O papel dos médiuns na
comunicação
O amigo Felipe Fagundes, Itumbiara-GO, nos
questiona sobre se, de fato, pode o médium exercer um papel de facilitador
(animismo) e não de um real transmissor para os desencarnados (mediunismo),
quando estes querem passar suas mensagens a nós, os encarnados, apresentando
trecho de O Livro dos Médiuns, que nos leva a essa conclusão. Mencionou,
inclusive, que no site da FEB existe algo a respeito, o que, obviamente, fomos
conferir.
No artigo Mediunismo e animismo,
postado em 15/07/2013, a autora Marta Antunes Moura, coordenadora das Comissões
Regionais na área da Mediunidade da Federação Espírita Brasileira (FEB),
Vice-presidente da FEB, afirma o seguinte:
Todas as manifestações
mediúnicas
(psicofonia, psicografia, vidência, audiência, intuição, cura, etc.),
classificadas por Allan Kardec em fenômenos de efeitos físicos e fenômenos de
efeitos inteligentes, trazem o teor anímico do médium, uma vez que este não
age como uma máquina, na recepção e transmissão da mensagem do Espírito
comunicante. Funciona como um intérprete do pensamento do Espírito, imprimindo
naturalmente às comunicações mediúnicas que intermedia características
peculiares de sua personalidade […]. (MOURA, 2013, grifo nosso).
Realmente, pelo que encontraremos em O Livro dos Médiuns,
Capítulo XIX, que trata do papel dos médiuns nas comunicações espíritas, a
ideia, em princípio, é essa mesma; vejamos as seguintes questões que fazem
parte do item de nº 223:
6ª O Espírito, que se
comunica por um médium, transmite diretamente seu pensamento ou este tem por
intermediário o Espírito encarnado no médium?
“O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao
corpo que serve para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os
Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar a
grande distância uma notícia e, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente,
que a receba e transmita”.
9ª Compreende-se que seja
assim, tratando-se dos médiuns intuitivos, porém não relativamente aos médiuns
mecânicos.
“É que ainda não percebeste bem o papel que desempenha o médium. Há aí
uma lei que ainda não apanhaste. Lembra-te de que, para produzir o movimento de
um corpo inerte, o Espírito precisa utilizar-se de uma parcela de fluido
animalizado, que toma ao médium, para animar momentaneamente a mesa, a fim de
que esta lhe obedeça à vontade. Pois bem: compreende igualmente que, para uma
comunicação inteligente, ele precisa de um intermediário inteligente e que esse
intermediário é o Espírito do médium.”
a) Isto parece que não tem
aplicação ao que se chama – mesas falantes, visto que, quando objetos inertes,
como as mesas, pranchetas e cestas, dão respostas inteligentes, o Espírito do
médium, ao que se nos afigura, nenhuma parte toma no fato.
“É um erro; o Espírito pode dar ao corpo inerte uma vida fictícia
momentânea, mas não lhe pode dar inteligência. Jamais um corpo inerte foi
inteligente. É, pois, o Espírito do médium quem recebe, sem que saiba, o
pensamento e o transmite, sucessivamente, com o auxílio de diversos
intermediários.”
10ª Dessas explicações
resulta, ao que parece, que o Espírito do médium nunca é completamente passivo?
“É
passivo, quando não mistura suas próprias ideias com as do Espírito que se
comunica, mas nunca é inteiramente nulo. Seu concurso é sempre
indispensável, como o de um intermediário, embora se trate dos que chamais
médiuns mecânicos.” (KARDEC, 2007b, p. 280-282, grifo nosso).
No item 225, que, também, nos foi
apresentado como sustentação para o animismo em todo tipo de mediunidade, encontramos
algo interessante, que pode estar causando alguma confusão, especialmente, por
conta de tradução. Inicia-se, esse item, com a informação de que dois Espíritos
superiores – Erasto e Timóteo –, resumiram a questão do papel do médium. Eis um
trecho do que disseram:
a) Tradução Herculano Pires:
"Qualquer
que seja a natureza dos médiuns escreventes, mecânicos, semimecânicos ou
simplesmente intuitivos, nossos processos de comunicação por meio deles
não variam na essência. Com efeito, nossas comunicações com os Espíritos
encarnados, diretamente, ou com os Espíritos propriamente ditos, se realizam
unicamente pela irradiação do nosso pensamento. (KARDEC, 2006, p. 194, grifo
nosso).
b) Tradução Guillon Ribeiro:
"Qualquer que seja a
natureza dos médiuns escreventes, quer mecânicos ou semimecânicos, quer
simplesmente intuitivos, não variam essencialmente os nossos processos de
comunicação com eles. De fato, nós nos comunicamos com os Espíritos
encarnados dos médiuns, da mesma forma que com os Espíritos propriamente ditos,
tão só pela irradiação do nosso pensamento. (KARDEC, 2007b, p. 288, grifo
nosso).
c) Tradução Salvador Gentile:
Qualquer que seja a natureza dos médiuns
escreventes, quer sejam mecânicos, semimecânicos, ou simplesmente
intuitivos, nossos procedimentos de comunicação com eles não variam
essencialmente. Com efeito, nos comunicamos com os próprios Espíritos
encarnados, como com os Espíritos propriamente ditos, unicamente pela
irradiação do nosso pensamento. (KARDEC, 1993a, p. 252, grifo nosso).
Na primeira tradução, a de Herculano
Pires, justamente a com o teor que nos foi apresentado, faltou a conjunção “quer”
ou a expressão “quer sejam”, fundamental para o entendimento da
explicação, pois, sem ela, têm-se a impressão que se está falando dos médiuns
de uma maneira geral, quando, na verdade, se refere somente aos médiuns
escreventes.
Por outro lado, para nós, há diferença significativa em dizer “comunicação com eles” e “comunicação por meio deles”. Observando-se o contexto, fica claro que a explicação se prende à primeira expressão, pela qual eles informam como os Espíritos se comunicam com os demais Espíritos desencarnados, quanto com o Espírito dos médiuns escreventes.
Especificamente, sobre os médiuns
escreventes mecânicos, temos:
[…] Pode, pois, o Espírito
exprimir diretamente suas ideias, quer movimentando um objeto a que a mão
do médium serve de simples ponto de apoio, quer acionando a própria mão.
Quando atua diretamente
sobre a mão, o Espírito lhe dá uma impulsão de todo independente da vontade deste
último. Ela se move sem interrupção e sem embargo do médium, enquanto o
Espírito tem alguma coisa que dizer, e para, assim ele acaba.
Nesta
circunstância, o que caracteriza o fenômeno é que o médium não tem a menor
consciência do que escreve. Quando se dá, no caso, a inconsciência
absoluta; têm-se os médiuns chamados passivos
ou mecânicos. É preciosa esta faculdade, por não
permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que escreve.
(KARDEC, 2007b, p. 230, grifo nosso).
[…] O papel
do médium mecânico é o de uma máquina; […]. (KARDEC, 2007b, p. 231 grifo
nosso).
[…] Em Saint-Jean d'Angély
vimos um médium mecânico que podemos considerar excepcional. Trata-se de uma
senhora que redige longas e formosas comunicações enquanto lê o jornal ou
conversa com os presentes, e isto sem nunca olhar para sua própria mão.
Sucede muitas vezes que, distraída, não se apercebe de que a comunicação chegou
ao fim. Os médiuns iletrados são numerosos, e muitos há que psicografam sem
jamais terem aprendido a escrever. Isso não é mais surpreendente do que ver um
médium desenhar sem ter sido iniciado nessa arte. […]. (KARDEC, 2000d, p. 29, grifo nosso).
Entendemos, com
base nessas transcrições, que o papel do médium escrevente mecânico, também
ocorre sem animismo, porquanto, o Espírito comunicante age diretamente no órgão
físico do médium, no caso a sua mão, para expressar seu pensamento.
Até quanto ao fato de transmissão de pensamento dos espíritos, ou
seja, fenômenos de efeitos inteligentes, não há nenhuma dúvida, porquanto, o
Espírito do médium é quem transmite aquilo que o desencarnado tem interesse em
passar aos destinatários.
Quanto aos fenômenos de efeitos físicos é que nos pareceu estranhos,
diante da seguinte explicação em O Livro dos médiuns, cap. IV, sobre a
teoria das manifestações físicas:
VIII. Como pode um
Espírito produzir o movimento de um corpo sólido?
“Combinando uma parte do fluido universal com o
fluido que o médium emite, próprio àquele efeito.”
XIII. Se compreendemos bem
o que disseste, o princípio vital reside no fluido universal; o Espírito tira
deste fluido o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é
ainda por meio deste fluido que ele atua sobre a matéria inerte. É assim?
“É. Quer dizer: ele empresta à matéria uma espécie de vida factícia;
a matéria se anima da vida animal. A mesa, que se move debaixo das vossas
mãos, vive como animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é
este quem a impele, como faz o homem com um fardo. Quando ela se eleva, não é o
Espírito quem a levanta com o esforço do seu braço: é a própria mesa que,
animada, obedece à impulsão que lhe dá o Espírito.”
XIV. Que papel desempenha
o médium nesse fenômeno?
“Já
eu disse que o fluido próprio do médium se combina com o fluido universal
que o Espírito acumula. É necessária a união desses dois fluidos, isto é,
do fluido animalizado e do fluido universal para dar vida à mesa. Mas nota bem
que essa vida é apenas momentânea, que se extingue com a ação e, às vezes,
antes que esta termine, logo que a quantidade de fluido deixa de ser bastante
para a animar.” (KARDEC, 2007b, 94-97, grifo nosso).
A não ser que estejamos totalmente enganados, pelo acima exposto,
temos a impressão de que, no caso, o médium apenas fornece a energia para que o
Espírito comunicante possa agir diretamente sobre o móvel, fazendo-o transmitir
sua vontade. Se assim for, então o papel do médium se restringe a fornecer a
energia, o ectoplasma, para a produção do fenômeno; portanto, não é,
propriamente, um agente transmissor do pensamento, mas, apenas, o doador da
energia que move o objeto.
Acreditamos, também, que, em relação aos chamados médiuns mecânicos,
ocorra algo nesse sentido, levando-se em conta essa explicação de Allan Kardec
(1804-1869):
179. Quem examinar certos
efeitos que se produzem nos movimentos da mesa, da cesta ou da prancheta que
escreve não poderá duvidar de uma ação diretamente exercida pelo Espírito
sobre esses objetos. A cesta se agita por vezes com tanta violência que
escapa das mãos do médium e não raro se dirige a certas pessoas da assistência
para nelas bater. Outras vezes, seus movimentos dão mostra de um sentimento
afetuoso. O mesmo ocorre quando o lápis está colocado na mão do médium;
frequentemente é atirado longe com força, ou, então, a mão, bem como a cesta,
se agitam convulsivamente e batem na mesa de modo colérico, ainda quando o
médium está possuído da maior calma e se admira de não ser senhor de si.
Digamos, de passagem, que tais efeitos demonstram sempre a presença de
Espíritos imperfeitos; os Espíritos superiores são constantemente calmos,
dignos e benévolos; se não são escutados convenientemente, retiram-se e outros
lhes tomam o lugar. Pode, pois, o Espírito exprimir diretamente suas ideias,
quer movimentando um objeto a que a mão do médium serve de simples ponto de
apoio, quer acionando a própria mão.
Quando atua diretamente
sobre a mão, o Espírito lhe dá uma impulsão de todo independente da vontade
deste último. Ela se move sem interrupção e sem embargo do médium, enquanto o
Espírito tem alguma coisa que dizer, e para, assim ele acaba.
Nesta circunstância, o que
caracteriza o fenômeno é que o médium não tem a menor consciência do que
escreve. Quando se dá, no caso, a inconsciência absoluta, têm-se os médiuns
chamados passivos ou mecânicos. É preciosa esta faculdade,
por não permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que
escreve. (KARDEC, 2007b, p. 229-230, grifo nosso).
Do explicado, entendemos que a ação do Espírito comunicante é direta
sobre a mão do médium; daí este não ter a menor consciência do que escreve.
Isso demonstra, para nós, que aqui também não há como se falar do Espírito
transmitindo seu pensamento ao médium e este retransmitindo aos presentes.
Será que há contradição no que os Espíritos disseram sobre o assunto?
Acreditamos que não é bem o caso. Sabemos que alguns pontos não foram
desenvolvidos suficientemente e outros foram reformulados, como, por exemplo, a
questão da possessão, em que um desencarnado toma posse, no sentido literal do
termo, do corpo do médium. Em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos
Médiuns, Kardec não admite essa possibilidade; porém, em dezembro de 1863,
especificamente na Revista Espírita, como veremos, ele volta ao assunto,
reformulando-o, passando, agora, a admitir tal fato, o que o leva a em A
Gênese tratar novamente desse tema.
Em O Livro dos Médiuns, cap. XIII – Da psicografia, destacamos
este parágrafo:
Chamamos psicografia
indireta à escrita assim obtida, em contraposição à psicografia direta
ou manual, obtida pelo próprio médium. Para se compreender este último
processo, é mister levar em conta o que se passa na operação. O Espírito que
se comunica atua sobre o médium que, debaixo dessa influência, move maquinalmente
o braço e a mão para escrever, sem ter (é, pelo menos, o caso mais comum) a
menor consciência do que escreve; a mão atua sobre a cesta e a cesta sobre
o lápis. (KARDEC, 2007b, p. 209, grifo nosso).
Aqui Kardec não fala em transmissão de
pensamento, mas em atuação do Espírito que faz com que o médium, sob essa
influência, passe a escrever, pela ação direta do Espírito comunicante sobre o
braço do médium.
Vejamos o que consta na Revista Espírita 1863:
Um caso de possessão
Senhorita
Julie
Dissemos que não havia
possessos no sentido vulgar da palavra, mas subjugados; retornamos sobre
esta afirmação muito absoluta, porque nos está demonstrado agora que pode ali
haver possessão verdadeira, quer dizer, substituição, parcial no entanto, de um
Espírito errante ao Espírito encarnado. Eis um primeiro fato que é a prova
disto, e que apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade. […].
[…] Ele [o espírito]
declara que, querendo conversar com seu antigo amigo, aproveitou de um
momento em que o Espírito da Senhora A…, a sonâmbula, estava afastado de seu
corpo, para se colocar em seu lugar. […].
P. Que fez
durante esse tempo o Espírito da senhora A…? – R. Estava lá, ao lado, me olhava
e ria de ver-me nesse vestuário.
(KARDEC, 2000b, p. 373-374, grifo nosso).
Ora, se o espírito da Senhora A…, “estava
lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me nesse vestuário”, ele não participou em
nada do processo de comunicação do Espírito (que a possuía) com os presentes na
reunião, embora, obviamente, seu corpo físico estivesse sendo utilizado.
Em A Gênese, no capítulo XIV, Os Fluidos, tratando das obsessões, a certa
altura de suas explicações, Kardec diz:
47.
– Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito,
que ele identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado por uma
como que teia e constrangido a proceder contra a sua vontade.
Na possessão, em vez de
agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao
Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no
entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela
morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente,
porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um
encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se
pode operar no momento da concepção. (Cap. XI, nº. 18.)
De posse momentânea do
corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se seu próprio fora: fala
pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme o faria se
estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala
transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o
último que fala e obra; quem o haja conhecido em vida, reconhece-lhe a
linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia. (KARDEC, 2007e, p.
349, grifo nosso).
Vemos, pois, que a ação do Espírito
comunicante é direta sobre o corpo físico do encarnado, pelo qual age “conforme
o faria se estivesse vivo”; ou seja, não há transmissão de seu pensamento para
a mente do médium, para que este, a seu turno, transmita aos presentes.
E, ainda em A Gênese, ao falar das
manifestações físicas, Kardec argumenta:
41. Por meio do seu
perispírito é que o Espírito atuava sobre o seu corpo vivo; ainda por intermédio
desse mesmo fluido é que ele se manifesta; atuando sobre a matéria inerte, é
que produz ruídos, movimentos de mesa e outros objetos, que os levanta,
derriba, ou transporta. Nada tem de surpreendente esse fenômeno, se
considerarmos que, entre nós, os mais possantes motores se encontram nos
fluidos mais rarefeitos e mesmo imponderáveis, como o ar, o vapor e a
eletricidade.
É igualmente com o
concurso do seu perispírito que o Espírito faz que os médiuns escrevam,
falem, desenhem. Já não dispondo de corpo tangível para agir ostensivamente
quando quer manifestar-se, ele se serve do corpo do médium, cujos órgãos toma
de empréstimo, corpo ao qual faz que atue como se fora o seu próprio, mediante
o eflúvio fluídico que verte sobre ele. (KARDEC, 2007e, p. 343, grifo
nosso).
Demonstra, também, que o Espírito comunicante
age diretamente usando o corpo do médium, que toma de empréstimo.
Na Revista Espírita 1869, mês de
fevereiro, Kardec narra a respeito de um Espírito que não acreditava ter
morrido, e que se manifestou “em se servindo do corpo do Sr. Morin, em sonambulismo
espontâneo”, durante uma hora. Recebeu, posteriormente, uma explicação para
esse fenômeno:
Há
aqui, uma substituição de pessoa, uma simulação. O Espírito encarnado recebe a
liberdade ou cai na inação. Digo inércia, quer dizer, a contemplação daquilo
que se passa. Ele está na posição de um homem que empresta momentaneamente a
sua habitação, e que assiste às diferentes cenas que se realizam com a ajuda de
seus móveis. Se gosta mais de gozar da sua liberdade, ele o pode, a menos
que não haja para ele utilidade em permanecer espectador.
Não é raro que um Espírito
atue e fale com o corpo de um outro; deveis compreender a possibilidade deste
fenômeno, então que sabeis que o Espírito pode se retirar com o seu perispírito
mais ou menos longe de seu envoltório corpóreo. Quando esse fato ocorre
sem que nenhum Espírito disto se aproveite para ocupar o lugar, há a
catalepsia. Quando um Espírito deseja para ali se colocar para agir, toma um
instante a sua parte na encarnação, une o seu perispírito ao corpo adormecido,
desperta-o por esse contato e restitui o movimento à máquina; mas os
movimentos, a voz não são mais os mesmos, porque os fluidos perispirituais não
afetam mais o sistema nervoso do mesmo modo que o verdadeiro ocupante. (KARDEC,
2001b, p. 48-49, grifo nosso).
Se o Espírito que se comunica está atuando
e falando com o corpo do médium, e que o seu Espírito encarnado pode se retirar
mais ou menos longe do seu corpo, então, fica claro que a ação é totalmente
realizada pelo primeiro, sem que o médium esteja recebendo seu pensamento para
transmiti-lo, uma vez que sua ação é direta.
É oportuno vermos essas explicações de
Léon Denis (1846-1927), que têm muito a ver com o nosso assunto:
Indagam certos
experimentadores: o Espírito do manifestante se incorpora efetivamente no
organismo do médium? ou opera ele antes, a distância, pela sugestão mental e
pela transmissão de pensamento, como o pode fazer um espírito exteriorizado do
sensitivo?
Um exame atento dos fatos
nos leva a crer que essas duas explicações são igualmente admissíveis,
conforme os casos. As citações que acabamos de fazer provam que a
incorporação pode ser real e completa. É mesmo algumas vezes inconsciente,
quando, por exemplo, certos Espíritos pouco adiantados são conduzidos por uma
vontade superior ao corpo de um médium e postos em comunicação conosco, a fim
de serem esclarecidos sobre sua verdadeira situação. Esses Espíritos,
perturbados pela morte, acreditam ainda, muito tempo depois, pertencerem à vida
terrestre. Não lhes permitindo seus fluidos grosseiros entrarem em relação com
Espíritos mais adiantados, são levados aos grupos de estudo, para serem
instruídos acerca de sua nova condição. É difícil às vezes fazer-lhes
compreender que abandonaram a vida carnal e sua estupefação atinge o cômico, quando,
convidados a comparar o organismo que momentaneamente animam com o que possuíam
na Terra, são obrigados a reconhecer o seu engano. Não se poderia duvidar,
em tal caso, na incorporação completa do Espírito.
Noutras circunstâncias, a
teoria da transmissão à distância parece melhor explicar os fatos. As impressões oriundas
de fora são mais ou menos fielmente percebidas e transmitidas pelos órgãos. Ao
lado de provas de identidade, que nenhuma hesitação permitem sobre a
autenticidade do fenômeno e intervenção dos Espíritos, verificam-se, na
linguagem do sensitivo em transe, expressões, construções de frases, um modo de
pronunciar que lhe são habituais. O Espírito parece projetar o pensamento no
cérebro do médium, onde adquire, de passagem, formas de linguagem
familiares a este. A transmissão se efetua, em tal caso, no limite dos
conhecimentos e aptidões do sensitivo, em termos vulgares ou escolhidos,
conforme o seu grau de instrução. Daí também certas incoerências que se devem
atribuir à imperfeição do instrumento.
Ao despertar, o Espírito
do médium perde toda consciência das impressões recebidas no sentido de
liberdade, do mesmo modo que não guardará o menor conhecimento do papel que seu
corpo tenha desempenhado durante o transe. Os sentidos psíquicos, de que por um
momento havia readquirido a posse, se extinguem de novo; a matéria estende o
seu manto; a noite se produz; toda recordação se desvanece. O médium desperta
num estado de perturbação, que lentamente se dissipa. (DENIS, 1987, p. 252-254,
grifo nosso).
Temos, portanto, as duas hipóteses, ou
seja, a de transmissão de mente a mente e a de usar diretamente o corpo do
médium, processo ao qual Denis denomina de incorporação, tema que alhures já
tratamos.
Em duas das obras da série André Luiz, pela psicografia de
Francisco Cândido Xavier (1910-2002), encontramos a confirmação do segundo caso
mencionado por Denis, quais sejam: Missionários da Luz e Nos domínios da
mediunidade, que recomendamos a sua leitura.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
www.paulosnetos.net
paulosnetos@gmail.com
jul/2014
Referências bibliográficas
DENIS, L. No
Invisível, Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC,
A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. O
Livro dos Médiuns. Araras, SP: IDE, 1993a.
KARDEC,
A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. O
Livro dos Médiuns. São Paulo: Lake, 2006.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1863. Araras, SP: IDE, 2000b.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1869. Araras, SP: IDE, 2001b.
KARDEC, A. Viagem
Espírita em 1862. Matão, SP: O Clarim, 2000d.
XAVIER, F. C. Missionários da Luz.
Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Nos
Domínios da Mediunidade, Rio de Janeiro: FEB, 1987.
MOURA, M. A. Mediunismo e animismo.
Disponível pelo link:
http://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/mediunismo-e-animismo/, acesso
em 27.07.2014, às 07:53hs.
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