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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

ACESSIBILIDADE DA PESSOA (CON)VIVENDO COM A DEFICIÊNCIA NA CASA ESPÍRITA


[Escrito por Sonia B. Hoffmann em agosto de 2013]
 

O desejo da inclusão, aceitação incontestável , está presente em todos desde a infância. O convívio com pais, irmãos, parentes, amigos, pessoas nas mais variadas formas interativas, representa indispensável fonte de aprendizagem, porque o Outro possibilita a nossa constituição como sujeito evolutivo e, ao mesmo tempo, oferece referenciais importantes para a nossa evolução como sujeito.

A existência Eu-Outro implica diferença. Diferença, por si, significa a procura do entendimento, de colocar-se na condição alheia, do ajuste às vezes mútuo. Logo, diferença solicita acolhimento e disponibilidade para a flexibilização relacional, isto é, dar ao meu Eu, ou ao Outro diferente, o tratamento adequado para o atendimento das necessidades que coincidem ou não, ocasionalmente, com as necessidades das demais pessoas.

O Espiritismo nos esclarece que todos, igualitariamente, fomos criados simples e ignorantes. Agraciados com os recursos do livre-arbítrio e da lei de causa-efeito, apresentamos ainda aptidões, habilidades e talentos diversos, sendo esta desigualdade, no estado atual do nosso progresso espiritual, proveitosa ao aprendizado e "cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar." (O Livro dos Espíritos, questão 804)

O ser humano, na grande maioria , por não saber em certos momentos lidar com a diferença e por não querer demonstrar sua ignorância, elaborou dois comportamentos extremos para administrar tal condição: o afastamento e a superproteção - os quais significam, na sua origem, a mesma coisa, uma rejeição. Alguns, ainda, assumiram tal grau de ignorância ou de perversidade que encontraram na expiação ou na prova a justificativa para exacerbarem esta diferença, sobrecarregando ou detendo sem qualquer fraternidade os efeitos do planejamento reencarnatório.

A carência de acessibilidade arquitetônica, comunicativa e do acolhimento equilibrado da pessoa (con)vivendo com a deficiência na casa espírita pode ser, entre outros motivos, a expressão desta imaturidade moral e intelectual. Adaptações e construções físicas ao serem despriorizadas, conhecimentos específicos daquela deficiência ao não serem adquiridos e compartilhados, metodologias comunicativas adequadas não sendo aprendidas e utilizadas convenientemente, informações e recursos desvalorizados ou considerados unilateralmente desnecessários caracterizam não só um forte despreparo para o convívio com a diferença, mas a gravidade da falta de aceitação da sua condição de aprendiz e a fragilidade no estudo e assimilação dos preceitos cristãos e dos ensinamentos trazidos pelo Espiritismo.

Kardec, em seu comentário à questão 717 de O Livro dos Espíritos, traz um argumento de solidariedade aplicável a todas as condições humanas: "A civilização desenvolve o senso moral e, ao mesmo tempo, o sentimento de caridade, que leva os homens a se prestar um apoio mútuo. Aqueles que vivem às custas das privações dos outros exploram, em seu proveito, os benefícios da Civilização; apenas possuem, da Civilização, o verniz, como há pessoas que, da religião, só têm a máscara". Quanto aos sofrimentos voluntários, na resposta à indagação 726 do mesmo livro, foi instruído o seguinte: "Os únicos sofrimentos que elevam são os naturais, porque vêm de Deus; os sofrimentos voluntários para nada servem, quando nada fazem pelo bem de outrem. Acreditas que aqueles que abreviam sua vida em rigores sobre-humanos, como o fazem os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de várias seitas, se adiantam no seu caminho? Por que, ao invés, não trabalham pelo bem de seus semelhantes? Que vistam o indigente; que consolem aquele que chora; que trabalhem por aquele que está enfermo; que suportem privações para o alívio dos infelizes, então, sua vida será útil e agradável a Deus. Quando, nos sofrimentos voluntários que se suportam, tem-se em vista apenas a si mesmo, é egoísmo; quando se sofre pelos outros, é caridade: estes são os preceitos do Cristo." Portanto, a ninguém é atribuída a função de acrescentar intencional e deliberadamente às provas e expiações de outrem dificuldades, constrangimentos e julgamentos.

Acolhidos como somos, mas impulsionados à mudança, transitamos por um mundo de circunstâncias; enfrentamos ou negamos um repertório extenso de sentimentos, hipóteses, juízos, condutas; internalizamos ou transgredimos princípios e valores; elaboramos julgamentos ou resolutividades; tecemos aprisionamentos na vitimização, no comodismo, na omissão; nos lançamos à

libertação no esforço, no questionamento, no labor. Isto, e muito mais, temos a capacidade de fazer por nós, para nós e para o outro. Então, por que não tomar a iniciativa da mudança do monólogo existencial para um diálogo vivencial profícuo?

Urgente se torna o (re)conhecimento da pessoa com deficiência na Casa Espírita, não somente por esta ou aquela palestra, mas necessariamente no desenvolvimento do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita (ESDE) ou outro estudo realizado com seus participantes. A circulação de informes e estudos sobre a pluralidade dos mundos e existências, da reencarnação, do perispírito, da transição planetária, por exemplo, tem a sua importância. Porém, é imprescindível apreender e aprender sobre o protagonista destes movimentos, sobre as particularidades da diferença, acerca de estratégias interativas porque, contrariamente, continuaremos dando mais ênfase ao mecanismo pelo mecanismo, desorganizados para o acolhimento da diferença e construindo barreiras atitudinais ao ingresso da pessoa com deficiência sensorial, intelectual ou motora nas atividades doutrinárias e mediúnicas da casa.

Surdos não são tão somente "tomadores de passes". Cegos precisam mais do que "enxergar com os olhos do espírito". Deficitários intelectuais não sintonizam apenas com obsessores. Usuários de cadeira-de-rodas ou com mobilidade reduzida vão além da escuta e da visualização à distância, da calçada ou do pátio espírita. Pessoas com deficiência não são pessoas impedidas, mas com limitações que nem sempre se resolvem pela escrita, pelo desenho, pela mímica ou pelo som produzidos ou aplicados aleatória e displicentemente.

Todos precisamos de oportunidades, aprendizagens, incentivo e constância de exercícios regeneradores e maturativos, do trabalho evolutivo. Mas como obter tais vivências se nós, espíritas, vacilamos e não garantimos a acessibilidade para o encontro das singularidades?



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