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terça-feira, 5 de junho de 2012

ANENCÉFALOS, ARGUMENTOS DE MINISTROS E “O LIVRO DOS ESPÍRITOS”


Luiz Carlos D. Formiga



A concepção pode dar origem a fetos teratológicos, aqueles sem aparência humana e ausência de órgãos que funcionem. Na realidade são apenas corpos, para os quais nenhum espírito foi destinado. A inexistência de um modelo organizador biológico humano aponta na direção da inexistência de um espírito. Sem espírito não há vida e, portanto, nenhum atentado é possível contra ela. O ministro Celso Melo enfatiza: “o crime de aborto pressupõe gravidez em curso e que o feto esteja vivo”. Diante de um feto teratológico há “dor na alma”. O sofrimento psíquico é inerente à vida humana, mas não é coisa que lhe degrade a dignidade. Por isso o ministro Cezar Peluso disse que “a natureza não tortura”.
Não podemos comparar fetos sem aparência humana e sem órgãos em funcionamento com anencéfalos. Pode-se até desejar desumanizar anencéfalos com objetivos políticos, mas é impossível fazê-lo, sob o ponto de vista biomédico. Por outro lado, toda criança que sobrevive é um espírito encarnado, porque senão, não seria humano, não importando o tempo de sobrevivência. Aparentemente, não podemos mensurar a importância desse tempo, mas a comunicação mediúnica fala de seu valioso significado. Se o feto tem controle automático dos batimentos cardíacos e outras vísceras é porque possui estruturas neurais compatíveis com as funções. Anencéfalos podem demonstrar partes do encéfalo preservadas, havendo danos com graus variados. O termo anencéfalo é enganoso, ao sugerir “ausência total”. Isso influenciou o voto de, pelo menos, dois daqueles ministros.
Sabe-se que há relação direta entre fetos anencéfalos e o abortamento espontâneo. Cerca de 65% morrem no período intra-útero. Dos que sobrevivem, cerca de 2/3 falecem nas primeiras três horas. O registro mostrou que, de 180 anencéfalos vivos, 58% não sobreviveram após as primeiras 24 horas. Quando a alma está presente?
Que é a alma? A resposta no “Livro dos Espíritos”, está na questão 134 e diz que é “um espírito encarnado”. Mas, que era a alma antes de se unir ao corpo? “Um Espírito”.
O corpo pode existir sem alma, não sendo homem, mas massa de carne sem inteligência (q.136).
Peluso argumenta que “o ordenamento jurídico reconhece o indivíduo ainda no seio materno como sujeito de direito, enquanto portador de vida. Ele não é uma coisa, mas sujeito de direito. Não sendo também objeto de direito alheio. A mãe não tem poder jurídico de disposição sobre o filho ou filha anencéfalo!”
Nas questões deste capítulo, de "O Livro dos Espíritos", encontramos “de novo” o vocábulo (alguns/algumas) na q. 356. Nela verificamos que entre os natimortos há alguns onde não foi destinada a encarnação de espíritos. Isso pressupõe que para outros pode ser diferente (q. 356 b).
O espírito em experiência na carne e na agonia, algumas vezes, já tem deixado o corpo havendo apenas vida orgânica. Sob o ponto de vista prático, como saber se o espírito já deixou o corpo? Como saber também se está ligado ao corpo, diante da possibilidade do automatismo biológico?
São questões aparentemente difíceis de responder como o problema que é determinar com absoluta segurança uma anencefalia. Por outro lado, a vida é inviolável, mas se você a relativiza, dizendo que o feto não tem condições para viver e por isso lhe aplica a pena de morte, estará autorizando o mesmo procedimento no sentido da eutanásia, diante do “paciente terminal”, que vive enquanto morre.
O reconhecimento do indivíduo ainda no seio materno como sujeito de direito é elemento complicador diante da possibilidade do erro médico. A possibilidade do erro jurídico nos afasta da pena de morte. A do erro médico deveria fazer o mesmo. No Brasil podemos dizer que “a criança respirou, mas estava juridicamente morta.”
O Livro dos Espíritos é claro quando informa que se a criança vive após o nascimento ela tem forçosamente encarnado em si um espírito e é um ser humano (q 356b). Essa informação que nos conduz ao período anterior ao nascimento, quando teremos que tomar decisões, parece explicar a posição, mesmo que minoritária, dos dois ministros.
As informações dadas a Allan Kardec auxiliam a entender os percentuais acima referidos.
O ministro Peluso acrescenta: “a alegação de que a morte possa ocorrer no máximo algumas horas após o parto em nada altera a conclusão segundo a qual, atestada a existência de vida em certo momento, nenhuma consideração futura é forte o bastante para justificar-lhe deliberada interrupção. De outro modo, seria lícito sacrificar igualmente o anencéfalo neo-nato.” “A curta potencialidade ou perspectiva de vida em plenitude com desenvolvimento perfeito segundo os padrões da experiência ordinária, não figura sob nenhum aspecto razão válida para obstar-lhe a continuidade.”
Uma mulher tem o direito de levar a termo uma gestação com uma criança seriamente afetada, quando isso representa uma carga financeira e social imensa para toda a sociedade?
Voltemos ao discurso do ministro Peluso. “O doente de qualquer idade, em estado terminal, portador de enfermidade incurável de cunho degenerativo por exemplo, sofre e também causa sofrimento a muitas pessoas parentes ou não, mas não pode por isso ser executado”. “Na ínfima possibilidade de sobrevida, na sua baixa qualidade ou na efêmera duração pressuposta, argumento para ceifa-la por impulso defensivo, por economia ou por falsa piedade, é insustentável à luz da ordem constitucional que declara, sobreleva e assegura valor supremo à vida humana”. Aqui, “a atuação avassaladora do ser poderoso e superior e detentor de toda a força infringe a pena de morte ao incapaz de pressentir a agressão e de esboçar qualquer defesa.”
Espíritos em provas de limitação mental sofrem o constrangimento dos órgãos defeituosos (q. 372).
No momento de decisão devemos nos debruçar sobre a resposta dos Espíritos Superiores (q. 356b) – “há forçosamente um espírito encarnado”. O ministro Peluso diz que “o bebê anencéfalo pode viver segundos e até meses, o que é inquestionável.” Em seguida pergunta: “a compreensão jurídica do direito à vida legitima a morte, por causa do curto espaço de tempo da existência humana? Por certo que não!” E completa: “a ausência dessa perfeição ou potência, embora tenda a acarretar a morte nas primeiras semanas, meses ou anos de vida, não é empecilho ético nem jurídico ao curso natural da gestação, pois a dignidade imanente à condição de ser humano não se degrada nem se decompõe só porque seu cérebro apresenta formação incompleta.”
Um bebê anencéfalo passou o primeiro dia em casa em estado estável, em Patrocínio Paulista (SP). Alguns advogam que não era anencefalia. Nesse ponto também estamos com Peluso: “Nem sempre a Medicina pode garantir que o caso seja de anencefalia. Se há dúvidas sobre o diagnóstico, possível e provavelmente, muitos abortos serão autorizados para casos que não são de anencefalia.”
Marcela de Jesus completou cinco meses no dia 20 de abril de 2007 e respirava sozinha, até dois anos.
“É importante comparar o caso do anencéfalo com outras situações, mas que não autorizam de per si a decretação da morte do paciente. A vida humana provida de intrínseca dignidade anterior ao próprio ordenamento jurídico, fora das hipóteses legais específicas, não pode ser relativizada nem pode classificar de seus portadores, segundo uma escala cruel que defina com base em critério subjetivos e sempre arbitrários, quem tem ou não direito a ela”. “Havendo vida e vida humana, atributo do feto e bebê anencéfalo, se está diante de um valor jurídico fundante e inegociável que não comporta margem alguma para esta transigência.”
“Independentemente das características que assuma, na concreta e singular organização de sua unidade psicossomática, a vida vale por si mesma, mais de qualquer bem humano supremo como suporte pressuposição de todos os demais bens materiais e imateriais”
Para não desgastar a sua saúde, Marcela de Jesus Ferreira contava com auxílio de um capacete fornecedor de oxigênio. Afinal, “tem dignidade qualquer ser humano que esteja vivo, ainda que sofrendo de doença terminal ou potencialmente causando sofrimento ao outro, como o anencéfalo. O feto anencéfalo tem vida, ainda que breve, sua vida é constitucionalmente protegida.”
No entanto, se o desumanizarmos poderemos adormecer as consciências (1).
“Aborto, auxílio ao suicídio, homicídio apresentam objetivamente os mesmos resultados físicos que é subtrair a vida de um ser humano por nascer ou já nascido, sob o argumento de diversas origens tais como liberdade, dignidade, alívio de sofrimento ou direito a autodeterminação.”
Peluso ainda diz que “a natureza não tortura, o sofrimento é elemento inerente à vida humana e não lhe degrada a dignidade.” Há sofrimento junto ao paciente terminal e também com a mulher que ficou grávida depois da violência.
Espero que aceitem a minha posição contra a eutanásia. Que aceitem o fato de que o paciente enquanto morrendo/vivendo precisa de ajuda para ampliar e valorizar o seu passado, diante do futuro aparentemente pequeno. Sou contra, mesmo na doença em estado avançado, disseminada, com prognóstico severo, onde já se esgotou todo o arsenal terapêutico, cirurgia, radioterapia, quimioterapia, onde a equipe médica não tem mais nada a oferecer. Onde não há mais lucro. Onde há dor, aparente incurabilidade e inutilidade.
Penso que a eutanásia é, sempre e em qualquer hipótese, um homicídio. O "direito de matar" ou "de se fazer matar" não pode configurar-se diante de uma lógica ou de uma necessidade ético-jurídica, pois direito é aquilo que está cristalizado na tradição; nos costumes e no interesse social. Desse modo, não se pode falar em "direito de matar" ou em "direito de morrer", pois a racionalização e a humanização do direito tutelou e consagrou a vida como o mais valioso dos bens.
Difícil conciliar uma medicina que cura com uma medicina que mata. Ensinava Kant que a melhor maneira de se medir a licitude de uma ação era imaginá-la como regra geral. Caso se concluísse pela negativa, a ilicitude seria manifesta. Imagine-se a eutanásia legalizada e nas mãos de todos os interesses: políticos, religiosos, econômicos, eugênicos, entre outros (2).
Os que justificam a prática da eutanásia o fazem baseados na incurabilidade que é um dos conceitos mais movediços e duvidosos. No sofrimento, mas a dor é algo controlável e extremamente pessoal. Na inutilidade, que nestas condições, é mais uma concepção preconceituosa e consumista do que um meio científico de decisão.
No julgamento, a autoridade da sentença está na razão da autoridade moral do juiz que a pronuncia. Vamos fazer um exercício bioético. Agora você é ministro/juiz. Aceitaria o aborto para “salvar a vida” da gestante, soro convertida (HIV), grávida pelo estupro? Pensemos (3). A ética visa mais o bem a ser conquistado e garantido que ao mal que deve ser evitado. A bioética é a ética aplicada aos novos problemas que se desenvolvem nas fronteiras da vida. Ela vem em salvaguarda do ser humano. Leva em conta a singularidade da individualidade e também a universalidade da sua humanidade. Não pretende ser restritiva, mas tem a tarefa de colocar limites éticos a fim de salvaguardar a pessoa humana, sua vida singular e humanidade.
No exercício acima, depois de profunda reflexão, incluído a violência sofrida pela mulher, é possível que um profissional ético chegasse a conclusão de que esta é uma matéria sem resposta definitiva (influência da sorologia positiva) no processo gestacional e da própria saúde do feto (singularidade e humanidade manifestas). Depois de muito caminhar na estrada da bioética, poderia concluir que ainda não existe nenhum argumento ético, jurídico ou técnico, capaz de fundamentar a interrupção de uma gravidez numa mulher soro-convertida ou já doente de AIDS, a não ser que suas condições de saúde sejam agravadas pela gestação, que cessada a gravidez cesse o perigo e que não haja outro meio de salvar-lhe a vida (3).
Alguns casais já estiveram diante da gravidez complicada pela rubéola. A possibilidade de terem filhos defeituosos levaram muitos a optarem pelo aborto como solução. Certa vez ouvi um casal dizer que resolveram receber o filho da forma que viesse. O final foi feliz, mas a criança poderia nascer surda e cega ou seria um deficiente físico semelhante a Stephen Hawking. Na tela da memória vemos Leonardo DaVinci, Albert Einstain, Charles Darwin, Winston Churchill (dislexia), o pintor Francisco Goya (deficiencia auditiva) e a admirável escritora Helen Keller (deficiencia auditiva e visual).
No Brasil temos a Rede SACI. A Rede é um “projeto do Programa USP Legal, da Pró Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – Universidade de São Paulo. Atua como facilitadora da comunicação e da difusão de informações sobre deficiência, visando a estimular a inclusão social e digital, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania das pessoas com deficiência.”(4)
Lá vamos encontrar um texto sobre Helen Keller, que discute preconceitos comuns e também a divulgação de um evento “diferente”.(5) Refiro-me ao “Primeiro Congresso Internacional de Cegos Espíritas”, semana santa, 17 de abril de 2003, e que teve como tema Central: "O Cego e o Terceiro Milênio".
“O pior cego é aquele político que não quer ver”.

O ministro Ricardo Lewandowski, que votou contra a descriminalização do aborto de anencéfalos, disse que “não é dado aos integrantes do Poder Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem”. Disse ainda que “não era lícito ao maior órgão judicante do país envergar as vestes de legislador criando normas legais.”
A propósito: o Congresso pode anular essa decisão, com base no artigo 49, inciso 11 da Constituição? O ministro Lewandowski, quando disse que “não temos competência para decidir”, estaria pensando no artigo 103, segundo parágrafo da mesma Constituição. Houve uma invasão de competência da Justiça no Legislativo?
Julgar é muito difícil. Quando fazia a Faculdade de Educação, aprendi que a avaliação é difícil porque chega a níveis de complexidade altos do domínio cognitivo. É por isso que uma banca de tese de doutorado ou de concurso para professor adjunto-doutor, na Universidade, é composta, geralmente, por cinco examinadores, de competência comprovada, diante de seus pares. Como elemento complicador, sempre há influência de um domínio sobre o outro e, em certas ocasiões, o afetivo fica agitado, beliscando o cognitivo. Como sofreram pressões aqueles ministros no Supremo! O ministro Gilmar Mendes até teve coragem de dizer: “argumentos de organizações religiosas podem e devem ser consideradas pelo Estado porque também se referem a razões públicas”. O Estado é laico mas não é ateu, como se percebe nas primeiras páginas da Constituição.
Você acha que o Congresso deveria, mesmo em ano eleitoral, examinar essa questão?
Avaliar é difícil. Até no julgamento do movimento espírita podemos cometer injustiças! Mas, é melhor do que ser indiferente.
Com tristeza recebemos do Supremo Tribunal Federal o placar de 8 a 2. Embora o Brasil tenha hoje um expressivo número de espíritas, ainda não somos capazes de influenciar e ajudar ministros.(6)
O que liga o comportamento suicida ao aborto de anencéfalos?



Fontes

1. http://www.aeradoespirito.net/ArtigosLCF/A_POLITICA_DO_ABORTO_LCF.html
http://aeradoespirito.sites.uol.com.br/A_ERA_DO_ESPIRITO_-_Portal/ARTIGOS/ArtigosGRs3/A_POLITICA_DO_ABORTO_LCF.html
http://www.jornaldosespiritos.com/2007.3/col49.2.htm
http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/F_autores/formiga_Luiz_politica_aborto.htm
2. http://www.jornaldosespiritos.com/2007.3/col49.29.htm
3. http://www.espirito.org.br/portal/artigos/neurj/etica-sociedade.html
4. http://saci.org.br/
5. http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=2789
6. http://visaoespiritabr.com.br/reencarnacao/suicidio-e-aborto-de-anencefalos 


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