Jorge Hessen
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As três principais religiões abraâmicas apresentam algumas similaridades. Por questões óbvias elas são monoteístas e concebem um Deus com atributos antropomórficos. As características de suas narrativas partilham relativamente os mesmos valores de histórias e lugares, embora os apresentem com desempenhos, expectativas e significados bastantes dessemelhantes. Há extremas contendas internas entre os abraâmicos com base nas particularidades doutrinais e suas práticas, a exemplo do tradicional cristianismo, desmembrado em três segmentos (católico, ortodoxo e protestante). O cognominado islã tem dois ramos (sunitas e xiitas), cada um tendo várias denominações. E o quase eclético judaísmo contemporâneo se apresenta também sob várias denominações (ortodoxos, conservadores e reformistas).
Quase sempre, em vários locais as diferentes religiões abraâmicas denunciam um conflito amargo entre si através de intolerância, guerra e terrorismo, com muito derramamento de sangue humano. “No início do século XXI havia 3,8 bilhões de seguidores das três principais religiões abraâmicas e estima-se que 54% da população mundial se considere adepta de uma dessas religiões.”1 Nesse panorama nefasto, ainda hoje chegou-nos a notícia de que jihadistas2 ultrarradicais da província setentrional síria de Raqa condenaram e mataram através do apedrejamento em uma praça pública (tradição mosaica), uma mulher de Tabaqa, sob a acusação de adultério, conforme afirmou o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
Infelizmente observa-se aqui uma prática consoante a tradição abraâmica: consta no Decálogo a lei do "não adulterarás”3, motivo pelo qual o Velho e Novo Testamentos estão superlotados de advertências sobre o tema. Consta em Êxodos, em Levítico, nas narrativas de Jeremias, de Ezequiel, de Oséias e outros, e são assinaladas nos Evangelhos, citações sobre o assunto. Mateus expõe: "Vocês ouviram o que foi dito: 'Não adulterarás'. Mas eu digo: Qualquer que olhar para uma mulher e desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração”.4 Marcos anota: “Ele respondeu: Todo aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério contra ela. E, se ela se divorciar de seu marido e se casar com outro homem, estará cometendo adultério".5 Um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, outro contamina vergonhosamente a sua nora, e outro desonra a sua irmã, filha de seu próprio pai”.6
Nas Velhas Escrituras, constam em Provérbios: “Mas o homem que comete adultério não tem juízo; todo aquele que assim procede a si mesmo se destrói. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela”.7 Nas narrativas dos três profetas lemos "Por que deveria eu o perdoar?" "Seus filhos me abandonaram e juraram por aqueles que não são deuses. Embora eu tenha suprido as suas necessidades, eles cometeram adultério e frequentaram as casas de prostituição”.8 “E entre os profetas de Jerusalém vi algo horrível: eles cometem adultério e vivem uma mentira. Encorajam os que praticam o mal, para que nenhum deles se converta de sua impiedade. Para mim são todos como Sodoma; o povo de Jerusalém é como Gomorra."9 "Você, mulher adúltera! Prefere estranhos ao seu próprio marido! (...) Eu a condenarei ao castigo determinado para mulheres que cometem adultério e que derramam sangue; trarei sobre você a vingança de sangue da minha ira e da indignação que o meu ciúme provoca.”.10 “Quando o Senhor começou a falar por meio de Oseias, disse-lhe: "Vá, tome uma mulher adúltera e filhos da infidelidade, porque a nação é culpada do mais vergonhoso adultério por afastar-se do Senhor".11
Rememoremos Jesus. Nos idos apostólicos Ele, diante de uma adúltera, foi questionado: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? "Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela". Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão. Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando pelos mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele. Então Jesus pôs-se em pé e perguntou-lhe: "Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?". "Ninguém, Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado".12
No episódio da adúltera diante do Messias há um fato relevante: onde estava o adúltero? Por que então só a mulher deveria ser condenada e apedrejada? Não deveriam ambos, homem e mulher, sofrer a mesma pena, segundo a lei de Moisés? Pois o Profeta do Sinai ordenou, no caso de adultério, a condenação tanto do homem quanto da mulher13; logo, ambos deveriam ser condenados, mas com o passar do tempo, a punição passou a ser aplicada apenas à mulher, tendo em vista tratar-se de uma sociedade patriarcal e machista.
O adultério, como "ato de se relacionar com terceiro na constância do casamento", é considerado uma grave violação dos deveres conjugais por quase todas as civilizações de quase toda a história, sendo que algumas sociedades puniam gravemente o cônjuge adúltero e/ou a pessoa com quem praticava o ato, sendo ambos passíveis de morte. Com o passar do tempo a prática de adultério passou a ser criminalmente mais grave quando praticado pela mulher em relação ao homem. Hoje em dia, embora tal discriminação não exista nas leis dos países ocidentais, ou tenha perdido sua eficácia sociológica, na prática do dia a dia a conduta continua a ser vista de forma diferenciada, dependendo do gênero de quem realiza o adultério. Hoje essa violação ainda é punível severamente, inclusive com a pena de morte, como ocorre em algumas partes do mundo, geralmente nos grupos muçulmanos, como fizeram os jihadistas. Nos países do ocidente a punição se dá muito mais brandamente, embora ainda se constitua em causa eficiente para o divórcio ou rescisão do casamento.
Diz o Espirito Emmanuel o seguinte: “qual ocorre aos flagelos da guerra, da pirataria, da violência e da escravidão que acompanham a comunidade terrestre, há milênios, diluindo-se, muito pouco a pouco, o adultério (...) ainda permanece, na Terra, por instrumento de prova e expiação, destinados naturalmente a desaparecer, na equação dos direitos do homem e da mulher, que se harmonizarão pelo mesmo peso, na balança do progresso e da vida”.14
Profere também o mentor de Chico Xavier que “tantos foram os desvarios dos Espíritos em evolução no planeta – espíritos entre os quais muitos raros de nós, companheiros da Terra, não nos achamos incluídos – que decerto Jesus, personalizando na mulher sofredora a família humana, pronunciou a inesquecível sentença, convocando os homens, supostamente puros em matéria de sexualidade, a lançarem sobre a companheira infeliz a primeira pedra”15
Diante daquela adúltera, conforme narra o evangelista, recordemos que Jesus era o único que naquela circunstância possuía autoridade moral para julgar. No entanto não julgou e não condenou, nem disse se deveriam apedrejá-la ou não. Jesus apenas aguardou e pronunciou: “Atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver sem pecado”. Esta sentença faz da indulgência um dever para nós outros, porque ninguém há que não necessite, para si próprio, de indulgência. Ela nos ensina que não devemos julgar com mais severidade os outros do que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar em outrem aquilo de que nos absolvemos. Antes de condenarmos a alguém uma “falta”, vejamos se a mesma censura não nos pode ser feita”.16
Notas e referências bibliográficas:
1 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_abra%C3%A2micas acessado em 16/09/2014
2 Terroristas religiosos cometido por extremistas islâmicos com o propósito de atingir variadas metas políticas e/ou religiosas.
3 Êxodo 20:14
4 Mateus 5:27-28
5 Marcos 10:11-12
6 Ezequiel 22:11
7 Provérbios 5:19-20
8 Jeremias 5:7
9 Jeremias 23:14
10 Ezequiel 16: 32-38
11 Oséias 1:2
12 João 8:4-11
13 "Se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher do seu próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera terão que ser executados”. Levítico 20:10
14 Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo – Cap. “Adultério e prostituição”, ditado pelo espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 2001
15 Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo – Cap. “Adultério e prostituição”, ditado pelo espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 2001
16 Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo X, item 13, RJ: Ed FEB, 1999
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