O Espiritismo de hoje tornou-se numa sombra do que foi preconizado pelo
codificador. Contrariando os seus fundamentos e consequentemente
conduzindo o edifício doutrinário a um processo de estagnação, o
Espiritismo está a passar a maior crise da sua história, só comparável
com a que aconteceu aquando do desencarne de Kardec, em que parte
significativa dos núcleos espíritas de França desmoronou-se em queda
livre.
Todavia, nessa altura o problema situava-se ao nível da liderança. Houve
algum abalo nas estruturas desses núcleos, o que é de certa forma
compreensível, mas a Doutrina impôs-se por ela mesma e continuou de pé,
muito embora em moldes significativamente diferentes dos do seu
codificador. Hoje, o problema situa-se ao nível doutrinário, e mais
concretamente no modus operandi dos espíritas, sendo que o problema da
liderança vem depois, como consequência lógica.
O móbil de parte significativa dos espíritas deixou de ser o Evangelho e
o messianismo que o mesmo implica. Fala-se mais de átomos que de Jesus,
o caminho para a fé já não está nas Escrituras mas na Biologia e o
coração foi destronado impiedosamente da sua função de amar que agora
pertence aos interesses kármicos de um passado que se desconhece e,
portanto, não se pode provar. Com tudo isto a condução do cretente ao
redil do bem-fazer cedeu o lugar à veneração do bem-falante que exibe
uma linguagem perigosamente apelativa, ignorante, intransigente, onde
não raro o discurso diz nada. É a liderança que está em causa,
principalmente dos oradores de cartaz, refiro-me àqueles que andam por
tudo quanto é sítio, cheios de fama, que contam muitas histórias, falam
com Espíritos de grande gabarito e sabem muita ciência. Esses e os que
os ludibriam ainda não perceberam que o trabalho doutrinário é de uma
responsabilidade sem limites. Julgo mesmo que nem isso lhes interessa
pois, se pelo fruto se conhece a árvore, ou se pelo andar da carruagem
se sabe quem vai lá dentro, então digo que, mediante o trabalho
apresentado por certos oradores, os respectivos aduladores e as massas
que os endeusam, no conjunto, fazem parte de uma falange trevosíssima
que, se lhes víssemos as auras, ficaríamos de veras assustados.
Os espíritas ainda não aprenderam que aquilo que denominamos líder, em
Espiritismo, nada tem a ver com o que socialmente se entende como tal e,
por isso mesmo, a palavra líder é perigosa nos meios espíritas. Dito de
outra forma, o Espiritismo não tem líderes, tem trabalhadores, todos
com idêntica importância, tal como um motor cujo mecanismo depende da
boa colocação de todas as peças.
No negrume em que se encontra, o Espiritismo entrou em linha de colisão
consigo mesmo, não só no campo doutrinário mas também nas metodologias
que utiliza, quer em termos de formação pessoal, quer no que diz
respeito aos conhecimentos evangélicos.
Tem-se verificado de há uns anos a esta parte uma desvaloração da
pessoa, enquanto ser portador de vivência, experiências e interesses
pessoais que, se fossem partilhados, seriam uma mais valia na dinâmica
dos Centros.
Constacta-se que há um grupo de silenciados que cresce desmesuradamente,
condenados a ouvir, ridicularizados nas suas raras intervenções e que,
dentro dos Centros, não têm quaisquer direitos. Porém, não são poucos os
seus deveres, que cinicamente se confundem com disciplina, imposta pelo
medo. Isto torna-se de tal forma aterrador que, no hipotético
incumprimento das normas, as pessoas temem as represálias dos Espíritos
malfazejos.
Cada vez mais, ou totalmente embrenhado nas teias perigosas do Sistema, a
doutrina espírita caíu nas mãos do belicismo religioso, deixando para
trás a sua função pacifista e conciliadora. Receando o silêncio e a
estigmatização sociais, de que o movimento espírita é o principal
culpado, dá largas a um chorrilho de encontros de toda a ordem, na
tentativa de mostrar trabalho ao lado das outras organizações
religiosas. No entanto, se o móbil não é honesto, por mais científicas
que sejam as vernissages de pouco lhes vale. As intenções é que definem a
natureza do acto, e se elas não forem honestas...
Inundado de esteriótipos, desenvolveu o espírito de casta, ainda que
para muitos não seja de todo visível, onde um bando de incompetentes se
arvoram em senhores e senhoras detentores(as) de tudo o que há para
dizer. Esquecendo-se, e com o devido respeito pela actividade científica
dessas pessoas, que um médico, um juíz, um cientista, ainda que se
digam espíritas e sejam fervorosos seguidores da Doutrina, podem, no
entanto, ser leigos na mesma, transformam em oradores “diplomados” gente
de parcos conhecimentos na área evangélica.
Além disso, e em nome da coerência o afirmamos, o dogma religioso não
pode ser substituído por outro ainda pior, a dogmatização da Ciência.
Não podemos confundir a acção do inconsciente, comportamentos desviantes
em consequência da frustração por não conseguir atingir metas dentro do
aqui e agora movidos pelo ímpeto imediatista, característicos de
personalidades infantilizadas, com a presença de Entidades negativas.
Não podemos desresponsabilizar o indivíduo dos seus actos, pois o eu é
peça fundamental e responsável das suas acções.
Defender que há uma co-explicação entre Ciência, Espiritismo, Educação
para os problemas do indivíduo, parece-me aceitável, desde que sejam
demarcadas as fronteiras entre cada uma das áreas intervenientes; o que
já não faz o mínimo sentido é cair na justificação infantilista de que
tudo tem a ver com os Espíritos, com um passado longíquo de há milhares
de anos ou com uma noção de karma incorrecta.
Os Espíritos manifestam-se perigosa e sub-repticiamente a todos os que
pretendem ter resposta pronta para tudo, irritam-se com as culpas que
lhes são atribuídas, o que é fácil de perceber uma vez que os mais
ignorantes nem sabem que desencarnaram. Quanto ao passado, é fácil: se
nascemos esquecidos por alguma coisa é. Desenterrá-lo, considero o
grande pecado de certos espíritas pois estão a mexer no interdito,
segundo os parâmetros da Codificação. O passado não nos interessa para
nada. A ignorância que nos conduz às acções que cometemos não é sinónimo
de culpa. Da minha parte, não me sinto culpada por coisas que tenha
feito onde a consciência ainda não era o que é hoje, e hoje ainda é
muito pouco, para não dizer quase nada, além de que vivia uma realidade
que nada tem a ver com a complexa estrutura das sociedadeas
contemporâneas.
Os Espíritos não podem continuar a ser desrespeitados desta forma,
culpabilizados dos nossos erros, das nossas ambições. Esquecem-se de que
eles são pessoas como nós, apenas a viver em outros planos da
existência, possuem sensibilidade e gostos tal como os seres de carne e
osso. Ninguém gosta de ser culpado do que erros que não são seus. Os
Espíritos também não. A banalização das comunicações, ou melhor dizendo,
das pseudo-comunicações com os Espíritos tem sido a principal
responsável pelo mau ambiente que impera nos Centros. Doutrina e
mediunidade tornaram-se sinónimas, o que nunca poderia ter acontecido.
Mais, o erro começou quando os espíritas pensaram que tinham o exclusivo
das comunicações e que as demais doutrinas estavam erradas porque não
possuíam os conhecimentos kardecistas, mesmo naquilo a que chamam gente
de virtude. As leituras incorrectas da Doutrina conduziram a um
xenofobismo do Espiritismo face às outras organizações religiosas. Ora, a
Doutrina não diz nada disso.
Quanto ao Karma, que nada tem a ver com a pena de Talião ou teorias
vingativas do tipo “Fizeste, hás-de pagar!”, é a articulação entre a
muita ignorância e o muito que há para evoluir, numa sequência lógica e
racional de que não podemos ser melhores do que somos, porque ainda não
atingimos níveis que nos permitam superar a actual condição em que nos
encontramos. Karma significa afinar comportamentos a cada vida que
passa, e na qual se pretende contrariar as tendências nocivas tais como
inveja, mentira, ciúme, vaidade...
O Espiritismo está, assim, constituído em doutrina fechada em si mesma e
estagnada, pasmada no tempo; cheio de chavões que alguns julgam ser
resposta para tudo.
Se o Espiritismo não arrepiar caminho, e a breve prazo, transformar-se-á
numa doutrina supersticiosa, obediente aos Espíritos, que é a coisa
mais perigosa que há, achincalhada pela vulgarização mediunista,
culminando numa praga ou numa epidemia espiritual colectiva, que é o que
já está a contecer.
Noto a presença de trevas no ambiente espírita, não vindas do lado de
lá, mas construídas pelos de carne e osso, Espíritos muito negativos que
estão reencarnados, que invadiram todos os grupos no planeta, dos quais
não escapa o movimento espírita. Estes seres em conformidade com os que
ficaram do lado espiritual, e por isso lhes são obedientes, formam
correntes fortíssimas que aprisionam os Espíritos mais fracos às suas
mentes perversas, sejam eles encarnados ou desencarnados, mantendo-os
sob a sua alçada.
Acho muito estranho que mediuns videntes, que tão desenvolvidos os há na
Doutrina, segundo se diz, não os vejam nas reuniões de pompa e
circunstância que tão bem se generalizaram nos meis espíritas. Não é de
se perguntar porquê?
Em suma, se o Espiritismo teimar em permanecer nos caminhos tortuosos
que encetou, se não regressar ao Evangelho, à coerência a que a Doutrina
apela em todas as suas obras, não tenho dúvidas de que vai morrer. Pode
permanecer uma qualquer organização com o mesmo nome, mas jamais será a
mesma coisa.
Espíritas verdadeiros, é chegada a hora da grande oração, o retorno a
Cristo, do perdão das ofensas. Oremos pelo mundo, mas também por tudo o
que nos rodeia e que não vemos, desenvolvamos a nossa fé, a coragem e
estejamos certos de que o Deus que devemos amar acima de todas as coisas
é Aquele que nos tira da terra da servidão e, por isso, não há outro
maior do que Ele. O espírita, porque é cristão, só tem um Senhor que é
Deus Todo Poderoso, Senhor do Céu e da Terra, Criador de todas as
coisas...
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