nº 392. São Paulo: FEESP, abr/2008, p. 4, versão original, com o título: Allan Kardec e Chico Xavier não são o mesmo espírito;
– revista digital O Consolador nº 71. Londrina, PB, ago/2008, link: http://www.oconsolador.com.br/ano2/71/especial.html
– jornal O Imortal nº 655. Cambé, PR, set/2008, p. 3 e 10.
– revista Espiritismo & Ciência Especial nº 68. São Paulo: Mythos Editora, fev/2014, p. 4-14.
Supostas reencarnações de Chico Xavier
Parece que os espíritas continuam descobrindo as várias reencarnações de Chico Xavier, pois as listas sempre circulam na Internet. Vejamos o quadro comparativo em duas listas:
Chico Xavier, diálogos e recordações…
(autor Carlos Alberto Braga Costa, publicação da União Espírita Mineira)
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Vivências de um Espírito – Médium do Cristo (basedo na obra A volta de Allan Kardec, autor Weimar Muniz de Oliveira, impresso pela Federação Espírita do Estado de Goiás)
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Nome
|
Local
|
Época
|
Nome
|
Época
|
nihil
|
Profeta Isaac
|
c. 1900 a.C.
|
Hatshepsut
|
Egito - Tebas
|
c. 1470 a.C.
|
Faraó Hatshepsut
|
c. 1.470 a.C.
|
Chams
|
Egito - Tanis
|
c. 800 a.C.
|
Faraó Chams
|
c. 800 a.C.
|
Sacerdotisa
|
Grécia - Atenas
|
c. 600 a.C.
|
nihil
|
nihil
|
Profeta Daniel
|
c. 622 a 550 a.C.
|
Platão
|
c. 428 a 348 a.C.
|
Druida Allan Kardec
|
c. 58 a 44 a.C.
|
Lucina
|
Itália -Roma
|
60 a.C.
|
nihil
|
Flávia Cornélia
|
Roma e Palestina
|
26 a 79 d.C.
|
nihil
|
nihil
|
João Evangelista
|
c. 10 a 103 d.C.
|
Lívia
|
Ciprus, Massilia, Lugdnm, Neapolis
|
233 a 256 d.C.
|
nihil
|
nihil
|
Santo Antão
|
251 a 356
|
Um sacerdote
|
c. 440 a 530
|
Francisco de Assis
|
1182 a 1226
|
Lucrezja di Colinna
|
Itália -
|
Século XIII
|
nihil
|
nihil
|
Jan Huss
|
1369 a 1415
|
Joana de Castela (a louca)
|
Espanha
|
1479 a 1555
|
nihil
|
nihil
|
Manuel de Paiva
|
1508 a 1584
|
Dama da corte francesa
|
França
|
1556
|
nihil
|
Joanne d'Arencourt
|
França - Arras
|
Séc. XVIII – 1789 Rev. Francesa
|
nihil
|
Dolores Del Sarte Hurquesa Hernandes
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Espanha - Barcelona
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Séc. XIX
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Hippolyte Léon Denizard Rivail
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1804 a 1869
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Chico Xavier
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Brasil – Pedro Leopoldo
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1910 a 2002
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Chico Xavier
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1910 a 2002
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A obra de Carlos Alberto Braga é baseada nos relatos de Arnaldo Rocha, que, segundo ele nos informa, foi amigo e confidente de Chico Xavier. Uma publicação da União Espírita Mineira.
Observem que, no quadro, além de os personagens divergirem, há sérios conflitos de datas.
Por outro lado, se pela lista, Kardec foi João Evangelista e Platão, como então fica a assinatura de ambos em “Prolegômenos” (O Livro dos Espíritos)?
Quanto ao fato da coordenação dos Espíritos da codificação ter sido exercida por João Evangelista, isso, também não procede, pois, conforme Kardec, quem exercia essa função era o Espírito de Verdade, fato que ainda se pode corroborar em uma das mensagens de Erasto.
Wilson Garcia, em Chico você é Kardec?, apresenta uma entrevista publicada no Diário da Manhã, de Goiânia, em 1998, na qual Chico nega ser Kardec.
Fora isso, podemos acrescentar aquilo que já dissemos anteriormente; os que advogam a tese que Chico foi Kardec têm a obrigação de provar que todas as vezes que Kardec, manifestou-se em Espírito, Chico estava dormindo ou numa condição tal, que seu Espírito pudesse desligar-se do corpo para se manifestar como Kardec. Inclusive, ele esteve “assessorando” Léon Denis durante o período e 1926 a 1927, quando este estava escrevendo uma obra O Gênio Céltico.
Quando Kardec ficou sabendo que o seu desencarne estava se aproximando, ele também teve a notícia que voltaria para completar a sua missão. Comparando-se a forma de trabalho de ambos, Kardec e Chico, vemos que esse último, considerado como o brasileiro do século, apenas serviu de intermediário dos Espíritos, enquanto que o primeiro fez todo um trabalho de coordenação, e para isso se utilizou de pesquisas e muita análise crítica, não colocando como ponto doutrinário senão aquilo que foi confirmado por vários Espíritos, por vários médiuns de localidades diferentes. Ora, nem mesmo as obras de André Luiz, que dizem completar a doutrina, passaram por esse controle. Com isso, não queremos desmerecer essas obras; apenas estamos registrando o fato.
É lamentável que tudo isso venha acontecendo no Movimento Espírita, coisas que os detratores usam como arma contra o Espiritismo.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Jul/2012
(Versão 2 – dez/2013).
Este texto foi publicado:
- revista Espiritismo & Ciência Especial nº 68. São Paulo: Mythos Editora, fev/2014, p. 14-15.
Que se apresentem os candidatos a Kardec reencarnado
É interessante como insistem em querer nomear algumas pessoas como sendo Kardec reencarnado, e, infelizmente, nem o Movimento Espírita escapou desse tipo de fanatismo, indo mais além, criando polêmica sobre isso. Temos, inclusive, duas Federativas publicando obras que são contraditórias sobre a pretensa reencarnação de Kardec como Chico Xavier, conforme demonstramos em nosso texto “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, postado em Artigos e Estudos, em nosso site www.paulosnetos.net.
Isso tem sido um prato cheio para os detratores do Espiritismo, que recebe do próprio Movimento Espírita munição para seus constantes ataques.
O primeiro ponto é que a tentativa de se descobrir o Kardec reencarnado não é algo novo. Léon Denis (1846-1927) nos dá conta disso, em O Gênio Céltico e o mundo invisível, ao falar dos que objetavam sobre as mensagens enviadas pelo Espírito Allan Kardec. Ele afirmou:
Uma outra objeção consiste em pretender que Allan kardec está reencarnado no Havre, desde 1897. Ele teria chegado, portanto, aos trinta anos de sua nova existência terrestre. (Este livro foi escrito em 1927, N.T.) Ora, pode-se admitir que um espírito deste valor tenha esperado tão longo tempo para se revelar por obras ou ações adequadas? Além disso, Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica. Em todos esses lugares, ele se afirma pela autoridade de sua palavra e a prudência de suas observações. (DENIS, 2001, p. 278-279, grifo nosso).
Como, anteriormente, já argumentamos (“Kardec reencarnou-se como Chico Xavier”, disponível em Artigos e Estudos, em nosso site www.paulosnetos.net), cabe aos partidários do conceito de que Kardec teria sido algum personagem específico, provar que, neste período em que o Espírito Allan Kardec se manifestava na França, inclusive, “assessorando” diretamente Espírito pudesse se emancipar para manifestar-se nessas localidades mencionadas.
Resolvemos pesquisar e encontramos seis candidatos nas terras dos tupiniquins:
1) Severino de Freitas Prestes Filho (1890-1979), Coronel do Exército Brasileiro, engenheiro militar. Transcrevemos trecho da fala de seu filho o professor Erasto de Carvalho Prestes (1926-2009), em resposta a uma internauta:
Desde 1979, quando lancei meu primeiro livro intitulado “EU CONHECI ALLAN KARDEC REENCARNADO”, sem declarar, abertamente, que foi meu pai, venho repetindo isto, de maneira explícita, desde 1989, quando um jornal espírita de Santos lançou ao público esta minha afirmação. E é hoje, com mais convicção ainda que, volto a dizer: “- Eu conheci Allan Kardec reencarnado”. E desafio todos os verdadeiros espíritas que são os “kardecistas”, leais e honestos discípulos do grande Missionário lionês para que, pela evocação, preconizada por ele no cap. XXV de “O Livro dos Médiuns” me provem, cientificamente, que estou redondamente enganado. Mas, por favor, não me venham com “achismos”. Façam somente o que deve fazer um cientista espírita, já que o Espiritismo é uma Ciência: EVOQUEM O ESPÍRITO DE ALLAN KARDEC”. (http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat652.htm, grifo nosso).
Esse depoimento pessoal confirma a informação contida na obra Chico você é Kardec?, na qual o escritor e jornalista Wilson Garcia (1949- )dá a notícia de que “Erasto de Carvalho Prestes, que entendeu ser seu pai a reencarnação de Kardec.” (GARCIA, 1999, p. 113-114).
2) Alziro Abrahão Elias David Zarur (1914-1979) foi um jornalista, radialista, poeta e escritor, fundador e primeiro presidente da Legião da Boa Vontade (Wikipédia).
“Allan Kardec recebeu de Seus Amigos Espirituais em meados do século passado, a notícia de que regressaria à Terra para completar a sua missão, porque o Espiritismo não dera a última palavra”. “… Ora, tudo isso está matematicamente cumprido no Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho e do Apocalipse, graças à ação heroica, pertinaz de Alziro Zarur: Kardec veio. Cumpriu, na íntegra, a segunda metade de sua admirável tarefa missionária”. “… os irmãos espíritas, diante da marcha inexorável da Verdade, reconhecerão que Alziro Zarur foi Kardec que voltou. E completou a missão do Espiritismo, com a RELIGIÃO DE DEUS…”. (A Saga de Alziro Zarur-III, JESUS, Zarur, Kardec, Roustaing Na Quarta Revelação, 5ª edição, p. 11-13) (site CACP Ministério Apologético, grifo nosso).
3) Ennio Schiess, não conseguimos nenhum dado biográfico sobre ele.
A informação a seguir, consta no site Candeia, em referência ao livro Obras Atuais – Vinda de Jesus de sua autoria:
Livro que ensina orações, reúne versos, depoimentos e fala sobre os trabalhos realizados pelo médium Ennio Schiess, que afirma ser Allan Kardec reencarnado e se diz receber o espírito de Jesus Cristo. (http://www.candeia.com/produto.asp?section=1&id=7481, grifo nosso).
4) Osvaldo Polidoro (1910-2000)
N no site “O Divinismo”, encontramos:
Em 5 de junho de 1910, Allan Kardec reencarnou com o nome de Osvaldo Polidoro, na cidade de São Paulo. O maior trabalhador da Doutrina do Caminho que a Terra pôde conhecer escreveu, nesta encarnação, dentre inúmeras outras obras, 116 livros, restaurando tudo o que já foi ensinado no nosso planeta em termos de Verdades Divinas, tendo aprofundado muitos pontos que atualmente já temos condição de entender melhor.
Por meio do livro Evangelho Eterno e Orações Prodigiosas, prometido em Apocalipse 14,6, instituiu o Divinismo, a Doutrina Integral.
Ao desencarnar, em 25 de dezembro de 2000, Osvaldo Polidoro deixou no mundo, com a restauração concluída, “UM DEUS, UMA VERDADE, UMA DOUTRINA”. (http://divinismo.org/, grifo nosso).
5) Chico Xavier (1910-2002), o mineiro do século e o maior brasileiro de todos os tempos, nascido em Pedro Leopoldo, MG.
Essa informação circula no meio espírita sob diversas fontes e depoimentos. Citamos, por exemplo, a obra A volta de Allan Kardec, de Weimar Muniz de Oliveira (1936- ), juiz aposentado, publicação apoiada pela Federação Espírita do Estado de Goiás.
O estranho é que a União Espírita Mineira publicou a obra Chico Xavier, diálogos e recordações…, de autoria de Carlos Alberto Braga Costa (1966- ), na qual a reencarnação anterior de Chico Xavier foi como Dolores Del Sarte Hurquesa Hernandes, em Barcelona, Espanha (p. 236). Se duas Federativas não se entendem, o que se pode esperar dos adeptos do Espiritismo?
Quem se interessar pelas divergências entre essas duas publicações, veja o nosso texto “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, disponível na categoria Artigos e Estudos em nosso site: www.paulosnetos.net.
6) Jan Val Ellam, é o pseudônimo usado pelo escritor natalense Rogério de Almeida Freitas (1959- ) (Wikipédia).
Da entrevista do escritor Alfredo Jorge Nahas (1945- ) a Alex S. C. Guimarães (1981- ), um dos apresentadores do Programa “Visão Espirita”, na TV NET (www.visaoespirita.tv). disponível em http://alexscguimaraes.blogspot.com.br/, transcrevemos o seguinte trecho:
ALEX – Há mais de um ano atrás nos encontramos em Jacareí-SP, onde você falou sobre diversas personalidades da história que reencarnaram novamente depois, divulgando até os nomes dos mesmos os co-relacionando. Você poderia dizer alguns deles para nós?
ALFREDO – Este assunto é sempre polêmico, pois há opiniões contraditórias, de difícil comprovação. Mas de todos os que conheço e posso falar com mais certeza, como opinião pessoal minha, é da reencarnação de Kardec no Brasil, em Natal no Rio Grande do Norte, na pessoa de Jan Val Ellam. (grifo nosso).
Os candidatos podem ser muito mais, se consideramos as informações de R.A. Ranieri (1919-1989), em Chico Xavier – O santo dos nossos dias, publicado em 1976, de que “[…] já existem cerca de uns quinze Allans Kardecs no Brasil. Três no Rio, quatro em São Paulo, dois em Santa Catarina, etc., etc.” Poucas linhas abaixo completa: “No entanto, nós nunca ouvimos o Chico dizer que ele era Allan Kardec e nem ouvimos dizer que ele afirmasse isso. […]”. (RANIERI, s/d, p. 63, grifo nosso).
Se você, caro leitor, souber de algum outro candidato, favor nos informar, pelo e-mail paulosnetos@gmail.com, para que possamos incluí-lo nessa lista.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Mai/2013.
(Versão 3 – fev/2014).
Referências bibliográficas:
COSTA, C. A. B. Chico, diálogos e recordações... Belo Horizonte: UEM, 2006.
DENIS, L. O gênio céltico e o mundo invisível. Rio de Janeiro: CELD, 2001.
GARCIA, W. Chico você é Kardec?. Capivari, SP: Eldorado/EME, 1999.
OLIVEIRA, W. M. A volta de Allan Kardec. Goiânia: Kelps, 2007.
RANIERI, R. A. Chico – O santo dos nossos dias. 4ª ed. Rio de Janeiro: ECO, s/d.
MORAES, N. Chico, uma alma feminina, disponível em: http://www.ieja.org/portugues/Estudos/Artigos/p_chicoumaalmafeminina.htm, acesso em 02.02.2014, às 08:45hs.
http://www.cacp.org.br/quem-e-a-reencarnacao-de-kardec-chico-xavier-ou-alziro-zarur/, acesso em 07.05.2013, às 08:00hs.
Alziro Zarur: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alziro_Zarur, acesso em 07.05.2013, às 08:05hs.
Obras Atuais – Vinda de Jesus: http://www.candeia.com/produto.asp?section=1&id=7481, acesso em 07/05/2013, às 08:10hs.
Osvaldo Polidoro: http://divinismo.org/, acesso em 07.05.2013, às 08:17hs.
Blog do Alex: http://alexscguimaraes.blogspot.com.br/2011/07/63-alex-entrevista-alfredo-nahas.html, acesso em 28.05.2013, às 13:40hs
Jan Val Ellan: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jan_Val_Ellam, acesso em 28.05.2013, às 13:42hs
Severino Freitas: http://www.ofrancopaladino.pro.br/meupai.htm e http://www.ofrancopaladino.pro.br/mat652.htm, acessos em 02.02.2014, às 08:13.
Severino Freitas: http://www.ofrancopaladino.pro.br/meupaicapa.jpg
Alziro Zarur: http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcS9EGpwIf53XbG0EsCWW04ojMeD9EqV-DM2lSPgJzDeZ8nFnbPp0g
Chico Xavier: http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTfEZbxuDzJIdwjADjdEX6yd7CQAXe-T417V2pN9lQ2yjaIq_oe
Osvaldo Polidoro: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2RcHm41XjXuuWSSja4yO4qgK7SxdIVUUf1Ese4WO8aYQqYvx5acTQ3zDdS_exQ1SniklRsL5Cesihbzpdp6WmMj9csBGvPDG6D4GClDiyXHtIXISJQAZebhwztXK58wvNg_OdOqOYqTY/s200/polidoro.jpg
Jan Val Ellam: http://www.ufo.com.br/admin/arquivos/dnot_4776.jpg
Este texto foi publicado:
– revista eletrônica digital O Consolador nº 336, 03 de novembro de 2013, (versão anterior) link: http://www.oconsolador.com.br/ano7/336/paulo_neto.html
– revista Espiritismo & Ciência Especial nº 68. São Paulo: Mythos Editora, fev/2014, p. 16-20 (versão anterior).
Só por equívoco Chico Xavier foi Kardec
“Há duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade; a outra é se recusar a acreditar no que é verdade”. (Søren Kierkegaard).
Em busca da verdade, continuamos as pesquisas sobre as supostas reencarnações de Kardec, para ver até onde vai a falta do bom senso entre alguns espíritas, que mais se parecem com os fiéis fundamentalistas, que bem conhecemos de outras religiões.
Temos em mãos o livro “Até sempre, Chico Xavier”, de autoria de Nena Galves, publicação do Centro Espírita União, no qual encontramos mais alguma coisa que ajudará em muito a solução do caso de Chico ser ou não a reencarnação de Allan Kardec.
Indiscutivelmente D. Nena Galves foi amiga de Chico, o que ela demonstra com várias fotos, talvez para que não pairasse nenhuma dúvida sobre isso. Um detalhe que nos chamou a atenção é que ela não teve a mínima preocupação em identificar quem foi Chico na reencarnação passada, como alguns dos que dizem ser seus “amigos” espalham, a nosso ver, sem provas convincentes, que ele teria sido Kardec.
O capítulo dois tem o título “Reencontro de corações”, de onde transcrevemos:
Os bons ou maus momentos que passamos são sempre lembrados, são pontos definitivos em nossas vidas.
Maio de 1959 é data que recordamos com imensa alegria.
O encontro com Chico Xavier fez florescer na memória atual reencarnações passadas na Espanha e na França. Chico nos confidenciou que nos reconheceu imediatamente. Galves e eu sentimos uma atração imensa, uma grande afeição, e quando Chico tomou as mãos de Galves e as minhas entre as suas e as beijou, tivemos a certeza de que suas mãos e as nossas já haviam estado unidas num passado distante. Foi uma volta a tempos longínquos e um despertar no presente. Tivemos a impressão exata de que nos localizávamos no espaço e no tempo. (GALVES, 2011, p. 19, grifo nosso).
Ora, aqui é taxativo o fato de que Chico viveu na Espanha e na França, com o casal Galves, o que derruba a tese dos que defendem ter sido ele Kardec, e confirma o que Carlos Alberto Braga Costa afirma na obra Chico Xavier, diálogos e recordações…, sobre as reencarnações anteriores de Chico, conforme se pode ver em meu artigo intitulado “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, disponível no meu site pelo link: (http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/414-supostas-reencarnacoes-de-chico-xavier).
No texto “Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet”, publicado na revista eletrônica digital O Consolador(), o autor Luciano dos Anjos também apresenta várias reencarnações do Chico, embora em quantidade superior às apresentadas por Carlos Alberto, a maioria confirma as listadas por ele(). Destaque especial para Ruth-Céline Japhet, uma das médiuns que colaborou com Kardec quando da elaboração das obras da Codificação Espírita.
Encontramos algo interessante num trecho da fala de Chico Xavier na entrevista a Fernando Worm, publicada no livro Lições de Sabedoria:
FW – Muitos estão convictos de que em Há Dois Mil Anos, você encarnou a personagem Flávia, filha dileta do respeitável senador Públio Lêntulus. A mesma convicção se volta para Célia, personagem de 50 Anos Depois. De então para cá você tomou conhecimento, por via espiritual, das outras encarnações que vivenciou até a atual existência?
[Chico Xavier] A suposição de que tenha sido personagem nos romances de Emmanuel parte de companheiros amigos, não de mim. Sinto-me, realmente, uma criatura de evolução muito acanhada, ainda com muitos defeitos a corrigir, e, nos primeiros séculos do Cristianismo, sem dúvida que a minha condição deveria ser muito pior que a de agora. (7/77). (NOBRE, 1997, p. 159).
A nossa impressão é que Chico, nas entrelinhas, confirma que foi Flávia Lêntulus, ora, tal fato, se verdadeiro, vem corroborar a lista das reencarnações anteriores de Chico que Carlos Alberto e Luciano dos Anjos propõem e não a que termina em Kardec. Percebe-se, também, que Chico sempre se coloca como um endividado perante a leis divinas, razão pela qual diz precisar melhorar muito.
E, para completar o xeque-mate a favor do que diz, D. Nena apresenta dois cartões-postais (p. 21) nos quais o Chico Xavier, de próprio punho, confirma ter vivido na Espanha com o casal, ao dizer “lembrança de nossa querida España”. Vejamo-los:
Uma dessas imagens, a da espanhola, nos fez lembrar que, na obra citada do Carlos Alberto Braga Costa, havia alguma coisa nesse sentido. E não deu outra; encontramos a referência numa fala de Arnaldo Rocha, que, por oportuno, transcrevemos:
Meses se passaram e a Senhora Aida Fassanello voltou à casa de Chico, levando um presente para Alma Querida. Tratava-se de um quadro pintado a óleo, muito bonito, que retratava uma cena no mínimo curiosa, de três espanholas com roupas do século XIX. Sentada sobre uma mesa, a primeira tocava uma guitarra, enquanto as outras duas dançavam com suas castanholas.
Chico, muito emocionado com o presente, confidenciou-me: “Ela conseguiu registrar, na tela do quadro, o que captou da história que lhe descrevi, sobre nossa amizade anteriormente vivida. Éramos três grandes amigas, (Chico revela que a outra personagem se chamava Maria Yolanda – referindo-se a Dona Neném), e vivemos na cidade de Barcelona no século XIX, meu nome era Dolores del Sarte Hurquesa Hernandes”. (COSTA, 2006, p. 236, itálico do original, grifo nosso).
Voltando à obra de D. Nena Galves; mais à frente ela informa:
Chico dedicou atenção especial para nós, como se fôssemos velhos amigos. Tempos depois, ele confidenciou-nos que Emmanuel havia prometido que ele reencontraria familiares de outras vidas, já reencarnados em São Paulo. Naquela época, Chico mudara-se recentemente para Uberaba e sentia falta de seus familiares. Consolava-se com as palavras de Emmanuel e esperava a nova família do passado que chegaria em breve.
Ele nos reconheceu prontamente. Nós sentimos profunda atração por ele, mas tivemos alguma dificuldade em relembrar o passado que pouco a pouco foi surgindo. Voltamos assiduamente a Uberaba para visitá-lo. Nesses encontros fraternos foram acentuando-se as lembranças do passado e a alegria no trabalho doutrinário espírita. […]. (GALVES, 2011, p. 32, grifo nosso).
Um desabafo de Nena Galves que, embora não relacionado diretamente com o assunto, importa destacar, pois pode ser que nas “entrelinhas” tenha algo, sim:
Depois de sua desencarnação, apareceram diversas pessoas que se autodenominaram amigos antigos do médium. Entretanto, essas pessoas nunca compartilharam com ele das lutas e sacrifícios que enfrentou em favor do movimento espírita.
Muitas comunicações mediúnicas atribuídas ao médium desencarnado não correspondem às confidências que conhecemos. Ao compará-las, nos perguntamos: será possível que Chico tenha mudado tanto? (GALVES, 2011, p. 139-140, grifo nosso).
Mais para o final da obra, Nena Galves informa que todo ano Chico Xavier ia comemorar com eles a data de nascimento de Kardec. Coloca trechos da entrevista de Chico ao amigo Luiz Rodovil Rossi, e vale a pena transcrever alguns deles:
ROSSI: Querido Chico, é com enorme prazer e honra que o recebemos mais uma vez aqui no Centro Espírita União. Nós gostaríamos de ouvir um pouquinho a respeito da semana de Kardec e da feira do Centro União, às quais você comparece com tanto carinho todos os anos.
CHICO: Estamos aqui diante da bondade de todos e especialmente do nosso amigo Dr. Luiz Rossi, que lembra a nossa palavra simples e desataviada para exaltarmos a memória de Allan Kardec, o mentor inesquecível a quem devemos tanto.
Nosso amigo fala em prazer e honra, mas esses dois substantivos ajudam a mim, de vez que essa honra e esse prazer não me pertencem, pois na verdade, não mereço estar dentro de nossa comunidade com qualquer destaque especial.
Todos nós conhecemos a altura espiritual de Allan Kardec e reverenciamos nele aquele professor inolvidável, cujos ensinamentos atravessam grande parte do século passado. Estamos em pleno século XX e seus ensinamentos nos encontram para nos felicitar com o conhecimento de nossa própria natureza e com o imperativo do nosso aprimoramento espiritual…
Por muito que sejam expressivas as palavras que eu pudesse dizer a respeito de Allan Kardec, elas seriam demasiadamente pálidas para criar em nosso espírito o respeito, a admiração, o carinho e o amor com que não apenas anualmente, mas todos os dias, nos lembramos desse homem admirável, cuja herança para nós, da comunidade humana, representa um patrimônio de paz e luz.
Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo que engrandeça Allan Kardec onde estiver. Que ele possa receber as vibrações de nossos melhores sentimentos e que o Centro Espírita União continue nessa obra maravilhosa de redenção humana, a abraçar os necessitados, difundir a luz e honrar Allan Kardec por meio dos seus dignos diretores e dos dignos companheiros que me escutam, em memória daquele que não podemos esquecer.
Allan Kardec vive. Esta é uma afirmativa que eu quisera pronunciar com uma voz que no momento não tenho. Mas com todo o coração, repito: Deus engrandeça o nosso codificador, o codificador da nossa Doutrina! Que ele se sinta cada vez mais feliz em observar que as suas ideias e suas lições permanecem acima do tempo, auxiliando-nos a viver. É o que eu pobremente posso dizer na saudação que Allan Kardec merece de nós todos. Sei que cada um de nós, na intimidade doméstica, torna-lo-á lembrado e cada vez mais honrado, não só pelos espíritas do Brasil, mas do mundo inteiro. (GALVES, 2011, p. 213-216).
As considerações que Chico Xavier fez a Kardec soariam estranhas caso ele, realmente, soubesse ser o Codificador reencarnado, pois pareceria pura bajulação de si mesmo, o que, convenhamos, não combina com o que conhecemos de sua personalidade.
Tomando como base o que já vimos anteriormente (veja as indicações abaixo), para nós, fica cada vez mais claro que somente por um grande equívoco ainda se pode atribuir a Chico a condição de ser Kardec reencarnado. Inclusive, alguns dos que assim pensam afirmam também que Kardec teria sido João Evangelista, apesar do fato de que o Codificador ter evocado João Evangelista, conforme se pode comprovar na Revista Espírita 1861, no relato da ata da reunião na Sociedade Espírita de Paris do dia 14 de dezembro de 1860; veja este trecho:
“3º Fato pessoal ao Sr. Allan Kardec e que pode ser considerado uma prova de identidade do Espírito de um personagem antigo. A Senhorita J... teve várias comunicações de João Evangelista, e cada vez com uma escrita muito caracterizada e muito diferente da sua escrita normal. A seu pedido, o Sr. Allan Kardec, tendo evocado esse Espírito, pela senhora Costel, achou que a escrita tinha exatamente o mesmo caráter da senhorita J..., embora o novo médium dela não tivesse nenhum conhecimento; além do mais o movimento da mão tinha uma doçura desacostumada, o que era ainda uma semelhança; enfim, as respostas concordavam em todos os pontos com aquelas feitas pela senhorita J… e nada na linguagem que não estivesse à altura do Espírito evocado. (KARDEC, 1993f, p. 5, grifo nosso).
Além disso, João Evangelista é um dos que também assina a mensagem dos Espíritos constante em “Prolegômenos”, em O Livro dos Espíritos (KARDEC, 2007a, p 63). Esse fato nos coloca diante de algo inusitado, pois Kardec teria se desdobrado em mais dois outros personagens, uma vez que além de João Evangelista a mensagem contém a assinatura de Platão, que é outra pessoa tida como uma das reencarnações anteriores de Allan Kardec.
Outro que é tido como uma das supostas reencarnações anteriores de Kardec é o filósofo Platão, porém, encontramos na Revista Espírita registros de mensagens assinadas por Platão: na sessão realizada em 18 de novembro de 1859 (KARDEC, 1993e, p. 358), na de 20 de janeiro de 1860 (KARDEC, 2000a, p. 39), na sessão 03 de fevereiro de 1860, assina juntamente com Moisés e Julien (KARDEC, 2000a, p. 68). Em “Prolegômenos”, em O Livro dos Espíritos, encontramos também a sua assinatura, bem como a de João Evangelista (KARDEC, 2007a, p. 63); E, finalmente, entre os Espíritos que respondem à pergunta 1009, consta uma assinada por Platão (KARDEC, 2007a, p. 524).
O interessante desses dois personagens – João Evangelista e Platão – é que, sendo cada um eles uma das supostas reencarnações de Kardec, manifestam-se nas reuniões com o Codificador presente, ora com um nome, ora com outro, fato que não nos deixa dúvida alguma de serem indivíduos diferentes.
Ademais, como já o dissemos anteriormente, em nosso texto “Kardec reencarnou-se como Chico?”, cabe aos defensores dessa tese provar que todas as vezes que o Espírito Allan Kardec se manifestou, quando Chico Xavier ainda era vivo, que ele estava dormindo ou numa situação que seu espírito pudesse se emancipar do corpo para tomar a personalidade de Allan Kardec e se manifestar.
Certamente não temos a pretensão de demover os aferrados a essas ideias, coisa que só o tempo fará.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Out/2013.
(Versão 2 – fev/2014)
Recomendamos a você, caro leitor, os seguintes textos de nossa autoria:
– http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/42-kardec-reencarnou-se-como-chico-xavier
– http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/414-supostas-reencarnacoes-de-chico-xavier
– http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/443-que-se-apresentem-os-candidatos-a-kardec-reencarnado
– http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/482-kardec-nunca-foi-joao-evangelista
Referências bibliográficas:
COSTA, C. A. B. Chico, diálogo e recordações... Belo Horizonte: UEM, 2006.
GALVES, N. Até sempre, Chico Xavier. São Paulo: CEU, 2011.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993e.
KARDEC, A. Revista Espírita 1860. Araras, SP: IDE, 2000a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1993f.
NOBRE, M. R. S. Lições de Sabedoria: Chico Xavier nos 23 anos da Folha Espírita. São Paulo, 1997.
ANJOS, L. Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet in http://www.oconsolador.com.br/ano4/204/especial.html, de 10 de abril de 2013 e http://www.oconsolador.com.br/ano5/205/especial.html, de 17 de abril de 2013.
Este texto foi publicado:
– revista Espiritismo & Ciência Especial nº 68. São Paulo: Mythos Editora, fev/2014, p. 22-28.
– revista eletrônica digital O Consolador nº 357, Londrina, PR, abr/2014, link: http://www.oconsolador.com.br/ano7/357/especial.html
Comparação entre três publicações de supostas reencarnações de Chico Xavier
Chico Xavier, diálogos e
recordações…
(autor Carlos Alberto Braga Costa, publicação
da União Espírita Mineira).
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Chico Xavier foi Ruth-Céline
Japhet.
(autor Luciano dos Anjos, publicado
em O Consolador nos. 204 e 205, abr/2011).
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Vivências de um Espírito – Médium
do Cristo (baseado na obra A volta de Allan Kardec, autor Weimar Muniz
de Oliveira, impresso pela Federação Espírita do Estado de Goiás).
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Nome
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Local
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Época
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Nome
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Local
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Época
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Nome
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Época
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nihil
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nihil
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nihil
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nihil
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Profeta Isaac
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c. 1900 a.C.
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Hatshepsut
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Egito – Tebas
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c. 1470 a.C.
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Hatshepsut
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Egito – Tebas
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c. 1470 a.C.
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Faraó Hatshepsut
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c. 1.470 a.C.
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nihil
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Hebreia
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Egito
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Entre séc. XVIII e o XIV a.C
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nihil
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nihil
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Judia
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Canaã
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C; séc. XIII ou posterior
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nihil
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Chams
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Egito – Tanis
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c. 800 a.C.
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Chams
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Egito – Tanis
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Séc. VI a.C.
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Faraó Chams
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c. 800 a.C.
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Sacerdotisa
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Grécia – Atenas
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c. 600 a.C.
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Sacerdotisa
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Grécia – Atenas
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c. 600 a.C.
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nihil
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nihil
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nihil
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Profeta Daniel
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c. 622 a 550 a.C.
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Platão
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c. 428 a 348 a.C.
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Druida Allan Kardec
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c. 58 a 44 a.C.
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Lucina
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Itália -Roma
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60 a.C.
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nihil
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nihil
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nihil
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Cidadã Cartaginense
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Não citado
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Entre os séc. X a.C. e séc. II
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nihil
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nihil
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Cidadã Síria
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Síria
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a.C. até d.C (?)
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nihil
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Flávia Cornélia
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Roma e Palestina
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26 a 79 d.C.
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Flávia Lêntulus
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Não citado
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Séc. I
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nihil
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nihil
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nihil
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João Evangelista
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c. 10 a 103 d.C.
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Lívia
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Ciprus, Massilia, Lugdnm, Neapolis
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233 a 256 d.C.
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Lívia
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Não citado
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Séc. III
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nihil
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nihil
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nihil
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Santo Antão
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251 a 356
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Um sacerdote
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c. 440 a 530
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Francisco de Assis
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1182 a 1226
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Lucrezja di Colinna
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Itália -
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Século XIII
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nihil
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nihil
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nihil
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nihil
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Jan Huss
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1369 a 1415
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Joana de Castela (a louca)
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Espanha
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1479 a 1555
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Joana, a louca
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Não citado
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1479 a 1555
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nihil
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nihil
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nihil
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Manuel de Paiva
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1508 a 1584
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Dama da corte francesa
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França
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1556
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nihil
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nihil
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nihil
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Verdun, abadessa
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Não citado
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Séc. XVI
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nihil
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Joanne d'Arencourt
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França – Arras
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Séc. XVIII – 1789 Rev. Francesa
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Joanne d'Arencourt
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Não citado
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Séc. XVIII
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nihil
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nihil
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Ruth-Céline Japhet
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Não citado
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1837
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nihil
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Dolores Del Sarte Hurquesa Hernandes
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Espanha – Barcelona
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Séc. XIX
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Dolores Del Sarte Hurquesa Hernandez
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Não citado
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Séc. XIX
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Hippolyte Léon Denizard Rivail
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1804 a 1869
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Chico Xavier
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Brasil – Pedro Leopoldo
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1910 a 2002
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Chico Xavier
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Brasil – Pedro Leopoldo
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1910 a 2002
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Chico Xavier
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1910 a 2002
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Kardec nunca foi João Evangelista
No Jornal da Mediunidade n° 37, de outubro/novembro/dezembro de 2013, uma publicação da Livraria Espírita Edições “Pedro e Paulo” - LEEPP, Uberaba, MG, há um artigo assinado pelo articulista Nuno Emmanuel, no qual ele afirma que uma psicografia de Chico Xavier – uma poesia de Casimiro Cunha – confirma a “revelação” de que Kardec foi João Evangelista. Transcrevemos este trecho do artigo:
MANDATO DE AMOR – AOS ESPÍRITAS
Capítulo II – A Doutrina em Versos
Suporta a calúnia, o apodo,
Lembra o Discípulo e o Mestre,
(Poema psicografado por Francisco Cândido Xavier, no dia 31 de março de 1938, em solenidade realizada pela União Espírita Mineira)
Do Livro “Mandato de Amor” – Geraldo Lemos Neto, Itens: “SÉCULO XX – AOS ESPÍRITAS”, Editora UEM – União Espírita Mineira: http://www.uemmg.org.br/, Livro: http://www.vinhadeluz.com.br/site/produto.php?n=32
O Discípulo Amado de Jesus, João Evangelista, foi o Mensageiro do Espírito da Verdade, Allan Kardec!
(Jornal da Mediunidade nº 37, p. 2, grifo do original).
A bem da verdade, para quase tudo aquilo que acreditamos sempre encontraremos alguma coisa para sustentar, mesmo que isso não esteja claro para a maioria das outras pessoas ou que busquemos nas “entrelinhas” de um artigo. Isso é normal em quase todos os seres humanos, e não há que se condenar quem assim age, porquanto vale a assertiva de Jesus: “Atire a primeira pedra aquele que não tiver pecados”.
Nós já fizemos várias pesquisas sobre a possibilidade de Chico Xavier ter sido Allan Kardec em nova reencarnação, mas ainda não encontramos nenhum suporte para tal tese.
Entre as possíveis reencarnações do Codificador constam, entre outras personalidades, Platão e João Evangelista. O primeiro ponto que vem conflitar é que ambos, ou seja, Platão e João Evangelista assinam o “Prolegômenos” em O Livro dos Espíritos, o que não faz sentido se fossem um só Espírito. Cada assinatura representa uma individualidade distinta, isso, para nós, é fato.
Ademais, é importante relembrar que, na Revista Espírita, há registros de mensagens assinadas pelo filósofo Platão: a) na sessão realizada em 18 de novembro de 1859 (KARDEC, 1993e, p. 358); b) na de 20 de janeiro de 1860 (KARDEC, 2000a, p. 39); c) na sessão 03 de fevereiro de 1860, assinada em conjunto com Moisés e Julien (KARDEC, 2000a, p. 68).
Mas voltemos o nosso foco para João Evangelista. Encontramos informações que, a nosso ver, derrubam a hipótese de ele ter sido Kardec. A coisa é bem simples, pois temos o próprio Codificador presente numa reunião na qual, a seu pedido, evocou-se o Espírito João Evangelista, o que se pode comprovar na Revista Espírita 1861, no relato da ata da reunião na Sociedade Espírita de Paris do dia 14 de dezembro de 1860; do qual destacamos este trecho:
“3º Fato pessoal ao Sr. Allan Kardec e que pode ser considerado uma prova de identidade do Espírito de um personagem antigo. A Senhorita J... teve várias comunicações de João Evangelista, e cada vez com uma escrita muito caracterizada e muito diferente da sua escrita normal. A seu pedido, o Sr. Allan Kardec, tendo evocado esse Espírito, pela senhora Costel, achou que a escrita tinha exatamente o mesmo caráter da senhorita J..., embora o novo médium dela não tivesse nenhum conhecimento; além do mais o movimento da mão tinha uma doçura desacostumada, o que era ainda uma semelhança; enfim, as respostas concordavam em todos os pontos com aquelas feitas pela senhorita J… e nada na linguagem que não estivesse à altura do Espírito evocado. (KARDEC, 1993f, p. 5, grifo nosso).
Não temos dúvidas de que as “várias comunicações de João Evangelista”, tendo como médium a Senhorita J…, ocorreram em reuniões na Sociedade Espírita de Paris, o que nos remete à possibilidade de que todas elas foram presididas por Kardec, uma vez que ele exercia a função de Presidente dessa Instituição.
Podemos acrescentar outra ocorrência da manifestação de João Evangelista. Em 2 de novembro de 1864, a Sociedade Espírita de Paris se reuniu “com o objetivo de oferecer uma piedosa lembrança aos seus colegas e aos seus irmãos em Espiritismo, falecidos” (Revista Espírita 1864, 1993h, p. 353). Após a locução de Kardec, abriu-se espaço para possível manifestação dos Espíritos. Vários se manifestaram e, entre eles, João Evangelista, que deu uma bela mensagem pela médium Senhora Costel (Revista Espírita 1864, 1993h, p. 362-363).
Como já dissemos antes, aqui temos um fato inusitado, caso persista a hipótese de João Evangelista ser Kardec, pois não há nada de lógico em evocar a si mesmo. A manifestação de um vivo só ocorre nos momentos em que o seu corpo esteja inativo (ou em êxtase), uma vez que, segundo Kardec, essa é a condição necessária para que seu Espírito se emancipe.
Além disso, voltamos a insistir, cabe aos defensores dessa tese que provem (o ônus da prova cabe a quem afirma) que todas as vezes que o Espírito Kardec se manifestou quando Chico Xavier estava vivo, este estava dormindo, para que seu Espírito pudesse emancipar e se manifestar como Kardec. Achamos que isso vai ser muito difícil, já que Chico Xavier, segundo se sabe, geralmente ir dormir lá pela madrugada adentro.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Dez/2013.
(versão 2 – dez/2013).
Referências bibliográficas:
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993e.
KARDEC, A. Revista Espírita 1860. Araras, SP: IDE, 2000a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1993f.
KARDEC, A. Revista Espírita 1864. Araras, SP: IDE, 1993h.
Jornal da Mediunidade nº 37. Uberaba, MG: LEEPP, out/nov/dez/2013.
Este artigo foi publicado:
– revista Espiritismo & Ciência Especial, nº 69. São Paulo: Mythos Editora, mar/2014, p. 24-27.
Elias, João Batista e Kardec
Será que Elias, João Batista e Kardec poderiam ser considerados o mesmo Espírito, como pretendem alguns pesquisadores?
Em outros textos, temos demonstrando a impossibilidade de Chico Xavier ser Kardec, e este ter sido João Evangelista. Chegamos até mesmo a apresentar uma lista com seis supostos Allan Kardec reencarnado (links citados abaixo), porquanto o assunto insistentemente vem sempre à tona.
Desta vez, encontramos, na Revista Internacional de Espiritismo (de março de 2014), a publicação de um artigo intitulado “Elias, João Batista e Kardec: os três são o mesmo Espírito?”, no qual o autor argumenta positivamente, baseando-se em afirmações diretas de Cairbar Schutel assim como em um paralelismo que Humberto de Campos fez entre a missão de João Batista e Léon Rivail, embora deixando claro que “Humberto de Campos não afirma que sim e nem que não” (DIONISI, 2014).
Quanto aos dois primeiros – Elias e João Batista – para nós espíritas é fato consumado; ou seja, são, de fato, o mesmo Espírito, especialmente se levarmos em conta as afirmações de Jesus a respeito disso (Mt 11,11-15; 17,10-13). Entretanto, quanto a Kardec, acreditamos que não há qualquer base segura para afirmar isso, em que pese toda a autoridade intelectual e conhecimento doutrinário de Cairbar Schutel e de outros companheiros, que preferimos não citar os nomes, que advogam essa tese.
Vamos colocar as razões pelas quais, na nossa opinião, Kardec não poderia ser João Batista.
Na Revista Espírita 1861 encontramos o artigo “O Espiritismo em Lyon”, de autoria de Kardec, do qual transcrevemos o seguinte trecho:
A alocução seguinte nos foi dirigida quando de nossa visita ao grupo de Saint-Just; nós a reportamos, não para satisfazer uma tola e pueril vaidade, mas como prova dos sentimentos que dominam nas oficinas onde o Espiritismo penetrou, e porque sabemos ser agradável àqueles que consentiram em nos dar esse testemunho de simpatia. Transcrevê-la-emos textualmente, porque nos seria fazer um escrúpulo acrescentar-lhe uma única palavra; só a ortografia foi retificada.
"Senhor Allan Kardec, discípulo de Jesus, intérprete do Espírito de Verdade, sois nosso irmão em Deus; estamos todos reunidos em um mesmo coração, sob a proteção de São João Batista, protetor da Humanidade, precursor do grande mestre Jesus, nosso Salvador.
[…].
“Todos nós te dizemos isto, do fundo do coração; estamos animados pelo mesmo fogo e repetimos todos: Glória a Allan Kardec e aos bons Espíritos que o inspiraram! e vós, bravos irmãos, Sr. e Sra. Dijoud, os benditos de Deus, de Jesus e de Maria, estais gravados em nossos corações para deles não sair jamais, porque sacrificastes por nós os vossos interesses e os vossos prazeres materiais. Deus o sabe; nós o agradecemos por vos ter escolhido para essa missão, e agradecemos também o nosso protetor superior São João Batista.
“Obrigado, senhor Allan Kardec; mil vezes obrigado, em nome do grupo de Saint-Just, por ter vindo entre nós, simples operários, e ainda bem imperfeitos em Espiritismo; […]”. (KARDEC, Revista Espírita 1861, p. 292, grifo nosso).
Na presença de Kardec, o espírito de São João Batista foi ovacionado por ser o protetor espiritual do grupo espírita de Saint-Just. Provavelmente alguém, um médium vidente, por exemplo, ou o próprio Espírito é quem passou-lhes essa informação
Na Revista Espírita 1862, outro artigo de Kardec intitulado “Os mistérios da Torre Saint-Michel de Bordeaux”, no qual, a certa altura, diz ter sido feita uma série de evocações na Sociedade Espírita de Saint-Jean d'Angély, nos dias 9, 10 e 11 de agosto. A Guillaume Remone, espírito que se manifestava, se fez várias perguntas entre elas:
21. Sabeis onde ela está agora? – R. Não sei o que ela se tornou, mas vos será fácil disso se informar, junto de vosso guia espiritual, São João Batista. (KARDEC, Revista Espírita 1862, p. 327, grifo nosso).
Na sequência, atendendo à sugestão, dirigiu-se, ao guia mencionado, quatro perguntas, das quais transcrevemos a primeira:
29. (A São João Batista) G. Remone não foi constrangido, por punição, sem dúvida, a vir à nossa evocação confessar seu crime? Isto parece resultar da sua primeira resposta, na qual fala da justiça de Deus. – R. Sim, ele foi forçado, mas a isso se resignou de boa vontade, quando viu como um meio a mais para ser agradável a Deus, em vos servindo em vossos estudos espíritas. (KARDEC, Revista Espírita 1862, p. 327-328, grifo nosso).
Na continuação do artigo, outras perguntas são dirigidas a São João Batista, nos dias 12, 15 e 21 de agosto.
Ao que parece, João Batista era guia espiritual de alguém ou da própria Sociedade Espírita da cidade de Saint-Jean d'Angély.
Bom… então, temos uma situação bem semelhante à da suposição de Chico Xavier ser Kardec. É que o espírito de Kardec se manifestou quando Chico estava vivo. Se João Batista reencarnou-se como Kardec, ele se manifestando nos dois grupos citados, teríamos também uma manifestação do Espírito de uma pessoa viva, aqui, no caso, o de Kardec.
Cabe aos partidários dessa tese provar que, em todos os momentos que João Batista se manifestou nos dois grupos, Kardec estava dormindo ou num estado em que seu corpo favorecesse a emancipação de seu Espírito.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Mar/2014.
Referência bibliográfica:
KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1993.
KARDEC, A. Revista Espírita 1862. Araras, SP: IDE, 1993.
DIONISI, F. A. R. Elias, João Batista e Kardec: os três são o mesmo Espírito? in. Revista Internacional de Espiritismo. Ano LXXXIX, nº 2, Matão, SP: O Clarim, mar/2014, p. 87-88.
Este artigo foi publicado:
– revista Espiritismo – O Grande Consolador nº 4, São Paulo: Mythus Editora, set/2014, p. 10-12.
A missão de Chico Xavier foi complementar à de Allan Kardec?
Nosso objetivo é tentar analisar a produção literária de cada um desses personagens, para verificar se há alguma relação entre a missão de ambos, como querem alguns confrades ao afirmarem ser Chico Xavier a reencarnação de Allan Kardec, advogando que as obras produzidas pelo “Mineiro do Século” completam as do Mestre Lionês.
É importante deixar bem claro que algumas coisas que falaremos não têm outro objetivo senão o de uma análise dos fatos e, jamais, o de depreciar algum desses personagens.
Em Obras Póstumas, numa reunião na casa do Sr. Baudin, a 17 de janeiro de 1857, Kardec é informado, através da médium Srta. Baudin, que retornaria para completar a sua obra, o que está registrado no artigo “Primeira notícia de uma nova encarnação”:
O Espírito prometera escrever-me uma carta por ocasião da entrada do ano. Tinha, dizia, qualquer coisa de particular a me dizer. Havendo-lha eu pedido numa das reuniões ordinárias, respondeu que a daria na intimidade ao médium, para que este ma transmitisse. É esta a carta:
“Caro amigo, não te quis escrever terça-feira última diante de toda a gente, porque há certas coisas que só particularmente se podem dizer.
“Eu queria, primeiramente, falar-te da tua obra, a que mandaste imprimir. (O Livro dos Espíritos entrara para o prelo.) Não te afadigues tanto, da manhã à noite; passarás melhor e a obra nada perderá por esperar.
“Segundo o que vejo, és muito capaz de levar a bom termo a tua empresa e tens que fazer grandes coisas. Nada, porém, de exagero em coisa alguma. Observa e aprecia tudo judiciosa e friamente. Não te deixes arrastar pelos entusiastas, nem pelos muito apressados. Mede todos os teus passos, a fim de chegares ao fim com segurança. Não creias em mais do que aquilo que vejas; não desvies a atenção de tudo o que te pareça incompreensível; virás a saber a respeito mais do que qualquer outro, porque os assuntos de estudo serão postos sob as tuas vistas.
“Mas, ah! a verdade não será conhecida de todos, nem crida, senão daqui a muito tempo! Nessa existência não verás mais do que a aurora do êxito da tua obra. Terás que voltar, reencarnado noutro corpo, para completar o que houveres começado e, então, dada te será a satisfação de ver em plena frutificação a semente que houveres espalhado pela Terra.
“Surgirão invejosos e ciosos que procurarão infamar-te e fazer-te oposição: não desanimes; não te preocupes com o que digam ou façam contra ti; prossegue em tua obra; trabalha sempre pelo progresso da Humanidade, que serás amparado pelos bons Espíritos, enquanto perseverares no bom caminho.
“Lembras-te de que, há um ano, prometi a minha amizade aos que, durante o ano, tivessem tido um proceder sempre correto? Pois bem! declaro que és um dos que escolhi entre todos.”
Teu amigo que te quer e protege. – Z.
(KARDEC, 2006a, p. 323-324, grifo nosso).
Cerca de três anos e meio mais tarde, mais precisamente em 10 de junho de 1860, Kardec, em sua própria casa, conversando com o Espírito de Verdade, pela médium Sra. Schimidt, recebe dele novo aviso, conforme se vê no artigo “Minha Volta”:
Pergunta (à Verdade) – Acabo de receber de Marselha uma carta em que se me diz que, num seminário dessa cidade, estão estudando seriamente o Espiritismo e de O Livro dos Espíritos. Que se deve augurar desse fato? Será que o clero toma a coisa a peito?
Resposta – Não podes duvidar disso. Ele a toma muito a peito, porque lhe prevê as consequências e grandes são as suas apreensões. Principalmente a parte esclarecida do clero estuda o Espiritismo mais do que o supões; não creias, porém, que seja por simpatia; ao contrário, é à procura de meios para combatê-lo e eu te asseguro que rude será a guerra que lhe fará. Não te incomodes; continua a obrar com prudência e circunspeção; tem-te em guarda contra as ciladas que te armarão; evita cuidadosamente em tuas palavras e nos teus escritos tudo o que possa fornecer armas contra ti.
Prossegue em teu caminho sem temor; ele está juncado de espinhos, mas eu te afirmo que terás grandes satisfações, antes de voltares para junto de nós “por um pouco”.
P. – Que queres dizer por essas palavras: “por um pouco”?
R. – Não permanecerás longo tempo entre nós. Terás que volver à Terra para concluir a tua missão, que não podes terminar nesta existência. Se fosse possível, absolutamente não sairias daí; mas, é preciso que se cumpra a lei da Natureza. Ausentar-te-ás por alguns anos e, quando voltares, será em condições que te permitam trabalhar desde cedo. Entretanto, há trabalhos que convém os acabes antes de partires; por isso, dar-te-emos o tempo que for necessário a concluí-los.
NOTA – Calculando aproximadamente a duração dos trabalhos que ainda tenho de fazer e levando em conta o tempo da minha ausência e os anos da infância e da juventude, até a idade em que um homem pode desempenhar no mundo um papel, a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste século ou no princípio do outro.
(KARDEC, 2006a, p. 331-332, grifo nosso).
Não resta dúvida que o objetivo dessa volta de Kardec, como lhe assegurou o Espírito de Verdade, seria para que pudesse terminar a sua missão. Que missão? Vejamos o que, em 30 de abril de 1856, na casa do Sr. Roustan, pela médium Srta. Japhet, é dito a Kardec sobre ela:
Eu assistia, desde algum tempo, às sessões que se realizavam em casa do Sr. Roustan e começara aí a revisão do meu trabalho, que posteriormente formaria O Livro dos Espíritos. (Veja-se a Introdução.) Numa dessas sessões, muito íntima, a que, apenas assistiam sete ou oito pessoas, falavam estas de diferentes coisas relativas aos acontecimentos capazes de acarretar uma transformação social, quando o médium, tomando da cesta, espontaneamente escreveu isto:
“Quando o bordão soar, abandoná-lo-eis; apenas aliviareis o vosso semelhante; individualmente o magnetizareis, a fim de curá-lo. Depois, cada um no posto que lhe foi preparado, porque de tudo se fará mister, pois que tudo será destruído, ao menos temporariamente. Deixará de haver religião e uma se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador… Seus primeiros alicerces já foram colocados… Quanto a ti, Rivail, a tua missão é aí. (Livre, a cesta se voltou rapidamente para o meu lado, como o teria feito uma pessoa que me apontasse com o dedo.) A ti, M…, a espada que não fere, porém mata; contra tudo o que é, serás tu o primeiro a vir. Ele, Rivail, virá em segundo lugar: é o obreiro que reconstrói o que foi demolido.”
NOTA – Foi essa a primeira revelação positiva da minha missão e confesso que, quando vi a cesta voltar-se bruscamente para o meu lado e designar-me nominativamente, não me pude forrar a certa emoção. […].
(KARDEC, 2006a, p. 308, grifo nosso).
Então, a missão confiada a Kardec foi a de colocar os primeiros alicerces de uma religião, como para nós fica claro do que lhe foi dito nessa mensagem.
Em 7 de maio de 1856, o Espírito Hahnemann, em comunicação pela médium Srta. Japhet, diante de uma pergunta de Kardec, confirma-lhe a importante missão de que se achava revestido. Nessa oportunidade, Kardec também lhe questionou sobre a previsão de graves acontecimentos em vias de ocorrer:
Pergunta – A comunicação há dias dada faz presumir, ao que parece, acontecimentos muito graves. Poderás dar-nos algumas explicações a respeito?
Resposta – Não podemos precisar os fatos. O que podemos dizer é que haverá muitas ruínas e desolações, pois são chegados os tempos preditos de uma renovação da Humanidade.
P. – Quem causará essas ruínas? Será um cataclismo?
R. – Nenhum cataclismo de ordem material haverá, como o entendeis, mas flagelos de toda espécie assolarão as nações; a guerra dizimará os povos; as instituições vetustas se abismarão em ondas de sangue. Faz-se mister que o velho mundo se esboroe, para que uma nova era se abra ao progresso.
P. – A guerra não se circunscreverá então a uma região?
R. – Não, abrangerá a Terra.
P. – Nada, entretanto, neste momento, parece pressagiar uma tempestade próxima.
R. – As coisas estão por fio de teia de aranha, meio partido.
P. – Poder-se-á, sem indiscrição, perguntar donde partirá a primeira centelha?
R. – Da Itália.
(KARDEC, 2006a, 309-310, grifo nosso).
Numa sessão em casa do Sr. Baudin, a 12 de maio de 1856, o Espírito de Verdade, guia de Kardec, aborda esse acontecimento, confirmando-o. De sua fala, retiramos este trecho por julgá-lo importante: “[…] Os acontecimentos pressentidos certamente se darão em tempo próximo, mas que não pode ser determinado”. (KARDEC, a, p. 311, grifo nosso).
Para situarmos, a referência aqui, certamente, é sobre a Grande Guerra, ou seja, a Primeira Guerra Mundial, que iniciou em 1914, portanto, 58 anos depois dessa previsão, tida como “tempo próximo”. O que fica claro é que a noção de tempo para os Espíritos é bem diferente da nossa, razão pela qual firmar data sobre a previsão de Kardec voltar por “por um pouco”, pode-se correr o risco de errar “em muito”.
Vejamos o que o Espírito de Verdade fala na sequência do trecho mencionado há pouco:
P. – Disseram os Espíritos que os tempos são chegados em que tais coisas têm de acontecer: em que sentido se devem tomar essas palavras?
R. – Em se tratando de coisas de tanta gravidade, que são alguns anos a mais ou a menos? Elas nunca ocorrem bruscamente, como o chispar de um raio; são longamente preparadas por acontecimentos parciais que lhes servem como que de precursores, quais os rumores surdos que precedem a erupção de um vulcão. Pode-se, pois, dizer que os tempos são chegados, sem que isso signifique que as coisas sucederão amanhã. Significa unicamente que vos achais no período em que se verificarão.
(KARDEC, 2006a, p. 311, grifo nosso).
Diante disso, perguntamos: o que são alguns anos a mais ou a menos em relação à previsão da volta de Kardec? Aliás, o próprio havia previsto sua volta como vimos: “a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste século ou no princípio do outro”. (KARDEC, 2006a, p. 324); entretanto trata-se, obviamente, de opinião pessoal dele, que muito bem pode não ter se realizado como previu, diante disso que acabamos de colocar.
Outra situação ocorrida pode também somar a esse ponto relativo ao tempo. Kardec relata que calculava que ainda lhe faltava cerca de dez anos para a conclusão dos seus trabalhos (KARDEC, 2006a, p. 327), o que lhe foi confirmado por um de seus correspondentes; aproveitando a reunião de 24 de janeiro de 1860, em casa do Sr. Forbes, ele pergunta a seu guia:
Pergunta (à Verdade) – Como é que um Espírito, comunicando-se em Limoges, onde nunca fui, pôde dizer precisamente o que eu pensava acerca da duração dos meus trabalhos?
Resposta – Nós sabemos o que te resta a fazer e, por conseguinte, o tempo aproximado de que precisas para acabar a tua tarefa. É, portanto, muito natural que alguns Espíritos o tenham dito em Limoges e algures, para darem uma ideia da amplitude da coisa, pelo trabalho que exige.
Entretanto, não é absoluto o prazo de dez anos; pode ser prolongado por alguns mais, em virtude de circunstâncias imprevistas e independentes da tua vontade.
NOTA – (Escrita em dezembro de 1866) – Tenho publicado quatro volumes substanciosos, sem falar de coisas acessórias. Os Espíritos instam para que eu publique A Gênese em 1867, antes das perturbações. Durante o período da grande perturbação terei de trabalhar nos livros complementares da Doutrina, que não poderão aparecer senão depois da forte tormenta e para os quais me são precisos de três a quatro anos. Isso nos leva, o mais cedo, a 1870, isto é, em torno de 10 anos.
(KARDEC, 2006a, p. 328, grifo nosso).
Embora, fique bem claro que Kardec “errou” por um ano a data do seu retorno, não podemos deixar de ressaltar que o Espírito de Verdade deixou bem claro em sua resposta que o tempo previsto não era absoluto, podendo, em virtude de fatos imprevistos, ser ampliado.
Considerando tudo isso, não vemos como precisar a nova encarnação de Kardec no ano de 1910, data em que nasceu o nosso estimado Chico Xavier.
E, voltando a um ponto atrás, vejamos como o próprio Kardec fala de sua missão:
O nosso papel pessoal, no grande movimento de ideias que se prepara pelo Espiritismo e que começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para lhes descobrir a causa e tirar-lhes as consequências. Confrontamos todos os que nos têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos Espíritos em todos os pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, estudamos e demos ao público o fruto das nossas indagações, sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor maior do que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas ideias a quem quer que seja. Publicando-as, usamos de um direito comum e aqueles que as aceitaram o fizeram livremente. […]. (KARDEC, 2007e, p. 45, grifo nosso).
Outra coisa importante na maneira de agir de Kardec era o fato dele nunca ter aceitado uma opinião isolada; fazia questão absoluta de que os pontos doutrinários fossem concordes com o que falavam vários Espíritos, por intermédio de vários médiuns. Na “Introdução” de A Gênese, ele deixa isso bem claro:
Sem embargo da parte que toca à atividade humana na elaboração desta doutrina, a iniciativa da obra pertence aos Espíritos, porém não a constitui a opinião pessoal de nenhum deles. Ela é, e não pode deixar de ser, a resultante do ensino coletivo e concorde por eles dado. Somente sob tal condição se lhe pode chamar doutrina dos Espíritos. Doutra forma, não seria mais do que a doutrina de um Espírito e apenas teria o valor de uma opinião pessoal.
Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade.
Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade. Para que ela mudasse, fora mister que a universalidade dos Espíritos mudasse de opinião e viesse um dia dizer o contrário do que dissera. Pois que ela tem sua fonte de origem no ensino dos Espíritos, para que sucumbisse seria necessário que os Espíritos deixassem de existir. É também o que fará que prevaleça sobre todos os sistemas pessoais, cujas raízes não se encontram por toda parte, como com ela se dá. (KARDEC, 2007e, p. 15-16, grifo nosso).
Considerando o papel da missão de Kardec e essa sua forma de agir, será que podemos ver tudo isso na maneira de Chico Xavier tratar o que escrevia em suas obras? Será que um tempo curto, em torno de quatro décadas, no plano espiritual o fez esquecer completamente disso, para agir de forma contrária? Como Kardec mesmo informa, utilizou-se do que chamou de Controle Universal do Ensino dos Espíritos, que significava que ele analisava e comparava várias mensagens para, daí sim, tirar algum ponto que merecia ser incluído nas obras espíritas; entretanto, não vimos esse mesmo expediente sendo adotado por Chico Xavier, considerando o pouco tempo em que esteve no plano espiritual; caso este fosse Kardec, ele deveria ter na memória integral esse conhecimento, de forma a fazer uso dele nessa sua nova encarnação.
Há, ainda, um outro ponto que não podemos deixar de mencioná-lo, apesar de no movimento espírita se fazer polêmica dele; é em relação à identificação do guia de Kardec. Ao abordar esse tema queremos comparar a participação na codificação Espírita dos guias dos personagens envolvidos – Kardec e Chico Xavier.
Na obra Expoentes da Codificação Espírita, organizado por Maria Helena Marcon, sob o amparo da Federação Espírita do Paraná, encontramos que Emmanuel, o mentor de Chico Xavier, é o personagem que assina a mensagem intitulada “O egoísmo”, inserida no Capítulo XI, item 11 de O Evangelho Segundo o Espiritismo (MARCON, 2002, p. 41), sendo essa a sua única participação nas obras que formam o corpo doutrinário do Espiritismo; portanto, excetuando-se essa, não há mais uma só linha em que fique provado que Emmanuel tenha participado ativamente nessa formação.
Apenas um parêntese, no Programa Pinga-Fogo II, Chico Xavier, respondendo a um dos entrevistadores, fala do seu encontro com Emmanuel:
Quando ouvimos o Espírito de Emmanuel pela primeira vez, e que ele nos fez compreender a importância do assunto, nós nos informamos com ele de que, em outras vidas, abusamos muito da inteligência, nós, em pessoa, e que nesta consagraríamos as nossas forças para estar com ele na mediunidade, nos serviços de Nosso Senhor Jesus Cristo, no espiritismo, e por isso mesmo coloquei minha vida nas mãos de Jesus e nas mãos dos bons Espíritos. (GOMES, 2010, p. 234, grifo nosso).
Assim, é de se indagar: por que Emmanuel, nesse momento, não informou a Chico que ele veio para completar sua missão, porquanto como Kardec ele não teve tempo suficiente para levá-la à meta final? O contraste é evidente, já que Kardec foi antecipadamente informado de sua missão.
Por outro lado, o guia de Kardec, o Espírito de Verdade teve participação ativa, tendo inclusive, vários relatos em reuniões nas quais o Codificador confabulou com ele. Podemos ainda citar as quatro mensagens constantes do Capítulo VI – O Cristo Consolador, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que são assinadas por ele. Além disso ele é identificado como o Espírito que dirigia, presidia ou coordenava a plêiade de Espíritos envolvidos na Codificação.
Para ilustrar, citamos os nomes dos Espíritos que Lhe estavam subordinado: Afonso de Liguori, Arago, Benjamim Franklin, Channing, Chateaubriand, Delphine de Girardin, Emmanuel, Erasto, Fénelon, Francisco Xavier, Galileu Galilei, Hahnemann, Henri Heine, Rousseau, Joana d'Arc, João Evangelista, Lacordaire, Lamennais, Lázaro, Massillon, Pascal, Paulo de Tarso, Platão, Sanson, Santo Agostinho, São Bento, São Luís, Sócrates, Swedenborg, Timóteo, Joana de Angelis (um espírito amigo), Cura D'Ars, Vicente de Paulo, Adolfo (bispo de Argel), Dr. Barry, Cárita, Dufêtre (bispo de Nevers), François (de Génève), Isabel (de França), Jean Reynaud, João (bispo de Bordéus), Julio Olivier, Morlot e V. Monod. (MARCON, 2002).
Então, se Chico for mesmo Kardec, em nova encarnação, podemos dizer que, de uma certa forma, houve uma espécie de retrocesso em relação aos guias, pois o de Kardec, além de ter concebido a Doutrina Espírita, coordenou os demais Espíritos na elaboração desta, enquanto o de Chico, como coordenado (ou subordinado) na missão anterior, deu apenas uma mensagem evangélica sobre o tema “O egoísmo”. É algo como ter tido como guia, na missão anterior, um destacado líder que tinha vários assessores, dentre eles um mais simples e, na seguinte, ter como guia, justamente, esse referido assessor. Não é um contrassenso?
Por outro lado, a relação direta do guia com o protegido também nos remete a evidente superioridade do Espírito Allan Kardec em relação ao de Chico, a quem Emmanuel, o próprio guia do Chico, se refere como “um dos mais lúcidos discípulos do Cristo” (XAVIER, 1987, p. 194).
Em depoimento no Programa Pinga-fogo, conforme vimos um pouco acima, Chico diz que Emmanuel lhe informou que “em outras vidas, abusamos muito da inteligência, nós, em pessoa”. Portanto, comparando-se as duas informações de Emmanuel a respeito dos dois personagens, percebemos que o Codificador foi melhor avaliado, o que justifica concluir-se que ambos não podem ser a encarnação do mesmo Espírito.
Não cabe aqui definirmos quem era o personagem Espírito de Verdade, porém, aos interessados recomendo o nosso texto “Espírito de Verdade, quem seria ele?”, disponível em nosso site www.paulosnetos.net (clique aqui), que, provavelmente, irão ter uma grande surpresa.
Kardec, homem culto, formou-se no mais respeitado estabelecimento de ensino de sua época, o instituto educacional dirigido por Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), ou simplesmente, Pestalozzi, em Yverdon, na Suíça. Dedicou parte de sua vida à educação, contribuindo com várias obras para o aperfeiçoamento e reforma do ensino na França. Foi membro de 12 associações culturais francesas, incluindo a Academia Real de Arras.
Chico Xavier só cursou o primário, e não se tem notícia que tenha participado de alguma academia cultural, como reconhecimento do que escrevia.
Finalizando, diremos que o nosso ponto de vista continua o mesmo de antes, ou seja, que Chico Xavier não foi Kardec reencarnado. Isso não se trata de “achismo”, mas fruto das pesquisas que fizemos sobre o tema, que reunimos num texto só intitulado “Polêmica – as supostas reencarnações de Kardec”, também disponível em nosso site (clique aqui).
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Abr/2014.
Referências bibliográficas:
GOMES, S. (org) Pinga-fogo com Chico Xavier. Catanduva, SP: Intervidas, 2010.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006a.
MARCON, M. H. Expoentes da Codificação Espírita. Curitiba: FEP, 2002.
XAVIER, F. C. A Caminho da Luz, Rio de Janeiro: FEB, 1987.
Este artigo foi publicado:
– revista Espiritismo & Ciência Especial, nº 71. São Paulo: Mythos Editora, jun/2014, p. 24-33, com o título “A missão de Chico Xavier”.
Sobre a reencarnação de Kardec, o que disseram Chico Xavier e amigos
“Os espíritas de hoje farejam supostas reencarnações do mestre nas veredas escusas da mediunidade aviltada, como se ele, Kardec, fosse também um espírito errante que não se fixou nos planos elevados e espera uma ordem para descer de novo à reencarnação.” (Herculano Pires).
Introdução
Os entusiastas que dizem que Chico Xavier foi Kardec, apresentam listas de pessoas que afirmam terem sidos “amigas” do Chico, para sustentarem aquilo em que acreditam, supondo-se com autoridade no assunto.
Podemos apresentar outras pessoas como contraponto desse tipo de argumentação. Não nos preocuparemos em listar muitas delas; apenas algumas, somente para demonstrar que, opinião por opinião, ficamos com a destes; não por negarem, mas por serem pessoas sabidamente lúcidas, não dadas a agir com entusiasmo em questões doutrinárias, sem, jamais, abdicar do bom senso e da lógica.
Relembramos uma frase de Gandhi, muito pertinente ao caso em análise: “O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo a verdade não se torna erro pelo fato de ninguém a ver.” (ROHDEN, 2012, p. 155).
Cinco opiniões que destacamos
Queríamos colocar as opiniões por ordem de data, mas, infelizmente, não tivemos condições técnicas de fazer isso; então optamos por colocá-las pela ordem alfabética dos nomes.
1ª) Carlos Alberto Braga Costa (1966- )
Na obra Chico, diálogos e recordações… relata narrativa de Arnaldo Rocha sobre a reação de Chico ante um presente de Aida Fassanello, que “Tratava-se de um quadro pintado a óleo, muito bonito, que retratava uma cena muito curiosa, de três espanholas, com roupas do século XIX.” (COSTA, 2006, p. 236). Continua Carlos Alberto:
Chico, muito emocionado com o presente, confidenciou-me: “Ela conseguiu registrar, na tela do quadro, o que captou da história que lhe descrevi, sobre nossa amizade anteriormente vivida. Éramos três grandes amigas, (Chico revela que a outra personagem se chamava Maria Yolanda – referindo-se a Dona Neném), e vivemos na cidade de Barcelona no século XIX, meu nome era Dolores del Sarte Hurguesa Hernandes.” (COSTA, 2006, p. 236, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Essa é, na obra, a última personagem mencionada das supostas reencarnações anteriores de Chico Xavier.
Um pouco mais à frente, lemos o seguinte diálogo entre Carlos Alberto e Arnaldo Rocha:
– Arnaldo, então Chico é um espírito feminino, se podemos assim nos expressar?
– Meu filho, busquemos a Codificação Espírita para nos auxiliar nas digressões. Que Chico Xavier nos apresentou, nessa sua última reencarnação, um perfil feminino em essencialidade, não restam dúvidas. O que fica para nós é o desejo real de apreender com a Doutrina Espírita sobre o trâmite do espírito em suas polaridades sexuais. Tal compreensão é imprescindível para que não nos percamos em conjecturas que poderão nos fixar apenas na forma, esquecendo o conteúdo apresentado, não só através dessas despretensiosas recordações mas, acima de tudo, na exuberância espiritual desse espírito de escol. (COSTA, 2006, p. 237-238, grifo nosso).
Diante dessa informação, fica bem claro que Chico não foi Kardec.
Essa obra de Carlos Alberto, intitulada Chico, diálogos e recordações…, da qual transcrevemos os trechos acima, é uma publicação da UEM – União Espírita Mineira; portanto, temos um órgão federativo, de uma certa forma, apoiando as revelações contidas nela.
2ª Carlos de Brito Imbassahy (1883-1969)
Na segunda parte da obra Quem pergunta quer saber, temos a informação de que o material foi retirado da Coluna publicada pelo “Jornal Espírita” (JE) editado pela LAKE, no período compreendido entre 1984 e 1990.
Comecemos pela extraída da carta de nossa companheira Lídia de Oliveira Lima – São Caetano do Sul (SP) – destacando-a: 74. Por que razão sendo Allan Kardec o fundador do Espiritismo não nos envia nenhuma comunicação, já que outros o fazem? Estará ele já encarnado entre nós?
De início, quero declarar que eu (e individualizo a resposta), pessoalmente, não aceito a hipótese de que Kardec tenha se reencarnado posto que não precisa disso. Parece-me que sua grande missão foi plenamente cumprida com toda a fidelidade que lhe cabia. Suas reencarnações pretéritas, pelo que se advém de pesquisas e estudos, sempre foram brilhantes e o ápice delas teria sido a de Codificador da Doutrina dos Espíritos. Completa tão grande missão, não me parece que ele necessitasse de aqui voltar para mais nada e, se o fizesse, seria de tal forma investido de seus predicados que todos o teriam reconhecido, indistintamente.
Possivelmente esteja à frente de grande equipe de trabalho, comandando, da Espiritualidade, uma falange de mensageiros e de trabalhadores encarregados de velar por sua obra e dar-lhe prosseguimento.
Em face disso, é de se admitir que tais referidos mensageiros sejam seus verdadeiros porta-vozes, o que, de imediato, responderia à sua indagação acerca da falta de mensagens oriundas dele próprio: não há necessidade da sua assinatura – e, talvez, até, por prudência – para que continue enviando a nós os seus ensinos.
Os espíritos superiores não têm essa preocupação de se identificar: o importante é que seus trabalhos surtam o efeito desejado.
Há que considerar ainda um outro aspecto muito importante: historicamente estamos vivendo uma fase de decadência, e que parece seja uma das mais acentuadas dentro dos ciclos por que a humanidade vem passando. Nessas condições, não é muito viável que os grandes missionários, por falta de apoio terreno, dedicassem maiores preocupações com o nosso domínio existencial por inoportunidade; é lógico que prefiram esperar o novo renascimento histórico para que, com maiores condições de trabalho, deem prosseguimento às suas respectivas tarefas. E isto seria válido também para Kardec.
Passemos, agora, à carta de Maria José Moreira Pinto – Cachoeira Paulista (SP) – que faz referências à passagem contida em “Obras Póstumas” na qual o Espírito de Verdade fala sobre a possível volta de A. Kardec, reencarnado para dar prosseguimento à Codificação: comenta, ainda, a nota do rodapé do nosso saudoso Herculano Pires, na edição da EDICEL contornando a afirmativa. Contudo, ela indaga:
75. Já se obteve alguma informação a respeito do assunto, isto é, do processo reencarnatório de Kardec?
Como dissemos, com as devidas ressalvas, nada indica que Kardec tenha se reencarnado para dar prosseguimento à Codificação senão se tornaria público e notório, o que não ocorreu já que não se tem devidamente patenteada a tal situação e Kardec não viria novamente ao mundo para fazer uma passagem obscura.
Quanto ao critério imediato de tempo, o que me parece é que este conceito seja muito relativo, tal como nos fala o próprio desencarnado, a saber, aquilo que para nós parece uma eternidade, para eles, perante o mundo espiritual, é um instante de existência. Para que Kardec volte à Terra é preciso que haja condições ideais a fim de que sua obra se complemente como anunciou o Espírito de Verdade.
Temos recebido várias cartas algumas indagando e outras afirmando que Chico Xavier seria a reencarnação de Kardec e que sua obra mediúnica era o cumprimento da previsão do Espírito de Verdade.
Posso garantir, não só pelo conhecimento com o grande médium e pelos seus pronunciamentos, que isso não é verdade. O próprio Chico, com toda a humildade que possui, se proclama um espírito em prova de resgate, hoje, sem dúvida, com sua missão cumprida, porém, no início na atual existência, muito longe de ser aquele missionário grandioso que acabamos por conhecer. Kardec não viria em tais condições. (IMBASSAHY, 1993, p. 110-112, grifo nosso).
Imbassahy vai direto ao ponto: “não aceito a hipótese de que Kardec tenha se reencarnado posto que não precisa disso”. E ao finalizar deixa nas entrelinhas que também por suas relações com Chico não tem como aceitar essa hipótese.
3ª) Divaldo Pereira Franco (1927- )
Temos duas entrevistas postadas no site YouTube, embora não possamos, com certeza, assegurar se os programas, que mencionaremos, foram os que deram origem a elas; mas, de qualquer forma, são gravações em vídeo com o próprio Divaldo Franco expressando sua opinião.
a) Globo Repórter:
Repórter: Há quem diga, professor, que Chico seria uma reencarnação de Allan Kardec. Isto procede?
Divaldo: Há essa teoria, que ele desmentiu várias vezes. A mim próprio, em intimidade, ele me narrou algumas experiências anteriores, algumas reencarnações, que nada tem a ver com Allan Kardec. Porém o mais fantástico de tudo isso, é que toda essa convulsão ele se mantinha sereno e dizia meu nome é Francisco, tirando o “fran” eu sou o cisco de Deus. (risos).
Repórter: Há quem diga que ele já teria se reencarnado outra vez.
Divaldo: Anteriormente sim, ele desencarnou no ano de 2002 e está no mundo espiritual.
(https://www.youtube.com/watch?v=vTEstBFFHY8, grifo nosso)
b) Transição
Cláudia Saegusa: O Jorge de Limeira, SP pergunta: “Qual é a sua opinião para aqueles que afirmam que Chico Xavier seria Allan Kardec?”
Divaldo: Desde que eles afirmam devem ter bons argumentos. Eu opto em não me intrometer em teses conflitivas. Pessoalmente, eu não acredito. E não acredito em face de informações que me foram dadas pelo próprio Chico Xavier durante o relacionamento que começou em 1948. Relacionamento esse que nos ensejou muitas informações que não vem ao caso trazer aqui ao ouvido público, mas do ponto de vista psicológico as características de Allan Kardec e as características de Chico Xavier são muito divergentes. Respeito aqueles que assim pensam e tenho o direito de pensar de maneira diferente. Mas para mim o importante não é que ele foi em existência anterior, é o que ele fez na existência atual. Se ele foi Allan Kardec ou não foi, posso asseverar que foi um verdadeiro apóstolo durante a sua mais recente reencarnação, tendo contribuído, como ninguém, para a divulgação do Espiritismo e a interpretação da Doutrina nos seus ângulos mais complexos e nos seus detalhes mais profundos. (https://www.youtube.com/watch?v=ROedB7ME35U, 0':04'' até 1':20'', grifo nosso).
Para o tribuno baiano, Chico não é Kardec reencarnado, com base em informações do próprio “Mineiro do Século”.
4ª) Dora Incontri (1962- )
O texto de Dora Incontri, com a devida autorização da autora, a quem agradecemos, será colocado integralmente, porquanto a análise que ela faz do tema é bem sensata, fugindo à crença cega, que, infelizmente, alguns companheiros espíritas parecem adotar:
Chico Xavier não é Kardec!
Não é objetivo desse artigo atacar quem quer que seja, por manifestar opinião contrária à que vou expor. Mas há questões que devem ser tratadas com cuidado, para não se tornarem elemento de confusão. A crítica franca, aberta, racional, própria dos postulados espíritas, deve ser praticada, fraternalmente claro, sob pena de imergirmos de novo nas trevas medievais. Onde não houver questionamento e crítica, onde não houver debate transparente, certamente haverá dominação, ignorância, apatia e graves entraves à autonomia da razão humana e ao desenvolvimento espiritual da humanidade.
Como em minhas viagens, pelo Brasil afora, sou indagada sobre a polêmica em foco, resolvi manifestar-me publicamente para examiná-la com as ferramentas críticas que tomo emprestadas de Kardec.
Que Chico Xavier seja a reencarnação de Kardec não seria uma hipótese a ser discutida, porque se trata de um absurdo tão sem fundamento que deveria chocar o bom senso de qualquer um (já vi até não-espíritas que conhecem superficialmente a doutrina se mostrarem perplexos diante da ideia). Mas já que se trata de uma afirmativa taxativa na pena de alguns escritores e médiuns, atuantes no movimento, não podemos deixar de analisá-la.
As afirmativas sobre reencarnações
Em primeiro lugar, deveríamos evitar a leviandade que tomou conta de escritores e médiuns espíritas nos últimos anos: afirma-se com o maior descompromisso e sem nenhuma demonstração de evidência que fulano é reencarnação de sicrano e geralmente são pessoas famosas, já desencarnadas, ou personagens históricas – que não podem contradizer tais afirmações. É perfeitamente legítimo o estudo de casos de reencarnação, mas eles precisam ser fruto de pesquisa, de preferência de pessoas próximas e se alguma hipótese for apresentada de personalidades de projeção, deve-se fazê-lo com todo o cuidado, com argumentos bem fundamentados e ainda assim não passará de uma hipótese a ser examinada e comentada por outros pesquisadores.
Um exemplo positivo de um estudo com critério é Eu sou Camille Desmoulins, de Luciano dos Anjos e Hermínio Miranda. São centenas de páginas de pesquisa, em que a personalidade em questão participou, fez regressão de memória, e o autor realizou exaustivas buscas de documentos históricos etc. Outro estudo sério é o de Hernani Guimarães de Andrade, com personagens desconhecidas – crianças com lembranças de outras vidas – em seu livro Reencarnação no Brasil. (De passagem, fica aqui a nossa carinhosa vibração ao Hernani, desencarnado há alguns dias.) Isso apenas para citar autores brasileiros. No plano internacional, há, por exemplo, a excelente pesquisa feita por Ian Stevenson.
Outra forma de estudo de personalidade através de reencarnações foi a realizada pela saudosa e sensatíssima médium Yvonne A. Pereira, no caso de suas próprias vidas passadas. Não houve aí a identificação das personalidades históricas ou a comprovação dessa identidade. Mas uma regressão de memória, promovida pelos Espíritos superiores, para mostrar a trajetória evolutiva de um espírito feminino. Trata-se assim de um estudo psicológico através dos tempos, sem compromisso com a evidência histórica. Uma possibilidade interessante e legítima.
O que não pode acontecer – e acontece com bastante frequência – é simplesmente alguém sair anunciando que fulano foi tal pessoa e aceitar-se isso como fato consumado. Aí exorbita-se do estudo de caso, da pesquisa científica, para se tornar mediunismo inconsequente e dogmatismo sem fundamento.
O pior é quando tais afirmativas contrariam as evidências mais óbvias e a coerência mais superficial entre uma personalidade e outra, que se supõe ser a mesma.
Ou seja, para falar de reencarnação é preciso usar os critérios próprios do espiritismo: pesquisa científica, coerência racional, podendo-se valer igualmente da intuição mediúnica. Mas se essa intuição vier desacompanhada dos outros aspectos, pode se tornar misticismo.
A identidade do eu
Um dos pontos fundamentais demonstrados pelo Espiritismo, que aliás se insere plenamente na tradição socrático-platônica-cristã, é a ideia de uma identidade individual, permanente, que está em progresso e mutação, mas guarda um eu reconhecível, com características próprias de personalidade, com memórias e potencialidades particulares. Até os Espíritos puros, que atingiram a perfeição, cuja personalidade nos é difícil examinar, mantêm, segundo a doutrina espírita, ainda e sempre sua individualidade.
Nos estudos criteriosos de reencarnação, essa verdade salta aos olhos: ninguém poderia negar que Luciano dos Anjos é Camille Desmoulins. As duas individualidades são parecidíssimas. Até nos traços físicos. E isso não é tão incomum. Ian Stevenson faz um estudo intrigante dos sinais de nascença. Às vezes, a ligação com a encarnação anterior é tão vívida, que a criança nasce até com marcas do tipo de morte que teve ou algum trauma sofrido.
Assim como na comunicação de um Espírito por um médium, para sua identificação devem entrar uma série de fatores, evidências, muitas inesperadas, aparentemente fortuitas, mas que no seu conjunto conferem uma forte sensação de que a personalidade comunicante é aquela; na reencarnação, dá-se o mesmo. Apenas um quadro de muitos detalhes, coincidências significativas, semelhanças – nos dá alguma convicção de que tal pessoa esteja ali, reencarnada.
Se nos limitássemos a tratar de casos de reencarnação que obedecessem aos critérios mencionados, evitaríamos lançar a ideia no ridículo.
O caso Chico-Kardec
Poderia escrever muitas páginas com todos os pontos de total dissemelhança entre a personalidade de Kardec e de Chico. Em primeiro lugar, estabeleçamos alguns parênteses. O que sabemos de mais sólido sobre outras existências de Kardec – o resto são inoportunas especulações – são as duas que ele aceitava: a de druida e a de Jan Huss (esta, segundo informação que Canuto de Abreu teria visto em seus manuscritos, antes da Segunda Guerra). Mas nos três momentos conhecidos, dá para notar a coerência de uma personalidade corajosa, viril, segura, austera, de mente límpida e clara (o estilo de Jan Huss é o mesmo de Kardec, simples e cristalino, preciso e firme) e sempre dedicada à educação. Os druidas eram sacerdotes-educadores, Huss foi reitor da Universidade de Praga e Rivail/Kardec foi educador durante mais de trinta anos na França. Quanto ao seu estilo, ele mesmo adverte que não tinha vocação poética, não apreciava metáforas, mas queria atingir o máximo de didatismo e simplicidade. Para isso, tanto Huss quanto Kardec escreveram gramáticas.
Huss desafiou a Igreja Católica e morreu cantando na fogueira em 1415, depois de ter escrito cartas belíssimas da prisão, mostrando sua firmeza e serenidade. Kardec desafiou a Ciência oficial, a religião tradicional e todo sistema acadêmico estabelecido, fundando um novo paradigma para o conhecimento humano, numa síntese genial. Quando estudamos sua vida e sua personalidade, vemo-lo mover-se com absoluta segurança de si, com total equilíbrio, desde os primeiros textos pedagógicos aos 24 anos, até a redação da última Revista Espírita, que deixou pronta antes de morrer. Os próprios Espíritos Superiores o chamam de mestre. O Espírito da Verdade o trata de forma amorosa, aconselhando-o sempre com respeito ao seu livre-arbítrio, à sua capacidade intelectual e à sua estatura moral.
Kardec se ocultou tanto atrás da obra, pela sua extrema modéstia e reserva (que não era a humildade mística de Chico, que se autodenominava verme, besta, pulga, cisco…), que os próprios adeptos do Espiritismo não sabem aquilatar-lhe a grandeza.
Agora, analisemos a pessoa Chico Xavier, que conheci desde a minha primeira infância. Trata-se de uma personalidade doce, amorosa, bastante feminina, emocional, mística, com forte vocação literária e poética (ao contrário de Kardec) mas uma personalidade fraca. Basta ver sua relação com Emmanuel. Seu guia espiritual, aliás forte e altivo, sempre manteve com Chico uma postura disciplinar, rígida, admoestando-o se o via fraquejar.
Veem-se diversas situações desse tipo, na leitura do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior, que considero a biografia mais confiável e melhor bem escrita, porque feita por um profissional do jornalismo, entre tantas que mais parecem relatos de vida de santo da Idade Média, pela linguagem melada, pela louvação exagerada e pelo cunho miraculoso. Basta lembrar de Chico, gritando em pânico, porque o avião, em que estava, ameaçava cair e Emmanuel, diante dele, dizendo: “Dá testemunho da tua fé, da tua confiança na imortalidade! (…) morra com educação!”. Este o Espírito que enfrentou a fogueira, cantando, sem retirar uma palavra do que dissera? A resposta, o próprio Emmanuel já deu ao Chico certa vez: “Meu filho, você é planta muito fraca para suportar a força das ventanias. Tem ainda muito o que lutar para um dia merecer ser preso e morrer pelo Cristo.”
Noutras ocasiões, os próprios encarnados tiveram de adverti-lo severamente, como no caso da adulteração do Evangelho segundo o Espiritismo, na década de 70, que levou Herculano Pires a escrever um livro, Na Hora do Testemunho, no qual quase obrigou Chico à retratação pública, por ter apoiado indiretamente a edição adulterada.
Chico é, pois, um Espírito bom, em processo de resgate e regeneração, ainda enfrentando conflitos internos e desequilíbrios e tendo necessidade do freio curto de Emmanuel para se manter na linha das próprias obrigações. Nunca, diga-se, ele mesmo se viu ou se assumiu de outra forma. Kardec, ao contrário, já 600 anos atrás não revela conflito, não se mostra abalado por nada. Seu companheiro de Reforma, Jerônimo de Praga, chegou a abjurar, com medo da fogueira. Arrependeu-se depois e enfrentou a morte com galhardia. Mas em Jan Huss não há hesitação ou fraqueza, apenas a altivez do Espírito que já atingiu a estatura de um missionário.
Da mesma forma Kardec. Nem sabemos o quanto ele sofreu e foi perseguido, pois não se queixava. Apenas nas entrelinhas de Obras Póstumas, quando se refere por exemplo à Sociedade Espírita de Paris como um ninho de intrigas, é que de longe vislumbramos o que deve ter passado. Mas nunca o vemos abatido ou choroso.
Quanto à linguagem de Chico é também oposta à de Kardec. Trata-se de uma linguagem literária, ornamentada, própria do médium – pois sabemos que o médium influencia as comunicações. Se Chico não tinha cabedal literário nesta vida, é certo que o trouxe de outras, para se tornar o intérprete de tantos literatos do Além. Se Kardec tivesse escrito, por exemplo, Mecanismos da Mediunidade, seria certamente numa linguagem bem mais objetiva, menos literária e mais digerível.
Vou mais longe. Sem ofensa ou menosprezo pelo grande Espírito de Emmanuel, ele próprio fica bem abaixo da estatura espiritual de Kardec. Basta lembrar que enquanto Jan Huss estava morrendo na fogueira por criticar os abusos da Igreja e duzentos anos depois, seu discípulo Comenius estava inaugurando a Pedagogia moderna, em oposição à educação jesuítica; Emmanuel – leia-se Manuel da Nóbrega – estava ainda a pleno serviço da Igreja, imerso no projeto de catequese jesuítica. Tanto ele quanto Anchieta talvez tivessem suas críticas ao movimento de que participavam e, sem dúvida, deram contribuição meritória ao início da educação brasileira. Mas estavam ainda com as correntes mais conservadoras da história, ao passo de Huss (depois Kardec) inaugurara já novas relações entre Deus e o homem, sendo retomado na Reforma de Lutero e aprofundado na proposta educacional de Comenius, que estava a anos-luz adiante da proposta jesuíta.
Com isso, não estou diminuindo a importância nem da personalidade histórica de Manuel da Nóbrega, nem do Espírito Emmanuel, entidade que respeito e amo muito, nem menosprezando a obra que fez por intermédio do Chico. Mas é preciso reconhecer a superioridade de Kardec, coisa que tanto Emmanuel, quanto Chico, sempre reconheceram. Certo dia disse Emmanuel a Chico – e esta é uma passagem conhecida de todos – que se ele, Emmanuel deixasse Jesus ou Kardec, o pupilo deveria deixá-lo. Ora, o guia se submetia a Kardec, como Kardec poderia ser seu tutelado?
O que está por trás dessa ideia
Tudo isso poderia não passar de uma discussão vazia, simples questão de opinião, sem maiores consequências. Mas vejo graves problemas nessa polêmica e só por isso meti-me a falar no assunto. Afirmar que Chico Xavier é reencarnação de Kardec é submeter Kardec ao Chico… logicamente, pela lei da evolução, o mais recente é mais evoluído e portanto vai mais adiante do que o anterior. O que se esconde por trás dessa ideia subliminar, implícita na tese de um ser reencarnação do outro? É que abandonamos, ou, pelo menos, desvalorizamos, os critérios de racionalidade, objetividade, cientificidade, além dos aspectos pedagógicos e da linguagem clara e democrática de Kardec, com todo seu pensamento de vanguarda – para valorizarmos mais a linguagem melíflua (muitas vezes piegas) de Chico, o espiritismo visto predominantemente como religião e os aspectos conservadores tanto do pensamento do médium, quanto de Emmanuel.
Querem ver um exemplo? Kardec, em pleno século XIX, aclamava todas as conquistas da emancipação feminina. Em artigos na Revista Espírita, apoia a reivindicação do voto feminino, parabeniza as primeiras mulheres a se formarem médicas… exalta a participação intelectual da mulher. Emmanuel não deixa de mostrar em diversas passagens de seus livros, ranços de machismo lusitano, romano e da igreja, sempre colocando a mulher ideal como a mais submissa e calada possível.
A tese de que Chico seria Kardec, desqualifica Kardec e exalta indevidamente Chico Xavier, colocando-o num pedestal de idolatria que nenhum ser humano deve ocupar. E isso está bem situado nos rumos que o movimento espírita brasileiro tem tomado: trata-se de um movimento que exalta personalidades mediúnicas (quando Kardec mal nos deixa conhecer o nome dos médiuns que trabalhavam com ele, porque não se constrói liderança em mediunidade, como os antigos pajés da tribo ou as passadas pitonisas da Antiguidade), preferindo o emocionalismo à racionalidade, o igrejismo ao debate filosófico e científico.
É por isso que meu trabalho tem sido no sentido de resgatar Kardec e seus antecessores diretos: Comenius, Rousseau, Pestalozzi – todas personalidades de vanguarda, com pensamento social avançado, com projetos libertários de educação. É desse caldo cultural que nasceu o espiritismo. Transplantado para o Brasil, ganhou as cores místicas da cultura católica, de herança jesuítica, que formou a nação brasileira. É verdade que apenas um povo com o nosso coração e com a criatividade e a intuição mediúnicas como as nossas poderia acolher o espiritismo. É verdade que Emmanuel continuou a sua obra de primeiro educador do Brasil e fez bem a sua parte, por intermédio do Chico, que também fez a sua. Mas não é por isso que devemos colocar os carros na frente dos bois e perder o raiz pedagógica, racional e consistente que nos identifica. E essa raiz é representada por Kardec, que por todas as razões vistas e muitas outras que não é possível comentar aqui, não reencarnou como Chico, não reencarnou ainda, porque teríamos de reconhecê-lo por sua mente poderosa, por sua liderança equilibrada e segura e por trazer uma contribuição muito melhor que a de Chico e mesmo melhor que a do próprio Kardec, pois senão não haveria razão para reencarnar-se. (site Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, grifo nosso, exceto os títulos).
5ª) José Raul Teixeira (1949- )
Entrevista concedida ao Jornal de Espiritismo, da ADEP, Portugal, quando do 6º Congresso Espírita Mundial, Valência, Espanha, em Outubro 2010. Vejamos que, a certa altura, ele disse ao entrevistador José Lucas:
JL – Porque é que há tanto mistério em torno de Allan Kardec? Nas «Obras Póstumas», que não faz parte da codificação, diz que ele voltaria para completar a sua obra. Uns dizem que o Allan Kardec poderia ter sido o Chico, outros dizem que podia ser o Divaldo Franco porque tem todo o perfil de educador, a obra, outros dizem que podia ser o Raul, outros dizem que ele está no mundo espiritual, se está porque é que ele não se comunica, se ele se comunica, se usa pseudônimos ou não usa, porquê tanto mistério quando as coisas são tão simples?
RT – Existem nessas suas abordagens algumas questões equivocadas. Há muitos anos, Chico Xavier disse-me, pessoalmente, numa conversa que tivemos em Uberaba, que a mensagem mais autêntica de Allan Kardec que ele tinha lido, tinha sido recebida pela médium brasileira D. Zilda Gama, professora, que se achava num livro chamado «Diário dos Invisíveis». Eu procurei esse livro, que está esgotado, encontrei-o e estava lá a mensagem de Allan Kardec. Depois disso, nós tivemos uma mensagem de Allan Kardec recebida por vários médiuns na França, no Brasil. Como é que nós podemos dizer que o Chico Xavier é Allan Kardec se ele dizia que a D. Zilda Gama recebera a mais autêntica mensagem? Se enquanto Chico estava encarnado outros médiuns receberam mensagens de Allan Kardec? O «Reformador» publicou essas mensagens. Então, não é que nós queiramos fazer complexidade, é que as pessoas ficam tirando proveito da ignorância alheia. Quanto menos o povo sabe, eu posso dizer as minhas tolices. Agora as pessoas dizem isso, alegam que era por ele ser humilde; então ele enganou-me, porque podia ser humilde e não dizer nada. Mas se ele me disse aquela mensagem, ele era merecedor de crédito, eu não podia duvidar do que falava. Se ele diz a outras pessoas a mesma coisa, ele não podia estar a fingir, senão eu perco o crédito que eu dava à mediunidade de Chico Xavier e ao homem que ele era. De modo que não existe confusão, existem exploradores. O Chico estando desencarnado, toda a gente fala dele o que bem entende, o que bem deseja, e ele não está aí para defender-se, de modo que nós, os espíritas é que temos de ter bom-senso, e bom-senso e água fluidificada não nos fazem mal jamais. Eu não posso acreditar em tudo o que dizem, eu tenho que ver aquilo que tem senso, que tem nexo, e se Allan Kardec estivesse aqui reencarnado, qual seria a vantagem disso para nós? O nosso problema é viver o Espiritismo e não Allan Kardec. Porque também já dizem que Jesus Cristo está aqui reencarnado, e no Brasil há um que diz ser Jesus Cristo.
JL – Tem algum tipo de informação de que Kardec estará ainda no mundo espiritual?
RT – Para mim, ele está no mundo espiritual.
(http://artigosespiritaslucas.blogspot.com.br/2011/01/raul-teixeira-chico-xavier-nao-foi.html, grifo nosso).
A mesma tese que nós defendemos está aqui exposta por Raul Teixeira, ou seja, de que um espírito de pessoa viva não tem como se manifestar mediunicamente, estando ela em estado de vigília.
O testemunho mais importante: o próprio Chico Xavier o quê disse?
Deixamos propositadamente para o fim aquele que colocam no centro dessa polêmica. Certamente que o pobre Chico deve estar “revirando no túmulo” diante de tudo isso, pois em sua vida, diga-se de passagem, um exemplo para todos nós, jamais polemizou ou fez algo que viesse a antagonizar-se com quem quer que seja.
Na data de 28 de agosto de 1988, numa entrevista ao jornal Diário da Manhã, de Goiânia, Chico Xavier respondendo à pergunta se ele seria Kardec reencarnado, afirma:
Consulto a minha via psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração é eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que, em doze anos, deixou dezoito livros maravilhosos. […]. (COSTA E SILVA, 2004, p. 115-116, grifo nosso).
Certamente, que apelarão para o argumento falacioso de que “O Chico era humilde”, conforme Raul Teixeira pondera na sua fala acima.
Marlene Rossi Severino Nobre (1937-2015), em Lições de sabedoria, informa que nela “estão enfeixadas todas as entrevistas concedidas ao nosso jornal, ao longo dos seus 23 anos de existência (abril de 1974 e março de 1997), pelo médium Francisco Cândido Xavier” (NOBRE, 1997, p. 8), da qual retiramos esse trecho da entrevista concedida ao jornalista e historiador Fernando Worm (1929- ):
FW – Pedindo desculpas por minhas ilações a respeito da pergunta que respeitosamente faço aqui, lembraria que no capítulo intitulado Minha Volta, escrito por Allan Kardec em 10/6/1860, constante de Obras Póstumas (FEB, pág. 300), diz o Codificador: “Calculando aproximadamente a duração dos trabalhos que ainda tenho de fazer e levando em conta o tempo de minha ausência e os anos da infância e da juventude, até a idade em que um homem pode desempenhar no mundo um papel, a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste século ou no princípio do outro”. Até o momento, ao que consta, ninguém sabe quem é ou teria sido Allan Kardec nessa prevista reencarnação. Inobstante, acha possível que essa previsão do Codificador não se tenha cumprido?
[Chico Xavier] Pessoalmente, não tenho até hoje qualquer notícia dos Espíritos Amigos sobre o regresso do Codificador à Terra pelas vias da reencarnação. Respeito as indagações que se fazem nesse sentido, mas, de mim mesmo, admito que em se tratando de Allan Kardec reencarnado, a obra que ele esteja efetuando, ou que virá a realizar, falará com eloquência com relação à presença dele seja como for, ou em qualquer lugar. (1/77). (NOBRE, 1997, p. 170-171, grifo nosso).
Ora, aqui, a afirmação de Chico é taxativa: “não tenho até hoje qualquer notícia dos Espíritos Amigos sobre o regresso do Codificador à Terra pelas vias da reencarnação”; não há como contestar. Dissemos não há, levando em conta pessoas sensatas, porque as que se enveredam pelas vias do fanatismo cego refutam qualquer informação que não se ajusta à maneira deles pensarem.
É bom registrar que Drª. Marlene Nobre era partidária da tese de que Chico era Kardec; entretanto, se usamos dessa obra escrita por ela, vemos que ela cai em contradição com aquilo que sabia ser a opinião do próprio Chico.
Na entrevista a Herculano Pires, no programa radiofônico “No Limiar do Amanhã”, ocorrida no ano de 1971, ouve-se na própria voz de Chico:
Pergunta nº 10 – Reencarnação de Kardec
Renato – Existe alguma notícia, já que se fala tanto, do plano espiritual sobre a reencarnação de Kardec aqui no Brasil ou em algum outro país?
Chico Xavier – Até hoje, pessoalmente, eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec reencarnado no Brasil ou alhures. Entretanto, eu devo dizer que em se tratando desses vultos veneráveis do nosso movimento, seja do cristianismo, seja do espiritismo, pessoalmente eu tenho muito receio de receber qualquer notícia, porque temo, pela minha fragilidade, e estimaria não ser o médium de notícias tão altas.
J. Herculano Pires – Excelente, Chico, essa resposta, porque infelizmente há por aí uma onda de reencarnações de Allan Kardec. Infelizmente há. Nós sabemos que isso são perturbações que ocorrem no movimento espírita em virtude da invigilância dos médiuns e da falta mesmo de compreensão de grande parte dos nossos companheiros no tocante à significação de uma personalidade espiritual como a de Kardec. De maneira que a sua resposta é também para nós de um valor inestimável.
Chico Xavier – Muito obrigado. Pensamos que, quando Allan Kardec surgir ou ressurgir, ele dará notícias de si mesmo pela sua grandeza, pela presença que mostre. (sites: Youtube e Fundação Herculano Pires, grifo nosso).
Chico é categórico na afirmativa de que “eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec reencarnado no Brasil ou alhures”; por que, então, insistem nesse ponto? A não ser que pensem ter Chico deliberadamente mentido sobre o assunto…
Observe, caro leitor, que o jornalista Herculano Pires, ao dizer “Excelente, Chico, essa resposta, porque infelizmente há por aí uma onda de reencarnações de Allan Kardec”, expõe também a sua opinião contrária, ou seja, de que Chico seja Kardec; acreditamos que de certa forma, um tanto quanto indignado com a celeuma.
Em entrevista ao programa Pinga-fogo, de julho 1972, pela extinta TV Tupi, o próprio Chico Xavier afirmou:
Quando ouvimos o Espírito de Emmanuel pela primeira vez, e que ele nos fez compreender a importância do assunto, nós nos informamos com ele de que, em outras vidas, abusamos muito da inteligência, nós, em pessoa, e que nesta consagraríamos as nossas forças para estar com ele na mediunidade, nos serviços de Nosso Senhor Jesus Cristo, no Espiritismo, e por isso mesmo coloquei minha vida nas mãos de Jesus e nas mãos dos bons Espíritos. (GOMES, 2010, p. 232-233, grifo nosso).
Será que a afirmativa de “em outras vidas, abusamos muito da inteligência” caberia ao Codificador do Espiritismo?
Apresentamos um bom candidato
Já que muita gente aponta o seu candidato a Kardec reencarnado (parece-nos até tempos de eleição), vamos usar do nosso direito de também apresentar o nosso.
Trata do jornalista José Herculano Pires (1914-1979), que cumpriria bem este papel. Ele nasceu dentro do início do século XX, conhecedor profundo da Doutrina Espírita, defendendo-a, incansavelmente, dos possíveis enxertos que a desencarrilhariam dos trilhos da “pureza doutrinária”, cultura invejável, várias obras publicadas, etc. Foi, segundo Emmanuel, mentor de Chico, o “melhor metro que mediu Kardec”.
Uma pena é que o próprio Herculano declinou-se de sê-lo, conforme podemos constatar numa entrevista que deu ao Programa Limiar do Amanhã, nº 144, do qual transcrevemos o trecho que interessa ao estudo:
Pergunta nº 3: Reencarnação de Allan Kardec
Locutor – O senhor é a encarnação de Allan Kardec? Seja franco. Caso não possa responder a essa pergunta por alheias à nossa curiosidade, não haverá problema.
J. Herculano Pires – Não sou a reencarnação de Allan Kardec. Estou muito longe de Allan Kardec para pretender ser a reencarnação dele. Mas a sua pergunta é interessante porque vem nos colocar diante de um problema que é muito comum hoje no meio espírita. Como Kardec, em suas Obras Póstumas, numa de suas anotações, registrou que ele teria de voltar ao nosso mundo, talvez nos princípios do século próximo, que seria precisamente o século vinte, ele teria de voltar para continuar a sua obra, há então uma intensa curiosidade no meio espírita de se procurar saber quem é que representa Kardec em nosso tempo. Haveria alguém reencarnado que seria Allan Kardec? Acontece que essas previsões feitas por um homem encarnado, segundo a própria doutrina espírita nos explica, essas previsões são muito improváveis. Quando estamos na matéria, é como diz Emmanuel, nós estamos como que envolvidos pela neblina – ele chama a matéria, a neblina da carne. O espírito tateia, por assim dizer, sem a luz necessária, sem a visão precisa para andar de fato em direção ao futuro. Ele tateia apenas no presente, realizando as suas experiências necessárias, e este condicionamento lhe é imposto precisamente porque ele necessita dele para a sua evolução, para o desenvolvimento das suas faculdades espirituais.
Assim, Allan Kardec, não obstante a sua grandeza espiritual, estando encarnado, ele não podia prever quando voltaria à Terra. Essa é uma posição em que Kardec faz apenas uma hipótese, uma suposição a respeito da sua vida, é uma dedução que ele faz como qualquer homem pode deduzir a respeito dos seus problemas. Isto não foi uma profecia e nem é princípio de doutrina. Kardec não pode e não deve estar obrigatoriamente reencarnado só porque apareceu essa alusão a sua próxima encarnação em Obras Póstumas. Não vamos fazer dogmas daquilo que corresponde apenas a uma previsão puramente humana. A verdade é que a obra de Kardec ainda não foi suficientemente estudada por nós, ainda há muito que devassar em Kardec, muito o que aprender em Kardec. Qual a razão porque ele teria de voltar a fim de prosseguir a obra, desenvolvê-la ainda mais? Nós não estamos ainda necessitando desse desenvolvimento. Basta ver o seguinte: o desenvolvimento das próprias ciências, em nosso tempo, só agora está levando essas ciências a se confrontar com a ciência espírita. A ciência espírita esteve tão na frente das ciências atuais que elas só agora estão se aproximando. Veja o próprio problema que o senhor colocou da antimatéria. Esse problema já estava no Espiritismo desde o século passado, desde 1857, quando Kardec publicou o Livro dos Espíritos, esse problema da antimatéria, do corpo espiritual do homem, tudo isso já foi colocado ali cientificamente por Kardec. Entretanto, só agora a ciência está tateando nesse terreno. Então que necessidade teria Kardec de voltar para cá? É bom que os espíritas se acautelem. A sua colocação do problema nos dá a oportunidade lembrar isso. Aqui mesmo em São Paulo existe um cidadão, médium psicógrafo que se apresenta declaradamente como a reencarnação de Kardec, e muitos espíritas têm aceitado isso, apesar de a situação bastante inferior mental e culturalmente desse nosso companheiro, que não tem capacidade nem para discernir o absurdo que ele está falando, e se apresenta como reencarnação de Kardec. É preciso que os espíritas usem daquilo que Kardec sempre apresentou como base da doutrina: o bom senso, e não se deixem levar por tolices. Como o senhor quer me atribuir a qualidade de reencarnação de Kardec? O que eu fiz, o que eu tenho feito para merecer esta suspeita? É claro que precisamos ter muito cuidado nisso e não precipitar as coisas. O senhor chega a colocar o problema assim como uma coisa mais ou menos confidencial. Se eu não puder responder pelo programa, para lhe responder pessoalmente, se não puder responder, que não responda. Não. Eu responder sim: eu não tenho nada que ver com reencarnações de Kardec! Kardec é um espírito infinitamente superior ao meu. Eu sou uma criatura humana como qualquer outra e cheia de muitos defeitos, imperfeições e de muita ignorância.
Kardec era um homem de inteligência suprema, que tinha uma cultura superior ao seu tempo, como ele provou, deixando-nos, através do Espiritismo, uma formulação precisa da doutrina que antecipa o próprio desenvolvimento das ciências em nosso tempo. Vamos deixar esse problema, portanto, bem claro: não sou, não pretendo ser, não penso que sou, não tenho a menor intenção de ser uma reencarnação de um espírito que está muito acima de mim. (site Fundação Herculano Pires).
É uma pena, nosso candidato não passou no teste… Entretanto, as considerações de Herculano Pires são atualíssimas, que merecem uma profunda reflexão de todos aqueles que advogam Kardec ter reencarnado, especialmente, aos espíritas que apresentam Chico, o “Cisco de Deus”, como seu candidato.
Conclusão
Já o dissemos algumas vezes que, cabe aos partidários da tese de que Chico é Kardec, provar que todas as vezes que o Espírito Kardec se manifestou quando Chico ainda estava encarnado, que ele estava nos “braços de Morfeu”.
Interessante que para evitar nos apresentar as provas, partiram para dizer que o Espírito de uma pessoa viva pode, sim, se manifestar mediunicamente. Muito bem; porém, a realidade é bem outra como, sobejamente, demonstramos em nosso texto “Manifestação de Espírito de pessoa viva: é possível em estado de vigília?”, sugerindo sua leitura aos possíveis interessados. Está disponível em nosso site www.paulosnetos.net, na Categoria “Artigos e Estudos”.
Anteriormente, deixamos, propositalmente, de pedir outras provas, pois sabíamos que não conseguiriam sair dessa primeira; mas, por agora, talvez seja um bom momento para as trazermos, para ver que as coisas não são tão simples como supõem.
– Carlos Alberto Braga e Weimar Oliveira, publicaram, respectivamente, as obras Chico Xavier, diálogos e recordações… e A volta de Allan Kardec, o primeiro com o aval da União Espírita Mineira e o segundo com o da Federação Espírita do Estado de Goiás, em que cada um dos autores lista os nomes dos personagens das supostas reencarnações anteriores de Kardec; são, por incrível que pareça, completamente divergentes. Então, o desafio é: que nos provem qual das duas é incontestavelmente a verdadeira.
– Em nosso texto “Que se apresentem os candidatos a Kardec reencarnado”, apontamos, fora o Chico, mais cinco outros candidatos. Poderiam nos provar a possibilidade de cada um deles não ser Kardec reencarnado?
– Derrubar todas as evidências que Dona Nena Galves, amiga pessoal do Chico, apresenta em sua obra Até sempre, Chico Xavier.
– Por que razão não vemos médiuns, totalmente confiáveis, receberem dos Espíritos superiores a confirmação cabal de todas as reencarnações de Kardec, ou, pelo menos, que confirmassem que Chico foi Kardec? A única exigência que fazemos é que isso não venha de nenhuma região do Estado de Minas Gerais, pois, por aqui, já idolatram o Chico, querendo fazer dele o Kardec reencarnado.
– Provem, ainda, que os nomes que citamos aqui estão enganados ao não aceitarem Chico como sendo Kardec em nova reencarnação.
– Por fim, que demonstrem qual é a utilidade prática para a Doutrina Espírita toda essa insistência em relacionar Chico a Kardec, a não ser oferecer munição aos adversários.
Os católicos transformaram Jesus em Deus, os espíritas (alguns) querem transformar Chico em Kardec, mutatis mutandis, é a mesma coisa, guardadas as devidas proporções.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
abr/2015.
(versão 2 – mai/2015).
Referência bibliográfica
COSTA, C. A. B. Chico, diálogos e recordações… Belo Horizonte: UEM, 2006.
COSTA E SILVA, L. N. Chico Xavier, o mineiro do século. Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.
IMBASSAHY, C. B. Quem pergunta quer saber. São Paulo: Petit, 1993.
NOBRE, M. R. S. Lições de sabedoria: Chico Xavier nos 23 anos da Folha Espírita. São Paulo: Editora Jornalistica Fé, 1997.
GOMES, S. Pinga-fogo com Chico Xavier. Catanduva, SP: Intervidas, 2010.
ROHDEN, H. Mahatma Gandhi: a apóstolo da não-violência. São Paulo: Martin Claret, 2012.
Divaldo P. Franco, entrevista Globo Repórter, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vTEstBFFHY8, acesso em 21.04.2015, às 12:12hs.
Divaldo P. Franco, entrevista Transição, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ROedB7ME35U, 0':04” até 1':20”, acesso em 21.04.2015, às 12:14hs.
Raul Teixeira, entrevista Jornal de Espiritismo, da ADEP, Portugal, disponível em http://artigosespiritaslucas.blogspot.com.br/2011/01/raul-teixeira-chico-xavier-nao-foi.html, acesso em 21.04.2015, às 12.45hs.
Chico Xavier, entrevista a Herculano Pires, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0ddC170LLKQ e http://www.fundacaoherculanopires.org.br/nolimiardoamanha/especial1aniversario
Herculano Pires, entrevistado, disponível em: http://www.fundacaoherculanopires.org.br/nolimiardoamanha/programa144
Dora Incontri, Chico não é Kardec, disponível em http://pedagogiaespirita.org.br/tiki-read_article.php?articleId=33, acesso em 23.04.2015, às 10:58hs.
Manifestação de Espírito de pessoa viva: é possível em estado de vigília?
O Espiritismo ensina que é possível a manifestação de um Espírito encarnado através de um médium, se ele estiver em um estado alterado de consciência, como no sono. Porém, recentemente, a possibilidade disso também ocorrer caso o encarnado esteja em estado de vigília se tornou uma questão controversa. Neste artigo, aprofundaremos nas obras básicas da Codificação espírita para descobrir como o tema é nela tratado, e se há maior respaldo doutrinário para essa questão. Embora exista uma mensagem contida na Revista Espírita que sugere essa possibilidade, nós mostramos que, segundo o Espiritismo, se o encarnado estiver em estado de vigília não pode se afastar do corpo, e, portanto, dar manifestação.
I – Introdução
Uma questão que tem dividido os espíritas é a hipótese de Chico Xavier (1910-2002), conhecido e reconhecido médium brasileiro, nascido em Pedro Leopoldo e radicado em Uberaba, ser Allan Kardec reencarnado. Veja-se, por exemplo, a obra A volta de Allan Kardec (OLIVEIRA, 2007), de Weimar Muniz de Oliveira (1936- ). Em quatro textos “Kardec reencarnou-se como Chico Xavier”, “Só por equívoco Chico Xavier foi Kardec”, “Kardec nunca foi João Evangelista” e “Elias, João Batista e Kardec”, todos disponíveis em nosso site www.paulosnetos.net, argumentamos que uma condição necessária para a hipótese de Chico Xavier ser Kardec, é provar, de forma incontestável, que todas as vezes que o Espírito Kardec se manifestou, Chico estava dormindo ou em algum estado alterado de consciência, para que seu Espírito pudesse se emancipar do corpo, assumir a sua personalidade de Kardec, e se manifestar.
Para se ter uma ideia das manifestações de Kardec, temos que durante os anos de 1926 a 1927 estava o Codificador manifestando-se a Léon Denis, conforme nos informa o pesquisador Eduardo Carvalho Monteiro (1950-2005), em Allan Kardec (o druida reencarnado) (MONTEIRO, 1996), onde narra o seguinte:
Na obra O Gênio Céltico e o Mundo invisível do mestre Léon Denis, só há pouco tempo disponível ao público brasileiro, o autor reproduziu uma série de mensagens do Espírito de Allan Kardec que, em verdade, escreveu a parte final de O Gênio Céltico. Madame Baumard, esta que o acompanhou nos últimos anos de vida como sua secretária, assim descreveu o processo criativo do grande escritor: “Durante os anos de 1926-1927, Denis manteve constantes contatos com o invisível. O interesse de Allan Kardec para com a obra em elaboração era 'intenso': apresentava-se a cada quinze dias e se encarregou, por ditado mediúnico, da parte final do livro.” (MONTEIRO, 1996, p. 74, grifo nosso).
Esse fato é confirmado pelo próprio Léon Denis (1846-1927) na obra intitulada O gênio céltico e o mundo invisível, citada acima, de cuja “Introdução” tomamos esse trecho da fala do autor: “Com efeito, é pelo estímulo do Espírito Allan Kardec que realizei este trabalho, em que se encontrará uma série de mensagens que ele nos ditou, por incorporação, em condições que excluem toda fraude”. (DENIS, 2001, p. 28, grifo nosso).
Ainda nessa obra, em duas outras oportunidades, Léon Denis fala sobre o Congresso Espírita de 1925 (DENIS, 2001, p. 208 e 259), confirmando o que acima foi dito. Transcrevemos uma delas:
Então, ao se aproximar o Congresso de 1925, foi o grande iniciador, ele mesmo, que veio nos certificar de seu concurso e nos esclarecer com seus conselhos. Atualmente ainda é ele, Allan Kardec, quem nos anima a publicar este estudo sobre o gênio céltico e a reencarnação, como se poderá verificar pelas mensagens publicadas mais adiante. (DENIS, 2001, p. 259, grifo nosso).
Além disso, Denis menciona outro fato importante dando-nos conta de que “Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica.” (DENIS, 2001, p. 279).
Se Kardec se manifestou, e na hipótese dele ter sido Chico, estaríamos diante de uma manifestação de Espírito de pessoa viva (encarnada), que entendemos não poder acontecer, caso a pessoa viva esteja em estado de vigília.
Vimos, na Internet, um artigo propondo a validade da hipótese de Chico ser Kardec reencarnado, se baseando na possibilidade do Espírito de uma pessoa viva, estando ela em estado de vigília, poder se manifestar. Para justificar-se, é apontado o seguinte texto transcrito da Revista Espírita de 1867, mês de março:
Uma outra questão é esta: Entre esses Espíritos, não há os que estão encarnados neste mundo ou em outros, e, neste caso, como podem se comunicar? Eis a resposta que disto nos foi dada:
“Os Espíritos de um certo grau de adiantamento têm uma irradiação que lhes permite se comunicar simultaneamente em vários pontos. Em alguns, o estado de encarnação não amortece essa irradiação de maneira bastante completa para os impedir de se manifestarem mesmo no estado de vigília. Quanto mais o Espírito é avançado, mais são fracos os laços que o unem à matéria do corpo; ele está num estado quase constante de desligamento, e pode-se dizer que está lá onde dirige seu pensamento.”
(KARDEC, 1999, p. 85, grifo nosso).
Como disse Kardec “A ideia preconcebida, num sentido qualquer, é a pior condição para um observador, porque então tudo vê e tudo ajusta a seu ponto de vista, negligenciando o que pode haver de contrário. Certamente não é esse o meio de chegar à verdade.” (KARDEC, 2008, p. 145-146). O propósito deste artigo é, portanto, analisar a mensagem publicada na Revista Espírita de 1867, acima reproduzida, sob a luz da própria Doutrina Espírita. Será que ela encontra respaldo nos princípios básicos do Espiritismo? O que ensina a Doutrina Espírita a respeito do assunto? Nas seções seguintes, apresentamos um estudo aprofundado do tema de acordo com as obras básicas e alguns autores espíritas clássicos. Mostraremos, com base nos princípios espíritas, que embora se tenha publicado na Revista Espírita, ela não tem o mesmo valor doutrinário que os princípios básicos do Espiritismo, não servindo, portanto, de base para a tese da possibilidade de um encarnado, em estado de vigília, se desdobrar e se manifestar através de um médium em outro lugar.
II – Análise doutrinária do tema
Primeiramente, a nossa análise consistirá de dois detalhes muito importantes, expostos por Kardec, a respeito da validade das mensagens espirituais.
O primeiro detalhe está presente na Revista Espírita de 1865, no qual ele diz:
O Espiritismo não é mais a obra de um único Espírito como não é a de um único homem; é a obra dos Espíritos em geral. Segue-se que a opinião de um Espírito sobre um princípio qualquer não é considerada pelos Espíritos senão como uma opinião individual, que pode ser justa ou falsa, e não tem valor senão quando é sancionada pelo ensino da maioria, dado sobre os diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que fez o que ele é, e que fará o que será. Diante desse poderoso critério, caem necessariamente todas as teorias particulares que sejam o produto de ideias sistemáticas, seja de um homem, seja de um Espírito isolado. Uma ideia falsa pode, sem dúvida, agrupar ao seu redor alguns partidários, mas não prevalecerá jamais contra aquela que é ensinada por toda a parte. (KARDEC, 2000c, p. 307, grifo nosso).
Se observar a mensagem que foi transcrita em nossa Introdução para justificar a manifestação de um Espírito de pessoa viva no estado de vigília, vê-se que tem como assinatura a designação indefinida de “Um Espírito”, bem como o fato de que Kardec não comentou absolutamente nada sobre isso, como, em geral, fazia para explicar alguns pontos doutrinários importantes.
Na Revista Espírita de 1866, Kardec volta a dizer, taxativamente, que “para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica”. (KARDEC, 1993i, p. 191, grifo nosso). Portanto, essa mensagem, apresentada como justificativa para manifestação do Espírito de uma pessoa viva, em estado de vigília, trata-se apenas de opinião de um Espírito. Veremos, no decorrer deste estudo, que essa mensagem, assinada por “Um Espírito”, não contém valor doutrinário. Confirmaremos que ela conflita com o que foi dito em O Livro dos Médiuns, cuja publicação ocorreu antes, em janeiro de 1861.
Vejamos, primeiramente, o que foi dito na Revista Espírita de 1858, mês de maio, quando Kardec comenta uma das perguntas feitas ao Espírito Mozart: “O médium poderia se pôr em relação com a alma de um vivo, e em que condições?”, cuja resposta foi: “Facilmente, se o vivente dorme.” Eis o seu comentário:
Se uma pessoa viva for evocada no estado de vigília, pode adormecer no momento da evocação, ou, pelo menos, experimentar um entorpecimento e uma suspensão das faculdades sensitivas; mas, muito frequentemente, a evocação não dá resultado, sobretudo se não for feita com uma intenção séria e benevolente. (KARDEC, 2001a, p. 138, grifo nosso).
A relação direta da necessidade de o Espírito não utilizar o corpo físico é condição sine qua non para que o Espírito de uma pessoa viva possa se manifestar; é o que se estabelece aqui e ficará mais claro, ainda, no que depreenderemos do pensamento de Kardec, ao longo deste estudo.
As questões relativas à manifestação de Espírito de pessoa viva se encontram em O Livro dos Médiuns. Para que fique claro qual as bases doutrinárias contidas nas explicações, tomemos de sua “Introdução” o seguinte trecho:
Importantes melhorias foram introduzidas na segunda edição, muito mais completa do que a primeira [Instrução Prática]. Foi corrigida com especial cuidado pelos Espíritos, que lhe acrescentaram grande número de notas e instruções do mais alto interesse. Como eles reviram tudo, aprovando-a ou modificando-a à vontade, pode-se dizer que ela é, em grande parte, obra deles, porque a sua intervenção não se limitou a alguns artigos que assinaram. […]. (KARDEC, 2013b, p. 11, grifo nosso).
É importante chamar a atenção para o fato de que essa obra foi revisada e corrigida pelos Espíritos; portanto, essa é a base segura com a qual devemos procurar entender a questão.
As informações relativas ao tema constam no Capítulo XXV – Das evocações, item 284 que trata, especificamente, da “Evocação de pessoas vivas”, do qual destacamos as seguintes questões:
37. A encarnação do Espírito constitui obstáculo absoluto à sua evocação?
“Não, mas é necessário que o estado do corpo permita que no momento da evocação o Espírito se desprenda. Quanto mais elevado for em categoria o mundo onde se acha o Espírito encarnado, tanto mais facilmente ele virá, porque em tais mundos os corpos são menos materiais.”
38. Pode-se evocar o Espírito de uma pessoa viva?
“Sim, visto que se pode evocar um Espírito encarnado. O Espírito de um vivo também pode, em seus momentos de liberdade, se apresentar sem ser evocado, dependendo da simpatia que tenha pelas pessoas com quem se comunica.”
39. Em que estado se acha o corpo da pessoa cujo Espírito é evocado?
“Dorme, ou cochila; é quando o Espírito está livre.”
42. O Espírito de uma pessoa evocada durante o sono comunica-se tão livremente como o de uma pessoa morta?
“Não; a matéria sempre o influencia em maior ou menor grau.”
OBSERVAÇÃO – Uma pessoa, que se achava nesse estado e a quem foi feita essa pergunta, respondeu: “Estou sempre ligada à grilheta que arrasto comigo”.
42-a. Nesse estado, o Espírito poderia ser impedido de vir, por se achar em outra parte?
“Sim, pode acontecer que o Espírito esteja num lugar onde deseje permanecer e então não atende à evocação, sobretudo quando feita por quem não o interesse.”
43. É absolutamente impossível evocar-se o Espírito de uma pessoa acordada?
“Embora difícil, não é absolutamente impossível, porque a evocação produz efeito, pode acontecer que a pessoa adormeça. Mas o Espírito não pode comunicar-se, como Espírito, senão nos momentos em que a sua presença não é necessária à atividade inteligente do corpo.”
OBSERVAÇÃO – Prova a experiência que a evocação feita durante o estado de vigília pode provocar o sono, ou, pelo menos, um torpor aproximado do sono, embora semelhante efeito só se possa produzir por ato de uma vontade muito enérgica e se existirem laços de simpatia entre as duas pessoas; de outro modo, a evocação nenhum resultado dá. Mesmo no caso de a evocação poder provocar o sono, se o momento é inoportuno, a pessoa, não querendo dormir, oporá resistência e, se sucumbir, seu Espírito ficará perturbado e dificilmente responderá. Conclui-se daí que o momento mais favorável para a evocação de uma pessoa viva é o do sono natural, porque, estando livre, seu Espírito pode vir ter com aquele que o chama, da mesma maneira que pode ir a outro lugar. Quando a evocação é feita com consentimento da pessoa e esta procura dormir para esse efeito, pode acontecer que essa preocupação retarde o sono e perturbe o Espírito. Por isso, o sono não forçado é sempre preferível.
(KARDEC, 2013b, p. 314-315, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Então, se conclui que a condição, para que um Espírito de uma pessoa viva possa se manifestar, se prende ao estado em que ela se encontra, quer dizer, se desperta ou dormindo. A manifestação mais facilmente ocorrerá no estado de sono, que deve ser o preferível, pois “é necessário que o estado do corpo permita que no momento da evocação o Espírito se desprenda.”
Acrescentemos, ainda, a essa lista acima:
46-a. O Espírito de um sonâmbulo poderia responder a uma pessoa que o evocasse à distância e, ao mesmo tempo que respondia verbalmente a outra pessoa?
– A faculdade de se comunicar simultaneamente em dois lugares diferentes só pertence aos Espíritos completamente desprendidos da matéria. (KARDEC, 2013b, p. 316, grifo nosso).
Por “Espíritos completamente desprendidos da matéria”, só se pode entender, em relação a nós habitantes da Terra, que somente os desencarnados é que podem se manifestar em dois lugares, fato que ocorre pelo dom da ubiquidade, assunto tratado no item 282 – Perguntas sobre evocações:
30. O Espírito evocado simultaneamente em muitos lugares pode responder ao mesmo tempo às perguntas que lhe são dirigidas?
“Pode, se for Espírito elevado.”
30-a. Nesse caso, o Espírito se divide ou possui o dom da ubiquidade?
“O Sol é um só e, no entanto, irradia ao seu redor, levando longe seus raios, sem se dividir. Do mesmo modo, os Espíritos. O pensamento do Espírito é como uma centelha que projeta longe a sua claridade e pode ser vista de todos os pontos do horizonte. Quanto mais puro é o Espírito, tanto mais o seu pensamento irradia e se estende como a luz. Os Espíritos inferiores são mais materiais; não podem responder senão a uma única pessoa de cada vez, nem vir a um lugar, se são chamados em outro. Já um Espírito superior, chamado ao mesmo tempo em pontos diferentes, responderá a ambas as evocações, se as duas forem sérias e fervorosas. Em caso contrário, dará preferência à mais séria.”
[…].
(KARDEC, 2013b, p. 311).
O segundo detalhe importante nessa análise, se encontra na “Introdução” de A Gênese, quando Kardec explica:
Aliás, os leitores assíduos da Revista Espírita já devem ter notado, sem dúvida sob a forma de esboços, a maioria das ideias desenvolvidas aqui nesta obra, conforme o fizemos, com relação às anteriores. Muitas vezes a Revista representa, para nós, um terreno de ensaio, destinado a sondar a opinião dos homens e dos Espíritos sobre alguns princípios, antes de os admitir como parte constitutiva da Doutrina. (KARDEC, 2013c, p. 11-12, grifo nosso).
As orientações do Codificador são claras e define a Revista Espírita como que um campo de ensaio destinado a “sondar a opinião dos homens e dos Espíritos sobre alguns princípios, antes de os admitir como partes constitutivas da doutrina”.
Como a justificativa do autor se baseia exatamente numa mensagem isolada de “Um Espírito” publicada na Revista Espírita, por si só ela não cabe como ponto de valor doutrinário, uma vez que, a olhos vistos, se trata de uma opinião pessoal de um Espírito, sobre a qual diria Kardec: “pode ser justa ou não.” Há um adágio popular que se enquadra bem ao fato: “Uma andorinha só, não faz verão.”
Nessa mesma Revista Espírita de 1867, que se toma para basear os argumentos, também encontramos algo interessante no artigo sobre “Os pressentimentos e os prognósticos”, do qual transcrevemos o seguinte trecho:
Para ser advertido, de maneira oculta, do que se passa ao longe e cujo conhecimento não podemos ter senão num futuro mais ou menos próximo pelos meios comuns, é preciso que alguma coisa se desembarace de vós, veja e ouça o que não podemos perceber pelos olhos e pelos ouvidos, para dela reportar a intuição ao nosso cérebro. Essa alguma coisa deve ser inteligente, uma vez que compreende, e que, frequentemente, de um fato atual prevê as consequências futuras; é assim que temos, às vezes o pressentimento do futuro. Essa alguma coisa não é outra do que nós mesmos, nosso ser espiritual, que não está confinado no corpo como um pássaro numa gaiola, mas que, semelhante a um balão cativo, se afasta momentaneamente da terra, sem deixar de a ela estar ligado.
É sobretudo nesses momentos em que o corpo repousa, durante o sono, e o Espírito, aproveitando o repouso, que ele deixa o cuidado de seu envoltório, recobra em parte a sua liberdade e vai haurir, no espaço, entre outros Espíritos, encarnados como ele ou desencarnados, e naquilo que vê, as ideias das quais traz a intuição ao despertar.
Essa emancipação da alma, frequentemente, tem lugar no estado de vigília, nos momentos de absorção, de meditação e de devaneio, onde a alma parece não estar mais preocupada com a Terra; sobretudo, ela ocorre, de maneira mais efetiva e mais ostensiva, nas pessoas dotadas do que se chama dupla vista ou visão espiritual. (KARDEC, 1999, p. 338, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
A emancipação da alma, no estado de vigília, é a condição indispensável para que o Espírito de pessoa viva possa se manifestar; ela só pode ocorrer “nos momentos de absorção, de meditação e de devaneio”, situações que não permitem ao encarnado estar consciente. Por não estar literalmente dormindo é que se diz que está em estado de vigília, termo, certamente, não apropriado para designar esse estado. É um estado em que a pessoa, estando acordada, demonstrar estar “distante”, com o pensamento longe do que acontece ao seu redor.
Outros estados de consciência são aqui mencionados:
Durante a vida exterior de relação, o corpo tem necessidade de sua alma ou Espírito por guia, a fim de dirigi-lo no mundo; mas nos momentos de inatividade do corpo, a presença da alma não é mais necessária; dele se liberta, sem, no entanto, deixar de estar-lhe presa por um laço fluídico que a chama desde que a necessidade de sua presença se faça sentir; nesses momentos ela recobra em parte a liberdade de agir e de pensar da qual não gozará completamente senão depois da morte do corpo, quando dele estará completamente separada. […].
Esse estado, que chamamos emancipação da alma, ocorre normalmente e periodicamente durante o sono; só o corpo repousa para recuperar suas perdas materiais; mas o Espírito, que nada perdeu, aproveita esse descanso para se transportar onde quer. Além disto, ocorre excepcionalmente todas as vezes que uma causa patológica, ou simplesmente fisiológica, produz a inatividade total ou parcial dos órgãos da sensação e da locomoção; é o que se passa na catalepsia, na letargia, no sonambulismo. O desligamento ou, querendo-se, a liberdade da alma é tanto maior quanto a inércia do corpo é mais absoluta; é por esta razão que o fenômeno adquire o seu maior desenvolvimento na catalepsia e na letargia. (KARDEC, 1993i, p. 23-24, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Muito importante é a colocação de que, na vida de relação, o corpo tem necessidade da alma, o que nos leva a concluir que, no estado de vigília, no sentido próprio do termo, não há como o Espírito se afastar do corpo e manter essa vida de relação; nessa situação, não conseguirá controlar ou agir no próprio corpo do qual temporariamente se afastou.
Temos que voltar a um ponto já dito por nós, inúmeras vezes, mas que é útil para confirmar a presente análise.
Tanto em O Livro dos Espíritos quanto em O Livro dos Médiuns, os Espíritos afirmaram a Kardec que na mediunidade não há posse física do corpo de um encarnado por um desencarnado, o que é conhecido como possessão. O que, infelizmente, poucos Espíritas sabem é que na Revista Espírita de 1863, mês de dezembro, Kardec publica o caso da Senhorita Julie, a partir da análise do qual ele radicalmente muda de opinião. Essa nova visão sobre a possessão foi parar na sua última obra publicada – A Gênese –, passando, portanto, a ser um ponto doutrinário.
Procedimento idêntico não foi feito com a questão da possibilidade da manifestação do Espírito de um vivo no estado de vigília. Logo, vale as explicações contidas no item 284 – Evocações de Pessoas Vivas, de O Livro dos Médiuns, acima transcrito.
Para reforçar, traremos, agora, alguns trechos do livro Obras Póstumas que, apesar de não ter sido publicado por Kardec, seu teor compõe-se de manuscritos pessoais, que foram encontrados após seu retorno ao mundo espiritual.
No capítulo “Manifestações dos Espíritos”, há uma referência a aparição de pessoas vivas – bicorporeidade, do qual transcrevemos:
A faculdade, que a alma possui, de emancipar-se e de desprender-se do corpo durante a vida pode dar lugar a fenômenos análogos aos que os Espíritos desencarnados produzem. Enquanto o corpo se acha mergulhado em sono, o Espírito, transportando-se a diversos lugares, pode tornar-se visível e aparecer sob uma forma vaporosa, quer em sonho, quer em estado de vigília. Pode igualmente apresentar-se sob forma tangível, ou, pelo menos, com uma aparência tão idêntica à realidade, que possível se torna a muitas pessoas estar com a verdade, ao afirmarem tê-lo visto ao mesmo tempo em dois pontos diversos. Ele, com efeito, estava em ambos, mas apenas num se achava o corpo verdadeiro, achando-se no outro o Espírito. Foi este fenômeno, aliás muito raro, que deu origem à crença nos homens duplos e que se denomina de bicorporeidade. (KARDEC, 2006a, p. 62, grifo nosso).
A condição da emancipação do Espírito para se apresentar em outro local é que “o seu corpo se acha mergulhado em sono”. Desprendido o seu Espírito, que é de uma pessoa viva, pode aparecer para outra pessoa quando essa estiver dormindo ou em estado de vigília, simples assim.
Para esclarecer um pouco mais a questão dos “homens duplos”, Kardec escreve um artigo sobre isso. Vamos encontrá-lo um pouco à frente no capítulo intitulado “Dos homens duplos e das aparições de pessoas vivas”, do qual mencionaremos alguns trechos, porque os julgamos importantes para esse nosso estudo.
É fato hoje comprovado e perfeitamente explicado que o Espírito, isolando-se de um corpo vivo, pode, com auxílio do seu envoltório fluido-perispirítico, aparecer em lugar diferente do em que está o corpo material. Até ao presente, porém, a teoria, de acordo com a experiência, parece demonstrar que essa separação somente durante o sono se dá, ou, pelo menos, durante a inatividade dos sentidos corpóreos. […]. (KARDEC, 2006a, p. 83, grifo nosso).
Kardec, aqui, é claro ao dizer “a teoria, de acordo com a experiência, parece demonstrar que essa separação somente durante o sono se dá, ou, pelo menos, durante a inatividade dos sentidos corpóreos”. Convicção essa que surgiu como resultado de suas pesquisas evocando Espíritos de pessoas vivas, conforme vários relatos na Revista Espírita. Porém, como nunca agiu de forma ortodoxa, sempre abrindo a mente para outras possibilidades, utilizou-se da palavra “parece”, porque, na sequência, ele apresentará alguns fatos, dizendo: “Se são exatos, os fatos seguintes provam que ela igualmente se produz no estado de vigília.” (KARDEC, 2006a, p. 83). Cita a obra Os Fenômenos Místicos da Vida Humana, de Maximiliano Perty (1804-1884), professor da Universidade de Berne, publicada em 1861, da qual lista nove casos.
Chamou-nos atenção o ano de publicação dessa obra de Perty, pois foi neste ano que Kardec publicou as duas primeiras edições de O Livro dos Médiuns – 1ª edição, em janeiro e a 2ª em novembro (KARDEC, 1993f, p. 361). Significa que é bem provável que Kardec tenha lido Perty antes de publicar a 2ª edição; e como nessa edição manteve a sua opinião, vale, portanto, como ponto doutrinário, o que acima foi transcrito da 2ª edição de O Livro dos Médiuns sobre a manifestação de Espírito de pessoas vivas.
Mencionaremos apenas dois dos casos citados por Perty, uma vez que Kardec, em Obras Póstumas, tece considerações sobre cada um deles, que são extremamente oportunas para entendermos o tema:
1. “Um camponês proprietário foi visto, pelo seu cocheiro, na cavalariça, com o olhar dirigido para os animais, no momento mesmo em que estava a comungar na igreja. Narrando o fato, mais tarde, ao seu pastor, perguntou-lhe este em que pensava ele no momento da comunhão. – Para dizer a verdade, respondeu o camponês, pensava nos meus animais. – Aí está explicada a sua aparição, replicou o eclesiástico.”
Estava com a verdade o pastor, porquanto, sendo o pensamento atributo essencial do Espírito, tem este que se achar onde se ache o seu pensamento. A questão é saber se, no estado de vigília, pode o desprendimento do perispírito ser suficientemente grande para produzir uma aparição, o que implicaria um como desdobramento do Espírito, uma de cujas partes animaria o corpo fluídico e a outra o corpo material. Nada terá isto de impossível, se considerarmos que, quando o pensamento se concentra num ponto distante, o corpo apenas atua maquinalmente, por efeito de uma espécie de impulsão mecânica, o que se verifica, sobretudo, com as pessoas distraídas. A vida espiritual acompanha o Espírito. É, pois, provável que o homem de quem se trata haja tido, naquele momento, uma distração forte e que os seus animais o preocupavam mais do que a comunhão. (KARDEC, 2006a, p. 83-84, grifo nosso).
Vê-se que Kardec age de modo muito criterioso ao analisar o caso apresentado, não o aceitando como prova de manifestação do Espírito de uma pessoa viva por absoluta falta de comprovação, já que para ele “É, pois, provável que o homem de quem se trata haja tido, naquele momento, uma distração forte.”
Este outro fato é da mesma categoria; apresenta, porém, uma particularidade mais notável:
2. “O juiz de cantão, J…, em Fr… mandou certo dia seu amanuense a uma aldeia dos arredores. Passado algum tempo, ele o viu entrar de novo, tomar de um livro no armário e folheá-lo. Perguntou-lhe bruscamente por que ainda não fora onde o mandara. A essas palavras, o amanuense desapareceu. O livro cai no chão e o juiz o coloca em cima de uma mesa, aberto como caíra. À tarde, de regresso o amanuense, o juiz o interrogou sobre se lhe acontecera alguma coisa em caminho, se tinha voltado à sala onde naquele momento se achavam. — Não, respondeu o amanuense; fiz a viagem na companhia de um amigo; ao atravessarmos a floresta, pusemo-nos a discutir acerca de uma planta que encontráramos e eu lhe disse que, se estivesse em casa, fácil me seria mostrar-lhe uma página de Lineu que me daria razão.
Era justamente esse o livro que ficara aberto na página indicada.” (KARDEC, 2006a, p. 84-85).
As considerações de Kardec sobre este outro caso de Perty, são as seguintes:
Por muito extraordinário que pareça o fato, não se poderia tachá-lo de materialmente impossível, por isso que ainda longe estamos de conhecer todos os fenômenos da vida espiritual. Contudo, faz-se mister a confirmação. Num caso desses, seria preciso comprovar, de maneira positiva, o estado do corpo no momento da aparição. Até prova em contrário, duvidamos de que o fato seja possível, desde que o corpo se ache em atividade inteligente. (KARDEC, 2006a, p. 85, grifo nosso).
Da mesma forma que no caso anterior, Kardec, “o bom senso encarnado”, não aceita a descrição do fenômeno, porque as provas também não foram apresentadas. Isso é agir com critério científico, sem crença cega ou justificativa superficial, que, infelizmente, ocorre às vezes no meio espírita.
A sua finalização do comentário é algo digno de se repetir, porquanto, ela demonstra claramente o pensamento de Kardec sobre o tema que estamos estudando: “Até prova em contrário, duvidamos de que o fato seja possível, desde que o corpo se ache em atividade inteligente.”
Em relação aos sete outros casos, vejamos o que Kardec disse sobre eles:
Os que seguem bem mais extraordinários são e francamente confessamos que nos inspiram dúvidas ainda maiores. Compreende-se facilmente que a aparição do Espírito de uma pessoa viva seja vista por uma terceira pessoa, porém não que um indivíduo possa ver a sua própria aparição, principalmente nas condições abaixo referidas. (KARDEC, 2006a, p. 85, grifo nosso).
Kardec fala de forma mais abrangente sobre a obra de Perty e também sobre as manifestações de Espírito de pessoa viva:
A obra do Sr. Perty contém grande número de fatos deste gênero. É de notar-se que, em todos os casos citados, o princípio inteligente se mostra do mesmo modo ativo nos dois indivíduos e, até, mais ativo no ser material, quando o contrário é que deveria dar-se. Mas, o que nos parece radicalmente impossível é que haja antagonismo, divergência de ideias, de pensamentos e de sentimentos nos dois seres. Entretanto, essa divergência é manifesta, sobretudo, no fato nº 4, em o qual um previne o outro de sua morte, e no nº 7, em que a imperatriz manda fazer fogo contra o seu outro eu.
Admitindo-se a divisão do perispírito e uma força fluídica suficiente a manter a atividade normal no corpo; supondo-se também a divisão do princípio inteligente, ou uma irradiação sua capaz de animar os dois seres e de lhe facultar uma espécie de ubiquidade, esse princípio, que é uno, tem que se conservar idêntico; não poderia, pois, haver, de um lado, uma vontade que não existisse do outro, a menos se admita que haja Espíritos gêmeos, como há corpos gêmeos, isto é, que dois Espíritos se identifiquem para encarnar num só corpo, o que não é concebível.
Se, em todas essas histórias fantásticas, alguma coisa há que se deva guardar, também há muito que repudiar, havendo ainda a parte pertencente à lenda. Longe de nos induzir a aceitá-las cegamente, o Espiritismo nos ajuda a separar o verdadeiro do falso, o possível do impossível, mediante leis que nos revela, concernentes à constituição e ao papel do elemento espiritual. Não nos apressemos, todavia, em rejeitar a priori tudo o que não compreendemos, porque muito distante estamos de conhecer todas as leis e porque a natureza ainda nos não patenteou todos os seus segredos. O mundo invisível é um campo ainda novo de observações e seríamos presunçosos se pretendêssemos haver sondado todas as suas profundezas, quando incessantemente novas maravilhas se ostentam aos nossos olhos. Entretanto, há fatos cuja impossibilidade material a lógica e as leis conhecidas demonstram. […]. (KARDEC, 2006a, p. 87-89, grifo nosso).
Tal qual pregava, Kardec agia: lógica e bom senso!
Para completar esse nosso estudo temos que voltar à obra O Livro dos Médiuns para ver o que consta nela sobre bicorporeidade:
114. A bicorporeidade e a transfiguração são variedades do fenômeno das manifestações visuais e, por mais maravilhosos que possam parecer à primeira vista, facilmente se reconhecerá, pela explicação que deles se pode dar, que não estão fora da ordem dos fenômenos naturais. Ambos se fundamentam no princípio de que tudo o que foi dito sobre as propriedades do perispírito após a morte também se aplica ao perispírito dos vivos. Sabemos que durante o sono o Espírito recobra parcialmente a sua liberdade, isto é, isola-se do corpo, e foi nesse estado que, em muitas ocasiões, tivemos a chance de observá-los. Mas o Espírito, quer o homem esteja vivo, quer morto, traz sempre o seu envoltório semimaterial que, pelas mesmas causas de que já narramos, pode adquirir a visibilidade e a tangibilidade. Há fatos bastante positivos, que não podem deixar qualquer dúvida a tal respeito. […] (KARDEC, 2013b, p. 125, grifo nosso).
Na explicação, Kardec já deixa claro que tais fenômenos ocorrem durante o sono, ou seja, não são possíveis no estado de vigília.
Avancemos para um item mais à frente:
119. Voltemos ao nosso assunto. Quando isolado do corpo, o Espírito de uma pessoa viva, do mesmo modo que o Espírito de alguém que morreu, pode mostrar-se com todas as aparências da realidade. Além disso, pelos mesmos motivos que já explicamos, pode adquirir tangibilidade momentânea. Foi este fenômeno, designado de bicorporeidade, que deu motivo às histórias de homens duplos, isto é, de indivíduos cuja presença simultânea em dois lugares diferentes se chegou a comprovar. Citamos aqui dois exemplos, tirados, não das lendas populares, mas da história eclesiástica.
Santo Afonso de Liguori e Santo Antônio de Pádua
[…].
Resolvemos evocar e interrogar Santo Afonso acerca do fato acima. Eis as respostas que ele nos deu:
1. Poderias explicar-nos esse fenômeno?
“Perfeitamente. Quando o homem, por suas virtudes, chegou a desmaterializar-se completamente; quando conseguiu elevar sua alma para Deus, pode aparecer em dois lugares ao mesmo tempo. Eis como: ao sentir que lhe vem o sono, o Espírito encarnado pode pedir a Deus lhe seja permitido transportar-se a um lugar qualquer. Seu Espírito, ou sua alma, como quiseres, abandona então o corpo, acompanhado de uma parte do seu perispírito, e deixa a matéria impura num estado próximo do da morte. Digo próximo do da morte, porque no corpo ficou um laço que liga o perispírito e a alma à matéria, laço este que não pode ser definido. O corpo aparece, então, no lugar desejado. Creio ser isto o que queres saber."
2. Isso não nos dá a explicação da visibilidade e da tangibilidade do perispírito.
“Estando desprendido da matéria, de acordo com o seu grau de elevação, o Espírito pode tornar-se tangível à matéria.”
3. O sono do corpo é indispensável para que o Espírito apareça noutros lugares?
“A alma é capaz de dividir-se, desde que se sinta atraída para um lugar diferente daquele onde se acha seu corpo. Pode acontecer que o corpo não durma, embora isto seja muito raro. Em todo o caso, jamais se encontrará num estado perfeitamente normal; estará sempre num estado mais ou menos extático.
OBSERVAÇÃO – A alma não se divide, no sentido literal do termo: irradia-se para diversos lados e pode assim manifestar-se em muitos pontos, sem se haver fracionado. Dá-se o que se dá com a luz, que pode refletir-se simultaneamente em muitos espelhos.
(KARDEC, 2013b, p. 129-130, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Situação também que ocorre no estado de sono. A correção de Kardec sobre a divisão da alma é oportuna, pois se nada falasse a afirmação do Espírito geraria além de confusão uma contradição com a questão 137 de O Livro dos Espíritos, que adiante citaremos.
Vejamos, resumidamente, o que aconteceu aos santos citados:
Santo Afonso de Liguóri foi canonizado por se ter mostrado simultaneamente em dois lugares diferentes. Achando-se adormecido em Arienzo, pôde assistir à morte do papa Clemente XIV, em Roma, e anunciou, ao despertar, que acabava de ser testemunha desse acontecimento.
O caso de Santo Antônio de Pádua é célebre. Estando em Pádua a pregar, interrompeu-se de repente, em meio do sermão e adormeceu. Nesse mesmo instante, em Lisboa, seu pai, acusado falsamente de homicídio, era conduzido ao suplício. Santo Antônio aparece, demonstra a inocência de seu pai e faz conhecer o verdadeiro culpado. (DENIS, 1987, p. 147, grifo nosso).
O detalhe comum a esses dois casos é que ambos os seus personagens estavam adormecidos, comprovando, portanto, a tese que estamos defendendo.
Apresentaremos agora um comentário de Kardec que põe fim à crença de que as manifestações de Espírito de pessoas vivas podem ocorrer em estado de vigília.
121. O indivíduo que se mostra simultaneamente em dois lugares diferentes tem, portanto, dois corpos. Mas desses dois corpos, somente um é real, o outro é simples aparência. Pode-se dizer que o primeiro tem a vida orgânica e que o segundo tem a vida da alma. Quando o indivíduo desperta, os dois corpos se reúnem e a vida da alma volta ao corpo material. Não parece possível – pelo menos não temos exemplo algum do fato e a razão o demonstra – que, quando separados, os dois corpos possam gozar, simultaneamente e no mesmo grau, da vida ativa e inteligente. […]. (KARDEC, 2013b, p. 131, grifo nosso).
Portanto, isso mostra que é totalmente impossível a manifestação de um Espírito de pessoa viva através de um médium e, ao mesmo tempo, ele conversar com outras pessoas através do seu próprio corpo. Pior ainda é considerar que Espírito faça isso se manifestando em uma das suas personalidades de vidas passadas, como querem alguns para justificarem suas crenças.
É interessante analisar o contexto da explicação da entidade, que se denominou “Um Espírito”, citada no início e publicada na Revista Espírita de 1867 e que serviu de base da argumentação de que o Espírito de uma pessoa viva pode se manifestar em estado de vigília.
No mês de março da Revista Espírita de 1867, em “Dissertações Espíritas” temos o artigo intitulado “COMUNICAÇÃO COLETIVA” (KARDEC, 1999, p. 80-85). Informa-nos Kardec que ela se deu na Sociedade de Paris, a 1º de novembro de 1866, tendo como médium M. Bertrand, em quem se manifesta o Espírito Slener, seu guia, que reporta haver vários Espíritos presentes à reunião e que gostariam de se comunicar (manifestar), mas era humanamente impossível dado ao número de médiuns presentes. Termina sua explicação dizendo: “Agora, caros amigos, todos os Espíritos protetores virão lhes dar o seu pensamento. Tu, médium, escuta e deixa teu lápis ir segundo a sua ideia”. (grifo nosso).
Não podemos seguir adiante sem entender o que, exatamente, são os Espíritos protetores:
489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?
“Sim, o irmão espiritual. É o que chamais o Espírito bom ou gênio bom.”
490. Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo guardião?
“O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”
491. Qual a missão do Espírito protetor?
“A de um pai com relação aos filhos: conduzir seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições e encorajá-lo nas provas da vida.”
519. As aglomerações de indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações, têm seus Espíritos protetores especiais?
“Sim, pois as aglomerações são individualidades coletivas que marcham para um objetivo comum e que precisam de uma direção superior.”
(KARDEC, 2013a, p. 238 e 247).
A não ser que tenhamos um entendimento equivocado, os Espíritos protetores estão no estado errante; portanto, não há sentido em se dizer que estão encarnados; daí, segue-se, por óbvio, que todos os Espíritos que estavam nessa reunião eram desencarnados, ou, numa outra hipótese, encarnados em mundos muito superiores à Terra, essa parece-nos ser a possibilidade diante dessas colocações de Kardec à resposta da questão 495, de O Livro dos Espíritos:
[…] Que haverá então de surpreendente em que os Espíritos, de um mundo a outro possam guiar os que tomaram sob sua proteção, uma vez que para eles a distância que separa os mundos é menor do que a que, neste planeta, separa os continentes? Não dispõem, além disso, do fluido universal que interliga todos os mundos e os torna solidários, veículo imenso da transmissão dos pensamentos, assim como o ar, para nós, é o veículo da transmissão do som? (KARDEC, 2013a, p. 241).
Cabe, aqui, acrescentarmos uma consideração feita pelo Parecerista que analisou o presente artigo.
No trecho da mensagem de “Um Espírito”, publicada na Revista Espírita de 1867, há um detalhe que enfraquece qualquer tentativa de utilizá-la como base para a hipótese de que seja possível o Espírito de um encarnado se manifestar através de um médium estando, ao mesmo tempo, em estado de vigília. Vamos reescrever o que o Espírito disse:
"Os Espíritos de um certo grau de adiantamento têm uma irradiação que lhes permite se comunicar simultaneamente em vários pontos. Em alguns, o estado de encarnação não amortece essa irradiação de maneira bastante completa para os impedir de se manifestarem mesmo no estado de vigília". (KARDEC, 1999, p. 85, grifo nosso).
Vemos que a primeira frase está correta. É necessário certo adiantamento do Espírito para irradiar para vários pontos ao mesmo tempo. Mas a segunda frase é destituída de clareza. O Espírito disse “Em alguns, o estado de encarnação não amortece essa irradiação…” (grifo nosso). O que o Espírito quis dizer com “estado de encarnação”? Essa expressão é muito vaga e pode significar, simplesmente, o estado de encarnação em mundos muito mais avançados que o nosso, onde o corpo físico é mais sutil, delicado, e os Espíritos menos presos a ele. Logo, a própria afirmação do Espírito não é clara o bastante para se concluir que seja possível a um encarnado aqui na Terra, em estado de vigília, se desdobrar e se manifestar através de um médium em outro lugar.
É importante atentar para o final da resposta à questão 37 do item 284 – Evocação de pessoas vivas de O Livro dos Médiuns, onde se estabelece a condição de um Espírito encarnado se manifestar: “Quanto mais elevado for em categoria o mundo onde se acha o Espírito encarnado, tanto mais facilmente ele virá, porque em tais mundos os corpos são menos materiais” (KARDEC, 2013b, p. 314, grifo nosso), ou seja, isso não se aplica aos que se acham encarnados na Terra, um planeta de provas e expiações.
Na questão 510, de O Livro dos Espíritos, em que Kardec pergunta se um pai que vela pelo filho reencarna, continua a velar por ele, algo interessante está contido na resposta:
“Isso é mais difícil, mas ele roga, num momento de desprendimento, que um Espírito simpático o assista nessa missão. Ademais, os Espíritos só aceitam missões que possam desempenhar até o fim. O Espírito encarnado, sobretudo onde a existência é material, acha-se sujeito demais ao corpo para poder devotar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para poder assisti-lo pessoalmente. […]” (KARDEC, 2013a, p. 244, grifo nosso).
Fica aí, então, demonstrado que um Espírito encarnado não tem como exercer a função de protetor, por duas razões; a primeira é que não assume missão que não possa desempenhar até o fim, e segundo, pelo fato de achar-se sujeito demais ao corpo físico.
Outro ponto, que não podemos nos esquecer é sobre os nomes que a si dão os Espíritos. Vejamos o que se encontra em O Livro dos Médiuns, cap. XXIV – Identidade dos Espíritos, item 258:
3. Muitos Espíritos protetores se designam pelos nomes de santos ou de personagens conhecidas. Que se deve pensar a esse respeito?
“Nem todos os nomes de santos e de personagens conhecidas seriam suficientes para fornecer um protetor a cada homem. Entre os Espíritos, são poucos os que têm nome conhecido na Terra, razão por que, na maioria das vezes, eles não declaram nenhum nome. Vós outros, porém, quase sempre quereis um nome; então, para vos satisfazer, o Espírito toma o de um homem que conhecestes e a quem respeitais.”
5. Assim, quando um Espírito protetor diz ser São Paulo, por exemplo, não é certo que seja mesmo o Espírito, ou a alma, do apóstolo que teve esse nome?
“De maneira alguma, pois há milhares de pessoas às quais foi dito que têm Paulo, ou qualquer outro santo, por anjo da guarda. Mas que vos importa isso, contanto que o Espírito que vos proteja seja tão elevado quanto Paulo? Como eu já disse, precisais de um nome; então eles tomam um para que os possais chamar e reconhecer, do mesmo modo que tomais os nomes de batismo para vos distinguirdes dos outros membros da vossa família. Podem tomar perfeitamente os nomes dos arcanjos Rafael, Miguel, etc., sem que isto acarrete maiores consequências. Além disso, quanto mais elevado é um Espírito, tanto mais dilatada é a sua irradiação. Tende como certo que um Espírito protetor de ordem mais elevada pode ter sob a sua tutela centenas de encarnados. Entre vós, na Terra, há tabeliães que se encarregam dos negócios de cem ou duzentas famílias. Por que haveríeis de supor que fôssemos menos aptos, espiritualmente falando, para a direção moral dos homens, do que os tabeliães para a direção material de seus interesses?”
(KARDEC, 2013b, p. 287-288, grifo nosso).
Entendemos que se apegar aos nomes que os Espíritos usam como se fosse realmente os seus nomes, é pura falta de conhecimento doutrinário. E daí, é pouco recomendável querer estabelecer reencarnações de uma pessoa, utilizando-se apenas dos nomes que os Espíritos a si designam.
Voltando à questão sobre a Comunicação Coletiva, segue-se uma lista dos pensamentos de 46 Espíritos protetores. Entre eles encontramos Platão, Sócrates e São Luís, que são nomes que estão entre os que assinaram o texto em “Prolegômenos” de O Livro dos Espíritos, e, muitas vezes, aparecem nas mensagens constantes das obras da Codificação. Transcreveremos o que vem logo após:
Nota. Este gênero de comunicação levanta uma questão importante. Como os fluidos de um número muito grande de Espíritos podem se assimilar quase instantaneamente com o fluido do médium, para transmitir-lhe seu pensamento, ao passo que essa assimilação, frequentemente, é difícil da parte de um só Espírito, e não se estabelece, geralmente, senão com o tempo?
O guia espiritual do médium parece tê-lo previsto, porque dois dias depois deu, espontaneamente a explicação adiante.
“A comunicação que obtivestes no dia de Todos os Santos, assim como a última que dela é o complemento, embora nela haja nomes repetidos, foram obtidas da maneira seguinte: como sou teu Espírito protetor, meu fluido é similar ao teu. Coloquei-me acima de ti, transmitindo-te, o mais exatamente possível, os pensamentos e os nomes dos Espíritos que desejaram se manifestar. Eles formaram ao redor de mim uma assembleia cujos membros ditavam, alternativamente, todos os pensamentos que te transmiti. Isto foi espontâneo, e o que tornou naquele dia as comunicações mais fáceis, foi que os Espíritos presentes tinham saturado o apartamento com os seus fluidos.
Quando um Espírito se comunica com um médium, ele o faz com tanto mais facilidade quanto as relações fluídicas estejam melhor estabelecidas entre eles, senão o Espírito é obrigado, para comunicar seu fluido ao médium, a estabelecer uma espécie de corrente magnética que chega ao cérebro deste último; e se o Espírito, em razão de sua inferioridade, ou de qualquer outra causa, não pode estabelecer essa corrente ele mesmo, ele recorre à assistência do guia do médium, e as relações se estabelecem como venho de indicá-lo.”
(KARDEC, 1999, p. 84-85, grifo nosso).
No evento, houve uma comunicação coletiva na qual se manifestava o Espírito guia do médium que agiu como um porta-voz para transmitir o pensamento de vários Espíritos. A sutileza da ocorrência está no seguinte: não houve manifestação de vários Espíritos, mas apenas a de um só. Isso implica na necessidade de distinguirmos os significados dos termos comunicação e manifestação. Em o Vocabulário Espírita, constante da obra Instruções práticas sobre as manifestações espíritas, vemos:
Comunicação espírita – manifestação inteligente dos Espíritos tendo por objeto uma troca contínua de pensamento entre eles e os homens. Distinguem-se em:
Comunicações frívolas – as que se referem a assuntos fúteis e sem importância;
Comunicações grosseiras – as que se traduzem por expressões que ofendem a decência;
Comunicações sérias – as que excluem a frivolidade, qualquer que seja o assunto de que tratem;
Comunicações instrutivas – as que têm por objeto principal um ensinamento dado pelos Espíritos sobre as ciências, a moral, a filosofia, etc..
(Quanto às modalidades de comunicações, v. Sematologia, Tiptologia, Pneumatofonia, Pneumatografia, Psicofonia, Psicografia, Telegrafia humana).
Manifestação – ato pelo qual um Espírito revela sua presença. As manifestações são:
Ocultas – quando não têm nada de ostensivo e o Espírito se limita a agir sobre o pensamento;
Patentes – quando são apreciáveis pelos sentidos;
Físicas – quando se traduzem por fenômenos materiais, tais como ruídos, movimento e deslocamento de objetos;
Inteligentes – quando revelam um pensamento (v. Comunicação);
Espontâneas – quando são independentes da vontade e ocorrem sem que nenhum Espírito seja chamado;
Provocadas – quando são efeito da vontade, do desejo ou de uma evocação determinada;
Aparentes – quando o Espírito se faz visível à vista (v. Aparição).
(KARDEC, s/d, p. 21-22 e 40, respectivamente).
Na comunicação o Espírito, mentalmente, transmite o seu pensamento a um outro; tanto faz se está ou não encarnado, e, da mesma forma, tanto faz se o interlocutor é médium ostensivo ou não. É o que hoje denominamos de TELEPATIA. Observa-se que, neste caso, não há nenhum médium servindo de intermediário. Em O Livro dos Espíritos, temos no Cap. VIII – Emancipação da Alma o item “Transmissão oculta do pensamento”:
420. Os Espíritos podem comunicar-se, se o corpo estiver completamente acordado?
“O Espirito não se acha encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Por isso pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, embora o faça mais dificilmente.”
(KARDEC, 2013a, p. 214-215, grifo nosso).
Não resta dúvida de que a transmissão oculta do pensamento pode se dar com um Espírito em estado de vigília, mas não é sobre isso que estamos falando, já que o nosso foco é a manifestação mediúnica de um Espírito encarnado, ou seja, o Espírito de uma pessoa viva, cujo corpo está em estado de vigília, utilizando-se de um médium, o que não é o caso em questão. O máximo que poderia acontecer seria uma pessoa em estado de vigília, dirigir seu pensamento para uma outra pessoa e, esta, captar o pensamento como num processo de intuição ou inspiração. Nesse caso, a pessoa em estado de vigília não precisou se ausentar do corpo, em desdobramento, para se manifestar através de um médium. Apenas irradiou seu pensamento sem se desligar dos seus afazeres no estado de vigília. Não é deste tipo de comunicação que estamos nos referindo.
Então, a mensagem de “Um Espírito”, utilizada para “provar” que um espírito, em vigília, pode se manifestar, na verdade se reporta à transmissão oculta do pensamento – telepatia –, tendo em vista o que e a forma como lhe foi perguntado: “como podem se comunicar os Espíritos encarnados neste mundo ou em outros” (grifo nosso).
O que dizem outros estudiosos
Vejamos o que os estudiosos Ernesto Bozzano (1862-1943) e Gabriel Delanne (1857-1926) descobriram a respeito do tema em suas pesquisas. A ordem que usaremos será a data de publicação de suas obras.
1) Delanne, em Pesquisas sobre mediunidade (1898), com 572 páginas, afirma:
É o que ocorre na maioria das vezes nas evocações de pessoas vivas, sobre as quais Allan Kardec, há quase meio século, publicou um estudo aprofundado na Revista Espírita e no Livro dos Médiuns. Citamos as respostas dadas pelos espíritos que ele interrogou; veremos que concordam com tudo que observamos depois: (18)
[Daqui para frente segue-se a lista das perguntas e respectivas respostas das questões que já mencionamos, não as transcreveremos aqui por desnecessário]
______
(18) Kardec, Allan, O Livro dos Médiuns, cap. XXV, Evocação das pessoas vivas".
(DELANNE, 2010, p. 368-369, grifo nosso).
Delanne publicou essa obra em 1898, cerca de 30 anos depois do que publicado dito na Revista Espírita de 1867, e que foi utilizado como base para demonstrar a possibilidade da manifestação do Espírito de pessoa viva em estado de vigília. Porém, ao mencionar sua fonte como sendo O Livro dos Médiuns, cap. XXV, Evocação das pessoas vivas, Delanne, logo após a fala acima, menciona exatamente as mesmas questões que aqui citamos. Conclui dizendo “concordam com tudo que observamos depois”; ou seja, as suas pesquisas apontaram para o que está nelas dito. Por outro lado, isso significa que Kardec se manteve no pensamento anterior, ou seja, de que em estado de vigília um Espírito de uma pessoa viva não tem como se manifestar.
De sua obra A alma é imortal, publicada em 1899, transcrevemos os seguintes trechos:
No curso da vida, a alma se acha intimamente unida ao corpo, do qual não se separa completamente, senão pela morte; mas, sob a ação de diversas influências: sono natural, sono provocado, perturbações patológicas, ou forte emoção, é-lhe possível exteriorizar-se bastante para se transportar, quase instantaneamente, a determinado lugar e, lá chegando, tornar-se visível de maneira a ser reconhecida. Vimos dois casos de ação desse gênero: o do noivo da Sra a Randolph Lichfield e o do jovem marinheiro. (DELANNE, 1987, p. 112, grifo nosso).
Vê-se, pois, que, de modo geral, para que a alma possa desprender-se, é preciso que o corpo esteja mergulhado em sono, ou que os laços que de ordinário a prendem ao corpo se hajam afrouxado por uma emoção forte, ou pela enfermidade. As práticas magnéticas ou os agentes anestésicos acarretam por vezes os mesmos resultados. (100)
Esta necessidade do sono durante o desdobramento se explica, primeiro, pelo fato de que a alma não pode estar simultaneamente em dois lugares diferentes; depois, a referida necessidade se pode compreender pela grande lei fisiológica do equilíbrio dos órgãos, segundo a qual todo desenvolvimento anormal de uma parte do corpo se opera em detrimento das outras. Se a quase totalidade da energia nervosa é empregada em produzir, no exterior, uma manifestação visível, o corpo, durante esse tempo, fica reduzido à vida vegetativa e orgânica; as funções de relação ficam temporariamente suspensas.
Pode-se mesmo, em certos casos, estabelecer uma relação direta entre a intensidade da ação perispiritual e o estado de prostração do corpo. A maior ou menor tangibilidade do fantasma se acha ligada, de maneira íntima, ao grau de energia moral do indivíduo, à tensão de seu espírito para determinado objetivo, à sua idade, à sua constituição física e, sem dúvida, à condição do meio exterior, que depois será preciso determinar.
(100) Gabriel Delanne – “O Espiritismo perante a Ciência”, páginas 154 e seguintes.
(DELANNE, 1987, p. 114, grifo nosso).
Essas observações de Delanne em nada diferem das de Kardec, que conseguimos apontar nas obras da Codificação.
2) Bozzano, em Comunicações mediúnicas entre vivos (1924) e Animismo ou Espiritismo (1938).
Na primeira obra, é citado um caso pessoal (Caso VIII) acontecido com o Dr. Achille Uffreducci (?_?), professor na Universidade de Roma, que, a certa altura, disse:
Não houve nenhuma evocação. Ensina a doutrina espírita que o espírito de um vivo, em seus momentos de liberdade pode se apresentar sem ser evocado, movido somente pela simpatia, mas em tal caso o corpo habitualmente dorme ou cochila. Em novo caso, o Doutor Palica estava no teatro, e os dois amigos que se encontravam com ele afirmam que, durante todo o tempo, ele não dormiu nem cochilou. Desnecessário é gastar palavras para provar que o fenômeno não era de origem subconsciente ou automática. (BOZZANO, 1978, p. 57, grifo nosso).
No tópico “Mensagens transmitidas com auxílio de entidade espiritual”, temos o Caso XXVII, do qual destacamos:
Certa personalidade mediúnica que ainda não conheço intimamente porque se manifesta há poucos meses, assina o nome de “Shamar”. Diz ser de raça indiana e se afirma meu “espírito-guia”. Preside e dirige quase todas as minhas sessões, dedica-se a desenvolver e a aperfeiçoar a minha mediunidade, tendo cuidado, acima de tudo, de trazer às sessões, para se comunicarem, espíritos que se demonstram sempre escrupulosamente verdadeiros. Tal entidade me informa que agora se interessa de modo particular em trazer-me espíritos de vivos, aproveitando o momento em que estão dormindo ou cochilando. Interessa-se pelos encarnados porque com estes é possível obter-se a prova absoluta de identificação pessoal dos espíritos comunicantes. (BOZZANO, 1978, p. 119, grifo nosso).
A entidade espiritual Shamar, guia da Sra. Hester Travers-Smith (1868–1949), esperava que as pessoas vivas estivessem dormindo ou cochilando a fim de trazer as suas almas para que se comunicassem. Por que razão o guia não trazia Espíritos de pessoas vivas em estado de vigília? A resposta é óbvia: porque não há como o Espírito de uma pessoa viva se manifestar quando se está no estado de vigília.
Da segunda obra, ou seja, Animismo e Espiritismo, transcrevemos do cap. III – As comunicações mediúnicas entre vivos provam a realidade das comunicações mediúnicas com defuntos, os seguintes trechos:
Na minha monografia, eu subdividira em sete categorias os fenômenos das comunicações mediúnicas. Na primeira, considerei os episódios de gêneros inteiramente afins com a “transmissão do pensamento”, salvo a circunstância de se produzirem mediunicamente. Nas outras, considerei sucessivamente as mensagens inconscientemente transmitidas ao médium por pessoas mergulhadas em sono e por pessoas em condições de aparente vigília; em seguida, as que foram obtidas por vontade expressa do médium, que a isso chegara pensando intensamente na pessoa distante com quem desejava comunicar-se; depois, a transmitida ao médium por vontade expressa de pessoas ausentes; a seguir, os casos de transição, em que o vivo que se comunicara era um moribundo; finalmente, as mensagens mediúnicas, entre vivos, transmitidas com o auxílio de uma entidade espiritual. (BOZZANO, 1987, p. 52, grifo nosso).
Na terceira categoria, em que considerei as mensagens involuntariamente transmitidas ao médium por pessoas em condições de aparente vigília, ofereceu-se-me oportunidade de demonstrar a presumível inexistência de tal forma de comunicações mediúnicas entre vivos, por falta de exemplos convenientemente circunstanciados, que valessem para demonstrar que uma pessoa em condições de vigília possa entrar involuntariamente em comunicação mediúnica com um sensitivo distante, ainda que nele não pense. Ponderando-se os resultados efetivos, dever-se-ia, ao contrário, dizer que, para se produzirem episódios semelhantes, seria indispensável, pelo menos, que a pessoa em condições de vigília caísse em sonolência, por breve espaço de tempo, ou em “sonambulismo vígil”, ou em estado de “ausência psíquica”, ou, ainda, que pensasse mais ou menos vivamente na pessoa distante. (BOZZANO, 1987, p. 53, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Devo observar que nas minhas classificações se encontram outros nove casos (cinco dos quais ocorridos com William Stead), em que aparece a circunstância presumível do estado de vigília nos vivos que se comunicavam; mas, ao mesmo tempo, assinalo que em nenhum deles se pode afirmar isso com segurança. […]. (BOZZANO, 1987, p. 107-108, grifo nosso).
Como Bozzano era um pesquisador experimentado (ele informa que “há quarenta anos que me dedico a pesquisas psíquicas” [BOZZANO, 1987, p. 12]), ele usou a expressão “aparente vigília”, pois não houve como se ter certeza do estado de vigília, nos casos mencionados na sua obra.
A pergunta que cabe aqui é: poderíamos nós, que não pesquisamos fenômeno algum, assegurar categoricamente que algum Espírito de pessoa viva conhecida pode ter-se manifestado em completo estado de vigília, como se ele tivesse se dividido em dois? Vejamos essa pergunta em O Livro dos Espíritos:
92. Os Espíritos têm o dom da ubiquidade? Em outras palavras, o mesmo Espírito pode dividir-se ou existir em vários pontos ao mesmo tempo?
“Não pode haver divisão de um mesmo Espírito, mas cada um é um centro que irradia para diferentes lados, e é por isso que parecerem estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Vês o Sol? É um somente; no entanto, irradia-se em todas as direções e leva muito longe os seus raios. Contudo, não se divide.”
(KARDEC, 2013a, p.87, grifo nosso).
Embora sendo uma situação diferente, podemos extrapolar para o nosso assunto algo interessante:
137. Um Espírito pode encarnar a um tempo em dois corpos diferentes?
“Não, o Espírito é indivisível e não pode animar simultaneamente dois seres distintos.” (Ver, em O Livro dos Médiuns, o capítulo VII, “Da bicorporeidade e da transfiguração.”)
(KARDEC, 2013a, p. 105, grifo nosso).
Nos comentários que Kardec faz à questão 92-a, também afirma “Cada Espírito é uma unidade indivisível”, (KARDEC, 2013a, p. 87). Ora, se como dito, o Espírito é indivisível, tanto faz se ele esteja encarnado ou na erraticidade; isso se aplica em ambas as situações; portanto, ele só poderá estar presente e se manifestar em um lugar, nunca em dois ao mesmo tempo.
Conclusão
É importante recordarmos que a manifestação é o fenômeno pelo qual o Espírito se utiliza de um médium para interagir-se com alguém; já a comunicação é apenas a mensagem transmitida, e pode ocorrer diretamente entre os envolvidos, mente a mente, sem nenhum intermediário.
O Espírito de uma pessoa viva, permanecendo em estado de vigília, pode manifestar-se, ou seja, se emancipar do corpo e entrar em sintonia com um médium, para, através deste, manifestar-se a alguém? Segundo o Espiritismo a resposta é: não!
Há, pelo menos, duas correntes no movimento espírita que advogam ser Chico Xavier o Codificador em nova reencarnação; porém, entram em conflito na lista que apresentam das supostas reencarnações de Kardec; uma delas cita João Evangelista () e a outra aponta João Batista (), embora esses dois personagens terem sido contemporâneos.
No decorrer deste estudo, quanto falamos da mensagem assinada por “Um Espírito”, vimos que vários Espíritos protetores expressaram seu pensamento através do Espírito-Guia; o fato que não deixamos de perceber é que entre esses protetores foi citado o nome de João Evangelista. Aliás, nas obras da Codificação, existem mensagens assinadas por ele, incluindo a mensagem “Prolegômenos”, em O Livro dos Espíritos, onde ainda se vê a de Platão, que é outra pessoa que consta da lista das reencarnações de Kardec. Teria Kardec se dividido em três personagens: Platão, João Evangelista e ele mesmo?
Na reunião da Sociedade de Paris, realizada em 14 de dezembro de 1860, o próprio Kardec evoca João Evangelista, fato que não era novidade, já que, por várias vezes, se manifestou através da Senhorita J… (KARDEC, 1993f, p. 5). O que temos aqui, senão um Espírito de pessoa viva evocando a si mesma?…
Quanto ao outro João, temos um relato de que, na presença de Kardec, o espírito de São João Batista foi ovacionado por ser o protetor espiritual do grupo espírita de Saint-Just, que também o tinham como protetor da Humanidade. (KARDEC, 1993f, p. 292). Era também protetor da Sociedade Espírita de Saint-Jean d'Angély, onde sempre se manifestava (KARDEC, 1993g, p. 327-328). Bem curiosa a situação de que um Espírito de pessoa viva era o protetor de uma sociedade espírita.
Esses são apenas alguns problemas criados pelos que insistem em descobrir as reencarnações de Kardec, como se isso fosse algo importante do ponto de vista doutrinário.
Teríamos, então, diante desses dois casos a situação de uma pessoa viva conversar consigo mesma, fato mencionado na Codificação; vejamos:
O espírito de irradia, às vezes, para o lugar da evocação sem deixar o corpo; nesse caso, a pessoa evocada pode conservar tudo ou partes de suas faculdades da vida de relações. Se estiver presente, ela pode interrogar seu próprio espírito e responder a si próprio. (KARDEC, 2004, p. 111, grifo nosso).
Considerações que caem como “uma luva” para os defensores de que Kardec poderia ser João Evangelista e para os que defendem ser ele João Batista; conforme o que deles dissemos acima, pena que essa alegria vai durar pouco tempo.
Essa transcrição é um trecho da fala de Kardec sobre a questão 272 de O Livro dos Espíritos, publicação de 18 de abril de 1857; portanto de sua primeira edição. O interessante é que ela não foi mantida na segunda, publicada a 18 de março de 1860, e, nem tampouco, levada para algum ponto de O Livro dos Médiuns. Entendemos, que esse fato se deu porque Kardec mudou de ideia, pois a partir de 1858, conforme registros na Revista Espírita, ele inicia suas pesquisas com evocação de Espíritos de pessoas vivas. Certamente, que os fatos o fizeram mudar de posição, pois Kardec era da opinião de que “Contra fatos não há oposição nem negação que possam prevalecer […].” (RE 1863, 2000b, p. 91).
O presente estudo mostra, portanto, que o Espírito de uma pessoa viva não pode se manifestar quando seu corpo está em estado de vigília. Logo, isso não pode ser usado como argumento para a hipótese de que Chico e Kardec sejam o mesmo Espírito. Como disse Kardec: “o que queremos, antes de tudo, é o triunfo da verdade, de qualquer parte que venha, não tenho a pretensão de ter sozinho a luz.” (KARDEC, 1993e, p, 67); fora o fato de que “Cada um está no direito de manter suas convicções”. (KARDEC, 2007b, p. 37).
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Abr/2015
(Mai/2015 – verão 2)
Referências bibliográficas:
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DELANNE, G. A alma é imortal. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
DELANNE, G. Pesquisas sobre mediunidade. Limeira, SP: Conhecimento, 2010.
DENIS, L. No invisível. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
DENIS, A. O gênio céltico e o mundo invisível. Rio da Janeiro: CELD, 2001.
GARCIA, W. Chico você é Kardec? Capivari, SP: EME, 1999.
BOZZANO, E. Comunicações mediúnicas entre vivos. São Paulo: Edicel, 1978.
BOZZANO, E. Animismo ou Espiritismo? Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. 6ª ed. Matão, SP: O Clarim, s/d.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos – Primeira Edição de 1857. São Paulo: IPECE, 2004.
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KARDEC, A. Revista Espírita de 1865. Araras, SP: IDE, 2000c.
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MONTEIRO, E. C. Allan Kardec (o druida reencarnado). São Paulo: Eldorado/Eme, 1996.
OLIVEIRA, W. M. A volta de Allan Kardec. Goiânia, GO: Kelps, 2007.
Artigo foi publicado:
Em Jornal de Estudos Espíritas. Campinas, SP, 26.04.2015, disponível em: https://drive.google.com/file/d/0BwP5l2F8N4s3bEJwQVphM1J5a3c/view, no qual acrescentamos, na Conclusão, quatro novos parágrafos, a partir do final para frente, do segundo a quinto.
2 Comentários:
PAULO DA SILVA NETO É, DE FATO, UM DOS MAIS BRILHANTES ESPIRITISTAS DO NOSSO TEMPO.PARABÉNS PELO SEU TRABALHO DE PESQUISA E POR SUA TALENTOSA E DIDÁTICA EXPOSIÇÃO!
Fernando Rosemberg Patrocinio
fernandorpatrocinio.blogspot.com.br
Por Filosofia do Infinito, às 17 de maio de 2015 às 02:10
Foi lançado recentemente o 1º livro de uma trilogia da continuação da obra de Kardec, que usa o nome de Fernand Pontes, As suas duas outras obras ainda por publicar são: "A ORIGEM DO ESPÍRITO" e "A VERDADE E A ORIGEM SOBRE A ESSÊNCIA QUE É O AMOR"
-Entretanto os Espíritas certamente farão de modo igual os judeus fizeram com Jesus, de ficarem olhando e analisando o lado físico e social da pessoa, ficando sem analisar o mais importante que é a obra que Kardec vem trazendo.
PERGUNTA: -É possível Provar FISICAMENTE que Deus existe!
Fernand Pontes: -Evidente e é lógico que sim. Vivemos em um Mundo físico, e todo o Universo tem uma concretude física, logo concluímos que podemos sim, provar fisicamente que Deus existe, como de fato estamos ensinando a todos que hoje estão lendo, a fazer, através da leitura do livro, "A PROVA QUE DEUS EXISTE COM BASE CIENTÍFICA".
PERGUNTA: -E as religiões, como ficam agora diante deste momento no qual o Homem atingiu finalmente a condição de provar fisicamente que Deus existe?
Fernand Pontes: -As religiões, vão continuar fazendo o que sempre fizeram com grande eficiência, que é reduzirem Deus a uma crença, para pastorearem a humanidade fazendo que a raça humana seja conduzida para que fique andando em círculos sem nunca sair do lugar, como vem acontecendo a milhares de anos. Sabemos que Deus é razão, entretanto as religiões reduziram Deus a uma crença. ...
Por Unknown, às 23 de agosto de 2015 às 19:45
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