Minha visão atual sobre Deus, Religião, o Mundo e o Homem
Maurílio Nogueira da Silva
Há algum tempo, não tenho uma religião e nem acho que deva ter. O que tenho é espiritualidade, um sentimento religioso do mundo e fé em um Ser superior ao homem, que nossa razão não dá conta de conhecer, mas que acredito estar em toda parte, dentro de cada homem e em todo o mundo, mesmo quando muitos insistam e negá-Lo. Aprendi a dialogar com os diversos caminhos que sustentam esta fé, procurando perceber sua essência comum e suas particularidades. Ultimamente, venho estudando o Espiritismo, que eu não conhecia e com o qual estou aprendendo muito.
Desde algumas décadas sou bastante influenciado pelo meu mestre Rubem Alves, que não gosta da idéia de um “deus engarrafado”, ou que traz o rótulo de uma religião. Diz ele: “ Deus é Amor. Ninguém jamais viu Deus. Se nos amarmos uns aos outros, Deus fará morada em nossos corpos e nossas almas. Então não teremos mais medo, porque o perfeito amor lança fora o medo (1ª. Carta de João)”.Em outro lugar, ele diz “Meu Deus é a Beleza”. E assim os homens vão percebendo ou sentindo Deus em sua vida.
Também há bastante anos sou estudioso do teólogo Leonardo Boff , e concordo quando ele diz que “a tarefa de cada um de nós é fazer seu caminho, de tal forma que melhore e aprofunde o caminho recebido, distorça o torto e o legue aos futuros caminhantes enriquecidos com sua marca pessoal”.
Através destes mestres, passei a compreender Nietzsche, que, ao contrário do que muitos dizem, não matou Deus. Um deus que pode ser morto por um pobre homem mortal não é Deus, mas algo criado pelo homem. Portanto, Nietzsche não matou Deus, porque Deus é imortal. O que ele teve foi a coragem de gritar bem alto que o deus das religiões estava morto. Segundo Leonardo Boff, Nietzsche prenunciara a morte do deus fabricado pelo homem. Um deus que tem que morrer mesmo, porque é o deus das nossas cabeças, o deus inventado, o deus da metafísica, o deus que não é vivo.''' (obra citada, editora Sextante, pág 84). Penso que Nietzsche estava certo e suas palavras servem para os dias atuais. É só ver as notícias sobre o que fazem muitos religiosos na defesa do seu deus.
Também julgo de grande importância ter tido a oportunidade de estudar o pensador alemão, Karl Marx, um grande filósofo incompreendido ou mal compreendido pelas religiões. Ele disse que “a religião é um ópio do povo” e tinha lá suas razões. O que não se pode é pegar esta afirmativa isolada da sua obra. Marx é o criador de uma filosofia denominada “materialismo dialético”, que é uma crítica tanto ao materialismo tradicional ou vulgar quanto ao idealismo, como visões de mundo. Marx concluiu que o materialismo tradicional é vulgar, pobre, reducionista e que o idealismo metafísico é também uma filosofia especulativa que não dá conta da realidade. Isso está resumido em sua Tese I contra o filósofo Feuerbach. Ele disse também que “entre o materialismo vulgar e o idealismo, há mais mérito no idealismo, pois este reconhece o lado ativo do ser humano”. Em outra passagem, ele disse, ainda, que “a natureza não se aventurou a criar o homem”, que este é resultado de múltiplas determinações. E, apesar de Marx ter dito essas palavras, há ainda muitos que o têm como um pregador do materialismo tradicional ou vulgar ou como um defensor do ateísmo e da tese do segundo a qual o homem é determinado apenas pelo fator econômico. Isso é o que pensavam e pensam os filósofos e economistas burgueses, que ele sabiamente criticou. Para Marx, a base econômica, a natureza ou a matéria é o meio concreto através do qual os homens produzem e ______
*Mestre em Educação, UNICAMP, l986. Estudioso de filosofia, marxismo, psicologia, espiritualidade e áreas afins.
Professor da UFJF - E. Mail: nmaurilio@yahoo.com.br
reproduzem suas condições de existência, mas ela não atua isolada de outros fatores igualmente importantes. Fazendo uma analogia, podemos dizer que o leito do rio ou o encanamento é o meio através do qual água chega até nós. Mas a água não se origina desse leito ou do cano. Ela vem de
uma nascente que a gente não vê, mas não pode negar que ela exista, pois seria ilógico. Igualmente, o homem não se origina da matéria, como pensam os materialistas tradicionais. Seu corpo físico é uma das suas maneiras através da qual ele existe neste mundo, mas ele não se reduz a um corpo, que aliás muda constantemente. Ele tem também um espírito. Utilizando outra analogia, o homem é como um computador: feito de hardware e software, ou parte física e parte virtual, que atuam como um todo inseparável feito de corpo e espírito, sendo que o corpo não cria o espírito. Daí, entendemos que a natureza não cria o homem, mas apenas lhe dá um corpo como um alicerce material de sua existência. Numa analogia bem atual, podemos dizer que o corpo físico do homem é a carcaça do telefone celular e o chip é o espírito que armazena as informações que darão a identidade ao aparelho. Sem o chip o telefone não funciona. Sem o espírito o homem não é um ser humano. E esse chip ou espírito está no indivíduo potencialmente, mas vai se des-envolvendo nas relações com os homens e com o mundo, Desde cedo, a criança ele vai atualizando seu potencial humano, através da mediação dos seres humanos com os quais convive.
Trago também as influências de um grande pensador, o educador Paulo Freire, que era um marxista-cristão, embora muitos achem isso impossível. Ele me marcou muito pelo que disse e pelo seu exemplo de vida, defendendo a justiça e pregando sempre o diálogo e a relação amorosa entre os homens. Muito me honra ter sido seu aluno na UNICAMP na década de 80.
Desse modo, ao trazer em minha formação esses e outros grandes pensadores, religiosos e não religiosos, minha conclusão foi não ter uma religião. Mas creio, firmemente, no Deus-Amor que, através dos homens, atua no mundo. Estou certo de que essa crença não é obstáculo ao avanço científico, através do qual se busca compreender o homem e o mundo. Na minha visão, o papel da ciência não deve ser o de se opor à fé em Deus, mas ajudar a revelar sua presença no mundo, que pode ser um lugar cada vez melhor, se assim os homens o quiserem. O amor, por si mesmo, não faz nada, mas tudo o que fazemos fica melhor se feito com amor. Para mim isso é ter Deus dentro de si e reconhecer que Ele está em toda parte nos inspirando e iluminando nossos caminhos.
Estou convencido de que a realidade que nos cerca transcende o imediato, o que podemos captar diretamente com nossos órgãos dos sentidos e com os instrumentos de observação produzidos pela ciência, por mais que ela avance. Temos que ter um olhar do artista, do escultor, que antevê sua obra num pedaço de madeira antes de trazê-la para sua existência concreta. Ele vê o produto, antecipadamente, na matéria bruta sobre a qual atuará. Para mim, isso é transcendência. Isso é ter um sentimento espiritualista e religioso do mundo. E eu tenho isso.
Sendo assim, penso que o destino do homem e do mundo é fruto das ações dos homens de boa vontade, que vivem o que Deus quer e também dos homens que vivem na contramão de Deus. Por isso, o mundo não é um “paraíso”, mas também não é um “inferno”. Há muita gente a serviço do mal e do desamor, mas também há muita gente vivendo o amor. Temos o livre arbítrio para decidirmos de que lado ficar e arcar com as conseqüências de nossas escolhas.
Minha prática de vida se nutre da utopia de um mundo mais justo, mais humano e mais feliz, que possa ir se des-envolvendo, se humanizando, superando as lutas de classes e grupos, a exploração do homem pelo homem, os preconceitos de qualquer espécie, proporcionando igualdade de oportunidades para todos os homens e mulheres, com respeito às suas diferenças. Onde haja respeito à natureza, aos recursos que ela nos disponibiliza, respeito a todos os seres vivos. Acho tudo isso possível, contanto que os homens se desenvolvam e queiram um mundo assim. Aprendi que utopia não é o impossível, mas é o possível que ainda não existe.
Em síntese, essa é a minha maneira atual de conceber Deus, o Mundo e o Homem, que não se adequa a nenhuma religião, mas que não é, de modo nenhum, uma postura anti-religiosa, materialista vulgar ou atéia.
Para concluir, transcrevo abaixo uma bela oração poética de Rubem Alves (escrita no seu livro “Perguntaram-me se acredito em Deus”, págs.153-4):
“Pai, mãe de olhos mansos,
Sei que estás, invisível, em todas as coisas,
Que teu nome me seja doce, alegria do meu mundo.
Traze-me as coisas boas em que tens prazer: o jardim, as fontes, as crianças,
o pão e o vinho, os gestos ternos, as mãos desarmadas, os corpos abraçados...
Sei que desejas dar-me o meu desejo mais fundo. Desejo que esqueci..
Mas tu não esqueces nunca.
Realiza, pois, o teu desejo para que eu possa rir.
Que teu desejo se realize em nosso mundo da mesma forma que ele pulsa em ti.
Concede-nos contentamento nas alegrias de hoje: o pão, a água, o sono...
Que sejamos livres da ansiedade.
Que nossos olhos sejam tão mansos para com os outros como os teus
o são para conosco.
Porque, se formos ferozes, não podemos acolher a tua bondade.
Ajuda-nos para que não sejamos enganados pelos desejos maus,
E livra-nos daquele que carrega a morte dentro dos próprios olhos.
Algumas Leituras de Religião, Filosofia, Psicologia e outras que tenho feito:
ALVES, Rubem. O que é Religião. SP. Brasiliense, Primeiros Passos, l981.
._________. O Enigma da Religião, RJ. Vozes, l981.
._________. Perguntam-me se acredito em Deus. SP. Ed. Planeta, 2007
. BETTO, Frei. Catecismo Popular. SP. Atica, l994
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. BOFF, Leonardo. O Despertar da Águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da
realidade. Petrópolis, Vozes, l999.
.________. Vida para além da morte. Petrópolis, Vozes, l973
. _______. O destino do homem e do mundo. Petrópolis, Vozes, l973.
._______. A Teologia da Libertação. Balanços e Perspectivas, SP. Ática, l999.
._______. Tempo de Transcendência: o Ser Humano Como um Processo
Infinito. RJ. Sextante, 2000.
._______. O Senhor é meu pastor. RJ. Sextante, 2004.
. _______. Ecologia, Mundialização e Espiritualidade. RJ. Ed. Record, 2008.
._______. Homem: satã ou anjo bom? Rio de Janeiro, Ed. Record, 2008.
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. CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: um paralelo entre a Física Moderna e o
Misticismo Oriental. São Paulo, Ed. Cultrix, l983.
.CLARET, Martin. A Essência das Religiões, SP. Ed. Martins Claret, 2001
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Revistas:
GALILEU - O prazer de Conhecer – Revista de assuntos científicos da atualidade
VIVER – Mente e Cérebro - Revista de Psicologia, Psicanálise e Neurociência
FILOSOFIA ESPECIAL – Psicanálise e Filosofia – diversos números
SUPERINTERESSANTE – A História Secreta da Igreja Católica
PLANETA, Morrer e voltar da morte, junho 2008
DOUTRINA ESPIRITA - diversos números
TUDO que eu quero. A Fé e a Cura, outubro de 2002
ULTIMATO – Revista Presbiteriana - diversos números
VIDA & RELIGIAO – Ateísmo e outros assuntos, no. 5, 2008
ÉPOCA - A superação pela Fé, n. 554, 2009.
DESPERTAI – Revista Evangélica – diversos números
FATO E RAZAO – Revista do Movimento Familiar Cristão, no. 51, 2002
REVISTA RETORNANDO AO CAMINHO – Judaísmo Cristão Messiânico. 1 e 2, 2008
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