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Leonardo Paixão |
Desde que Constantino em 325 d.C. realizou o Concílio de Nicéia, teve início a grande desfiguração do Cristianismo, onde a crença pagã (politeísta, enraizada na doutrina da santíssima trindade e nos cultos dos santos), já não é apenas o aspecto sincrético proveniente do aumento do número de cristãos no Império Romano, fenômeno perfeitamente explicável pelos estudos de antropologia cultural, mas verdade de fé e por isso mesmo irrevogável. Era o início de um poder terreno que se fazia na Terra o representante escolhido diretamente pelos Céus! (1) O interesse de Constantino em manter a unidade política, territorial e religiosa do Império e uma posição proeminente para sua pessoa imperial, foram os motivos para a convocação de um Concílio reunindo líderes de diversas igrejas e somente após o Concílio de Nicéia foi que o imperador tornou – se popular em Roma e, agora só havia uma doutrina teológica verdadeira porque inspirada pelo Espírito Santo (?) (2), sobre este assunto esclarece o prof. J. Herculano Pires:
(...) Os Gnósticos, que
enfrentaram o avanço dos cristãos, apoiados pelo Imperador Constantino, de
Roma, diziam – se herdeiros de uma revelação antiga, que se conservava na
sucessão dos mandatos. Pretendiam a universalidade, como os cristãos, mas não
dispuseram de um apoio político e militar suficiente, sendo condenados como
hereges. Os cristãos realizaram sua institucionalização sob a proteção romana
toda poderosa. Tinham o mandato de César, mas faltava – lhes o de Deus. Todas
as seitas cristãs que discordavam da posição dos protegidos de Roma eram
declaradas hereges e muitas vezes exterminadas. A mesma aliança anteriormente
efetuada entre romanos e judeus, em Jerusalém, efetuava – se então entre romanos
e cristãos, com propósito mais vasto, que era o domínio do mundo. Por mais que
desejemos dourar essa situação, alegando a necessidade de expansão do
Cristianismo para a salvação da Humanidade, a verdade dos fatos históricos nos
mostra que o objetivo principal, e que realmente se realizou, pelo menos em
parte, era o domínio político e militar dos povos sob o prestígio da igreja
apoiada pelo Império (Revisão do Cristianismo, 1996).
As
consequências de tal decisão produziram o período de trevas na humanidade
começando com as Cruzadas que tinham por objetivo retirar os árabes da Terra
Santa culminando com a instituição da Congregação do Santo Ofício (hoje
Congregação para a doutrina da Fé), ironicamente chamada de Santa Inquisição,
que tanta dor e confusão causou devido ao fanatismo religioso e à ambição
desmedida dos novos sacerdotes da caricatura cristã. A massa ignara seguia
piedosamente as ordens “divinas”, é chocante o episódio ocorrido com John Huss:
quando este estava sendo queimado uma velhinha se aproxima e coloca um pequeno
galho para aumentar o fogo, ao que Huss exclama: sancta simplicitas! (santa
ignorância), o povo cria que quanto maior fosse o fogo, a alma do “infiel”
seria mais purificada de seus “pecados”.
É
no seio da própria Igreja que o começo de uma ação para restaurar a verdade
cristã em seu verdadeiro significado irá se produzir, quando em 31 de outubro
de 1517 o monge agostiniano Martin Luther (Martinho Lutero) fixa na porta da
igreja de Wittenberg as 95 teses, dando início a intensos debates teológicos
que culminam na divisão da cristandade em católicos e protestantes. Entretanto,
apesar de Lutero haver retirado a letra morta para a claridade das
consciências, o livre exame das Letras Sagradas trouxe divergências na
interpretação, provocadas pelo orgulho humano que só percebe a sua verdade,
nasceram daí os anabatistas e os calvinistas e mais divisão foi feita entre os
cristãos.
No
decorrer da história humana, muitos pensadores apareceram buscando fazer ver ao
homem que a vida tem um sentido e que o Cristianismo do Cristo não estava
perdido, teremos o “cogito” de Descartes (século XVII), os enciclopedistas no
Século das Luzes (século XVIII), o panteísmo de Spinoza (século XVII), a
desenvolver – nos uma concepção de Deus nada antropomórfica, de Spinoza disse
Ernest Renan: “eis o homem que teve a mais profunda visão de Deus!”. E, para
fazer a revisão dos ensinos de Jesus de Nazaré, Renan, o grande racionalista do
século XIX, em 24 de junho de 1863, lança a sua obra – prima Vida de Jesus (3),
restituindo a Jesus a sua figura humana, filho de José e Maria e não um deus
encerrado num corpo humano, como se tal coisa fosse possível, o Criador dos
Universos limitado como um mortal, Ele que é a um só tempo Eterno e a
Eternidade. Guiando – se na mesma postura de Renan, mas sob ótica diversa,
Allan Kardec também inicia o processo de revisão do Cristianismo quando publica
O Evangelho segundo o Espiritismo em 1864. No livro Obras Póstumas, Kardec
pergunta aos Espíritos o que dirá o clero sobre O Evangelho, ao que
responderam:
“O
clero gritará – heresia, porque verá que atacas decisivamente as penas eternas
e outros pontos sobre os quais ele baseia sua influência e o seu crédito. (...)
O anátema secreto se tornará oficial e os espíritas serão repelidos, como o
foram os judeus e os pagãos, pela Igreja Romana. Em compensação, os espíritas
verão aumentar – se – lhes o número, em virtude desta perseguição, sobretudo
com o qualificarem, os padres, de demoníaca uma doutrina cuja moralidade
esplenderá como um raio de Sol pela publicação do teu novo livro e dos que se
seguirão.
(...) o Espiritismo é a
única tradição verdadeiramente cristã e a única instituição verdadeiramente
divina e humana” (4).
O
Espiritismo desmistifica e demitifica todo o arcabouço filosófico e teológico
que a escolástica durante séculos produziu, colocando o homem na posição de
espírito em evolução e tendo por máxima Fora da Caridade não há salvação (5),
restaura a simplicidade cristã que é sem culto oficial, sem ritos, sem pompas,
como eram as reuniões na igreja primitiva.
Notas:
1 – Este poder temporal
vindo do céu estendeu – se à figura dos reis:
Se a sociedade era uma e
tripartida e o rei era a figura que liga o triângulo, este apresentava - se,
(...), na teologia política com um duplo corpo: o corpo mortal, terreno e
humano, e o corpo que era na verdade o corpo místico, designativo do coletivo idealizado
nas três ordens.
O
duplo corpo do rei era por um lado a junção do corpo clerical e do corpo leigo,
do sagrado e do profano, por isso o rei era ungido e eleito como todos que são
da esfera do sagrado. Mas o rei não pertencia ao corpo clerical. Nem ao corpo
clerical, nem à cultura clerical somente, porque o rei guerreiro também, leigo
como seus pares, primus inter pares [primeiro entre iguais]. (FRÓES, Vânia
Leite. Era o tempo do Rei... IN: LIMA, Lana Lage da Gama, HONORATO, César
Teixeira, CIRIBELLI, Marilda Corrêa, SILVA, Francisco Carlos Teixeira da.
História e Religião. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2002. p. 59-60).
2 - (...) o Concílio de
Nicéia era uma convocação de líderes religiosos vindos dos quatro cantos do
mundo antigo, desde a Espanha até a Pérsia, do norte da África ao norte da
França, do Egito da Síria, da Armênia e da Palestina. Constantino organizou e
controlou a reunião, a primeira conferência ecumênica, criando, com esmero, a
primeira imagem da cristandade. (...) As gerações seguintes acreditaram de modo
geral que o Concílio de Constantino, fora guiado diretamente pelo Espírito
Santo. O imperador entronizado e seus bispos aparecem como o protótipo do
governo ocidental, pois foi em Nicéia que essa ordem dual de poder espiritual e
temporal recebeu sanção pela primeira vez. No centro desse novo Império cristão
ficavam os livros sagrados da Bíblia (ROMER, 1991).
3 – Esta obra de Renan é o
marco da pesquisa universitária sobre a historicidade de Jesus e é reconhecida,
diante das recentes descobertas arqueológicas como um dos mais importantes
textos sobre esta.
4 – Para melhor
entendimento dessa afirmativa leia – se o capítulo I do livro A Gênese, de
Allan Kardec – Caráter da Revelação Espírita.
5 – É interessante
observar que os exegetas têm traduzido para a Bíblia a palavra caridade por
amor, já que aquela tem tido na atualidade o sentido de assistência social
fugindo do sentido original, caridade vem do grego kharitas e significa amor
supremo, lembramos que os gregos tinham oito palavras para exprimir o amor,
cada qual em sentido específico, a caridade (amor supremo) como a entendia
Jesus é a “benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições
alheias, perdão das ofensas” (O Livro dos Espíritos, questão 886).
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