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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Comentários sobre alguns trechos da obra Nos céus da Gália

Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea”. (ERASTO).
Para a opinião errônea de grande número de pessoas, muito mais do que se pensa têm contribuído a ignorância e a leviandade de vários médiuns”. (KARDEC).
Paulo Neto
É bem certo que alguns companheiros irão nos denominar de “patrulheiro da fidelidade doutrinária”, “ortodoxo” e outros adjetivos mais; porém, em prol da Doutrina Espírita, não nos incomodaremos com isso. Erasto, espírito de escol que participou ativamente da codificação, que assina uma das frases acima colocadas, num outro momento aconselha:
É incontestável que, submetendo ao crivo da razão e da lógica todos os dados e todas as comunicações dos Espíritos, fácil se torna rejeitar a absurdidade e o erro. Pode um médium ser fascinado, e iludido um grupo; mas, a verificação severa a que procedam os outros grupos, a ciência adquirida, a alta autoridade moral dos diretores de grupos, as comunicações que os principais médiuns recebam, com um cunho de lógica e de autenticidade dos melhores Espíritos, justiçarão rapidamente esses ditados mentirosos e astuciosos, emanados de uma turba de Espíritos mistificadores ou maus. – Erasto, discípulo de São Paulo. (Paris, 1862). (ESE, cap. XXI, item 10, p. 341, grifo nosso).
E também a Allan Kardec (1804-1869) essa necessidade de análise crítica não passou em branco, porquanto recomendou:
[...] Nem todos os Espíritos sérios são igualmente esclarecidos; há muita coisa que eles ignoram e sobre que podem enganar-se de boa-fé. Por isso é que os Espíritos verdadeiramente superiores nos recomendam de contínuo que submetamos todas as comunicações ao crivo da razão e da mais rigorosa lógica. (LM, cap. X, item 136, p. 190, grifo nosso).
Além disso, Kardec nos esclarece um ponto fundamental, que jamais deveremos esquecer: é que sempre devemos considerar a opinião de um espírito como apenas uma opinião individual, que não pode e nem poderá fazer parte do corpo doutrinário do Espiritismo, enquanto não fosse submetida ao crivo do Controle Universal do Ensino dos Espíritos, o que podemos confirmar em:
[...] Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais aos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todos os casos, têm necessidade da sanção do controle universal, e até mais ampla confirmação não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita.
Quando tratarmos essas questões, o faremos sem cerimônia; mas é que, então, teremos recolhido os documentos bastante numerosos, nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, para poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim que fazemos todas as vezes que se trata de formular um princípio capital. Nós os dissemos cem vezes, para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica, para as coisas que não podemos controlar por nossos próprios olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como uma verdade absoluta, se, mais tarde, ela devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritos? (KARDEC, 1993i, p. 191, grifo nosso).
Então fica claro que Kardec analisava uma mensagem e não a sancionava senão após a sua confirmação universal; entretanto, uma grande parte de nós, os espíritas, infelizmente, passou a aceitar qualquer informação ou até mesmo alguma novidade pelo motivo dela ter vindo de determinado Espírito ou de determinado médium.
As orientações do Codificador são claras, conforme se pode também ver nesta outra transcrição:
O Espiritismo não é mais a obra de um único Espírito como não é a de um único homem; é a obra dos Espíritos em geral. Segue-se que a opinião de um Espírito sobre um princípio qualquer não é considerada pelos Espíritos senão como uma opinião individual, que pode ser justa ou falsa, e não tem valor senão quando é sancionada pelo ensino da maioria, dado sobre os diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que fez o que ele é, e que fará o que será. Diante desse poderoso critério, caem necessariamente todas as teorias particulares que sejam o produto de ideias sistemáticas, seja de um homem, seja de um Espírito isolado. Uma ideia falsa pode, sem dúvida, agrupar ao seu redor alguns partidários, mas não prevalecerá jamais contra aquela que é ensinada por toda a parte. (KARDEC, 2000c, p. 307, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
É dentro deste espírito que faremos os nossos comentários sobre a obra em questão, não nos movendo outro objetivo senão o de seguir as orientações citadas; portanto, não temos nenhuma intenção de atingir a individualidade do médium ou do autor espiritual, aos quais já, de antemão, pedimos sinceras desculpas caso sintam-se atingidos pelo que diremos.
Os trechos da obra “Nos céus da Gália”, psicografia de Carlos A. Baccelli (1952- ), ditada por Irmão José, sobre os quais comentaremos, estarão em destaque, com borda e fundo amarelo, para facilitar a visualização e separá-los daquilo que é de nossa produção, em que os parágrafos transcritos de outros textos de nossa autoria estão na cor azul, visando distingui-los daqueles provenientes de nossos atuais comentários.
“Procuramos, sem qualquer pretensão histórica ou literária, alinhavar nestas páginas algumas reminiscências, da Terra e do Mundo Espiritual, em torno da saga milenar da implantação do Reino de Deus entre os homens”. (p. 7).
Ora, ora, se são reminiscências da Terra e do Mundo Espiritual, como aqui é dito pelo autor espiritual, o que se espera é que seja verdade tudo quanto exporá e que possamos, em alguns casos, comprovar com os registros históricos ou literários de que a Humanidade dispõe.
A movimentação das Trevas havia forçado uma mudança de planos em relação ao nascimento de Jesus, que, inicialmente, estava programado para ter o seu berço em território gaulês. Claro que, apenas em tese, nos referimos a tal mudança de planos, porque tudo, como sempre, haveria de acontecer de acordo com os insondáveis Desígnios do Criador”. (p. 111).
Será que as “trevas” tem tanta força assim que provoca a mudança de planos tão importantes para o Mundo físico, a ponto de alterar o local previsto para o nascimento de Jesus? Sinceramente, não acreditamos nisso, porquanto, a força do bem é que sempre prevalecerá; o mal jamais a vencerá.
“[...] antes da experiência que vivenciaram no Druidismo, haviam vivido na Grécia, ao tempo de Sócrates e Platão – notadamente Allan Kardec, que fora a reencarnação de Platão e, que quase, cinco séculos antes do cristo, já preconizava que o mundo sensível não passava de uma cópia do mundo ideal e que, portanto, Deus é tão somente a Ideia!”. (p. 116).
Estranha-nos ver Kardec como sendo Platão reencarnado, informação que circula no meio espírita, pois mensagens assinadas por ele aparecem nas obras da Codificação. Transcrevemos de nosso texto “Só para fanáticos Chico foi Kardec”, o seguinte:
Outro que é tido como uma das reencarnações anteriores de Kardec é o filósofo Platão; porém, encontramos, na Revista Espírita, registros de mensagens assinadas por Platão: 1º) na sessão realizada em 18 de novembro de 1859 (KARDEC, 1993e, p. 358), na de 20 de janeiro de 1860 (KARDEC, 2000a, p. 39), na sessão de 03 de fevereiro de 1860, assina juntamente com Moisés e Julien (KARDEC, 2000a, p. 68). Em Prolegômenos, em O Livro dos Espíritos, encontramos também a sua assinatura, bem como a de João Evangelista (KARDEC, 2007a, p. 63); e, finalmente, entre os espíritos que respondem à pergunta 1009, consta uma assinada por Platão (KARDEC, 2007a, p. 524).
Será que temos a manifestação do espírito de um vivo, no caso Kardec? Tudo bem, sabemos que isso é possível, pois temos experiências disso relatadas na Revista Espírita. Só que há um porém: é que o encarnado esteja dormindo ou em um estado no qual o seu corpo esteja quase que sem atividade, para que a sua alma possa desligar-se e se manifestar. Aqui também vale o que já dissemos alhures: é preciso provar que Kardec estava neste estado quando Platão se manifestou, providência que cabe aos defensores dessa ideia.
“Com a invasão das Gálias pelos romanos, ficara decidido que o Senhor nasceria entre os judeus, na descendência de Davi, que havia derrotado a Golias, o gigante filisteu, sucedendo a Saul no trono.
A região escolhida para recebê-Lo seria a Galileia, palavra que é diminutivo de Gália, como se, diante dos impedimentos das Trevas, que, de todas as maneiras procuravam evitar que Ele viesse ao mundo, [...]”. (p. 134).
Transcrevemos do nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de Jesus?”:
Profecia: Jeremias 23,5-6: “Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado: Senhor, Justiça Nossa”. (o teor destes versículos repete-se em Jeremias 33,15-16).
Era crença comum àquela época que o Messias viria da casa de Davi; provavelmente, tomavam desses passos de Jeremias, embora essa profecia não esteja literalmente citada; apenas o texto bíblico nos induz à conclusão que seja ela.
Vejamos algumas explicações dos tradutores para o passo:
23,1-8: O oráculo é, provavelmente, pós-exílio. Apresenta uma avaliação negativa dos reis de Judá, mostrando que a política deles foi a principal responsável pela queda de Jerusalém e pelo exílio. Os vv. 5-6 manifestam a esperança de um futuro rei justo, que governará o povo conforme a justiça e o direito. (Bíblia Sagrada Pastoral, p. 1035, grifo nosso).
23,6: Os reis de Judá – aqui expressos pela imagem do pastor – falharam em sua missão de conduzir o povo. Por isso o próprio Deus suscitará um rei ideal que implantará a paz, a justiça e o direito em seu país. (Bíblia Sagrada Vozes, p. 981, grifo nosso).
Javé – nossa justiça: Nesta exclamação há, provavelmente, alusão ao nome do rei Sedecias que significa: Minha justiça é Javé. (Bíblia Sagrada Ave-Maria, p. 1067, grifo nosso).
23,5-6: Acréscimo em futuro indefinido, expressão de esperança escatológica. Dos pastores passa ao futuro rei davídico, objeto e alimento da esperança messiânica. Será “rebento legítimo”, ou seja, descendente e sucessor, não usurpador. Legítimo também por seu governo justo (2Sma 23,3-4, testamento de Davi). Seu nome, que equivaleria a Yehosedec (cf. Ag 1,1; zc 6,11; Esd 3,2), pode aludir polemicamente a Sedecias (o mesmo nome em outra ordem), que não administrou a justiça. Além disso, o componente çdq pertence à tradição de Jerusalém. (Bíblia do Peregrino, p. 1905, grifo nosso).
Pelas notas fica evidente que a situação política daquela época é que dava origem a uma esperança de um Messias, porém, não a Jesus, como alegam, mas a alguém que resolveria seus problemas imediatos.
Nesse passo de Jeremias fica evidente que os Evangelhos não se completam, como, dessa forma, costumam justificar as divergências entre eles. Veja, caro leitor, que a genealogia que se lê aqui é divergente da que encontramos em Lucas, na qual lemos a seguinte nota em relação ao passo Lc 1,32: “Seu pai Davi: Maria era, da mesma forma que José, da descendência de Davi” (Bíblia Ave-Maria, p 1346, grifo nosso). Tentando explicar a divergência em nota dizem: “Esta genealogia de Jesus difere sensivelmente daquela que se lê no começo do Evangelho de São Mateus. As diferenças provêm dos ramos distintos que elas nos conservaram e que provêm de antepassados comuns.” (Bíblia Ave-Maria, p. 1350, grifo nosso).
Na genealogia que se vê em Lucas encontramos divergências em relação à de Mateus. Aliás, tentando justificar, diz-se que ela, a de Mateus, é baseada em Maria; entretanto, isso é estranho, porquanto “Qualquer genealogia banal naquela época se baseava apenas na linhagem masculina, que tinha uma importância fundamental. […]” (TABOR, 2006, p. 64) e “[...] as genealogias bíblicas sempre seguem a linha paterna […]” (VERMES, p. 37, 2007).
Por outro lado, considerando que atribuem a Jesus um nascimento sobrenatural, gerado não por José, mas por uma entidade espiritual à qual chamam de “Espírito Santo”, torna essa genealogia sem qualquer propósito, visto que, por ela, não se poderia dizer que Jesus é descendente de Davi, uma vez que não haveria nenhum laço de sangue com ele.
Pelo exposto, vemos que a informação, nessa obra, referendando o que consta nos Evangelhos, nada mais é que produto de crença de quem se vinculou a uma das religiões cristãs tradicionais. Cremos que as tradições em nível do Mundo Espiritual deveriam estar ligadas à verdade e não a coisas que não têm o suporte da realidade.
“Foi assim que, pertencendo à menor das tribos de Israel, a tribo de Judá, e nascendo numa gruta da cidadezinha de Belém, destinada a abrigar os animais das intempéries e das fainas naturais do dia, Jesus surgiu entre os homens, tendo por mãe a Maria e por pai a José, este último filho de Heli, ou Helil”. (p. 134-135).
Mais uma vez busca seguir crenças, pois é senso comum entre os críticos modernos de que Jesus não nasceu em Belém, mas, sim, em Nazaré. Fica tão claro que Jesus, realmente, não nasceu em Belém, pois, se isso tivesse acontecido, Ele seria designado de Jesus de Belém e não Jesus de Nazaré, como consta dos Evangelhos. Transcrevemos de nosso texto “Jesus de Belém ou de Nazaré?”, os seguintes parágrafos de seu início:
Resolvemos fazer o presente estudo pelo motivo de já termos visto estudiosos bíblicos dizerem que Jesus não nasceu em Belém, fato que, a princípio, nos pareceu estranho, haja vista que sempre nos falaram que sim. Talvez o comodismo de aceitar certas coisas, sem questioná-las, especialmente, aquelas vindas de pessoas que, em nosso julgamento, parecem conhecer do assunto, nos fez acreditar nessa história a respeito da cidade do nascimento de Jesus.
João Loes (1983- ), em reportagem, na revista IstoÉ, intitulada “A face humana de Jesus”, apresenta o seguinte sobre esse assunto:
Embora os evangelhos de Mateus e Lucas afirmarem que Jesus tenha nascido em Belém, é muito provável que isso tenha ocorrido em Nazaré. “Todos os grandes especialistas bíblicos são unânimes em admitir que Jesus nasceu em Nazaré”, afirma Frei Betto, religioso dominicano autor do recém-lançado “Um homem Chamado Jesus”. Ao que tudo indica, Lucas e Mateus teriam escolhido Belém como cidade natal de Jesus para que suas versões da vida de Cristo se alinhassem a uma profecia do Antigo Testamento, segundo a qual o Messias nasceria na Cidade do Rei Judeu, ou seja, a Cidade de Davi, que é Belém. (LOES, 2009, p. 65, grifo nosso).
Mateus, realmente, dá como certo o nascimento de Jesus em Belém; seu objetivo parece confirmar o que foi dito na reportagem, que é o de nos fazer crer que o nascimento nessa cidade tenha ocorrido para cumprimento de uma certa profecia, pois ele, Mateus, mais do que qualquer um dos outros evangelistas, preocupava-se em relacionar os vários acontecimentos da vida de Jesus com algum tipo de profecia, chegando ao ponto de até mesmo citar profecias inexistentes, como é o caso, por exemplo, do passo Mt 2,23, que iremos ver, no qual ele diz que profetas previram que Jesus “Será chamado o Nazareno”.
Elaine Pagels (1943- ), professora de religião na Universidade de Princeton, confirma essa tendência do autor do Evangelho de Mateus: “[…] Hoje, porém, muitos estudiosos sugerem que a correspondência entre profecia e evento que Mateus descreve mostra que ele às vezes adaptou sua narrativa de modo a adequá-la às profecias”. […] (PAGELS, 2004, p. 114, grifo nosso).
Como não é o caso de nos estendermos nesse assunto, aqui só estamos dando uma pequena amostra; mais informações sobre Jesus ter nascido em Nazaré, e não em Belém, o leitor deverá ver no citado texto.
“É de notar-se, inclusive, que os essênios, por vezes, também chamados 'nazarenos', contrastando com a maioria dos judeus, traziam os seus cabelos à moda dos antigos gauleses, compridos e divididos ao meio, qual, aliás, Jesus conservava os seus”. (p. 136).
Consultando as obras Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia e Estudo Perspicaz das Escrituras, pudemos ver que o costume de não cortar o cabelo não era prática dos essênios e sim, dos nazireus, a terceira das filosofias do judaísmo. Esta seita desapareceu após a destruição de Jerusalém (ano 70 d.C.), nunca são mencionados no Novo Testamento. (CHAMPLIN E BENTES, 1995b).
Os enciclopedistas Russell Norman Champlin (1933- ) e João Marques Bentes (1932- ) afirmam que:
[…] alguns comentadores relacionam a palavra 'nazareno' aos indivíduos que, no Antigo Testamento, são chamados de 'nazireus' (ver Núm. 6:2,13,18-20), os quais faziam certos votos difíceis de serem cumpridos, votos de consagração a Deus. […]. (CHAMPLIN e BENTES, 1995d, p. 465).
Quanto aos nazarenos, informam: “Houve uma antiga seita judeu-cristã, conhecida por 'os nazarenos', – no século IV d.C.” (CHAMPLIN e BENTES, 1995d, p. 466).
[…] O voto do nazireado envolve a consagração especial de pessoas ou coisas a Deus (ver Gên. 49:26; Deu. 33:16). Está especificamente em pauta o caso dos nazireus, cujos cabelos compridos serviam de emblema de sua separação ao serviço do Senhor, cabelos esses que eram reputados a coroa da glória deles. (CHAMPLIN e BENTES, 1995d, p. 467).
Um nazireu não podia cortar os cabelos durante todo o tempo em que perdurasse a sua consagração. As referências literárias mostram que os cabelos de uma pessoa eram considerados a sede da vida, e até mesmo a habitação de espíritos e de influências mágicas. Talvez por essa razão é que, terminado o voto do nazireado, a pessoa precisava raspar seus cabelos e queimá-los, como medida eficaz para anular quaisquer poderes que os cabelos fossem tidos como possuidores. (CHAMPLIN e BENTES, 1995d, p. 467).
Em Estudo Perspicaz das Escrituras, lemos: “Os nomes nazareno e nazireu não devem ser confundidos, porque, embora de grafia parecida em português, derivam de palavras hebraicas totalmente diferentes, com sentidos diferentes”. (p. 70) e “não deviam cortar o cabelo da cabeça” (p. 71).
Estranhamos a informação de que os essênios eram chamados de nazarenos, porque somente estes últimos, como visto, é que tinham o costume de não cortar os cabelos.
“No livro 'Boa Nova', de autoria de Humberto de Campos, pela lavra mediúnica de Chico Xavier, ao referir-se ao Precursor, o célebre autor, que, na feitura de sua obra consultou os arquivos existentes na Espiritualidade, menciona nada menos que cinco vezes a João Batista como sendo o missionário da Verdade, deixando evidente que a João caberia, séculos mais tarde, a tarefa de restaurar o Evangelho, em sua primitiva pureza, nas luzes da Doutrina Espírita”. (p. 136-137).
“[...] após o fenômeno de sua transfiguração no Tabor, referindo-se a Elias, que era a reencarnação de João Batista: 'É verdade que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas: - mas, eu vos declaro que Elias já veio e eles não o conheceram e o trataram como lhes aprouve'. João Batista, portanto, seria mais tarde, junto a Kardec, o representante do Espírito de Verdade, sendo, em essência, o Pensamento do próprio Cristo!...”. (p. 137-138).
Yokhanan – João Batista –, que se fez Precursor do Cristo, endireitando-lhe as veredas, tornaria a vir para restabelecer todas as coisas “no seu verdadeiro sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos!” (p. 209).
Ao destacar João Batista na posição de “missionário” e de “representante” da Verdade, que viria “mais tarde”, pareceu-nos que o autor espiritual está relacionando João Batista à função de ser também o precursor da Doutrina Espírita. Mas isso não faz sentido, pois em lugar nenhum se encontra essa previsão. Se o autor espiritual toma da fala de Jesus de que “É verdade que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas...”, há um engano, pois o Mestre se referia à profecia de Malaquias e não que João Batista viria futuramente para ser o precursor do Espiritismo. Tanto isso é verdade que Jesus, enfaticamente, completou: “Elias já veio e eles não o conheceram...”.
Na apostila Estudo teórico-prático da Doutrina Espírita, Unidade 5, tema: “Antecedentes da Doutrina Espírita”, divulgada pela Sociedade Espírita Fraternidade do Paraná, lemos:
Na Antiguidade, um rei que viajasse para lugares pouco percorridos do seu reino enviava antes os precursores, a fim de aplainarem o caminho e encherem as depressões, de modo a que não encontrasse obstáculos e viajasse com segurança.
João Batista que foi um dos maiores precursores de Jesus, trabalhou intensamente, aplainando os caminhos do coração e do entendimento para a vinda do Mestre; a Doutrina Espírita, também contou com inúmeros precursores que trouxeram ao mundo as primeiras luzes do que em breve, se tornaria uma Doutrina, que codificada por Kardec, se tornaria a Terceira Revelação Divina à Humanidade. Dentre esses precursores, três merecem especial destaque: Emmanuel Swedenborg, Edward Irving e Andrew Jackson Davis. (http://www.mkow.com.br/apostilas/unid5.htm, p. 2, grifo nosso).
A impressão que tivemos foi que se tomou do início do segundo parágrafo, para afirmar que João Batista foi precursor da Doutrina Espírita, o que não condiz com o que se deve entender do texto, que está apenas afirmando que João Batista foi o precursor de Jesus e que a Doutrina Espírita também contou com inúmeros precursores, destacando três deles.
Pesquisamos todas as obras da Codificação e em nenhuma encontramos mensagem de João Batista; portanto, não sabemos qual foi a sua participação na formação do Espiritismo, se é que teve alguma. O que vimos registrado foi sua evocação junto à Sociedade Espírita de Saint-Jean d'Angély, conforme mencionado na Revista Espírita 1862 (KARDEC, 1993g, p. 323-335), onde se constata que ele, João Batista, era o Guia Espiritual dessa Sociedade. Na Revista Espírita 1861, Kardec transcreveu um discurso do Grupo Espírita de Saint-Just, que se inicia da seguinte forma: “Senhor Allan Kardec, discípulo de Jesus, intérprete do Espírito de Verdade, sois nosso irmão em Deus; estamos todos reunidos em um mesmo coração, sob a proteção de São João Batista, protetor da Humanidade, precursor do grande mestre Jesus, nosso Salvador”. (KARDEC, 1993f, p. 292, grifo nosso). Enquanto João Batista, para o grupo de Saint-Jean d'Angély, é o guia de uma sociedade espírita, para o de Saint-Just, ele é o protetor da Humanidade.
Com o que o autor espiritual diz no parágrafo seguinte, é que passamos a compreender qual é a sua opinião a respeito da participação de João Batista na Codificação; vejamo-lo:
A polêmica positiva em torno da real identidade do Espírito da Verdade, durante longo tempo, se estendeu entre os que participavam do círculo mais estreito dos amigos de Rivail, até que, mais tarde, na própria “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”, alguns indícios de que o Espírito da Verdade era João Batista foram transmitidos – conforme Jesus prometera: “É verdade que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas!”. (p. 321).
Então, o que aqui se vê é que, para o autor da obra, que ora comentamos, o Espírito da Verdade era João Batista, já se contradizendo, posto que mal acabara de afirmar que João era um “missionário e representante da Verdade”. Sobre essa questão de quem é (ou foi) o Espírito da Verdade, mais à frente voltaremos a este assunto.
[…] os nossos personagens, conforme já ficou dito, igualmente transmigraram para a Judeia, sendo que alguns deles seriam Apóstolos diretos do Senhor, como é o caso do sacerdote druida Allan, que ficaria conhecido como João, o Evangelista, irmão de Tiago, ambos filhos de Zebedeu. [...]”. (p. 138).
“[...] Os seus discípulos se multiplicavam e muitos deles viriam a ser Apóstolos do Cristo, como é o caso do próprio Simão Pedro, André e João, o célebre Evangelista, que era a reencarnação do sacerdote druida Allan”. (p. 150).
O Arquidruida Yokhanan havia sido João Batista, o Precursor, e os doze Apóstolos – todos eles –, inclusive Judas Iscariotes, que houvera sido Voughan, também tinham vivido em território gaulês, ao tempo de Yokhanan e Allan Kardec, que reencarnaria como João, filho de Zebedeu”. (p. 171).
“É notável a participação de João, irmão de Tiago, entre os doze Apóstolos, com a sua inegável sensibilidade, haurida no curso de muitas existências, desde quando fora aclamado pelos seus adeptos e seguidores como Jina – 'conquistador' –, em depois, na condição do sacerdote druida Allan Kardec e, ainda, um iniciado essênio, antes de atender o chamamento do cristo para a propagação do Evangelho. (p. 207-208).
[…] A verdade é que João, ao longo dos séculos, como fiel guardião do Evangelho, em várias oportunidades, retornaria ao corpo físico, até que, no século XIX, na condição de Hippolyte-Léon-Denisard Rivail encetaria a obra da Codificação, restaurando a mensagem Cristã. (p. 210).
Transcrevemos de nosso texto “Só para fanáticos Chico Xavier foi Kardec”:
Tomando como base o que já vimos anteriormente (veja as indicações abaixo), para nós, fica cada vez mais claro que somente por fanatismo pode-se ainda atribuir a Chico a condição de ser Kardec reencarnado. Inclusive alguns dos que assim pensam afirmam também que Kardec teria sido João Evangelista, apesar do fato de que o codificador ter evocado João Evangelista, conforme se pode comprovar na Revista Espírita 1861, no relato da ata da reunião na Sociedade Espírita de Paris do dia 14 de dezembro de 1860; veja este trecho:
3º Fato pessoal ao Sr. Allan Kardec e que pode ser considerado uma prova de identidade do Espírito de um personagem antigo. A Senhorita J... teve várias comunicações de João Evangelista, e cada vez com uma escrita muito caracterizada e muito diferente da sua escrita normal. A seu pedido, o Sr. Allan Kardec, tendo evocado esse Espírito, pela senhora Costel, achou que a escrita tinha exatamente o mesmo caráter da senhorita J..., embora o novo médium dela não tivesse nenhum conhecimento; além do mais o movimento da mão tinha uma doçura desacostumada, o que era ainda uma semelhança; enfim, as respostas concordavam em todos os pontos com aquelas feitas pela senhorita J... e nada na linguagem que não estivesse à altura do Espírito evocado”. (KARDEC, 1993f, p. 5, grifo nosso).
Além disso, João Evangelista é dos que também assina a mensagem dos Espíritos constante em Prolegômenos, em O Livro dos Espíritos (KARDEC, 2007a, p 63). Esse fato nos coloca diante de algo inusitado, pois Kardec teria se desdobrado em mais dois outros personagens, uma vez que além da assinatura de João Evangelista a mensagem contém a de Platão, que é outra pessoa tida como uma das reencarnações anteriores de Allan Kardec.
O autor espiritual ainda afirma que Francisco de Assis, foi a reencarnação de João Evangelista:
E entre os muitos espíritos leais ao Cristo que, ao longo dos séculos, foram se corporificando no seio da Igreja, com o intuito de procurar trazê-la de volta às suas origens, destaca-se a figura extraordinária de Francisco de Assis, que foi a reencarnação de João Evangelista. (p. 238).
Então, até aqui, temos que Kardec foi João Evangelista e Francisco de Assis; quanto ao primeiro já demonstramos a sua impossibilidade; quanto ao segundo, o patrono dos animais, trata-se apenas de uma hipótese, sem qualquer respaldo nas obras da Codificação.
“Eles [os judeus] acalentavam a esperança de que a profecia de Isaías a respeito d'Ele se cumprisse de maneira textual, conforme se encontra escrito no livro do referido profeta, no capítulo 9, versículo 6 e 7: 'Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu: o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar diante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto!'”. (p. 149).
Transcrevemos do nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de Jesus?”:
Durante esses anos sombrios Isaías fora conformado pelo nascimento iminente de um bebê real, indício de que Deus ainda estava com a casa de Davi. “Uma jovem (almah) está grávida e logo dará à luz um filho que se chamará Immanu-El (Deus-conosco)” (31) Seu nascimento seria ainda uma fonte de esperança, “uma grande luz”, para o traumatizado povo do norte, que “caminhava nas trevas” e na “profunda escuridão”. (32) Quando o bebê nasceu, foi de fato chamado Ezequias, e Isaías imaginou toda a Assembleia Divina celebrando a criança real, que, como todos os reis davídicos, se tornaria uma pessoa divina e um membro do conselho celeste: no dia de sua coroação, ele seria chamado de “Conselheiro Admirável, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz!. (33).
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(31) Isaías 7:14. Essa é uma tradução literal do versículo, não segue a versão tradicional da Bíblia de Jerusalém.
(32) Isaías 9:1.
(33) Isaías 9:5-7.
(ARMSTRONG, 2007, p. 25, grifo nosso).
A passagem de Isaías, citada pelo autor espiritual, nada tem a ver com profecia a respeito de Jesus, mas, sim, de um bebê que já havia nascido;, no caso, Ezequias, conforme nos informou Karen Armstrong (1944- ).
“Preferiam textos semelhantes ao que transcrevemos acima a outros nos quais o próprio Isaías, mais adiante, profetizava, como, por exemplo, no capítulo 53 de seu livro, versículos 3, 4 e 5: 'Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e como um de quem os homens esconderam o rosto, era desprezado, e dele não fizeram caso. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados!'”. (p. 149).
Transcrevemos do nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de Jesus?”:
Os versículos compreendidos entre Isaías 52,13–53,12, ou seja, do versículo 13 do capítulo 52 ao versículo 12 do capítulo 53, são explicados da seguinte forma:
Apresentam o Servo sofrendo vicariamente pelos pecados dos homens. A interpretação judaica tradicional entende a passagem como uma referência ao Messias, como, é claro, fizeram os primeiros cristãos, que criam ser Jesus o referido Messias (At. 8,35). Não foi senão no século XII que surgiu a opinião de que o Servo aqui se refere à nação de Israel, opinião que se tornou dominante no Judaísmo. O Servo, todavia, é distinto do “meu povo” (53,8), e é uma vítima inocente, algo que não se podia dizer da nação (53,9). (Bíblia Anotada, p. 905).
Interessante que querem, de todas as maneiras, desvirtuar o texto para aplicá-lo a Jesus, quando, em verdade, se refere especificamente à nação de Israel.
Também encontramos:
Os capítulos 40-55 foram escritos por profeta anônimo, na época do exílio na Babilônia, apresentando uma mensagem de esperança e consolação. Esse profeta é comumente chamado Segundo Isaías. O fim do exílio é visto como um novo êxodo e, como no primeiro, Javé será o condutor e a garantia dessa nova libertação. O povo de Deus, convertido, mas oprimido, é denominado “Servo de Javé”. (Bíblia Pastoral, p. 947, grifo nosso).
Veja que até divergem quanto à questão da palavra “Servo”. Essa divergência se torna ainda mais inexplicável, pois ambas as Bíblias que foram consultadas, segundo dizem, são a “palavra de Deus” e de “tradução diretamente dos originais”.
Essa informação também a podemos confirmar e Ehrman, que disse:
Há mais de cem anos, os estudiosos se deram conta de que os capítulos 40 a 55 do livro de Isaías não poderiam ter sido escritos pelo mesmo autor responsável pelos primeiros 39 capítulos (ou a maior parte deles). Os primeiros capítulos pressupõem uma situação na qual a Assíria está prestes a atacar Judá – ou seja, foram escritos no século VIII a.C. Os capítulos 40 a 55, por outro lado, pressupõem uma situação em que o reino do sul tinha sido destruído e seu povo, levado para o exílio – ou seja, meados do século VI a.C. Talvez porque os dois livros têm temas proféticos semelhantes, alguém posteriormente os somou em um único rolo, acrescentando ainda os capítulos 56 a 66, de um profeta ainda mais recente (o Terceiro Isaías), que escreveu em um terceiro contexto (EHRMAN, 2008, p. 72, grifo nosso).
Essa “profecia” de Isaías, por coerência, não deve ser aplicada a Jesus.
“[...] Herodes II, apelidado Antipas, filho de Herodes, o Grande, aquele mesmo que, com o intuito de eliminar a Jesus, ordenara a matança das crianças de até dois anos de idade”. (p. 153).
Transcrevemos de nosso texto “Jesus de Nazaré ou de Belém?”:
Será que Herodes tentou mesmo matar o menino, como é afirmado? O primeiro problema que se nos apresenta é “que Herodes faleceu quatro anos antes da era cristã” (WILSON, 2007, p. 11). Por isso essa suposta matança das crianças tem tudo para ser algo fictício, o que é fácil de perceber, pois não há um relato sequer que João Batista, a essa época com menos de dois anos, tenha sido poupado por Herodes ou que, talvez, sua família tenha também fugido para escapar dele. Quanto à idade de João Batista basta ler Lucas (1,39-44) para ver que a jovem Maria foi visitar Izabel, mãe de João, e esta, “cheia do Espírito Santo” (v. 41) reconheceu a gravidez de sua prima.
Pepe Rodríguez (1953- ), destacado jornalista de investigação, especialista em religiões comparadas, com diversos livros já publicados, dá a respeito de Mt 2,13-18, citado acima, a seguinte opinião:
Este relato é o máximo: mostra um Herodes profundamente estúpido que, apesar de “perturbado” com a notícia do nascimento de um rei messias que podia destroná-lo (Mt 2,3-5), se revela incapaz de enviar os seus soldados a Belém, situada a pouca distância do seu palácio, para o prender e, em lugar de mandar, ao menos, algum dos seus muitos espias da corte para que o informassem com diligência, ficou à espera das notícias de três magos desconhecidos que se haviam declarado adoradores do recém-nascido. Um recém-nascido que, conforme conta Mateus, já podia ter perto de dois anos, o que nos leva a perguntar: passou Jesus os seus dois primeiros anos num estábulo à espera dos magos?, ficou Herodes durante esses dois anos à espera dos magos sem tomar qualquer medida, mesmo depois de esse prazo ter passado?, eram tão idiotas os soldados de Herodes que não soubessem distinguir entre um recém-nascido e uma criança mais crescida, a ponto de Herodes ter de os mandar assassinar todos os nascidos “de dois anos para baixo”?
Contrariamente ao que nos fazem crer Mateus, os dados históricos reais dizem-nos que Herodes não era um rei papa-açorda e sanguinário. Muito pelo contrário. Mas, ao silenciarem os factos descritos por esse evangelho, dizem-nos também que Mateus está a mentir. Não aparecem relatados em lado algum; nem mesmo nas Antiguidades Judaicas ou em qualquer outra das obras documentadas do historiador judeu Flávio Josefo (c. 37-103 d.C.): este autor, que lutou contra os Romanos na guerra judaica, nunca deixou passar em silêncio os massacres cometidos contra o seu povo, sendo assim impossível não ter contado – num relato minucioso, como são todos os seus – a notícia da matança das crianças, se esta tivesse efetivamente acontecido (15).
Esta lenda, como restante mito evangélico sobre Jesus, é falsa. Na sua origem contam-se antigas tradições pagãs. Como é óbvio, foi introduzida por Mateus – o único texto canónico em que aparece – por um motivo muito concreto: reforçar a credibilidade do mito básico do cristianismo, mostrando como este dá cumprimento a duas supostas profecia sobre o Messias.
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(15) Por outro lado, dado que os Judeus, submetidos ao Império Romano, não podiam aplicar a pena de morte aos seus próprios concidadãos, sem uma autorização explícita do governador imperial, não é razoável pensar-se que Herodes tenha ordenado a matança, como não é provável, caso tal tivesse acontecido, que o rei judeu não tivesse sido castigado pela autoridade romana.
(RODRÍGUEZ, 2007, p. 110-111, grifo nosso).
Observe, caro leitor, que nem a essa época Herodes existia; portanto, tal fato é, na verdade, pura ficção. Mas qual seria a intenção dos autores dos Evangelhos? Vejamos:
[…] Em todo caso, nisso há também o enredo literário, amplamente difundido, da criança eleita que, por essa sua condição, fica exposta a muitos perigos; esse motivo reaparece em diversas personalidades da Antiguidade (por exemplo, como Sargão de Akkad, Moisés, Ciro, o Grande, e até o Imperador Augusto), bem como em figuras da mitologia antiga (é só pensar em Édipo, mutilado e banido por seu pai, Laio). Assim, hoje em dia usa-se de um cuidado bem maior do que outrora na apreciação da historicidade do infanticídio de Belém e, antes, tende-se a considerar o relato em questão como uma tentativa, condicionada à mentalidade contemporânea que visa realçar a importância de Jesus, pelos meios usados na época (para tanto, existe ainda uma certa autenticidade história, representada pelas atitudes efetivamente tomadas por Herodes em sua contenda com os fariseus por causa do Messias. […] No entanto, há ainda mais. O relato do infanticídio de Belém estabeleceu um nexo entre Jesus e Moisés, pois também desse último a Bíblia conta como escapou, milagrosamente, de perseguições idênticas, sofridas por parte do faraó egípcio (Êx 1,15, 2.10) (KELLER, 2000, p. 366).
Essa opinião de Werner Keller (1909-1980), para nós, é uma probabilidade bem evidente para o caso da suposta matança dos bebês em Belém, por ordem de Herodes.
“Por ordem de Tibério César, estava sendo realizado um recenseamento dos judeus e todos, onde estivessem, sem exceção, deveriam se dirigir a Jerusalém. Era como se, através daquela providência, o mundo estivesse prestando contas de si mesmo, ante a iminente chegada do Senhor. (p. 158).
Do que pudemos levantar, o imperador de Roma, à época de Jesus, era Augusto César, que reinou de 16 de janeiro de 27 a.C. a 19 de agosto de 14 d.C. Foi sucedido por Tibério Júlio César, que, por sua vez, governou Roma de 18 de setembro de 14 a 16 de março de 37. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto e http://pt.wikipedia.org/wiki/Tib%C3%A9rio).
O episódio do recenseamento entra nos relatos bíblicos, certamente, para fazer o casal José e Maria se dirigirem à Belém, local, segundo alguns acreditavam, nasceria o Messias. Então, ficamos absolutamente sem entender porque o autor espiritual coloca a necessidade do povo se dirigir a Jerusalém para participar do recenseamento.
Robin Lane Fox (1946- ), afirma que:
O erro, até agora, pode parecer bastante marginal. O terceiro Evangelho limitou-se apenas a confundir um recenseamento local na Judeia com um decreto universal de Augusto; tentou datar a história com base num obscuro governador chamado Quirino, enquanto em outros lugares, como no Evangelho Segundo Mateus, o relato ocorre sob o reinado de Herodes, o Grande. Na verdade, porém, o problema é bem mais profundo. Há uma contradição na história de Lucas: se Quirino era governador, o recenseamento romano é crível, mas se quem governava era Herodes é um erro. Também aparece uma contradição com a história contada por Mateus: se Quirino ou o recenseamento romano estiver correto, Herodes não era rei, e as histórias contadas por Mateus falando de Magos, da Matança dos Inocentes e da Fuga para o Egito são todas cronologicamente impossíveis. Se Herodes era rei, não podia ter havido um recenseamento por ordem de César Augusto. Mesmo que esse recenseamento tenha ocorrido, a visão que o terceiro Evangelho nos apresenta dele incorre em novos problemas.
[…] Na visão do Evangelho, José descendia de Davi, e por isso foi para Belém, a “cidade de Davi”, um local de nascimento adequado para um futuro Messias. Os censos romanos, porém, pouco se importavam com as genealogias remotas, ainda mais quando eram falsas: baseavam-se na posse de propriedade pelos vivos, e não pelos mortos. […] José e Maria eram de Nazaré da Galileia, a cidade natal que mais tarde rejeitará seu profeta, Jesus. Um censo romano não teria levado José a Belém, onde ele e Maria não possuíam nada e portanto precisariam hospedar-se numa taverna. Havia razões sólidas para o tipo de registro empregado pelos romanos. O recenseamento era a base que utilizavam para pelo menos dois tipos de tributos: um tributo por cabeça e uma taxa que incidia sobre vários tipos de propriedades. Não havia nem mesmo a necessidade de Maria ir registrar-se junto com seu marido. […] (FOX, 1996, p. 29-30, grifo nosso).
Podemos acrescentar a opinião de Geza Vermes (1924- ):
Não há registro de nenhum censo imperial geral na época de Augusto. Houve um recenseamento fiscal na Judeia em 6/7 d.C. sob Quirino, governador da Síria, após a deposição de Herodes Arquelau e a transformação da sua etnarquia na província romana da Judeia. Porém, nenhum censo romano teria sido imposto a um rei dependente como Herodes, e tampouco Quirino foi governador da Síria durante a vida de Herodes. Finalmente, mesmo que tenha havido um censo na época do nascimento de Jesus, José não teria sido obrigado, sob as leis romanas, a viajar para a terra ancestral da sua tribo, e tampouco Maria teria sido obrigada a acompanhá-lo. Lucas parece ter combinado o censo que de fato houve sob Quirino, cerca de doze anos após o nascimento de Jesus, com o seu roteiro teológico. (VERMES, 2006b, p. 255, grifo nosso).
Temos aí um registro totalmente duvidoso, que, de acordo com os conhecimentos atuais da época de Jesus, nos dão conta de que é invenção; porém, o caso se agrava quando um autor espiritual quer sancioná-lo como verdadeiro.
“Interessante registrar que, naquela época do recenseamento, o Império Romano estava comemorando, como fazia a cada ano, as festividades do Natalis Invicti Solis – o nascimento do Sol Invencível, que acontecia de 21 a 25 de dezembro, quando do chamado 'solstício do inverno boreal'. Portanto, simbolicamente, não haveria mesmo tempo mais propício para o nascimento d'Aquele que é o Sol das Almas e a Luz do Mundo!” […]. (p. 160).
Simbolicamente pode representar alguma coisa; porém, como fato histórico, é totalmente inverídico, pois Jesus, a bem da verdade, não nasceu em 25 de dezembro. Vejamos o que encontramos a respeito do que dizem do dia do nascimento de Jesus:
Quanto ao 25 de dezembro, ele só foi adotado por volta de 330 d.C. Nessa data, ocorria em Roma a festa pagã do Solis Invictus, o Sol Invencível. Comemorado logo após o solstício de inverno – quando o percurso aparente do Sol ocupa sua posição mais baixa no firmamento –, o festival homenageava o reinício do deslocamento da trajetória solar para o alto do céu, de onde os raios da estrela voltaram a aquecer generosamente a Terra. Frustrados na tentativa de acabar com a festa, os cristãos resolveram apropriar-se dela. (ARANTES, 2003, p. 12-21, grifo nosso).
[…] Nada sabemos do dia certo de seu nascimento. Clemente de Alexandria (c. 200) cita várias opiniões a respeito; alguns cronologistas põem o nascimento de Cristo no dia 19 de abril, outros em 20 de maio; e Clemente em 17 de novembro do ano 3 a.C. Lá pelo século 2º os cristãos orientais celebravam o Natal no dia 6 de janeiro. Em 354 igrejas ocidentais, incluindo as de Roma, celebrava-se o Natal a 25 de dezembro; era uma data errônea dada como o solstício do inverno, em que os dias começam a encompridar; data já da festa central do mitraísmo, o natalis invicti solis, ou aniversário do sol invencível. As igrejas orientais ficaram-se no 6 de janeiro e acusaram suas irmãs ocidentais de adoração do sol e idolatria, mas no fim do século 4º o 25 de dezembro foi também adotado no Oriente. (DURANT, 1957, p. 239, grifo nosso).
O atual costume de se celebrar o Natal no dia 25 de dezembro parece não ter sido instituído antes do ano 353 ou 354, em Roma, sob o Papa Libério: possivelmente para absorver o festival do advento de Mitra, nesse dia, nascido de um rochedo. Porque 25 de dezembro marcava naqueles séculos o solstício de inverno. De maneira que Cristo, então, como Mitra e o Imperador de Roma, podia ser reconhecido com o sol ascendente. Temos, portanto, dois mitos e duas datas do episódio da Natividade, 25 de dezembro e 6 de janeiro, com vínculos que apontam por um lado para o domínio persa e, por outro, para a esfera egípcia. (CAMPBELL, 2008, p. 278, grifo nosso).
Foi só em meados do século IV d.C. que os cristãos começaram a celebrar o Natal no dia 25 de dezembro. Antes, a data marcava uma festa pagã, do nascimento do deus-sol no solstício de inverno. Foi uma retaliação deliberada dos cristãos da parte ocidental do Império romano escolher essa data para a festa do nascimento do seu novo deus, Cristo. Nem todos os cristãos concordaram. Na parte oriental do Império, outros cristãos fixaram a data da Natividade em 6 de janeiro, dia de outra grande festa pagã. Se os pagãos tinham grandes festas em que todos ficavam em casa, os cristãos, ainda em minoria, também precisavam de alguma, para que seus membros tivessem suas próprias celebrações. O Natal, assim, estabeleceu-se em nosso calendário não devido a uma certeza, mas devido a um conflito, a uma batalha de festividades travada entre os cristãos e a maioria pagã em meio à qual viviam. (FOX, 1996, p. 34, grifo nosso).
São, portanto, vários estudiosos que afirmam não ser o dia 25 de dezembro a data real do nascimento de Jesus; foi escolhida apenas para apagar a comemoração pagã do Solis Invictus.
“Por aquele tempo, nas planícies da Caldeia, no alto de uma torre, um homem que estudava o movimento dos astros […]. Era Baltasar, o astrônomo, chefe de uma tribo nômade, que, de repente, observava inusitado fenômeno, como se, depois de se aglomerarem em determinado ponto do Cosmos, aquelas estrelas, fundindo-se em uma só, precipitaram-se na direção da Terra, qual se o espesso véu da noite se rasgasse de cima em baixo.
De imediato, na companhia de outros dois chefes, Gaspar e Melquior, aprontando os camelos, ele se dispõe a empreender a longa jornada, porque, estudioso das Profecias que os hebreus haviam deixado em seu cativeiro na Babilônia, também acreditavam na iminente vinda do Messias ao mundo”. (p. 161-162).
“Chegando a Jerusalém, com suas vestes exóticas, chamavam a atenção de todos, também porque começaram a indagar aos transeuntes se algum deles, porventura, saberia lhes informar a respeito do nascimento de certa criança destinada a ser o rei dos judeus. […] (p. 162).
Transcrevemos no nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de Jesus?”:
Mateus dá notícia de que magos do Oriente vieram adorar o menino Jesus, oferecendo-lhe presentes: ouro, incenso e mirra, numa correspondência ao Salmo 72 de Salomão.
Luís Alonso Schökel (1920-1998), tradutor da Bíblia do Peregrino, diz que esses magos eram astrólogos (p. 2320). Na Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas já acontece o contrário, usam o termo astrólogos e em nota dizem “ou magos” (p. 1135).
Que ironia do destino, pois em Dt 18,9-14 proíbe-se, entre outros, consultar magos e astrólogos e aqui são exatamente eles que vieram para adorar a Jesus. Para salvar a pátria, tentam justificar:
Uns magos do oriente. Os magos eram astrólogos ou mágicos, às vezes o termo incluía os que trabalhavam em outras ciências, as quais na época tinham pouco a ver com o “espírito científico”, e incluíam a superstição, a magia e impostura. O comentário que os antigos pais da Igreja fizeram sobre esta cena, é que representa a astrologia e a magia curvando-se perante Cristo, reconhecendo que a iluminação de Cristo dissipa as trevas da falsa sabedoria. As lendas populares atribuíam nomes a estes magos, fazendo deles três reis orientais; talvez o número de presentes (v 11) e uma aplicação do Sl 72,10-11, levaram a estas conjecturas, porém o evangelho não se detém nestes assuntos. (Bíblia Shedd, p. 1329, grifo nosso).
A aplicação do Salmo 72 é algo sem sentido, porquanto, ele trata apenas de uma “oração pelo rei, lembrando a função da autoridade e desejando que o rei a realize” (Bíblia Sagrada – Pastoral, p. 747, grifo nosso). Encontramos também esta outra explicação:
Sl 72 (71). Salmo da realeza, augurando ao novo rei, no dia de sua entronização, justiça perfeita e paz imperturbável, êxito nas campanhas militares, especial solicitude pelos indefesos e muita prosperidade, da qual se beneficiarão todos os povos da terra. […] (Bíblia Sagrada – Vozes, p. 709, grifo nosso).
Então o salmo citado não é uma profecia, porém, uma oração dirigida a Deus a favor do rei que está sendo entronizado; no caso, Salomão.
Sobre o assunto, Russell Norman Champlin (1933- ), tece as seguintes considerações: “A VISITA DOS MAGOS: Este relato não tem paralelo em qualquer outro documento cristão conhecido por nós. É impossível dizer onde Mateus, autor deste evangelho, colheu esse material, mas talvez devêssemos atribuí-lo a 'M'”. […]. (RUSSEL, p. 277).
Mais uma história inventada para enaltecer o personagem Jesus.
“Com receio de que ali mesmo fossem sumariamente executados, os exegetas lhe responderam com o que está escrito no livro de Miqueias:
- Segundo foi revelado, em Belém de Judá! - 'E tu, Belém, na terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades principais de Judá; porque de ti surgirá o chefe que há de governar o meu povo Israel!'”. (p. 163).
Transcrevemos de nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de Jesus?”:
Nesta segunda profecia, perceberemos que, simplesmente, pegaram parte de um texto, que, fora do seu contexto, se aplica muito bem aos seus propósitos, mas cuja realidade é completamente outra. Para elucidar essa questão, vejamos a sequência da passagem: “Pois Deus os entrega só até que a mãe dê à luz, e o resto dos irmãos volte aos israelitas. De pé, ele governará com a própria força de Javé, com a majestade e o nome de Javé, seu Deus. E habitarão tranquilos, pois ele estenderá o seu poder até as extremidades da terra. Ele próprio será a paz. Se a Assíria invadir o nosso território e quiser pisar o interior de nossos palácios, poremos em luta contra eles sete pastores e oito comandantes. Eles vão governar a Assíria com espada, a terra de Nemrod com punhal. Ele nos livrará da Assíria, se invadirem o nosso território, se atravessarem nossas fronteiras” (Mq 5,2-5).
A pessoa de quem Miqueias está falando é a que livrará o povo hebreu da Assíria. Nas pesquisas que fizemos não conseguimos estabelecer, com precisão, quem era. O mais provável, é que seja Ezequias, filho do rei Acaz, Rei de Judá (721-693 a.C.), já que a profecia anterior, conforme pudemos constatar, se refere a ele.
James D. Tabor, em A dinastia de Jesus: a história secreta das origens do cristianismo, deixa-nos algo importante, para nosso estudo; leiamos:
Existem estudiosos do Novo Testamento que duvidam da validade histórica até mesmo desse arcabouço básico, especialmente da história do nascimento de Jesus em Belém. Sustentam que a história de Belém foi provavelmente acrescentada para dar crédito a Jesus como Messias descendente de Davi, já que Belém era a cidade de Davi. Existem certos indícios de que a questão do local do nascimento de Jesus, na Galileia ou na Judeia, tornou-se uma questão de controvérsia e discussão dentro de grupos judeus (consulte João 7:40-44). (TABOR, 2006, p. 336, grifo nosso).
Quanto mais aprofundamos nas pesquisas, mais e mais se complicam as coisas, para os que querem sustentar a veracidade de tudo quanto consta na Bíblia.
A Revista Superinteressante, nº 183, traz um artigo esclarecedor intitulado “Quem foi Jesus?”, assinado por Rodrigo Cavalcante (?- ), do qual ressaltamos:
[...] E o segundo problema, ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. “Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré”, diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é uma forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. No caso de Jesus, ele explica, a referência a Belém é feita para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento – que, segundo a tradição, teria nascido lá. (CAVALCANTE, 2002, p. 43, grifo nosso).
Não há como contestar os dados da história; não é mesmo? Porém, podemos ir mais longe e provar que na própria Bíblia encontramos passos que nos dão conta de que não sabiam de onde viria o Messias. Vejamos isso em Jo 7,25-27: “Algumas pessoas de Jerusalém comentavam: 'Não é este que estão procurando para matar? Ele está aí falando em público, e ninguém diz nada! Será que até as autoridades reconheceram que ele é o Messias? Entretanto, nós sabemos de onde vem esse Jesus, mas, quando chegar o Messias, ninguém saberá de onde ele vem'”.
O que é bem interessante é que também em João temos informações de que Jesus não era mesmo visto como nascido em Belém, mas em Nazaré; veja, caro leitor: Jo 7,41: “Outros diziam: 'Ele é o Messias'. Outros ainda afirmavam: 'Mas o Messias virá da Galileia?” e Jo 7,52: “Eles responderam: 'Você também é galileu? Estude e verá que da Galileia não sai profeta'”. Em ambas se confirma que Jesus é da Galileia, região onde está localizada a cidade de Nazaré. Na primeira é até mesmo afirmado, ainda que de forma indireta, que Jesus não é de Belém, fato que outros autores perceberam, como, por exemplo, A. N. Wilson (1950- ):
[…] Podemos observar, no entanto, que o Quarto Evangelho (de São João) afirma com toda clareza que Jesus não nasceu em Belém e que não fazia parte da linhagem de Davi.(2). Nesse Evangelho, as multidões não acreditavam na possibilidade de que ele seja o Messias porque veio da Galileia, e não de Belém. […]
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2. João, 7:42.
(WILSON, 2007, p. 99, grifo nosso).
Então a coisa se complicou: Jesus não nasceu em Belém, mas em Nazaré e, além disso, não era da descendência de Davi. Isso é até óbvio, pois, se o têm como gerado pelo Espírito Santo, para ser descendente de Davi José haveria de ser o seu pai carnal, vamos assim dizer.
Ao se aprofundar nas pesquisas, mais invenções saem à tona.
“Chegando ao pequenino burgo, não tiveram dificuldade alguma em descobrir onde Jesus, na companhia de seus pais, se encontrava. Admirando-se da singeleza da improvisada hospedaria que os albergava e, um tanto confusos, não sabiam o que pensar daquela situação; todavia, assim que se aproximaram da manjedoura onde, já um tanto crescido, o menino repousava, o bem-estar que passaram a experimentar era indizível e, espontaneamente, prostraram-se de joelhos ao chão, passando a reverenciá-lo”. (p. 164).
De nosso texto “Nascido de uma virgem”, transcrevemos:
Carpenter lista também vinte e uma semelhanças da história de Jesus com histórias antigas de deuses, o que não deixa de ser algo surpreendente; vejamos o que ele diz:
A história de Jesus, como vemos, tem muita semelhança com as histórias dos antigos deuses Sol e com o percurso atual do Sol nos céus – tantas coincidências, que não podem ser atribuídas à mera coincidência ou até mesmo a blasfêmias do Demônio! Vamos enumerar algumas delas. Há (1) o nascimento da Virgem; (2) o nascimento na manjedoura (caverna ou câmera subterrânea); e (3) em 25 de dezembro (logo depois do Solstício de Inverno). Há (4) a Estrela do Leste (Sírio) e (5) a chegada dos magos (os "Três Reis"); há (6) o Massacre dos Inocentes, e o voo para um país distante (dito também de Krishna e outros deuses Sol). Há os festivais da Igreja de (7) Candelária (2 de fevereiro), com procissões das velas para simbolizar a luz crescente; há (8) a Quaresma, ou a chegada da primavera; há o (9) dia de Páscoa (normalmente em 25 de março) para celebrar a travessia do Equador pelo Sol; e (10) simultaneamente a explosão de luzes no Sepulcro Sagrado em Jerusalém. Há (11) a Crucificação e a Morte do carneiro-deus, na sexta-feira santa, três dias antes da Páscoa; há (12) a prisão feita com pregos em uma árvore, (13) o túmulo vazio, (14) a Ressurreição (nos casos de Osíris. Attis e outros); há (15) os doze discípulos (os signos do Zodíaco); e (16) a traição de um dos doze. Depois, há (17) o Dia do Meio do Verão, o dia 24 de junho, dedicado ao nascimento de João Batista, e correspondente ao dia de Natal; há as festas da (18) Assunção da Virgem (15 de agosto) e do (19) nascimento da Virgem (8 de setembro), correspondentes ao movimento do Sol por Virgem; há o conflito de Cristo e seus discípulos com os asterismos outonais, (20) a Serpente e o Escorpião; e finalmente há um fato curioso de que a Igreja (21) dedica o dia do Solstício de Inverno (quando qualquer um pode, naturalmente, duvidar do renascimento do Sol) a São Tomé, que duvidava que a Ressurreição fosse verdadeira! Algumas coincidências, mas não todas, estão em questão. Mas elas são suficientes, acredito eu, para provar – mesmo permitindo possíveis margens de erro – a verdade de nossa contenção geral. Entrar no paralelismo dos caminhos de Krishna, o deus Sol indiano, e Jesus demoraria muito tempo; porque, de fato, a semelhança é muito grande." Eu proponho, no entanto, ao final deste capítulo, que nos aprofundemos um pouco na festa cristã da Eucaristia, em parte por causa de sua relação com a derivação de rituais astronômicos e celebrações da Natureza já referidas, e em parte por causa da luz que a festa geralmente, seja ela cristã ou pagã, joga sobre as origens da Mágica Religiosa – um assunto que devo abordar no próximo capítulo. (CARPENTER, 2008, p. 35-36) (grifo nosso).
Então, poderemos dizer que qualquer semelhança não é mera coincidência.
“Sem vacilar, José parte para o Baixo Egito, onde deveria permanecer até que o mesmo Anjo, em outra aparição, o avisa da morte de Herodes e o libera para voltar, cumprindo assim o que fora escrito no livro de Oseias, capítulo 11, versículo 1: 'Do Egito chamarei meu Filho!'”. (p. 166).
Transcrevemos de nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de Jesus?”:
A explicação é que “Oseias compara a relação entre Deus e Israel como a relação que existe entre pai e filho” (Bíblia Pastoral, p. 1173). Veja como a passagem deixa isso bem claro. Trata-se, portanto, da libertação do povo judeu (chamado de Israel), quando Deus, através do profeta Moisés, tira esse povo da subjugação dos egípcios. E para confirmar isso, vejamos, em sequência, os versículos 2 a 11:
e no entanto, quanto mais eu chamava, mais eles se afastavam de mim: ofereciam sacrifícios aos baais, queimavam incenso aos ídolos. E não há dúvida, fui eu que ensinei Efraim a andar, segurando-o pela mão. Mas eles não perceberam que era eu quem cuidava deles. Eu os atraí com laços de bondade, com cordas de amor. Fazia com eles como quem levanta até seu rosto uma criança; para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles. Voltarão para a terra do Egito, a Assíria será o seu rei, porque não quiseram converter-se. A espada devastará suas cidades, exterminará seus filhos e demolirá suas fortalezas. O meu povo é difícil de se converter: é chamado a olhar para o alto, mas ninguém levanta os olhos. Como poderia eu abandoná-lo, Efraim? Como haveria de entregar você a outros, Israel? Será que eu poderia tratá-lo como a Adama? Eu poderia tratá-lo como a Seboim? O meu coração salta no meu peito, as minhas entranhas se comovem dentro de mim. Não me deixarei levar pelo ardor da minha ira, não vou destruir Efraim. Eu sou Deus, e não um homem. Eu sou o Santo no meio de você, e não um inimigo devastador. Eles seguirão a Javé. E Javé rugirá como um leão. E quando ele rugir; eles virão voando como pássaros; como pombos, eles virão do país da Assíria. Então eu os farei morar nas suas próprias casas – oráculo de Javé”.
Na narrativa, que acabamos de colocar, a fala está sendo dirigida ao povo de Israel, não resta a menor dúvida. O que consta do versículo 1, fora deste contexto, modifica completamente o sentido que se deve dar à expressão “meu filho”; mas a citação do texto isolado parece ter sido de propósito, para se dar a ideia de que é a respeito de Jesus que se fala, já que esse era o objetivo que buscavam atingir.
Temos uma informação estonteante vinda de Werner Keller: “inexiste prova histórica ou arqueológica da ‘fuga para o Egito’” (KELLER, 2000, p. 366).
“Ao saber que fora iludido pelos reis do Oriente, Herodes, completamente possuído pelas forças das Trevas, em total insanidade, ordena a matança de todos os meninos de Belém e arredores que contassem de dois anos para baixo”. (p. 166).
Transcrevemos do nosso texto “Jesus de Nazaré ou de Belém?”:
Pepe Rodríguez (1953- ), destacado jornalista de investigação, especialista em religiões comparadas, com diversos livros já publicados, dá a respeito de Mt 2,13-18, citado acima, a seguinte opinião:
Este relato é o máximo: mostra um Herodes profundamente estúpido que, apesar de “perturbado” com a notícia do nascimento de um rei messias que podia destroná-lo (Mt 2,3-5), se revela incapaz de enviar os seus soldados a Belém, situada a pouca distância do seu palácio, para o prender e, em lugar de mandar, ao menos, algum dos seus muitos espias da corte para que o informassem com diligência, ficou à espera das notícias de três magos desconhecidos que se haviam declarado adoradores do recém-nascido. Um recém-nascido que, conforme conta Mateus, já podia ter perto de dois anos, o que nos leva a perguntar: passou Jesus os seus dois primeiros anos num estábulo à espera dos magos?, ficou Herodes durante esses dois anos à espera dos magos sem tomar qualquer medida, mesmo depois de esse prazo ter passado?, eram tão idiotas os soldados de Herodes que não soubessem distinguir entre um recém-nascido e uma criança mais crescida, a ponto de Herodes ter de os mandar assassinar todos os nascidos “de dois anos para baixo”?
Contrariamente ao que nos fazem crer Mateus, os dados históricos reais dizem-nos que Herodes não era um rei papa-açorda e sanguinário. Muito pelo contrário. Mas, ao silenciarem os factos descritos por esse evangelho, dizem-nos também que Mateus está a mentir. Não aparecem relatados em lado algum; nem mesmo nas Antiguidades Judaicas ou em qualquer outra das obras documentadas do historiador judeu Flávio Josefo (c. 37-103 d.C.): este autor, que lutou contra os Romanos na guerra judaica, nunca deixou passar em silêncio os massacres cometidos contra o seu povo, sendo assim impossível não ter contado – num relato minucioso, como são todos os seus – a notícia da matança das crianças, se esta tivesse efetivamente acontecido (15).
Esta lenda, como restante mito evangélico sobre Jesus, é falsa. Na sua origem contam-se antigas tradições pagãs. Como é óbvio, foi introduzida por Mateus – o único texto canónico em que aparece – por um motivo muito concreto: reforçar a credibilidade do mito básico do cristianismo, mostrando como este dá cumprimento a duas supostas profecias sobre o Messias.
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(15) Por outro lado, dado que os Judeus, submetidos ao Império Romano, não podiam aplicar a pena de morte aos seus próprios concidadãos, sem uma autorização explícita do governador imperial, não é razoável pensar-se que Herodes tenha ordenado a matança, como não é provável, caso tal tivesse acontecido, que o rei judeu não tivesse sido castigado pela autoridade romana.
(RODRÍGUEZ, 2007, p. 110-111, grifo nosso).
Por outro lado, segundo o escritor Werner Keller (1909-1980), inexiste prova histórica ou arqueológica da ‘fuga para o Egito’”. (KELLER, 2000, p. 366). Sobre esse assunto, não nos estenderemos, porquanto, já o estudamos, pormenorizadamente, em nosso texto “A fuga do Egito”, disponível em nosso site www.paulosnetos.net, o qual sugerimos a você, caro leitor, a sua leitura.
Os tradutores da Bíblia de Jerusalém explicam essa narrativa como sendo uma tentativa de se fazer um paralelo anterior na infância de Moisés, descrita pelas tradições rabínicas: segundo estas, quando o nascimento da criança foi anunciado, por meio de visões, ou por intermédio dos mágicos, o Faraó mandou chacinar as crianças recém-nascidas (Bíblia de Jerusalém, p. 1705-1706).
Vejamos esse episódio em Flávio Josefo (37-103 d.C.), o historiador hebreu:
[…] Um dos doutores da sua lei, ao qual eles dão o nome de escribas das coisas santas e que passam entre eles por grandes profetas, disse ao rei que naquele mesmo tempo deveria nascer um menino entre os hebreus, cuja virtude seria admirada por todo o mundo, pois aumentaria a glória de sua nação e humilharia o Egito, e cuja reputação seria imortal. O rei, assustado com a predição e seguindo o conselho daquele que lhe fazia essa advertência, publicou um edito pelo qual ordenava que se deveriam afogar todas as crianças hebreias do sexo masculino e ordenou às parteiras do Egito que observassem exatamente quando as mulheres fossem dar à luz, porque não confiava nas parteiras de sua nação. Esse edito ordenava também que aqueles que se atrevessem a salvar ou criar alguma dessas crianças seriam castigados com a pena de morte, juntamente com toda a família. (JOSEFO, 2003, p. 79, grifo nosso).
O paralelo entre os dois personagens – Moisés e Jesus – é evidente: ambos representavam problemas políticos no futuro, com a possibilidade de virem a querer ocupar os cargos dos mandatários.
Em relação à morte das crianças, Keller explica o seguinte:
Assim, hoje em dia usa-se de um cuidado bem maior do que outrora na apreciação da historicidade do infanticídio de Belém e, antes, tende-se a considerar o relato em questão como uma tentativa, condicionada à mentalidade contemporânea que visa realçar a importância de Jesus, pelos meios usados na época (para tanto, existe ainda uma certa autenticidade histórica, representada pelas atitudes efetivamente tomadas por Herodes em sua contenda com os fariseus, por causa do Messias. Veja o fim do capítulo precedente). No entanto, há ainda mais. O relato do infanticídio de Belém estabeleceu um nexo entre Jesus e Moisés, pois também desse último a Bíblia conta como escapou, milagrosamente, de perseguições idênticas, sofridas por parte do faraó egípcio (Êxodo 1.15, 2.10). (KELLER, 2000, p. 366, grifo nosso).
Corroborando o que foi dito acima, transcrevemos, respectivamente, de Roberto Carneiro Puccinelli Junior (1960- ), escritor, espiritualista e mestre em ciências e Bart D. Ehrman (1955- ), Ph.D. em Teologia pela Princeton University, que dirige o Departamento de Estudos Religiosos da University of North Carolina, Chapel Hill. É especialista em Novo Testamento, igreja primitiva, ortodoxia e heresia, manuscritos antigos e da vida de Jesus; é a maior autoridade em Bíblia do mundo:
Outro exemplo é a matança de meninos de até dois anos, que teria sido ordenada por Herodes “em Belém e todo seu território” (Mt2:16). Mateus faz uso aqui de tradições rabínicas sobre a vinda de Moisés, segundo as quais tão logo o nascimento da criança foi anunciado por meio de visões e anúncios dos magos, o faraó teria mandado chacinar crianças recém-nascidas do sexo masculino (*). Também se observa um paralelo com o livro do Êxodo, quando o rei do Egito manda as parteiras assistentes do povo hebreu assassinar todo recém-nascido menino e poupar a vida das meninas. Conforme explica Roselis von Sass em “O Livro do Juízo Final”, Jesus nasceu em 12 a.C., data confirmada também pelo Dr. Jerry Vardaman, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade do Mississípi e professor de religião. Nessa época, Herodes não estava preocupado com o nascimento de nenhum Messias, mas sim com dois de seus filhos que, segundo imaginava, tramavam a sua morte. Nesse ano ele foi com os filhos até Roma para que o imperador Augusto decidisse a questão, o qual não viu indícios de nenhuma rebelião e reconciliou pai e filhos. Ainda nesse ano de 12 a.C., Herodes presidiu a edição dos Jogos Olímpicos e até deu dinheiro do próprio bolso para garantir o sucesso do empreendimento. De preocupações com o Messias nascido, nem sinal.
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(*) O faraó de fato tencionava matar os hebreus recém-nascidos do sexo masculino, mas não para se ver livre de uma criança chamada Moisés, e sim porque achava que o povo escravizado estava se tornando muito numeroso, o que poderia ser perigoso para o país. Ao leitor que desejar conhecer detalhes dessa história indicam-se as obras Aspectos do Antigo Egito ou Moisés, ambas publicadas pela Editora Ordem do Graal na Terra.
(PUCCINELLI JUNIOR, 2006, p. 192-193, grifo nosso).
Quanto ao registro histórico, também devo chamar a atenção para o fato de que não há nenhum relato, em qualquer fonte antiga, sobre o rei Herodes massacrar crianças em Belém, ou em seus arredores, ou em qualquer outro lugar. Nenhum outro autor, bíblico ou não, menciona isso. […](EHRMAN, 2010, p. 46, grifo nosso).
Para nós, fica nítido que a fuga da família de Jesus para o Egito foi utilizada também para tentar aplicar o que se supõe ser uma profecia de Oseias. Ao analisarmos a citada passagem desse profeta (Os 11,1) vemos que ela nem mesmo é uma profecia, pois, na verdade, trata-se de um fato já acontecido. Deve-se observar que o verbo “chamar” está no pretérito, o que indica fato do passado e não um evento a acontecer no futuro. Ademais, a expressão “meu filho”, usada no passo, tem como referência o povo de Israel e não alguém em particular.
Por outro lado, a matança das crianças é, por certo, uma tentativa de justificar uma suposta profecia de Jeremias (31,15). Porém, como já acontecido anteriormente, essa passagem também não é uma profecia, uma vez que se refere à tomada de Jerusalém por Nabucodonosor, rei da Babilônia, que subjuga o povo e o leva cativo para seu país; daí “o pranto de Raquel (sepultada em Ramá, perto de Belém) pelos filhos massacrados ou deportados pelos caldeus depois da destruição de Jerusalém em 596 a.C.,...” (Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, p. 1062).
Então, na opinião dos entendidos, não pode ser real essa história de que Herodes mandara matar as crianças, para, com isso, eliminar Jesus.
“– Eu sou Jesus! Meu pai, de nome José, descende da tribo de Davi. Minha mãe é Maria, também da mesma estirpe, filha de Joaquim e Ana, meus avós”. (p. 167).
Transcrevemos do nosso texto “Nascido de uma virgem”:
Ao que parece, alguns tradutores se prendem aos dogmas instituídos; como exemplo, citamos o Pe. Matos Soares, de quem trazemos essa explicação para Mt, 1,16:
José, esposo de Maria. O Evangelista, descrevendo a genealogia de São José, conforma-se com o costume hebraico de só atender aos homens nas tábuas genealógicas. Todavia, dá-nos, ao mesmo tempo, a genealogia de Jesus, visto que Maria era também descendente de Davi. – Da qual nasceu Jesus. O Evangelista não diz que José gerou Jesus, pois o Salvador foi concebido no seio de Maria, por obra do Espírito Santo. São José não foi pai natural de Jesus, mas somente pai legal, como verdadeiro e legítimo esposo de Maria. (Bíblia Paulinas, 1957, p. 1178, grifo nosso).
O texto bíblico só afirma que José era descendente de Davi (Lc 1,27), o que aliás é coerente com o costume da época de que era pelo homem que se transmitia descendência; mulher não participava disso; portanto, colocar Maria como também descendente de Davi não altera em nada essa crença, que para todos os efeitos da época Jesus só seria descendente de Davi se o seu pai o fosse. Essa informação do autor espiritual, pareceu-nos baseada na crença católica, conforme a nota acima colocada.
Vejamos que os próprios Apóstolos que redigiram os Evangelhos – Mateus, Marcos, Lucas e João – somente mais tarde, puderam fazê-lo, assim mesmo registrando apenas sublimes fragmentos das inesquecíveis lições do Senhor. [...]”. (p. 182).
Transcrevemos de nosso texto “Os nomes dos títulos dos Evangelhos designam seus autores?”:
2º) Estudiosos e exegetas
Vamos trazer alguns estudiosos e exegetas para vermos o que pensam a respeito dos autores e de outros importantes pontos dos evangelhos.
a) Léon Denis (1846-1927):
A. Sabatier, diretor da seção dos Estudos superiores, na Sorbona, “Os Evangelhos Canônicos”, pág. 5. A Igreja sentiu a dificuldade em encontrar novamente os verdadeiros autores dos Evangelhos. Daí a fórmula por ela adotada: Evangelho segundo... (DENIS, 1987, p. 26, grifo nosso).
Caso haja dúvida no que Denis informa, por ter sido ele um escritor espírita, sugerimos uma consulta direta na obra por ele mencionada.
b) Pepe Rodríguez:
A primeira coisa que salta à vista, quando nos abeiramos do Novo Testamento, é o facto de os textos que o compõem serem tão tardios. Só começaram a ser escritos num período compreendido entre o último quartel do século I d.C. e o primeiro quartel do século II d. C., à excepção das epístolas de Paulo, escritas entre 51 e 67 d.C. Mas o que parece ainda mais incompreensível e absurdo é que quem tinha muito para testemunhar nada escreveu, ou quase nada, enquanto os que nada tinham para testemunhar acabaram sendo os redactores da maior parte dos textos do cânone neotestamentário. É tão ilógico como se uma dezena de historiadores ou de jornalistas (que, propagandistas como eles, eram os apóstolos ou enviados), presente no momento em que se estava a dar o maior prodígio da história humana, tivessem ficado totalmente calados e o ocorrido não tivesse de qualquer modo ficado documentado e só tivesse sido dado a conhecer quarenta anos depois, e, ainda e apenas, através de escritores desvalorizados de um par de ajudantes de duas dessas supostas testemunhas privilegiadas. Senão vejamos:
O Evangelho de Marcos é o documento mais antigo de que dispomos sobre a vida de Jesus. Ora, Marcos não foi discípulo de Jesus, nem o conheceu pessoalmente. O que sabe sobre ele foi o que, depois da crucificação, ouviu a Pedro nas prédicas públicas. O Evangelho de Lucas e os Actos, do mesmo autor, são documentos fundamentais para conhecer a origem e o desenvolvimento da Igreja primitiva. Ora, Lucas não foi apóstolo. Também ele escreveu de ouvir dizer. Compôs os seus textos a partir de passagens que plagia de documentos anteriores e de diversas proveniências. E, por outro lado, do que havia escutado de Paulo, que não só não fora discípulo de Jesus, como até 37 d.C. – um ano depois da crucificação de Jesus – se revelara um perseguidor fanático e tenaz do cristianismo nascente.
Mateus, pelo contrário, foi apóstolo. Porém, uma parte do seu Evangelho foi escrita a partir de documentos anteriores redigidos por um outro Marcos que, esse, não fora apóstolo. Resta João Zebedeu que foi, também ele, apóstolo. Acontece, contudo, que o Evangelho de João e o Apocalipse não são obra sua, mas de um outro João. Foram escritos por um tal João, o Ancião, um grego cristão que se baseou não só em textos hebreus e essênios, como nas recordações que conseguiu obter de João, o Sacerdote, identificado como “o discípulo amado” de Jesus (mas que não é João Zebedeu), um sacerdote judeu muito amigo de Jesus que foi viver para Éfeso e onde veio a morrer em idade muito avançada. […] (RODRÍGUEZ, 2007, p. 65-66) (grifo nosso).
[…] Porém, como mostrámos no seu devido momento, o texto do Evangelho de João, escrito pelo grego João, o Ancião, em princípios do século II, revela um Jesus absolutamente deformado, que fala com uma prepotência descarada, contrariamente à humildade que o caracteriza nos relatos dos três sinópticos. […] (RODRÍGUEZ, 2007, p. 178, grifo nosso).
c) Bart D. Ehrman (1955- )
Embora evidentemente não seja o tipo de coisa que os pastores costumem contar às suas congregações, há mais de um século existe um forte consenso de que muitos dos livros do Novo Testamento não foram escritos pelas pessoas cujos nomes estão ligados a eles. […].
[…]
Por que surgiu a tradição de que esses livros foram escritos por apóstolos e por companheiros dos apóstolos? Em parte de modo a garantir aos leitores que eles foram escritos por testemunhas oculares e companheiros das testemunhas oculares. Uma testemunha ocular merece a confiança de que iria contar a verdade sobre o que realmente aconteceu na vida de Jesus. Mas a realidade é que não é possível confiar em que as testemunhas ofereçam relatos historicamente precisos. Elas nunca mereceram confiança e ainda não merecem. Se testemunhas oculares sempre fizessem relatos historicamente precisos, não teríamos a necessidade de tribunais. Quando precisássemos descobrir o que realmente aconteceu quando um crime foi cometido, bastaria perguntar a alguém. Casos reais demandam muitas testemunhas, porque seus depoimentos diferem entre si. Se duas testemunhas em um tribunal divergissem tanto quanto Mateus e João, imagine como seria difícil chegar a um veredicto.
A verdade é que todos os Evangelhos foram escritos anonimamente, e nenhum dos autores alega ser uma testemunha. Há nomes ligados aos títulos dos Evangelhos (“o Evangelho segundo Mateus”), mas esses títulos são acréscimos posteriores aos próprios livros, conferidos por editores e escribas para informar aos leitores quem os editores achavam que eram as autoridades por trás das diferentes versões. Que os títulos não são originalmente dos Evangelhos é algo que fica claro com uma simples reflexão. Quem escreveu Mateus não o chamou de “Evangelho segundo Mateus”. As pessoas que deram esse título a ele estão dizendo a você quem, na opinião delas, o escreveu. Autores nunca dão a seus livros o título de “segundo fulano”. (1)
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1. Alguns críticos de um dos meus livros anteriores, sobre o problema do sofrimento, sugeriram deturpadamente que o título “O problema com Deus” na verdade deveria ser “O problema com Deus segundo Bart Ehrman” –, mas obviamente não é como eu mesmo chamaria o livro!
(EHRMAN, 2010, p. 118-120, grifo nosso).
d) Karen Armstrong (1944- ):
"Não sabemos quem escreveu os evangelhos. Quando apareceram, eles circularam anonimamente, e só mais tarde foram atribuídos a figuras importantes da Igreja primitiva. (60) Os autores eram cristãos judeus, (61) que escreviam em grego e viviam nas cidades helenísticas do Império Romano. Eram não somente escritores criativos - cada um com suas tendências particulares -, mas também redatores competentes, que editaram materiais anteriores. Marcos escreveu por volta de 70; Mateus e Lucas no final dos anos 80, e João no final dos anos 90. Os quatro evangelhos refletem o terror e a ansiedade desse período traumático. […]
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(60) Fredricksen, Jesus, p. 19.
(61) Há uma crença muito difundida de que Lucas era gentio, mas não há prova incontestável disso.
(ARMSTRONG, 2007, p. 71, grifo nosso).
e) Juan Arias:
O último dos evangelhos, escrito por volta dos anos 90 d.C., é o de João, falsamente atribuído ao chamado “discípulo amado”, o único dos 12 do qual não se sabe se foi casado. Modernamente, no entanto, alguns autores, entre eles César Vidal, inclinam-se a aceitar a tese de que teria sido realmente escrito pelo apóstolo João. Para tanto, consideram a evidência de o evangelista aparecer como testemunha ocular de alguns fatos e que sua língua é o aramaico, embora escrevesse corretamente em grego.
César Vidal afirma que, mesmo que não fosse o apóstolo João, deveria tratar-se de algum discípulo muito próximo de Jesus. Seja como for, não se sabe ao certo quem é o autor desse evangelho, que é o mais diferente dos outros. Pode ter sido escrito pelo mesmo autor do Apocalipse. […] (ARIAS, 2001, p. 47, grifo nosso).
f) Paul Johnson (1928- ):
[…] o estudo dos textos escriturais, aplicando os novos métodos de análise histórica e com auxílio da filologia e da arqueologia, revelaram as Escrituras como uma coletânea de documentos muito mais complexa do que se havia imaginado até então – um assombroso composto de alegorias e fatos, a ser peneirado como qualquer outra peça de literatura antiga. (JOHNSON, 2001, p. 456, grifo nosso).
g) Geza Vermes (1924- ):
[…] a opinião de que o assim chamado Evangelho de João é algo especial, e que reflete, não a autêntica mensagem de Jesus ou sequer o pensamento dos seus seguidores imediatos sobre ele, mas uma teologia altamente evoluída de um escritor cristão que viveu três gerações depois de Jesus e completou o seu Evangelho nos primeiros anos do segundo século d.C. Para o crente médio, o último Evangelho é naturalmente o melhor e o mais confiável dos quatro. […] (VERMES, 2006a, p. 15-16, grifo nosso).
[...] A segunda linha de defesa teve bom êxito e sobrevive até hoje. Ela apresenta João como o biógrafo supremo de Jesus, autor do Evangelho espiritual. Familiarizado com a obra dos seus predecessores, diz-se que ele evitou deliberadamente repetir a maioria das suas histórias, exceto o relato da Paixão, que se limitou a suplementar e enriquecer os seus registros com discursos inteiros atribuídos a Jesus, e em geral a desenvolver doutrinariamente e aperfeiçoar as suas narrativas.
Nenhuma leitura crítica dos quatro Evangelhos justifica tal compreensão de João. Pois é óbvio para qualquer leitor imparcial, sem viés religioso, que, se o Quarto Evangelho está certo, seus precursores têm de estar errados, ou vice-versa. Os Sinópticos e João não podem estar simultaneamente corretos, pois o primeiro atribui a Jesus uma carreira pública que dura um ano, ao passo que João a estende em dois ou três anos, mencionando duas ou possivelmente três celebrações da Páscoa consecutivas durante o ministério de Jesus na Galileia e na Judeia. Do mesmo modo, se for exata a datação de João da crucificação na véspera da Páscoa, isto é, em 14 Nisan, os Sinópticos, que descrevem a Última Ceia como um jantar de Páscoa e situam os acontecimentos que conduzem à execução em 15 Nisan, têm de estar errados. Ou para hebraizar e adaptar apropriadamente o provérbio inglês à situação da Páscoa judaica, não é possível guardar o pão ázimo e comê-lo! (VERMES, 2006a, p. 18, grifo nosso).
A mesma opinião majoritária considera a identidade do autor indeterminável. Exceto pelo título: “segundo João”, que é ambíguo – que João? – e que somente mais tarde foi vinculado ao texto, o próprio Evangelho, do Capítulo 1 ao Capítulo 20, não menciona nenhum autor. No Capítulo 21, anexado por alguém que não era o evangelista (cf. Versículo 24), há uma tentativa de identificá-lo com “o discípulo amado de Cristo”, que se supõe tacitamente ser o pescador galileu João, filho de Zebedeu. (VERMES, 2006a, p. 19, grifo nosso).
Essas opiniões não podem ser desprezadas, pois seria o mesmo que querer tapar o Sol com a peneira.
Infelizmente, muitos expositores espíritas não sabem disso, já que afirmam que os autores dos evangelhos são aqueles constantes dos títulos.
“[...] O testemunho do célebre médico grego, pois, autentica, em grande parte, os Evangelhos considerados 'apócrifos' pela Igreja Católica. A verdade é que, incentivados por Mateus e, principalmente, por Paulo de Tarso, autor das famosas Epístolas às comunidades cristãs, é que os Apóstolos e discípulos algo começaram a escrever em torno dos ensinamentos e da Vida de Jesus Cristo. Podemos afirmar que, dos doze, somente Judas nada escreveu de próprio punho sobre o que, durante três anos sucessivos, ele pôde ver e ouvir. (p. 183).
Vejamos o que diz Bart D. Ehrman (1955- ) sobre os “escritos 'paulinos' no Novo Testamento”:
Assim como Pedro, o mesmo com Paulo. Fora do Novo Testamento, há muitas histórias inventadas sobre ele vários escritos, apenas supostamente, assinados por ele. Todos os escritos atribuídos a Paulo fora do Novo Testamento foram falsificados. Há falsificações paulinas dentro do Novo Testamento?
Mais uma vez há aqui um amplo consenso acadêmico. Há 13 cartas cuja autoria é atribuída a Paulo, quase a metade dos livros do Novo Testamento. Mas é provável que seis delas não tenham sido escritas por ele. Acadêmicos chamaram essas seis epístolas de “deuteropaulinas”, significando que têm uma posição “secundária” no corpo dos escritos de Paulo.
Quase todos os estudiosos concordam que sete das epístolas paulinas são autênticas: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Felipenses, 1 Tessalonicenses e Filemom. Essas sete são coerentes e parecem, estilística e teologicamente, e em quase todas as outras características, ser da mesma pessoa. Todas são atribuídas a Paulo. Há poucos motivos para duvidar de que realmente foram escritas por ele.
As outras seis diferem significativamente desse núcleo de sete. Três delas – 1 e 2 Timóteo e Tito – são tão parecidas que a maioria dos acadêmicos está convencida de que foram escritas pela mesma pessoa. As outras três em geral são atribuídas a três autores diferentes. O consenso acadêmico é maior em relação ao primeiro gruo de três. Portanto, começarei discutindo por que os estudiosos há muito as consideraram falsificações. (ERHMAN, 2013, p. 97-98, grifo nosso).
Temos aqui, então, o que os acadêmicos pensam a respeito das cartas atribuídas a Paulo.
“[...] embora nunca tenha havido um Homem como Ele na Terra, como nunca terá de haver algum que, um dia, O supere, por muito pouco a Sua passagem entre os homens não permaneceu totalmente anônima nas páginas da História, mormente da História dita oficial que, a não ser em discreto texto de Flávio Josefo, em sua obra 'Antiguidades Judaicas', registra a existência de um 'certo Jesus' vivendo entre os judeus, que muitos afirmavam ser o Messias. (p. 184).
Transcrevemos do nosso texto “Josefo cita Jesus?”:
Não raras vezes, encontramos pessoas que, no esforço de provar a existência do Jesus histórico, recorrem a Flávio Josefo, historiador judeu do século I, nascido em 37, morto no ano 103. Tudo bem, a busca das fontes para demonstrar que Ele realmente existiu é algo louvável mesmo. Entretanto, a questão é: será que podemos confiar na informação que se encontra em Josefo? Para responder a isso é necessário vermos o que o historiador soviético Iakov Abramosvitch Lentsman[1] (1908-1967) argumenta:
[…] Seus escritos, no entanto, constituem uma fonte preciosa para o estudo da história da Palestina no primeiro século da nossa era. Nas Antiguidades Judaicas Flávio Josefo relata, sem omitir qualquer detalhe, os acontecimentos ocorridos em sua época, em seu país; fornece informações muito importantes a respeito dos essênios e de outras seitas da Judeia. A profusão de dados de toda espécie que se encontra nesta obra torna ainda mais eloquente seu total silêncio sobre os cristãos.
Mas, os doutores da Igreja, percebendo claramente que a essência de qualquer alusão na obra de Flávio Josefo desacreditava totalmente o mito evangélico, não recuaram diante de uma falsificação grosseira. Nos manuscritos das Antiguidades Judaicas está escrito (XVIII, 3,3) que, sob Pôncio Pilatos, viveu “Jesus, um homem sábio, se é que se pode, todavia, considerá-lo como um homem, pois foi autor de atos maravilhosos, mestre de homens que, com alegria, receberam dele a verdade; ele atraiu muitos judeus, e, também, muitos gregos. Foi o Cristo. Quando, por denúncia daqueles que eram os primeiros entre nós, Pilatos o condenou à cruz, aqueles que, desde o princípio, o amaram continuaram procedendo assim pois, ele lhes apareceu três dias depois, ressuscitado de novo. E os divinos profetas haviam previsto isto e dez mil outras maravilhas sobre ele. Hoje, ainda não desapareceu a seita dos cristãos, nome esse que deriva do dele”. Porém, se se levar em conta a fidelidade de Flávio Josefo à religião judaica e, também, o fato de ele considerar Vespasiano como o Messias, de modo algum se poderá aceitar que tenha dado tal título a Jesus também. Segundo a opinião geral dos historiadores, essas linhas não passam de uma interpolação posterior, devida a um copista, tão ingênuo, quanto piedoso.
Graças a um feliz acaso, é mesmo possível estabelecer a data dessa intercalação. Um dos Padres da Igreja, Orígenes, polemizando contra Celso, crítico do cristianismo, acusa Flávio Josefo de não ter querido admitir que Jesus era o Messias. Eusébio, que compôs a sua História Eclesiástica no século I, pouco depois da vitória do cristianismo, já reproduz as linhas que foram acrescentadas, o que dá lugar à crença de que a passagem citada foi intercalada nos textos de Flávio Josefo entre os fins do século III e os começos do século IV. Trata-se de uma interpolação tão manifesta que muitos dos teólogos católicos não mais ousam negá-la.
Em outra página das Antiguidades Judaicas (XX, 9), Flávio Josefo fala da condenação de certo “Pedro, irmão de Jesus, chamado o Cristo, e de alguns outros”. Em meados do século III, Orígenes, em diversas ocasiões, referiu-se a essa passagem que, à primeira vista, parece muito mais digna de fé do que a que citamos anteriormente. Mas, como admitir que essas palavras são da pena de Flávio Josefo, uma vez que esse mesmo Orígenes o acusou de duvidar de que Jesus fosse o Messias (o Cristo)? Pode ser que o original se referisse a outro Jesus. É evidente, em todo o caso, que esta passagem também traz vestígios da intervenção de copistas cristãos. Nos escritos de Flávio Josefo nada mais se encontra que se relacione com o cristianismo.
Apesar da ausência de referências ao cristianismo nas duas obras de Flávio Josefo, tanto uma como outra são indispensáveis ao estudo do problema que nos ocupa, sendo, com efeito, a única fonte de que dispomos sobre a história da Palestina antes da Guerra dos Judeus, e a principal fonte sobre a história dessa guerra. Se bem que o cristianismo tenha nascido entre hebreus que viviam fora do seu país, os acontecimentos na Palestina não deixaram de exercer sobre eles uma grande influência, onde quer que vivessem, no Egito, ou na Ásia Menor. É preciso não esquecer, doutra parte, que os autores dos livros do Novo Testamento obtinham dados históricos sobre a Palestina nos escritos de Flávio Josefo: vários detalhes dos evangelhos foram emprestados das Antiguidades Judaicas. (LENTSMAN, 1963, p. 56-58, grifo nosso).
Acreditamos que as ponderações de Lentsman são pertinentes, sendo inclusive corroborada pelo teólogo alemão Holger Kersten (1951- ):
[…] O historiador judeu Flávio Josefo publicou, por volta de 94 d.C., uma obra grandiosa, intitulada Antiguidades Judaicas, que cobre um espaço que vai desde a criação do mundo até a época de Nero, onde narra acontecimentos considerados mais importantes. Cita João Batista, Herodes e Pilatos; detalha, com minúcias, fatos políticos e sociais, mas não escreve uma só palavra sobre Jesus. No terceiro século, surgiu uma obra escrita por um cristão, intitulada Testimonium Flavianum (12), onde o historiador judeu Josefo aparece inesperadamente, narrando e confirmando os milagres e a ressurreição de Cristo. Os padres da Igreja, Justino, Tertuliano e Cipriano, nada sabiam a esse respeito e Orígenes (13) nos lembra, repetidas vezes, que Josefo não acreditava em Cristo. […]
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(12) Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 18; 3,3 e 20: 9,1.
(13) Orígenes, Contra Celsum.
(KERSTEN, 1988, p. 28-29, grifo nosso).
Acrescentamos, também, os escritores britânicos Timothy Freke (1959- ) e Peter Grandy (?- ), autores do livro Os mistérios de Jesus, do qual transcrevemos:
Durante centenas de anos, estas passagens de Josefo foram tomadas pelos historiadores cristãos como prova conclusiva de que Jesus existira. Isto é, até que os académicos começaram a examinar o texto de uma forma mais crítica. Nenhum erudito sério acredita agora que estas passagens foram na realidade escritas por Josefo (13). Elas foram claramente identificadas como acrescentos muito posteriores. O seu estilo de escrita não é o mesmo do de Josefo e, se forem retiradas do texto, o argumento original de Josefo segue sua sequência natural. Escrevendo no início do século três, Orígenes, que as autoridades modernas consideram como um dos eruditos mais conscienciosos da antiga igreja, diz-nos que não há qualquer referência a Jesus em Josefo e que Josefo não acreditava que Jesus era o Cristo, dado que não acreditava em nenhuma figura de Messias judaicas (14).
[…]
[…] Josefo menciona pelo menos dez Jesus, embora seja revelador notar que algumas traduções de Josefo só traduzem as passagens que pretendem que o leitor identifique com Jesus Cristo, usando a versão grega do nome que todos nós reconhecemos, deixando os nomes de todos os outros Jesus no hebraico não traduzido (22).
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13. Qualquer um que ainda duvide disto deve ler The Messiah Jesus and John the Baptist pelo Dr. Eilser: “O que é certo é que nem um único texto grego, latino, eslavo ou outro de Josefo chegou até nós sem ter passado pelas mãos dos escribas cristãos e dos seus proprietários cristãos”, Eilser, R. (1931), 38. Relativamente às interpolações, Eisler diz: “Os críticos da passagem são filólogos, os seus defensores teólogos, ibid., 41.
14. Gruber e Kersten (1985), 6, e ver Wells, G. A. (1975), 11. Josefo tinha enorme desprezo pelos numerosos “Messias” que estavam activos na sua época. Ver Josefo, The Jewish War, 135. Ele metia as “fraudes religiosas e os bandidos” no mesmo saco e considerava-os a causa da destruição de Jerusalém.
22. Ver Josefo, The Jewish War, 403, onde este truque particularmente pouco sincero é mais aparente. O Jesus lunático do Capítulo 21 é inexplicavelmente traduzido como Jeshua, enquanto nas adições eslavas espúrias o editor usa o nome Jesus. Em defesa destas interpolações, ele afirma que os acréscimos que consideram estas passagens como espúrias estão simplesmente “empenhadas na destruição”! É estranho ouvir a linguagem de um profeta do Antigo Testamento a um académico clássico a escreve em 1959.
(FREKE e GANDY, 2002, p. 129-130, grifo nosso).
Confirma, o que já foi dito anteriormente.
Será que o autor espiritual não tinha conhecimento disso?
“Exceto, pois, o testemunho dos Evangelhos e de Paulo de Tarso, este último, igualmente, não tendo privado com o Mestre pessoalmente, o único documento de valor histórico sobre a existência do Cristo, que, infelizmente, muitos contestam, é a carta que o Senador Públio Lêntulus escreveu a Tibério César, encontrada na casa do Duque de Cesadini, em Roma”. (p. 184).
O confrade Marco Antônio Vieira (1961- ), assim opina:
Existe uma carta (Retrato de Jesus cópia anexada) que, supostamente, fora encontrada nos arquivos particulares do Duque de Cesadine, na Itália. Tal missiva teria sido assinada por um Senador Romano de Nome Públio Lêntulus Cornélius – um nome que é bastante conhecido dos leitores e das leitoras das obras escritas de Chico Xavier, vide o romance histórico psicografado Há Dois Mil Anos – e que teria sido destinada ao imperador. Nessa carta, tudo nos faz crer que aquele representante oficial do Império Romano teria vivido na época de Jesus e que ele teria feito contato com o Nazareno, na Palestina. Tal documento, na forma que nos é apresentado, permite uma série de questões entre elas: a) a sua origem e a sua datação ainda não foram historicamente comprovadas; b) não se tem absoluta certeza sobre a guarda de quem, ou de qual instituição, se encontra o original; c) não sabemos em que local exato, nos dias atuais, se acha o original; d) desconhecemos os motivos pelos quais ela não é mais divulgada e amplamente pesquisada; e) o referido documento nos apresenta um perfil fisionômico, também duvidoso, do famoso galileu; f) é de bom alvitre aguardar as confirmações do Mundo Maior; preferencialmente, de Chico Xavier e de Emmanuel, a respeito de tal documento. (VIEIRA, 2003, p. 168).
Temos aí um bom conselho ao autor espiritual que divulga essa carta como se fosse verdadeira.
“No inesquecível episódio da mulher surpreendida em adultério, novamente, os escribas e fariseus, diante da multidão que se aglomerara na praça, lhe propunham difícil questão: [...]” (p. 196).
A crítica moderna tem este episódio como um acréscimo ao original:
[…] Além disso, a história muito impressionante da mulher pega em adultério, que parece flutuar sem âncora no evangelho de João, não ocorre em nenhum manuscrito anterior ao final do século IV. Os estudiosos descobriram um ou dois exemplos flagrantes em que a Igreja antiga “tradicionalizou” conceitos teológicos deturpando passagens do Novo Testamento. (JOHNSON, 2001, p. 38, grifo nosso).
Jo 7,53-8,11. A perícope da mulher adúltera é omitida no texto alexandrino (P66 P77, X B), parte do cesariense e do ocidental, e de algumas versões e citações dos Padres. Alguns manuscritos expressam de uma maneira ou outra dúvidas com relação a genuinidade desta passagem. Outros manuscritos situam o relato depois de Lc 21,38, depois de Jo 7,36, no final do evangelho de Lc ou no final do evangelho de Jo. Nenhum Padre da igreja grega anterior ao século XII comenta esta passagem. A crítica interna observa que não é provável uma omissão intencionada da passagem. O estilo e vocabulário utilizado não correspondem aos do quarto evangelho. Interrompe ademais a sequência das passagens, interpondo-se entre elas (7,52 e 8,12s). (BARRERA, 1999, p. 497, grifo nosso).
A nosso ver, o autor espiritual não deveria tratar o fato como acontecimento verdadeiro. Embora, particularmente, acreditamos que a narrativa bem espelharia uma atitude de Jesus.
Judas, quando percebeu o que havia protagonizado, tocado de remorso, procurou os principais sacerdotes para lhes devolver as trinta moedas de prata com que tinha vendido o Cristo. Sabendo da ilicitude do que tinham feito, eles recusaram receber o dinheiro de volta, alegando que sequer poderiam aceitá-lo para o cofre das ofertas do templo, porque era preço de sangue...” (p. 202).
Transcrevemos de nosso texto “A traição de Judas, uma história mal contada”:
O segundo diz respeito ao destino dado às moedas. O autor de Mateus menciona que Judas as teria devolvido, atirando-as dentro do santuário, que, recolhidas pelos sacerdotes, foram, por deliberação deles, destinadas à compra do campo do oleiro, para servir de cemitério aos estrangeiros (Mt 27,3-10), citando que isso aconteceu para se cumprir o que dissera o profeta Jeremias. Mas essa história nos parece mal contada, pois em Atos se diz que o próprio Judas teria comprado um campo (At 1,18), que até poderia ser esse do oleiro; mas, de qualquer forma, está em conflito com a versão anterior.
Na maioria das Bíblias que consultamos dizem que as profecias relacionadas a Mt 27,9: “Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço do que foi avaliado, a quem certos filhos de Israel avaliaram e deram-nas pelo campo do oleiro, assim como me ordenou o Senhor”, estariam nos passos: Zc 11,12-13 e Jr 32,5-16, ou Jr 18,1-4 e 19,1-3 (Bíblia Anotada, p. 1229). Há, portanto, sérias dúvidas quanto à identificação da profecia específica relacionada ao episódio. Como já falamos sobre a citação de Zacarias, fica-nos, por conseguinte, apenas as de Jeremias para dizermos alguma coisa. Em notas explicativas sobre elas encontramos que: “A citação é uma combinação artificial de Jr 32,6-9 e Zc 11,12-12(Bíblia do Peregrino, p. 2386); isso nos deixa diante da realidade de que, por se admitir que seja “uma combinação artificial”, estamos, certamente, diante de mais uma tentativa de se relacionar acontecimentos no Novo Testamento com ocorrências registradas no Antigo Testamento, tidas como se fossem verdadeiras profecias.
Quem tiver a curiosidade de consultar a passagem citada de Zacarias não encontrará nela algo no qual se possa qualificá-la como profecia; são apenas fatos relacionados àquele momento vivido por esse profeta. E quanto a Jeremias, não se encontra absolutamente nada que ele tenha comprado alguma coisa por trinta moedas. Sobre a compra de um terreno, sim, como podemos ver em 32,6-12; mas uma situação circunstancial, explicada da seguinte forma:
À primeira vista se trata de um incidente: a compra e venda de um terreno segundo as normas e o procedimento da legislação judaica. O narrador se compraz em registrar todos os detalhes, mostrando que a lei foi estritamente cumprida e que o ato é juridicamente válido. O surpreendente dessa compra-e-venda é que se realiza às vésperas da catástrofe inevitável. Que sentido tem nesse momento comprar um terreno para que fique em poder da família? Tudo já está perdido. Mas o absurdo do ato é a chave do seu sentido. Para efeitos legais imediatos, a compra nada servirá; para efeitos proféticos, é admirável ato de esperança no futuro. É um oráculo em ação, Jeremias profetiza ao vivo: não só palavras, nem ação simbólica, mas ato real jurídico. Esse ato significa o futuro que ele antecipa: a jarra de barro onde se guarda o contrato é um penhor que Deus concede. Apesar do que está para acontecer, a terra continua sendo propriedade dos judaítas: a terra prometida aos patriarcas e possuída durante séculos... (Bíblia do Peregrino, p. 1928).
Podemos ainda confirmar isso com a seguinte explicação: “A citação [Mt 27,9] é tirada na realidade de Zacarias (11,12-13). Mas, ele lembra também diversos versículos de Jeremias onde se faz menção do campo e do oleiro (32,6-6; 18,2-12)”. (Bíblia Ave-Maria, p. 1319). Ressaltamos que a expressão “ela lembra”, é uma afirmativa que depõe contra o próprio texto que, positivamente, diz ser de Jeremias essa profecia.
Então, o que fica claro é: se foi Judas quem comprou o campo, ele não devolveu as moedas para os sacerdotes; mas o autor espiritual afirma que sim; que ele as devolveu, parece que não tem conhecimento desse conflito nos Evangelhos; se soubesse, certamente, explicaria a divergência.
“Nem em seus momentos finais, a ironia das Trevas poupa o Cristo, que, através de Gestas, o mau ladrão – segundo o testemunho de Maria de Nazaré, sua Mãe, que se encontrava aos pés da cruz –, o desafia; [...]”. (p. 203).
A crença no diálogo entre os ladrões é fruto dos que não tem conhecimento de que os relatos bíblicos são conflitantes a respeito do episódio, coisa normal para um encarnado, não para um desencarnado que tem conhecimento dos fatos históricos nos registros no plano espiritual. Vejamos, os relatos dos quatro evangelhos:
Mt 27,44: “E os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificados com ele”.
Mc 15,32: “Também os que com ele foram crucificados o insultavam”.
Lc 23,39-43: “Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: 'Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também'. Respondendo-lhe, porém, o outro repreendeu-o dizendo: 'Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez'. E acrescentou: 'Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino'. Jesus lhes respondeu: 'Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso'”.
Jo 19,18: “Onde o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio”.
Enquanto que, para os autores de Mateus e Marcos, os dois ladrões insultavam Jesus, o autor de Lucas diz ter sido um só, e o de João, que o coloca ao pé da cruz, não informa nada a respeito de algum diálogo. Portanto, temos sérios conflitos e se aceitarmos que a maioria ganha, então os dois – o “bom” e o mau ladrão – insultaram a Jesus. Mais sobre o tema em nosso texto “A questão do bom ladrão”, disponível em nosso site: www.paulosnetos.net.
Conforme dissemos anteriormente, no seu Evangelho de vinte e um capítulos, nos capítulos 14 e 16, João faz menção (é o único Evangelista em cujo espírito tais palavras permaneceram guardadas!) à promessa do Consolador! Mesmo tendo escrito, ou feito escrever, as suas reminiscências muitos anos mais tarde, ele jamais se esqueceu do que lhes havia dito Jesus, com o intuito de confortá-los, estando prestes a partir:
"Se me amais, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece,' vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros. Ainda por um pouco e o mundo não me verá mais,' vós, porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis. Naquele dia vós conhecereis que eu estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama,' e aquele que me ama, será amado por meu. Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele. Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: Donde procede, Senhor, que estás para manifestar-se a nós, não ao mundo? Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada. Quem não me ama, não guarda as minhas palavras; e a palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai que me enviou. Isto vos tenho dito, estando ainda convosco: mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito!" (grifo do original).
Subentende-se que a referência ao Espírito Santo e ao Espírito da Verdade é a mesma, compreendendo uma plêiade de Espíritos Superiores com a missão de ensinar aos homens todas as coisas e fazer recordar tudo quanto o Cristo lhes disse.
Adiante, no capítulo 16, versículos 1 “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que hão de vir!” O Espírito da Verdade, portanto, que falaria a Allan Kardec, na obra da Codificação, não falou por si mesmo, mas pelo Espírito do Cristo!... (p. 208-209).
Allan Kardec não deixa nenhuma margem à dúvida de que o Espírito de Verdade é uma individualidade e não uma plêiade de Espíritos Superiores ao dizer que “[...] A qualificação de Espírito de Verdade não pertence senão a um e pode ser considerado como nome próprio; ela é especificada no Evangelho. […].” (Revista Espírita 1866, p. 222, grifo nosso).
Um pouco mais à frente, quando definirmos a identidade do Espírito de Verdade,  veremos se ele falou ou não “por si mesmo”.
Foi com base na autoridade de Orígenes que a Igreja Católica acabou por aceitar os Quatro Evangelhos ditos Canônicos, de autoria de Mateus, Marcos, Lucas e João. (p. 246).
A informação que encontramos sobre o processo de escolha de quais evangelhos fariam fazer parte do Novo Testamento, é assaz curiosa. Transcrevemos do nosso texto “Os nomes dos títulos dos Evangelhos designam seus autores”:
Vejamos, primeiramente, como ocorreu a escolha dos quatro evangelhos.
O destacado jornalista de investigação Pepe Rodríguez, autor do livro Mentiras fundamentais da Igreja Católica, como a Bíblia foi manipulada, nos dá a seguinte informação:
A seleção dos evangelhos canónicos foi feita no concílio de Niceia (325) e ratificado no de Laodiceia (363). O modus operandi, ou o processo utilizado, para distinguir entre textos verdadeiros e falsos, foi, segundo a tradição, o da “eleição milagrosa”. Foram apresentados, de facto, quatro versões para justificar a preferência pelos quatro livros canónicos: 1) depois de os bispos terem rezado muito, os quatro textos voaram por si sós e foram pousar-se sobre um altar; 2) puseram todos os evangelhos em competição sobre um altar e os apócrifos caíram ao chão, enquanto os canónicos não se mexeram; 3) depois de escolhidos, os quatro foram colocados sobre o altar e foi pedido a Deus que se neles houvesse qualquer palavra falsa os fizesse cair ao chão, o que não sucedeu com nenhum deles; 4) o Espírito Santo, na forma de uma pomba, penetrou no recinto de Niceia e pousando no ombro de cada bispo sussurrou a cada um deles quais eram os evangelhos autênticos e quais os apócrifos. Esta última versão revelaria, além do mais, que uma boa parte dos bispos presentes no concílio eram surdos ou muito incrédulos, visto ter havido grande oposição à selecção – por voto maioritário, que não unânime – dos quatro textos canónicos actuais. (RODRÍGUEZ, 2007, p. 68, grifo nosso).
Juan Arias (1932- ), escritor e jornalista, cursou teologia, filosofia, psicologia, línguas semíticas e filosofia comparada na Universidade de Roma, tendo sido, durante quatorze anos, correspondente na Itália e no Vaticano para o jornal espanhol El País, em sua obra Jesus esse grande desconhecido, corrobora essa informação de Rodríguez, falando a mesma coisa:
A história de como os quatro evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas e João foram escolhidos pela Igreja como autênticos e inspirados dentre os mais de cem que então existiam é muito interessante. Um dos critérios da escolha foi o dos milagres. Segundo a Igreja, alguns dos prodígios dos evangelhos apócrifos eram pouco sérios ou muito fantasiosos. Mas houve outros motivos para decidir que somente os quatro evangelhos escolhidos tinham sido inspirados pelo Espírito Santo e os outros não.
Os quatro foram escolhidos entre cerca de sessenta. Santo Irineu, no ano 205, assim o explicou: “O Evangelho é o pilar da Igreja. A Igreja está espalhada pelo mundo inteiro e o mundo tem quatro regiões. Convém, portanto que existam quatro evangelhos”. E também: “O Evangelho é o sopro do vento divino da vida para os homens, e, assim como existem quatro pontos cardeais, também devem existir quatro evangelhos”. Além disso, “o Verbo criador do Universo reina e brilha sobre os querubins, e os querubins têm quatro formas, por isso o Verbo obsequiou-nos com quatro evangelhos”. Curiosamente, os quatro escolhidos só foram aceitos pelos Padres da Igreja pouco antes de serem declarados inspirados.
A decisão oficial foi tomada no Concílio de Niceia do ano 325, graças a um milagre, como se conta na obra intitulada Libelus syndicus. O milagre foi que, dentre todos os evangelhos que existiam, os quatro que conhecemos hoje como inspirados foram voando sozinhos até o altar.
Outra versão diz que colocaram todos os evangelhos existentes sobre o altar e os apócrifos foram caindo no chão, só permanecendo os quatro escolhidos como autênticos. Uma terceira versão conta que o Espírito Santo entrou no Concílio de Niceia sob a forma de pomba através de uma janela, sem quebrar o vidro. Lá estavam reunidos todos os bispos. A pomba pousou no ombro de cada bispo, dizendo-lhe ao ouvido em voz baixa quais eram os quatro evangelhos inspirados. E eram os de Marcos, Mateus, Lucas e João. (ARIAS, 2001, p. 34-35, grifo nosso).
Tudo isso pode, ainda, ser corroborado em Maria Helena de Oliveira Tricca (1940-1997), na obra Apócrifos: Os proscritos da Bíblia, vol. I, (p. 13), que cita como sua fonte Fabricius, J. A. - Codex Apocryphus Novi Testamenti (Hamburgo, 1719).
E temos a informação, muito oportuna, de que:
[...] a escolha de quatro Evangelhos oficiais, de entre os cerca de trezentos existentes nessa altura na Igreja; foi também ordenado que os restantes Evangelhos, incluindo o de Barnabé, fossem completamente destruídos, assim como os Evangelhos escritos em Hebraico; foi ainda publicado um édito, declarando que quem fosse encontrado na posse de um Evangelho não autorizado seria condenado à morte. […]. (UR-RAHIM, 1995, p. 49-50, grifo nosso).
Não há dúvida alguma de que foi, literalmente, queima de arquivo.
Porém, é fato que Orígenes (185-254), segundo o que diz Eusébio de Cesaria (c. 265-339), listou os quatro Evangelhos. Talvez a história acima seja apenas para mostrar algo de sobrenatural na escolha deles, objetivando, é claro, que os fiéis acreditassem piamente só neles.
E até ao ano de 553 da Era Cristã, a Igreja nascente admitia a Reencarnação, contudo, por ação deliberada das Trevas, no II Concilio realizado em Constantinopla, decretou-se que “todo aquele que defender a doutrina mística da preexistência da alma e a consequente opinião de que ela retoma seja anátema!”.
A História registra que, no referido Concílio, o Imperador Justiniano, que era influenciado pela esposa, Teodora, inclusive nos assuntos governamentais e teológicos, mandou que se proibisse a doutrina da transmigração das almas e do carma. Acontece que Teodora, que houvera sido uma mulher de vida desregrada, ao se unir com o Imperador, que por ela se apaixonou, passara a ser ironizada pelas suas antigas amigas de leviandades. Em consequência, a esposa do Imperador ordenou que quinhentas mulheres fossem mortas em Constantinopla. Os cristãos, então, passaram a rotulá-la de assassina e a espalhar a notícia de que, a fim de ressarcir o débito contraído, nas vidas futuras, ela deveria morrer igualmente assassinada quinhentas vezes!
Com receio de que tal previsão se confirmasse, Teodora, passando a odiar a doutrina da Reencarnação, investindo contra ela, influenciou o marido para que decretasse a sua extinção e perseguisse os seus defensores. O desastroso desfecho consistiu na absurda “proibição à lei natural das vidas sucessivas”, no II Concílio de Constantinopla! (p. 250-251).
Infelizmente, circulam textos de espíritas exaltados que procuram demonstrar que anteriormente a Igreja Católica acreditava na reencarnação. O fato dela não ter combatido não significa, necessariamente, que a admitia; e nem porque um dos “Pais da igreja” a aceitava, no caso Orígenes, não podemos estender o seu pensamento como sendo o da própria Igreja, embora esse autor seja tomado por ela, para justificar alguns pontos doutrinários.
Sobre o fato da imperatriz Teodora (ca. 500-548) ter mandado matar quinhentas mulheres, parece-nos que essa informação não foi ainda comprovada historicamente, conforme demonstramos no nosso texto “Teodora e as 500 prostitutas”, do qual transcrevemos:
O que encontramos do fato
O historiador Procópio de Cesareia (ca 500-ca 565), citado por alguns dos autores, conforme o que encontramos na WEB, fez referência às quinhentas prostitutas. Vejamos:
Teodora também devotou considerável atenção à punição das mulheres encontradas em pecado carnal. Ela pegou mais de quinhentas prostitutas no Fórum, que viviam uma vida miserável se vendendo por três óbolos, e enviou-as para a margem oposta, onde foram trancadas em um monastério chamado Arrependimento para forçá-las a reformar sua maneira de viver. Algumas delas, entretanto, jogaram-se dos parapeitos à noite para livrarem-se assim de uma salvação indesejada.
(Fonte: http://procopius.net/procopiuschapter17.html, grifo nosso).
Observar que, neste relato, é dito que Teodora “devotou considerável atenção à punição das mulheres”, e não que tenha mandado matá-las. Pelo fato de que “foram trancadas” (presas?), e considerando que Procópio não dá mais notícias do que aconteceu a elas, podemos supor qualquer coisa; porém, nesse caso, ficará no campo da hipótese.
Entretanto, pesquisando a informação acima na obra História Secreta, de Procópio, que custamos a encontrar, vemos o seguinte:
Teodora, entretanto, gostava também de imaginar castigos para os delitos contra os costumes. Reuniu mais de quinhentas prostitutas, que exerciam o seu comércio em plena praça pública por três óbolos – o necessário para sobreviver – e as expediu para a margem oposta a fim de encerrá-las no mosteiro chamado Metanoia (Arrependimento), forçando-as a mudar de vida. Algumas delas se lançaram, à noite, do alto do mosteiro e escaparam assim a uma mudança que não desejavam. (PROCÓPIO, s/d, p. 47, grifo nosso).
Como se vê, trata-se de um relato bem próximo ao obtido na Internet.
Continuando a pesquisa, encontramos algo no escritor e jornalista italiano Carlo Maria Franzero (1892-1986), em referência ao episódio:
Era apenas natural que a Basilissa exercesse a sua influência em favor das antigas colegas e, assim, quinhentas prostitutas por modestíssimo preço exerciam abertamente a sua profissão no Fórum, foram convidadas coercitivamente a entrar no novo convento do Arrependimento, na outra margem do Bósforo – retiro magnífico para quem quisesse meditar. Ao que parece, porém, muitas destas donzelas não se deram bem com o regime e preferiram atirar-se ao mar, durante a noite, com nítida desvantagem para as possibilidades de salvação das suas almas. (FRANZERO, 1963, p. 87, grifo nosso).
O francês Francis Fèvre (1951- ), historiador especialista em sociedades antigas do Oriente Médio, especialmente no Egito e Bizâncio, acrescenta-nos mais coisas a essa história:
[…] Para evitar a acusação de impiedade, Teodora não as devolve à perambulação nas ruas sombrias, nas discretas pracinhas. Talvez com o objetivo de encarnar com convicção seu novo papel de imperatriz, faz encerrar as prostitutas em um convento fundado para esse fim.
Difícil seria dizer se a antiga cortesã, amaldiçoada por todo o clero da capital, agiu por piedade ou por diplomacia. Mas, as pecadoras resgatadas a peso de ouro teriam dispensado uma vida monástica. O novo convento destinado a acolhê-las na capital mostra claramente seus objetivos: todos os habitantes o conhecem pelo nome de convento do Arrependimento. Os muros são bastante altos, uma fuga poderia deixar aleijadas as pecadoras que se arriscassem. Essas mulheres devem passar o resto de suas vidas à sombra dos muros e das edificações do convento, mantidas por uma verba significativa doada por sua benfeitora, para glória de Teodora, destinada ao céu por sua piedosa colaboração para salvar almas em perigo. (FÈVRE, 1991, p. 173, grifo nosso).
Bom; pelo que aí está escrito não temos como saber qual a razão de Teodora ter mandado trancafiar as quinhentas prostitutas. O que podemos deduzir, desse episódio, é que algo de grave estaria, de fato, acontecendo a elas, pelo motivo de algumas delas se jogarem do alto do mosteiro, buscando a morte, para não ficarem trancadas.
Pelo que pudemos apurar, o historiador Procópio, fonte primária desses relatos, só veio a escrever o seu livro Anedotas (História Secreta), em 558. O que estranhamos, conforme já dito, é que, depois do relato do confinamento das prostitutas, nenhuma linha a mais ele fala delas, deixando-nos com uma forte impressão de que foram “apagadas” mesmo; mas é mera hipótese, sobre a qual não temos nenhum elemento para precisar o que, de fato, teria acontecido.
Particularmente, não acreditamos que Teodora as tenha trancafiado para fazer delas quinhentas monjas, preocupada em salvar-lhes as suas almas do pecado ou que, talvez, tivesse o pensamento de melhorar-lhes a sorte, garantindo-lhes um sustento para o resto da vida. Entretanto, encontramos um historiador cuja opinião difere daquilo que outros autores informam do episódio. Trata-se de Edward Gibbon (1737-1794) em sua obra Declínio e queda do Império Romano, da qual transcrevemos:
[…] O nome de Teodora figura com igual distinção em todas as iniciativas piedosas e caritativas de Justiniano; as instituições mais benevolentes de seu reinado podem ser atribuídas à simpatia da imperatriz por suas irmãs menos afortunadas que haviam sido seduzidas ou compelidas a dedicar-se ao ramo da prostituição. Um palácio no lado do Bósforo foi convertido num espaçoso e imponente mosteiro, e um generoso sustento, garantido a quinhentas mulheres recolhidas das ruas e dos bordéis de Constantinopla. Nesse retiro sacro e seguro, elas se devotavam a um perpétuo confinamento, e o desespero de algumas, que se precipitaram ao mar, foi calado pela gratidão das penitentes libertadas do pecado e da miséria por sua generosa benfeitora. (GIBBON, 2005, p. 552, grifo nosso).
Na visão de Gibbon, se essa parte transcrita não for uma ironia do autor, a imperatriz Teodora foi benfeitora das quinhentas prostitutas, que o confinamento delas teria sido a benefício delas, uma vez que as tirara das ruas garantindo-lhes o sustento. Isso porque, se, nesse ponto, ele coloca Teodora como boazinha, um pouco antes, colocava-a como um monstro:
[…] Seus numerosos espiões observavam e zelosamente relatavam qualquer ação, palavra ou expressão injuriosa a sua real senhora. Quem quiser que acusassem era atirado às prisões privativas da imperatriz, inacessíveis aos inquéritos de justiça; e corria o boato de que a tortura do cavalete ou do açoite fora aplicada em presença de uma mulher tirana insensível à voz do rogo ou da piedade. Algumas dessas vítimas desditosas pereciam em profundos e insalubres calabouços, enquanto a outras se consentia, após perderem os membros, a razão ou a fortuna, reaparecer no mundo como monumentos vivos da vingança dela, que habitualmente se estendia aos filhos daqueles de quem suspeitasse ou a quem lesasse. […]. (GIBBPN, 2005, p. 551).
Na obra mencionada de Gibbon encontramos a informação de que ele foi um dos maiores historiadores ingleses do século XVIII; autodidata desde o início, compôs Declínio e Queda do Império Romano sem consultar outros especialistas e imprimiu muita personalidade ao texto. (GIBBON, 2005, p. 607).
Não podemos deixar de informar que o viamonense Mário Curtis Giordani (1921- ), filósofo e teólogo, coloca Procópio como historiador pouco confiável:
O historiador Procópio, em sua História Secreta, apresenta-nos um retrato muito vivo (mas não muito digno de fé) da vida tempestuosa da filha de um domador de ursos, a qual, na palavra de Diehl, “divertiu, encantou e escandalizou Constantinopla”. (GIORDANI, 1968, p. 47, grifo nosso).
A terceira obra de Procópio, a História Secreta, é considerada por Runciman[33] “um conglomerado amargo de mexericos”. A “História Secreta” difere, com efeito, fundamentalmente das outras duas e sua autenticidade chegou a ser posta em dúvida pelos críticos. Essa obra é um libelo grosseiro contra Justiniano, Teodora e o próprio Belisário. A Justiniano o autor atribui a causa de todos os males que, então, caíram sobre o Império.
______
[33] Lingenthal, Karl Eduard Zachariä von, Geschichte des Grieschisch-Römischen Rechts. – Aalen in Württenberg – Verlag Scientia 1955. (Photomecanischer Nachdruck).
(GIORDANI, 1968, p. 192, grifo nosso).
O professor Vicente Dobroruka (1969- ), do Departamento de História, Universidade de Brasília, que, gentilmente, nos respondendo a um e-mail, disse-nos:
Minha opinião é q de q o episódio do “suicídio” evoca dois lugares comuns literários na historiografia antiga: um, o moralismo (uma vez prostituta, sempre prostituta – e isso me parece fora de dúvida q Teodora tenha sido, mas n se seguem disso implicações sobre sua crueldade); o outro, o dos suicídios coletivos de habitantes cercados em cidades das quais n tinham como sair. As "500 prostitutas" teriam, de certo modo, preferido a morte a renunciarem à lascívia (mais moralismo...), mais ou menos como os zelotes de Massada em Flávio Josefo (Guerra dos judeus, 7). Não creio na história, como representação factual e autêntica. Leve em conta tb a tendência de *todos* os historiadores antigos a exagerarem nos números (Procópio mesmo fala em “milhões” mortos por Justiniano – levado a sério, n sei como a espécie humana sobreviveria a tal fato. :-) (DOBRORUKA, 2009, por e-mail, grifo nosso).
Trazemos também o que disse o jornalista americano Paul Iselin Wellman (1895-1966):
Referem-se a respeito de Teodora, particularmente dos últimos tempos do seu reinado, fatos que atestariam crueldade e falta de escrúpulos. Alguns deles são visivelmente falsos, como por exemplo a desacreditada Anecdota de autoria de Procópio, segundo a qual um filho, ostensivamente nascido das suas relações com algum admirador, na época em que era cortesã, apareceu para legitimar o seu parentesco com a imperatriz, donde, segundo Procópio, “receando que a história chegasse aos ouvidos do imperador”, Teodora fez desaparecer para sempre o rapaz.
[...]
A respeito de Procópio, historiador oficial do reinado de Justiniano, a maioria do que se conta em desabono de Teodora baseia-se na sua grosseira “história secreta”, intitulada Anecdota. Os motivos dessa inimizade implacável para com a imperatriz são ignorados. Nos seus relatos oficiais, Procópio mostra-se adulador servil. Enquanto escrevia as suas obras a respeito de guerras e realizações do império, compilava uma obra secreta onde reunia qualquer mexerico, insinuação ou calúnia que pudesse recolher.
A falsidade da Anecdota revela-se através de inverdades óbvias, que prejudicam todo o seu conteúdo. Por exemplo: o historiador assegura, com toda a seriedade, que Justiniano e Teodora não eram seres humanos e sim demônios que haviam assumido forma humana. E aduz a evidência alegada para provar a sua asserção ridícula. Outros seus relatos são, além de contraditórios, impossíveis de aceitar. E o seu hábito de deturpar até mesmo os atos louváveis do par imperial, para que se afigurem perniciosos, prova a animosidade que perpassa através de toda a obra.
Não obstante, é nesse documento secreto, escrito aparentemente para desabafar o próprio rancor, e que não se destinava à publicação, vindo à luz somente séculos depois – quando já era demasiado tarde para aprovar ou desaprovar a maioria das suas asserções – que muitos se baseiam, nos dias que correm, para as suas estimativas acerca do caráter de Teodora. O legado da pena despeitada dum homem que a odiava secretamente, foi o mais mortal dos golpes desferidos contra a bela imperatriz, embora ela não vivesse o bastante para ter conhecimento disso.
Entretanto, houve atos de tirania e crueldade, atestados por outras fontes mais dignas de confiança do que Procópio. A esse respeito, cumpre-nos dizer que tirania e crueldade eram comuns naquela época, e sob esse ponto-de-vista a imperatriz não era pior – se tanto igualmente perversa – do que os seus contemporâneos assentados em tronos.
A despeito de todas as suas falhas, ninguém, nem mesmo o seu amargo inimigo anônimo, Procópio, pôde acusá-la jamais de haver faltado, no tocante à lealdade e à fidelidade a Justiniano. O absoluto silêncio que se observa a respeito dum assunto, que teria sido dos primeiros a ser explorados em desabono da imperatriz, constitui a prova máxima de que, ao se casar, ela deixara para sempre pensamentos e atitudes de sua vida de cortesã. Trabalhou incessantemente para a glória do marido, o imperador, e muito do que se lhe aponta foi feito por amor dele. (WELLMAN, p. 399-401, grifo nosso).
Diante de tudo isso que colocamos fica mais do que evidente a dificuldade que temos em buscar os dados históricos, pois alguns se baseiam em interesses do autor; outros apresentam problemas na tradução; sem falar naqueles que são falseados.
E da nossa conclusão, transcrevemos este trecho, pois ela cabe como uma luva ao presente caso:
Em nossa modesta opinião, se nos permitem os companheiros de doutrina, não é nada prudente ficar retransmitindo essa informação de que Teodora teria matado 500 prostitutas, mesmo que a fonte possa vir do plano espiritual; pelo simples motivo de que os Espíritos não sabem tudo e só falam do que aprenderam nos bancos de escola, ou seja, não são infalíveis e podem, sim, passar informação equivocada. Quem aceita tudo que lhe falam, não segue as orientações dos Espíritos superiores; daí, torna-se, na verdade, um fanático. Além disso, ainda podemos encontrar mensagens “assinadas” que, seguramente, são fruto do pensamento e crença do próprio médium.
Seguindo em frente, agora entraremos na polêmica questão de quem seria o personagem Espírito de Verdade.
Isto tudo ensejou a que o Mundo Espiritual promovesse um novo Pentecostes, que, em 1848, a partir da pequenina vila norte-americana, chegasse até a Europa, particularmente à França – novamente a Gália! –, onde antigos druidas e cristãos reencarnados estavam a postos, para que, sob a tutela do Espírito de Verdade e Allan Kardec codificassem a Doutrina Espírita!... (p. 252).
Sob a coordenação de diversos Espíritos Superiores, a serviço do Cristo nas Esferas da Luz, entre os quais o Espírito da Verdade e São Luís, ou Luís IX de França, um movimento semelhante ao do Pentecostes, ocorrido logo após a crucificação do Cristo, foi organizado. […]. (p. 255).
Gradativamente, sob a ação do Espírito da Verdade – que, em nome do Cristo, coordenava aquele novo Pentecostes, a culminar com a Codificação do Espiritismo –, movimentava-se Allan Kardec, em torno do qual antigos amigos seus, desde os tempos dos druidas, na Gália, e do movimento cristão dos primeiros tempos, haveriam de se agrupar. […] (p. 282).
Também não era raro que aquelas entidades, sob a égide do Espírito de Verdade, recomendassem a Rivail que ele continuasse procedendo com a maior discrição possível, porque a Obra contava com diversos inimigos no Mundo Físico e no Mundo Espiritual. […] (p. 312).
Na segunda transcrição está dito que a coordenação estava a cargo de diversos Espíritos Superiores, isso destoa do que se afirma nas outras, em que o próprio autor espiritual coloca o Espirito da Verdade como coordenador único, vamos assim dizer.
Transcrevemos alguns trechos do nosso texto “Espírito de Verdade, quem seria ele?”, visando definir quem realmente coordenava o movimento de regeneração:
Numa comunicação de Lacordaire, lemos:
Era preciso, aliás, completar o que não havia podido dizer então, porque não teria sido compreendido. Foi porque uma multidão de Espíritos de todas as ordens, sob a direção do Espírito de Verdade, veio em todas as partes do mundo e em todos os povos, revelar as leis do mundo espiritual, das quais Jesus havia adiado o ensinamento, e lançar, pelo Espiritismo, os fundamentos da nova ordem social. Quando todas as bases lhe forem postas, então virá o Messias que deverá coroar o edifício e presidir à reorganização com a ajuda dos elementos que terão sido preparados. (Revista Espírita 1868, p. 47, grifo nosso).
[...] reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade quem preside ao grande movimento da regeneração, a promessa do seu advento se encontra realizada, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. (A Gênese, item 42, IDE, p. 31, grifo nosso).
[…] vejamos esta outra fala de Kardec, contida em O Evangelho Segundo o Espiritismo (p. 134): “O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade”. (grifo nosso).
A proteção desse Espírito, cuja superioridade eu então estava longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou. A sua solicitude e a dos bons Espíritos que agiam sob suas ordens, se manifestou em todas as circunstâncias de minha vida, quer a me remover dificuldades materiais, quer a me facilitar a execução dos meus trabalhos, quer, enfim, a me preservar dos efeitos da malignidade dos meus antagonistas, que foram sempre reduzidos à impotência. (Obras Póstumas, FEB, 2006, p. 307, grifo nosso).
Em 20 de janeiro de 1860, de Chateaubriand:
Sois guiados pelo verdadeiro Gênio do Cristianismo, eu vos disse; é porque o próprio Cristo preside aos trabalhos de toda natureza que estão em vias de cumprimento para abrir a era de renovação e de aperfeiçoamento que vos predizem os vossos guias espirituais. […]. (Revista Espírita 1860, p. 62, grifo nosso).
Em 14 de outubro de 1861, Kardec lê a mensagem de Erasto aos Espíritas de Bordeaux:
Sei o quanto vossa fé em Deus é profunda, e quão fervorosos adeptos sois da nova revelação; é por isso que vos digo, em toda a efusão de minha ternura por vós, estaria desolado, estaríamos todos desolados, nós que somos, sob a direção do Espírito de Verdade, os iniciadores do Espiritismo na França, se a concórdia das quais destes, até este dia, provas brilhantes viessem a desaparecer de vosso meio. […]. Devo vos fazer ouvir uma voz tanto mais severa, meus bem-amados, quanto o Espírito de Verdade, mestre de nós todos, espera mais de vós. (Revista Espírita 1861, p. 348/350, grifo nosso).
Em Paris, 1863, de Erasto:
Eis, meus filhos, a verdadeira lei do Espiritismo, a verdadeira conquista de um futuro próximo. Caminhai, pois, em vosso caminho, imperturbavelmente, sem vos preocupar com as zombarias de uns e amor-próprio ferido de outros. Estamos e ficaremos convosco, sob a égide do Espírito de Verdade, meu senhor e o vosso. (Revista Espírita 1868, p. 51, grifo nosso).
Podemos ainda corroborar isso, em se comparando essas duas falas de Kardec:
[...] o Espiritismo […]. Vem cumprir, nos tempos preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. I, item 7, 1990, p. 59-60, grifo nosso).
[...] reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo com respeito ao Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento de regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. (A Gênese, cap. I, item 42, FEB, 2007, p. 43, grifo nosso).
Essas transcrições estão salpicadas ao longo do texto; portanto, não são sequenciais. Mais claro do que aqui vimos não precisa: O Espírito de Verdade é quem presidia ou coordenava todos os outros Espíritos envolvidos na codificação.
O encontro de Rivail com o Espírito de Verdade, que, a seu lado, foi Médium do Cristo, portanto, expressando o Pensamento do próprio Senhor, deu-se no dia 26 de março de 1856, na casa dos Baudin. (p. 315).
A polêmica positiva em torno da real identidade do Espírito da Verdade, durante longo tempo, se estendeu entre os que participavam do círculo mais estreito dos amigos de Rivail, até que, mais tarde, na própria “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”, alguns indícios de que o Espírito da Verdade era João Batista foram transmitidos – conforme Jesus prometera: “É verdade que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas!”. (p. 321).
Realmente, não entendemos como o autor espiritual tirou tamanha sandice em considerar o Espírito de Verdade como sendo João Batista.
Na Revista Espírita 1861, Kardec no artigo “O Espiritismo em Lyon”, transcreve o discurso dos que frequentavam o grupo de Saint-Just, do qual destacamos:
"Senhor Allan Kardec, discípulo de Jesus, intérprete do Espírito de Verdade, sois nosso irmão em Deus. Estamos reunidos todos com o mesmo coração, sob a proteção de São João Batista, protetor da Humanidade e precursor do grande Mestre Jesus, nosso Salvador.
[…].
"Todos o dizemos do fundo do coração; estamos animados do mesmo fogo e repetimos todos: Glória a Allan Kardec e aos bons Espíritos que o inspiraram! E vós, bons irmãos, Sr. e Sra. Dijoud, os abençoados por Deus, Jesus e Maria, estais gravados em nossos corações para jamais sair, porque por nós sacrificastes os vossos interesses e os vossos prazeres materiais. Deus o sabe; nós lhe agradecemos por vos ter escolhido para esta missão, agradecendo também ao nosso protetor superior, São João Batista. (KARDEC, 1993f, p. 292, grifo nosso).
No relato “Os mistérios da torre Saint-Michel de Bordeuaux”, tem-se o registro de uma reunião em Saint-Jean d'Angely, na qual há um diálogo com o espírito Guillaume Remone, responsável pelos fenômenos ocorridos naquele local. Transcrevemos os seguintes trechos:
21. Sabeis onde ela está agora? - R. Não sei o que ela se tornou, mas vos será fácil disso se informar, junto de vosso guia espiritual, São João Batista.
[...]
29. (A São João Batista.) G. Remone não foi constrangido, por punição, sem dúvida, a vir à nossa evocação confessar seu crime?
Isto parece resultar da sua primeira resposta, na qual fala da justiça de Deus. — R. Sim, ele foi forçado, mas a isso se resignou de boa vontade, quando viu como um meio a mais para ser agradável a Deus, em vos servindo em vossos estudos espíritas.
(KARDEC, 1993g, p. 327-328, grifo nosso).
Do que está acima, temos, portanto, que João Batista além de ser o guia do grupo de Saint-Just também era guia de um(uma?) médium residente em Saint-Jean d'Angely. Por não se ter identificado como Espírito de Verdade, estaria ele mentindo?
Vamos agora, como prometido, identificar quem é o personagem Espírito de Verdade. Sobre o assunto temos o texto “Espírito de Verdade, quem seria ele?”, do qual tomaremos os três pontos principais que sustentam nossa opinião; são eles: a) O que os Espíritos disseram? b) Kardec disse alguma coisa? e c) O Espírito de Verdade nos deixou alguma pista? Vamos pela ordem:
a) O que os Espíritos disseram?
Na Revista Espírita 1861, destacamos um trecho da carta do Sr. Roustaing, de Bordeaux, a Kardec:
Agradeço com alegria e humildade esses divinos mensageiros por terem vindo nos ensinar que o Cristo está em missão sobre a Terra, para a propagação e o sucesso do Espiritismo, essa terceira explosão da bondade divina, para cumprir esta palavra final do Evangelho: ‘Unum ovile et unus pastor’, por terem vindo nos dizer: ‘Não temais nada! O Cristo (chamado por eles Espírito de Verdade), a Verdade é o primeiro e o mais santo missionário das ideias espíritas’. Estas palavras me tocaram vivamente, e me perguntava: ‘Mas onde está, pois, o Cristo em Missão na Terra?’ A Verdade comanda, segundo a expressão do Espírito de Marius, bispo das primeiras idades da Igreja, essa falange de Espíritos enviados por Deus em missão sobre a Terra, para a propagação e o sucesso do Espiritismo. (Revista Espírita 1861, p. 169, grifo nosso).
Assim, Roustaing diz a Kardec que os Espíritos com os quais ele tinha relação diziam ser o Cristo, aquele a quem chamavam de o Espírito de Verdade. Julgamos importante essa informação por ela ter vindo de fora do círculo ao qual o Codificador estava vinculado.
Vejamos agora algumas comunicações de Espíritos relacionados à Codificação Espírita:
Em 20 de janeiro de 1860, de Chateaubriand:
Sois guiados pelo verdadeiro Gênio do Cristianismo, eu vos disse; é porque o próprio Cristo preside aos trabalhos de toda natureza que estão em vias de cumprimento para abrir a era de renovação e de aperfeiçoamento que vos predizem os vossos guias espirituais. […]. (Revista Espírita 1860, p. 62, grifo nosso).
Em 19 de setembro de 1861, de Erasto aos Espíritas lionenses:
Não poderíeis crer o quanto nos é doce e agradável presidir ao vosso banquete, onde o rico e o artesão se acotovelam bebendo fraternalmente; onde o judeu, o católico e o protestante podem se sentar na mesma comunhão pascal. Não poderíeis crer o quanto estou orgulhoso em distribuir, a todos e a cada um, os elogios e os encorajamentos que o Espírito de Verdade, nosso mestre bem-amado, me ordenou conceder às vossas piedosas coortes [...]. (Revista Espírita 1861, p. 305, grifo nosso).
Em 14 de outubro de 1861, Kardec lê a mensagem de Erasto aos Espíritas de Bordeaux:
Sei o quanto vossa fé em Deus é profunda, e quão fervorosos adeptos sois da nova revelação; é por isso que vos digo, em toda a efusão de minha ternura por vós, estaria desolado, estaríamos todos desolados, nós que somos, sob a direção do Espírito de Verdade, os iniciadores do Espiritismo na França, se a concórdia das quais destes, até este dia, provas brilhantes viessem a desaparecer de vosso meio. […]. Devo vos fazer ouvir uma voz tanto mais severa, meus bem-amados, quanto o Espírito de Verdade, mestre de nós todos, espera mais de vós. (Revista Espírita 1861, p. 348/350, grifo nosso).
Em 21 de novembro de 1862, de Antoine (Espírito que foi o pai de Kardec):
Aquele, diz-se, que tiver resistido a essas tristes tentações, pode não esperar a mudança dos decretos de Deus, os quais são imutáveis, mas contar com a benevolência sincera e afetuosa do Espírito de Verdade, o Filho de Deus, o qual saberá, de maneira incomparável, inundar sua alma da felicidade de compreender o Espírito de justiça perfeita e de bondade infinita, e, por consequência, salvaguardá-lo de toda nova armadilha semelhante. (Revista Espírita 1862, p. 343, grifo nosso).
Em 17 de setembro de 1863, de São José:
Compreendei bem que quanto mais conduzirdes os homens a vos imitar, mais o conjunto de vossas preces terá poder. Tomai os homens pela mão, e conduzi-os no verdadeiro caminho onde engrossarão a vossa falange. Pregai a boa doutrina, a doutrina de Jesus, a que o próprio Divino Mestre ensina em suas comunicações, que não fazem senão repetir e confirmar a doutrina dos Evangelhos. Aqueles que viverem verão coisas admiráveis, eu vo-lo digo. (Revista Espírita 1863, p. 365-366, grifo nosso).
Em Paris, 1863, de Erasto:
Eis, meus filhos, a verdadeira lei do Espiritismo, a verdadeira conquista de um futuro próximo. Caminhai, pois, em vosso caminho, imperturbavelmente, sem vos preocupar com as zombarias de uns e amor-próprio ferido de outros. Estamos e ficaremos convosco, sob a égide do Espírito de Verdade, meu senhor e o vosso. (Revista Espírita 1868, p. 51, grifo nosso).
Ressaltamos as expressões: “nosso Mestre bem-amado”, “Mestre de nós todos”, “o Filho de Deus”, “Divino Mestre” e “Meu senhor e o vosso”; a quem poderemos dar todos esses títulos? Isso mesmo; só existe um ser a quem podemos aplicá-los, que não é outro senão o próprio Jesus. Isso fica claro se compararmos a expressão “nosso Mestre bem-amado”, usada por Erasto em setembro de 1861, para designar o Espírito de Verdade, com a que consta da sua outra mensagem, recebida em abril de 1862, na qual ele atribui essa mesma expressão a Cristo (Revista Espírita 1862, p. 111). Inclusive, numa outra oportunidade, ele assim se expressou: “[...] o que não sou senão um dos últimos e dos mais obscuros discípulos do Espírito de Verdade, […].” (Revista Espírita 1863, p. 384); esse teor não nos permite atribuí-lo a nenhuma outra pessoa a não ser ao próprio Jesus. Poderemos, ainda, para reforçar, usar da fala de São José que disse taxativamente que “o próprio Divino Mestre ensina em suas comunicações”, o que, também, nos dá certeza de que Ele se manifestava, acabando com as dúvidas que possam surgir sobre essa possibilidade.
Merecem atenção especial as que são citadas por Erasto, pois, sabendo da sua efetiva participação nas obras da codificação com várias orientações e instruções, como poder-se-á vê-las em O Evangelho Segundo o Espiritismo, em O Livro dos Médiuns e na Revista Espírita, deveríamos levar em conta o que ele nos informa. Esse Espírito, citado pelo codificador como “sábio” (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 129), “cujas comunicações todas trazem o cunho incontestável de profundeza e lógica” (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 124), era considerado por Kardec, em relação a outros espíritos, como sendo “muito mais instruído do ponto de vista teórico” (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 129). Assim, não há o que se discutir sobre o que ele aqui fala a respeito do Espírito de Verdade, pois, se o que ele diz não serve neste ponto, também não servirá nos outros.
Em Paris, 1863, de João Evangelista:
Jesus queria que os homens se entregassem a ele com a confiança desses pequenos seres de passos vacilantes, cujo apelo lhe conquistaria o coração das mulheres, que são todas mães. Assim, ele submetia as almas à sua terna e misteriosa autoridade. Ele foi a flama que espancou as trevas, o clarim matinal que tocou a alvorada. Foi o iniciador do Espiritismo, que deve, por sua vez, chamar a si, não as crianças, mas os homens de boa vontade. A ação viril está iniciada; não se trata mais de crer instintivamente e obedecer de maneira mecânica; é necessário que o homem siga a lei inteligente, que lhe revela a sua universalidade.
Meus bem-amados, eis chegados os tempos em que os erros explicados se transformarão em verdades. Nós vos ensinaremos o verdadeiro sentido das parábolas. Nós vos mostraremos a correlação poderosa, que liga o que foi ao que é. Eu vos digo, em verdade: a manifestação espírita se eleva no horizonte, e eis aqui o seu enviado; que vai resplandecer como o sol sobre o cume dos montes. (O Evangelho Segundo o Espiritismo – EME, 2004, p. 98, grifo nosso).
Aqui tomaremos a informação meio que por via indireta; levando-se em consideração o que consta em outros pontos desse estudo, onde foi informado que o Espírito de Verdade presidia o movimento de regeneração e aqui se afirma que Jesus foi o iniciador do Espiritismo; vê-se, que a relação entre os dois, mais uma vez, fica bem clara.
Em janeiro de 1864, junto à Sociedade Espírita de Paris, lemos nas instruções do Espírito Hahnemann: “[...] cada um procurará, pela melhoria de sua conduta, adquirir esse direito que o Espírito de Verdade, que dirige este globo, conferirá quando for merecido”. (Revista Espírita 1864, p. 16, grifo nosso). A quem cabe a direção do nosso globo? Segundo nos informam os Espíritos, a Jesus; assim, via de consequência, não há como negar que é Ele o Espírito de Verdade.
Em 5 de janeiro de 1866, de Sonnez:
1866, possas tu, pelos anos a vir, ser essa estrela luminosa que conduziu os reis magos para a manjedoura de um humilde filho do povo; vinham prestar homenagem à encarnação que deveria representar, no sentido mais amplo, o Espírito de Verdade, essa luz benfazeja que transformou a humanidade. Por esta criança tudo foi compreendido! Foi bem ela que eternizou a graça da simplicidade, da caridade, da benevolência, do amor e da liberdade. (Revista Espírita 1867, p. 58, grifo nosso).
Nessa comunicação, a relação de Jesus como sendo o Espírito de Verdade é direta, sem meio termo, o que poderá, caso não haja preconceito ou cristalização de opinião, dissipar todas as possíveis dúvidas quanto a esse fato. Veja-se que ao falar dos reis magos visitando um humilde filho do povo, prestavam homenagem a Jesus que representaria, no sentido mais amplo, o Espírito de Verdade; portanto, a relação de Jesus com o Espírito de Verdade é bem direta, sem rodeios.
Em 30 de janeiro de 1866, de Inocente (em vida, arcebispo de Táurida):
[...] A Alemanha assiste, como em todos os tempos, à emigração de seus habitantes às centenas de milhares, o que não faz honra aos seus governos; o Papa, príncipe temporal, espalha o erro pelo mundo, em vez do Espírito de Verdade, de que ele se constituiu o emblema artificial. […]. (Obras Póstumas, FEB, 2006, p. 346, grifo nosso).
Considerando que o Papa é visto pelos líderes católicos como o “Vigário do Filho de Deus”, ou seja, Vigário de Jesus, a citação acima, em se referindo ao Espírito de Verdade, leva-nos à conclusão de que se fala da mesma personalidade.
Em 11 de março de 1867, numa mensagem sobre a regeneração da humanidade, cuja assinatura consta simplesmente Um Espírito:
[...] Coragem! O que foi predito pelo Cristo deve-se realizar. Nesses tempos de aspiração à verdade, a luz que ilumina todo homem vindo a este mundo, brilha de novo sobre vós; perseverai na luta, sede firmes e desconfiai das armadilhas que vos são estendidas; ficai ligados a esta bandeira onde vós haveis escrito: Fora da caridade não há salvação, e depois esperai, porque aquele que recebeu a missão de vos regenerar retorna, e ele disse: Bem-aventurados aqueles que conhecerem o meu novo nome! (Revista Espírita 1868, p. 96, grifo nosso).
Fala-se claramente do retorno de Cristo, com a missão de regenerar os homens, agora com um novo nome. Essa previsão de sua volta com um novo nome se encontra no livro Apocalipse (Ap 3,11-12), conforme já o mencionamos um pouco mais atrás.
No Círculo Cristiano Espiritista de Lérida (Espanha), em meados de 1873, encontramos duas mensagens.
A primeira foi assinada por S. Paulo:
Ensinai aos que não têm fé as excelentes e doces verdades do Espiritismo que o bom Senhor vos concedeu por seus enviados, porque a Verdade se aproxima e é necessário que os enviados lhe preparem o caminho.
Em verdade vos digo: que o Cristo já recebeu a palavra de Deus – já desceu da região de luz – e está entre vós. (PELLÍCER, 1982, p. 121, grifo nosso).
Dizendo que a Verdade se aproxima e depois afirmando que o Cristo está “entre vós”, a relação entre um e outro é evidente demais para não se a considerar.
A outra, por S. Luís Gonzaga: “Preparai-vos, não durmais; porque, em vossos dias, o Espírito da Verdade virá, com seus eleitos, operar a mais importante das renovações que a Humanidade jamais tem presenciado e admirado”. (PELLÍCER, 1982, p. 132, grifo nosso).
Embora aqui a identidade do Espírito de Verdade não tenha sido revelada, não podemos deixar de relacioná-la a alguém a quem poderá aplicar-se a expressão “com seus eleitos”. Esse alguém, sem nenhuma impropriedade, não é outro senão o próprio Jesus.
E por falar em “seus eleitos”, ei-los na lista: Afonso de Liguori, Arago, Benjamim Franklin, Channing, Chateaubriand, Delphine de Girardin, Emmanuel, Erasto, Fénelon, Francisco Xavier, Galileu Galilei, Hahnemann, Henri Heine, Rousseau, Joana d'Arc, João Evangelista, Lacordaire, Lamennais, Lázaro, Massillon, Pascal, Paulo de Tarso, Platão, Sanson, Santo Agostinho, São Bento, São Luís, Sócrates, Swedenborg, Timóteo, Joana de Angelis (um espírito amigo), Cura D'Ars, Vicente de Paulo, Adolfo (bispo de Argel), Dr. Barry, Cárita, Dufêtre (bispo de Nevers), François (de Génève), Isabel (de França), Jean Reynaud, João (bispo de Bordéus), Julio Olivier, Morlot e V. Monod. (MARCON, 2002). Apenas poderíamos questionar sobre quem, a não ser Jesus, poderia coordenar este rol de Espíritos?
E, mais recentemente, poderemos colocar do livro Missionários da Luz a explicação do espírito Alexandre a André Luiz:
Mediunidade – prosseguiu ele, arrebatando-nos os corações – constitui meio de comunicação; e o próprio Jesus nos afirma: “eu sou a porta... se alguém entrar por mim será salvo e entrará, sairá e achará pastagens!” Por que audácia incompreensível imaginais a realização sublime sem vos afeiçoardes ao Espírito de Verdade, que é o próprio Senhor? (XAVIER, 1986, p. 99, grifo nosso).
Aqui se afirma, mais uma vez, agora com uma informação mais atual, próxima a nós, que o Espírito de Verdade é o Senhor, ou seja, Jesus.
De uma forma indireta, podemos também citar Léon Denis (1846-1927), ressaltando que ele é considerado como um dos principais seguidores de Allan Kardec e difusor da Doutrina Espírita. Quando afirma que Jesus opera a Nova Revelação sob direção oculta, nos remete ao Espírito que, em resposta a Kardec, disse se chamar a Verdade; vejamos:
A passagem de Jesus pela Terra, seus ensinamentos e exemplos, deixaram traços indeléveis; sua influência se estenderá pelos séculos vindouros. Ainda hoje, ele preside os destinos do globo em que viveu, amou, sofreu. Governador espiritual deste planeta, veio, com seu sacrifício, encarreirá-lo para a senda do bem, e é sob a sua direção oculta e com o seu apoio que se opera essa nova revelação, que, sob o nome de moderno espiritualismo, vem restabelecer sua doutrina, restituir aos homens o sentimento dos próprios deveres, o conhecimento de sua natureza e dos seus destinos. (DENIS, 1987, p. 79, grifo nosso).
b) Kardec disse alguma coisa?
A primeira vez em que Kardec fala, em suas obras, sobre esse episódio, foi no livro Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas (Iniciação Espírita, p. 231-232), onde diz que o Espírito usou um nome alegórico e que soube depois, por outros Espíritos, ter sido ele “um ilustre filósofo da antiguidade”. Entretanto, quando lança O Livro dos Médiuns, que, segundo ele mesmo, substitui o primeiro por ser “muito mais completo e sobre um outro plano” (Revista Espírita 1860, p. 256), ao relatar novamente essa mesma comunicação, já fala que “ele pertencia a uma ordem muito elevada, e que desempenhou um papel muito importante sobre a Terra” (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 110, grifo nosso); e, finalmente, no livro Obras Póstumas (p. 305-306), quando relata todo o acontecimento, ele fala que o Espírito usou o codinome “A Verdade”, se abstendo de revelar quem realmente Ele teria sido. (ver item IV).
Por que será que Kardec muda a fala? Para encontrarmos a explicação, devemos ver algumas observações que ele faz a respeito das comunicações:
a) Recebida em 11 de dezembro de 1855: “Vê-se, por estas perguntas, que eu era ainda muito noviço acerca das coisas do mundo espiritual”. (p. 302).
b). Recebida em 25 de março de 1856: “Nessa época, ainda não se fazia distinção nenhuma entre as diversas categorias de Espíritos simpáticos. Dava-se-lhes a todos a denominação de Espíritos familiares”. (p. 305).
Considerando que essas três comunicações, constantes do livro Obras Póstumas, são os documentos originais que Kardec possuía e que, por sua vez, também são anteriores à época da publicação do livro Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, que se deu no ano de 1858, e que em sua substituição veio O Livro dos Médiuns, disponível ao público em data posterior, qual seja, no ano de 1861, e que neste último livro já mudava o “um ilustre filósofo da antiguidade”, (se colocássemos o mais ilustre caberia como uma luva a Jesus), para qualificá-lo como sendo um Espírito “que pertence a uma categoria muito elevada e que desempenhou na Terra importante papel” (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 110) (se disséssemos o de uma categoria mais elevada que desempenhou o papel mais importante sobre a Terra, ficaríamos com a impressão de que, de fato, estaríamos falando de Jesus). E concluímos que essas últimas expressões devam prevalecer sobre aquelas. Quer dizer, as comunicações constantes do livro Obras Póstumas são as que devemos considerar como a realidade dos acontecimentos, enquanto que, para as outras, acreditamos na hipótese de Kardec ter colocado a questão de modo diferente, por absoluta discrição, e também para que não atraísse a si, nem à Doutrina nascente, a ira dos religiosos de seu tempo, como aconteceu em relação ao Cristianismo, quando esse ainda se encontrava no início.
Em 1868, há uma interessante observação de Kardec, que nos ajudará no esclarecimento do uso, no livro Instruções Práticas, da expressão “um ilustre filósofo”, cujo teor poderemos encontrar no item 41, do cap. I, de A Gênese:
O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza, que revela tudo quanto o Cristo disse e fez; elucida os pontos obscuros dos seus ensinamentos, de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem, sem dificuldade, com auxílio desta doutrina; veem melhor o seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino. (A Gênese, FEB, 2007, p. 42-43, grifo nosso).
Fica evidente que a expressão “um ilustre filósofo” foi tomada pelo uso comum, mas nesta fala Kardec eleva Jesus à categoria de um Messias divino.
Em Obras Póstumas, lemos que em 07 de maio de 1856 na casa do Sr. Roustan, pela médium Srta Japhet, veio a informação do espírito Hahnemnn, confirmando a Kardec a missão de que estava incumbido. (Obras Póstumas, 2006, p. 309). Pouco mais de um mês depois, 12 de junho de 1856, na casa do Sr. C..., médium Srta. Aline C..., Kardec, em diálogo com o Espírito de Verdade, pede-lhe para confirmar se tem mesmo uma missão, ao que lhe foi dito: “Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita descrição, se quiseres sair-te bem. [...]”. (Obras Póstumas, 2006, p. 313, grifo nosso).
Continuando o diálogo com o Espírito de Verdade, a certa altura Kardec lhe disse: “[...] Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa”. E ao final, expressou-se da seguinte forma:
Espírito Verdade, eu vos agradeço pelos vossos sábios conselhos. Aceito tudo sem restrição e sem dissimulação.
Senhor! Se vos dignastes lançar os olhos sobre mim para o cumprimento de vossos desígnios, que seja feita a vossa vontade! A minha vida está em vossas mãos, disponde do vosso servidor. Em presença de uma tão grande tarefa, reconheço a minha fraqueza; minha boa vontade não faltará, mas, talvez, as minhas forças me trairão. Supri a minha insuficiência; dai-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Sustentai-me nos momentos difíceis, e com a vossa ajuda, e a de vossos celestes mensageiros, esforçar-me-ei para corresponder aos vossos objetivos. (Obras Póstumas, 2006, p. 314-315).
Dois pontos queremos levantar: 1º) Ao dizer “reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos”, Kardec, certamente, colocava o Espírito de Verdade numa condição superior à dos bons Espíritos; 2º) Se inicia o agradecimento nominando o Espírito de Verdade para logo após dizer Senhor, não estaria aí o relacionando a uma figura que todos nós denominamos de Senhor, ou seja, Jesus? Esse é o entendimento do editor Paulo Henrique de Figueiredo (FIGUEIREDO, 2007, p. 51), que no artigo “A Verdade” fala exatamente desse assunto que estamos tratando no momento.
c) Recebida em 09 de abril de 1856, com o detalhe que nessa a pergunta é feita ao Espírito que se identificou como A Verdade: “A proteção desse Espírito, cuja superioridade estava longe de imaginar, de fato, jamais me faltou. [...]”. (p. 307).
Ademais, significativo é o fato de que, nas primeiras páginas do livro O pensamento de Emmanuel, o autor Martins Peralva coloca exatamente essa fala de Kardec, dizendo: “Cântico de Allan Kardec ao ser informado pelo Espírito de Verdade da missão que lhe caberia desempenhar como Codificador do Espiritismo. (Obras Póstumas, de Allan Kardec, pág. 254, 12ª edição da FEB)”. (PERALVA, 1987, p. 11); portanto, estabelece a ligação entre Espírito de Verdade e Senhor.
Como a seguir citaremos algo importante em O Livro dos Médiuns, julgamos necessário fazer uma consideração, já que pode ocorrer que essa obra seja considerada como de menor valor que O Livro dos Espíritos, por ser este de respostas às perguntas feitas aos Espíritos Superiores, enquanto o outro não é visto dessa forma. Ledo engano! Vejamos essas considerações de Kardec na Introdução da primeira obra citada:
Importantes alterações para melhor foram introduzidas nesta segunda edição, muito mais completa do que a primeira. Acrescentando-lhe grande número de notas e instruções do maior interesse, os Espíritos a corrigiram, com particular cuidado. Como reviram tudo, aprovando-a, ou modificando-a à sua vontade, pode dizer-se que ela é, em grande parte, obra deles, porquanto a intervenção que tiveram não se limitou aos artigos que trazem assinaturas. São poucos esses artigos, porque apenas apusemos nomes quando isso nos pareceu necessário, para assinalar que algumas citações um tanto extensas provieram deles textualmente. A não ser assim, houvéramos de citá-los quase que em todas as páginas, especialmente em seguida a todas as respostas dadas às perguntas que lhes foram feitas, o que se nos afigurou de nenhuma utilidade. Os nomes, como se sabe, importam pouco, em tais assuntos. O essencial é que o conjunto do trabalho corresponda ao fim que colimamos. O acolhimento dado à primeira edição, posto que imperfeita, faz-nos esperar que a presente não encontre menos receptividade. (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 17-18, grifo nosso).
Portanto, está no mesmo nível de O Livro dos Espíritos, sendo, como assevera Kardec, O Livro dos Médiuns um seguimento dela. (KARDEC, 2007, p. 3). Diante disso, o que vamos citar do guia dos médiuns e dos evocadores assume um caráter bem especial, ou seja, de tudo que dele transcrevermos foi sancionado pelos Espíritos Superiores.
Dito isso, analisemos, em O Livro dos Médiuns, a comunicação IX, inserida no capítulo XXXI, intitulado Dissertações Espíritas, da qual destacamos, em negrito, alguns trechos:
Venho, eu, vosso Salvador e vosso juiz; venho, como outrora, aos filhos transviados de Israel; venho trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como outrora a minha palavra, tem que lembrar aos materialistas que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar a planta e que levanta as ondas. Revelei a Doutrina Divina; como o ceifeiro, atei em feixes o bem esparso na Humanidade e disse: Vinde a mim, vós todos que sofreis!
Mas, ingratos, os homens se desviaram do caminho reto e largo que conduz ao reino de meu Pai e se perderam nas ásperas veredas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana; quer, não mais por meio de profetas, não mais por meio de apóstolos, porém, que, ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, isto é, mortos segundo a carne, porquanto a morte não existe, vos socorrais e que a voz dos que já não existem ainda se faça ouvir, clamando-vos: Orai e crede! por isso que a morte é a ressurreição, e a vida – a prova escolhida, durante a qual, cultivadas, as vossas virtudes têm que crescer e desenvolver-se como o cedro.
Crede nas vozes que vos respondem: são as próprias almas dos que evocais. Só muito raramente me comunico. Meus amigos, os que hão assistido à minha vida e à minha morte são os intérpretes divinos das vontades de meu Pai.
Homens fracos, que acreditais no erro das vossas inteligências obscuras, não apagueis o facho que a clemência divina vos coloca nas mãos, para vos clarear a estrada e reconduzir-vos, filhos perdidos, ao regaço de vosso Pai.
Em verdade vos digo: crede na diversidade, na multiplicidade dos Espíritos que vos cercam. Estou infinitamente tocado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa imensa fraqueza, para deixar de estender mão protetora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem no abismo do erro. Crede, amai, compreendei as verdades que vos são reveladas; não mistureis o joio com o bom grão, os sistemas com as verdades.
Espíritas! amai-vos, eis o primeiro ensino; instrui-vos, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgais o nada, vos clamam vozes: Irmãos! nada perece; Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade. (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 482-483, grifo nosso).
Examinando as expressões usadas aqui nessa mensagem, as quais realçamos em negrito, não há como não relacioná-las a Jesus. Na realidade, elas dão-nos a impressão de estarmos ouvindo-O falar. Entretanto, o mais importante dessa comunicação é a nota que Kardec coloca logo após; vejamo-la:
Esta comunicação, obtida por um dos melhores médiuns da Sociedade Espírita de Paris, foi assinada com um nome que o respeito não nos permite reproduzir, senão sob todas as reservas, tão grande seria o insigne favor de sua autenticidade e porque dele se há muitas vezes abusado demais, em comunicações evidentemente apócrifas. Esse nome é o de Jesus de Nazaré. De modo algum duvidamos de que ele possa manifestar-se; mas, se os Espíritos verdadeiramente superiores não o fazem, senão em circunstâncias excepcionais, a razão nos inibe de acreditar que o Espírito por excelência puro responda ao chamado do primeiro que apareça. Em todos os casos, haveria profanação, no se lhe atribuir uma linguagem indigna dele.
Por estas considerações, é que nos temos abstido sempre de publicar o que traz esse nome. E julgamos que ninguém será circunspecto em excesso no tocante a publicações deste gênero, que apenas para o amor-próprio têm autenticidade e cujo menor inconveniente é fornecer armas aos adversários do Espiritismo.
Como já dissemos, quanto mais elevados são os Espíritos na hierarquia, com tanto mais desconfiança devem os seus nomes ser acolhidos nos ditados. Fora mister ser dotado de bem grande dose de orgulho, para poder alguém vangloriar-se de ter o privilégio das comunicações por eles dadas e considerar-se digno de com eles confabular, como com os que lhe são iguais.
Na comunicação acima, apenas uma coisa reconhecemos: é a superioridade incontestável da linguagem e das ideias, deixando que cada um julgue por si mesmo de quem ela traz o nome, que não a renegaria. (KARDEC, O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 483-484, grifo nosso).
Primeiramente, gostaríamos de chamar a atenção para o que Kardec coloca, logo no início da nota, para ressaltar as qualidades do médium que recebeu a comunicação, visando nos alertar para a confiabilidade que depositava nele, visto o que, na sequência, haveria de falar sobre quem assinou tal mensagem.
E quando ele coloca que “temos abstido sempre de publicar o que traz esse nome” ao se referir à assinatura de Jesus de Nazaré, nos parece que existiram várias comunicações deste tipo, porquanto o Espírito São José confirma isso quando diz que “o próprio Divino Mestre ensina em suas comunicações”. A pergunta é: onde estão essas mensagens, considerando que nas obras de Kardec encontramos apenas três, sendo que duas delas ele as considerou apócrifas? E, quanto à outra, disse que “ela leva, na forma e no fundo dos pensamentos, na simplicidade junto à nobreza do estilo, uma marca de identidade que não se poderia desconhecer” (Revista Espírita 1868, p. 288). Devemos considerar as assinadas pelo Espírito de Verdade, como sendo a resposta a essa questão, fato que se confirmará a seguir.
Também está aqui explicado por que Kardec não quis colocar a assinatura na mensagem: “não fornecer armas aos adversários do Espiritismo”. Entretanto, quando do Evangelho Segundo o Espiritismo, ele coloca esta mesma mensagem no Capítulo VI – O Cristo Consolador, item 5 (p. 135-136) (a pequena divergência ficou por conta dos trechos sublinhados, que não constam da mensagem do ESE), agora assinada pelo Espírito de Verdade, datando-a como ocorrida em Paris, em 1860, ou seja, bem no início do Espiritismo. Isso quer dizer que, ao afirmar que essa comunicação tem a assinatura de Jesus, mas em vez desse nome coloca o de Espírito de Verdade, devemos pressupor que, para ele, ambas provinham da mesma individualidade. Fato que fica mais claro quando, em O Livro dos Médiuns, no capítulo XXXI, ao tratar das Comunicações Apócrifas (p. 502-511), Kardec coloca duas comunicações assinadas por Jesus (item XXXIII), às quais, em nota, nos explica o seguinte:
Indubitavelmente, nada há de mau nestas duas comunicações; porém, teve o Cristo alguma vez essa linguagem pretensiosa, enfática e empolada? Faça-se a sua comparação com a que citamos acima, firmada pelo mesmo nome, e ver-se-á de que lado está o cunho da autenticidade. (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 508, grifo nosso).
Para nós fica claro que, ao pedir para comparar essas duas mensagens com a anterior, e ver onde se encontra o “cunho da autenticidade”, é porque admite como autêntica a primeira, que é exatamente a que citamos um pouco mais acima, ou seja, aquela “firmada pelo mesmo nome”, na qual consta a assinatura Jesus de Nazaré. O que, em outras palavras, podemos dizer é que Kardec admitia como verdadeira a comunicação dada por Jesus e que, ao colocá-la em outra ocasião como assinada pelo Espírito de Verdade, é porque sabia que se tratava do mesmo Espírito e, dessa forma, também se mantinha a descrição que lhe foi sugerida.
Um ponto também interessante é que na mensagem está se afirmando que “Só muito raramente me comunico”, exatamente o que o Espírito de Verdade disse a Kardec, logo no início, que aconteceria.
Segundo afirma o codificador, Jesus é o “Espírito puro por excelência”, situação em que acreditamos, e ninguém duvida dela; daí termos encontrado, acreditamos, mais uma forte razão para tê-lo como o coordenador da Terceira Revelação Divina, porquanto “Só os puros Espíritos recebem a palavra de Deus com a missão de transmiti-la” (Revista Espírita 1867, p. 260).
Ainda em O Livro dos Médiuns, quando Kardec fala dos Sistemas, ao se referir ao Sistema unispírita ou monoespírita (item 48), ele faz uma colocação pela qual podemos concluir claramente que Cristo e o Espírito de Verdade são a mesma personalidade; vejamos:
Como variedade do sistema otimista, temos o que se baseia na crença de que um único Espírito se comunica com os homens, sendo esse Espírito o Cristo, que é o protetor da Terra. […]. Assim, enquanto uns atribuem todas as comunicações ao diabo, que pode dizer coisas excelentes para tentar, pensam outros que só Jesus se manifesta e que pode dizer coisas detestáveis, para experimentar os homens. […].
Quando se lhes objeta com os fatos de identidade, que atestam, por meio de manifestações escritas, visuais, ou outras, a presença de parentes ou conhecidos dos circunstantes, respondem que é sempre o mesmo Espírito, o diabo, segundo aqueles, o Cristo, segundo estes, que toma todas as formas. Porém, não nos dizem por que motivo os outros Espíritos não se podem comunicar, com que fim o Espírito da Verdade nos viria enganar, apresentando-se sob falsas aparências, iludir uma pobre mãe, fazendo-lhe crer que tem ao seu lado o filho por quem derrama lágrimas. A razão se nega a admitir que o Espírito, entre todos santo, desça a representar semelhante comédia. […]. (O Livro dos Médiuns, FEB, 2007, p. 69, grifo nosso).
Não podemos deixar de ressaltar que, aí, Kardec faz uma relação objetiva entre o Cristo e o Espírito de Verdade de forma a não deixar dúvida alguma quanto à sua identidade. Na hipótese de que somente o Cristo se manifesta, contra-argumenta o codificador indagando “com qual objetivo o Espírito de Verdade nos viria enganar...” e, concluindo, que “a razão se recusa a admitir que o Espírito, entre todos santo, se rebaixe para executar uma semelhante comédia”, o que nos leva a deduzir que não há a mínima possibilidade de entendimento, senão, o de que os dois são a mesma personalidade, porquanto o questionamento coerente com o texto deveria ser: “com qual objetivo o Cristo nos viria enganar...”. Merece destaque esta expressão “entre todos santo” usada por Kardec, que, a nosso ver, só caberia a Jesus. Na tradução feita por Renata Barbosa e Simone T. N. Bele, em publicação da Petit Editora (p. 48-49), fica ainda mais nítida esta questão: “o Espírito, entre todos o mais santo”.
Podemos ainda corroborar isso, em se comparando essas duas falas de Kardec:
[...] o Espiritismo […]. Vem cumprir, nos tempos preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. I, item 7, 1990, p. 59-60, grifo nosso).
[...] reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo com respeito ao Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento de regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. (A Gênese, cap. I, item 42, FEB, 2007, p. 43, grifo nosso).
Aqui é oportuno lembrar que O Evangelho Segundo o Espiritismo foi publicado em abril de 1864, enquanto que o livro A Gênese, o foi em janeiro de 1868. Queremos chamar a sua atenção, caro leitor, para que observe a comparação que faremos entre essas duas mensagens:
obra do Cristo, que preside... à regeneração que se opera”; e
é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração.
Falando do Espiritismo, Kardec afirma, primeiramente, que o Cristo o preside; depois disse que o Espírito de Verdade é quem o preside, do que podemos concluir que os dois são, indubitavelmente, a mesma personalidade, porquanto a coordenação geral do movimento de regeneração coube somente a um. Então, percebe-se claramente que ele fala da mesma individualidade, usando nomes diferentes; o que vem fortalecer, em nós, a convicção de que ele sabia perfeitamente quem era o Espírito de Verdade, que, para ele, não era outro senão o próprio Jesus.
Outro fato importante é que, no já citado capítulo VI – O Cristo Consolador, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, com o subtítulo Advento do Espírito de Verdade, existem, nas Instruções dos Espíritos, cinco mensagens assinadas pelo Espírito de Verdade. Aliás, para nós, certamente há uma relação direta entre o título “O Cristo Consolador” com as cinco mensagens assinadas pelo Espírito de Verdade. A primeira delas é a que consta de O Livro dos Médiuns, comunicação IX, do capítulo XXXI, da qual transcrevemos alguns trechos mais acima, mas com a assinatura de Jesus de Nazaré. Vejamos o que se pode realçar em três delas:
5. Venho, como outrora aos transviados filhos de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas. […].
Mas, ingratos, os homens afastaram-se do caminho reto e largo que conduz ao reino de meu Pai e enveredaram pelas ásperas sendas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana; […].
Sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro...
Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento, instrui-vos, este o segundo […]. (O Espírito de Verdade – Paris, 1860) (O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1990, p. 135-136, grifo nosso)
6. Venho instruir e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas, que chorem, porquanto a dor foi sagrada no Jardim das Oliveiras; mas, que esperem, pois que também a eles os anjos consoladores lhes virão enxugar as lágrimas.
[...] o trabalho das vossas mãos vos fornece aos corpos o pão terrestre; vossas almas, porém, não estão esquecidas; e eu, o jardineiro divino, as cultivo […]. Nada fica perdido no reino de nosso Pai […].
Em verdade vos digo: os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são bem-amados meus. Instrui-vos na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas e vos mostra o sublime objetivo da provação humana... Estou convosco e meu apóstolo vos instrui. (O Espírito de Verdade - Paris, 1861) (O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1990, p. 136-137, grifo nosso).
7. Sou o grande médico das almas e venho trazer-vos o remédio que vos há de curar. Os fracos, os sofredores e os enfermos são os meus filhos prediletos. Venho salvá-los. Vinde, pois, a mim, vós que sofreis e vos achais oprimidos, e sereis aliviados e consolados […]. (O Espírito de Verdade) (O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1990, p. 137-138, grifo nosso).
Não há como não relacioná-las a Jesus, tão evidente fica o estilo de linguagem que lhe é próprio. Inclusive, um detalhe bem particular em uma delas é dito algo importante para relacionar o Espírito de Verdade a Jesus, mas que passa despercebido a muitos. Trata-se da expressão “o jardineiro divino”; embora Jesus nunca a tenha usado, referindo-se a si próprio, ela tem significado relevante, pois, após a sua ressurreição, Ele aparece a Madalena, que o confunde com o jardineiro (Jo 20,15); assim, cabe-nos dar um caráter alegórico para essa visão, no sentido de nos considerarmos “plantas” do seu jardim. Julgamos fora de propósito que Kardec tenha se enganado ou que nos tenha deixado ver uma coisa onde ela não está. Portanto, não vemos outra opção senão aceitá-las como sendo mesmo de Jesus, uma vez que a primeira, conforme dito em O Livro dos Médiuns, leva essa assinatura. A expressão “meu apóstolo vos instrui”, certamente é a Kardec que se refere, demonstrando, mais uma vez, sua condição de Espírito de uma categoria mais elevada.
c) O Espírito de Verdade nos deixou alguma pista?
A essa pergunta responderemos que sim, pois, pelo menos, é o que, diante dos fatos, nos parece; e no que acreditamos. Vejamos uma comunicação assinada pelo Espírito de Verdade, a propósito de A Imitação do Evangelho (O Evangelho Segundo o Espiritismo), dada em Bordeaux, em maio de 1864:
Um novo livro acaba de aparecer; é uma luz mais brilhante que vem clarear o vosso caminho. Há dezoito séculos eu vim, por ordem de meu Pai, trazer a palavra de Deus aos homens de vontade. Esta palavra foi esquecida pela maioria, e a incredulidade, o materialismo, vieram abafar o bom grão que eu tinha depositado sobre vossa Terra. […].
Há várias moradas na casa de meu Pai, eu lhes disse há dezoito séculos. Estas palavras o Espiritismo veio fazer compreendê-las. (Revista Espírita 1864, p. 399, grifo nosso).
A respeito da assinatura, Kardec faz a seguinte observação:
Sabe-se que tomamos tanto menos a responsabilidade dos nomes quanto pertençam a seres mais elevados. Nós não garantimos mais essa assinatura do que muitas outras, nos limitamos a entregar esta comunicação á apreciação de todo Espírita esclarecido. Diremos, no entanto, que não se pode nela desconhecer a elevação do pensamento, a nobreza e a simplicidade das expressões, a sobriedade da linguagem, a ausência de todo supérfluo. Se se a compara àquelas que estão reportadas em A Imitação do Evangelho (prefácio, e cap. III - O Cristo Consolador[2], e que levam a mesma assinatura, embora obtidas por médiuns diferentes e em diferentes épocas, nota-se entre elas uma analogia evidente de tom, de estilo e de pensamento que acusa uma fonte única. Por nós, dizemos que ela pode ser de O Espírito de Verdade, porque é digna dele; ao passo que delas vimos massas assinadas com este nome venerado, ou o de Jesus, cuja prolixidade, verborragia, vulgaridade, às vezes mesmo a trivialidade das ideias, traem a origem apócrifa aos olhos dos menos clarividentes. […]. (Revista Espírita 1864, p. 399-400, grifo nosso).
Kardec, embora muito reservado e não fugindo a essa sua característica, diz que tal comunicação pode ter vindo do Espírito que a assinou, por ser digna dele e, além disso, por “ter uma analogia de tom, de estilo e de pensamento”, quando comparada às outras, “que acusa uma única fonte”. O que não fica difícil de aceitar se considerarmos que, ao falar das comunicações apócrifas, Kardec coloca que apareceram várias delas assinadas por Jesus e pelo Espírito de Verdade, do qual disse ser um nome venerado, o que significa que igualou os dois.
Ressaltamos as expressões: “há dezoito séculos eu vim, por ordem de meu Pai” e “eu lhes disse há dezoito séculos”, que deixam transparecer que se trata mesmo de Jesus, embora tenha assinado como Espírito de Verdade.
Estes pontos abordados são suficientes para desvendar o mistério sobre quem seria a personalidade, que na codificação teve participação ativa, assinando várias mensagens e coordenando todos os espíritos nela envolvidos.
E encerra, enfatizando:
– Vês que tua missão está subordinada a condições que dependem de ti!...
Kardec, em resposta, dirigiu-se primeiro ao Espírito da Verdade e, posteriormente, ao Senhor, em oração:
– Espírito da Verdade, eu vos agradeço os sábios conselhos. Aceito tudo sem restrições e sem dissimulação.
– Senhor! Se dignastes lançar os olhos sobre mim para a realização de Vossos desígnios, que seja feita a Vossa vontade! Minha vida está em Vossas mãos; disponde de Vosso servo. Diante de tão grande tarefa, reconheço a minha fraqueza. Minha boa vontade não falhará, mas talvez as forças me traiam. Supri a minha insuficiência e dai-me as forças físicas e morais que me sejam necessárias! Sustentai-me nos momentos difíceis e, com o Vosso auxílio e o de Vossos celestes mensageiros, esforçar-me-ei por corresponder aos Vossos desígnios.
Vejamos que o próprio Allan Kardec considerava o Espírito da Verdade um espírito distinto do Espírito do Senhor: com um, ele dialoga; ao outro, ele ora, suplicando forças para o cumprimento de sua tarefa!... (p. 340-341).
Já colocamos, um pouco atrás, as nossas considerações sobre esta oração de Kardec, consta em nosso texto “Espírito de Verdade, quem seria ele?”, como ela está numa transcrição meio longa, vamos transcrever só este parágrafo, para evitar repetição tudo quanto foi dito:
Dois pontos queremos levantar: 1º) Ao dizer “reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos”, Kardec, certamente, colocava o Espírito de Verdade numa condição superior à dos bons Espíritos; 2º) Se inicia o agradecimento nominando o Espírito de Verdade para logo após dizer Senhor, não estaria aí o relacionando a uma figura que todos nós denominamos de Senhor, ou seja, Jesus? Esse é o entendimento do editor Paulo Henrique de Figueiredo (FIGUEIREDO, 2007, p. 51), que no artigo “A Verdade” fala exatamente desse assunto que estamos tratando no momento.
Para nós, é evidente que, por saber quem era o Espírito de Verdade, foi que Kardec se utilizou do termo “Senhor”, ao se referir ao Espírito comunicante.
No dia 31 de março de 1869, Hippolyte-Léon-Denisard Rivail, devido à ruptura de um aneurisma que se lha desenvolvera na aorta, desencarna de súbito! Então, conforme o Espírito da Verdade lhe dissera, daí a quarenta anos, em 2 de abril de 1910, reencarna na condição de filho biológico de João Cândido Xavier e Maria de São João de Deus. (p. 373).
Mais uma vez, temos mais um espírito se manifestando pelo médium Carlos A. Baccelli que afirma ter sido Chico Xavier a reencarnação de Kardec. O que estranhamos é que somente os espíritos que se “manifestam” por este médium é que afirmam isso.
Já escrevemos quatro textos relacionados à questão, nos quais procuramos demonstrar a impropriedade disso; são eles: “Kardec reencarnou-se como Chico Xavier?”, “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, “Que se apresentem os candidatos a Kardec reencarnado” e “Só para fanáticos Chico Xavier foi Kardec”. Deles tomaremos, pela ordem, algumas de nossas considerações:
Tudo o que estamos colocando tem razão de ser, pois há manifestações do Espírito Kardec na mesma época em que Chico estava encarnado. O que nos levaria a crer que, nesse caso, teria ocorrido a manifestação de um espírito de pessoa viva. Alguns autores falam dessas manifestações de Kardec, conforme ver-se-á com as informações que se seguem.
Eduardo Carvalho Monteiro (1950-2005), em Allan Kardec (o druida reencarnado), narra o seguinte:
Na obra O Gênio Céltico e o Mundo invisível do mestre Léon Denis, só há pouco tempo disponível ao público brasileiro, o autor reproduziu uma série de mensagens do Espírito de Allan Kardec que, em verdade, escreveu a parte final de O Gênio Céltico. Madame Baumard, esta que o acompanhou nos últimos anos de vida como sua secretária, assim descreveu o processo criativo do grande escritor: “Durante os anos de 1926-1927, Denis manteve constantes contatos com o invisível. O interesse de Allan Kardec para com a obra em elaboração era “intenso”: apresentava-se a cada quinze dias e se encarregou, por ditado mediúnico, da parte final do livro” (MONTEIRO, 1996, p. 74, grifo nosso).
O biógrafo André Moreil (?-?), em Vida e Obra de Allan Kardec, afirma:
Na segunda-feira da Páscoa de 1910, no centro 'Esperança' de Lião, por intermédio da Srta. Bernadette em estado de sonambulismo, Allan Kardec manifestou-se para agradecer ao que fora até então o seu único biógrafo, o espírita Henri Sausse”. (MOREIL, 1986, p. 174, grifo nosso).
Conforme nos informa Wilson Garcia (1949- ) “a Páscoa de 1910 coincide exatamente com o retorno ao corpo físico do Espírito que hoje conhecemos por Chico Xavier. Como se sabe, Chico nasceu em 2 de abril de 1910.” (GARCIA, 1999, p. 141). Assim, essa manifestação já seria de um espírito de um vivo. Nesse autor também encontramos:
Os registros de comunicações dadas por Kardec já na condição de Espírito fora do corpo físico não ficam apenas no período imediatamente posterior à sua desencarnação. Avançamos no tempo e uma dessas mensagens merece destaque, apesar de ser bem conhecida dos estudiosos. Foi dirigida ao extraordinário filósofo Léon Denis no ano de 1925 (mais uma vez, anote o leitor a data), contendo um veemente apelo de Kardec para que comparecesse ao congresso espiritualista daquele ano, em virtude da importância do evento para o Espiritismo. [...] (GARGIA, 1999, p. 143, grifo nosso).
De fato, em José Herculano Pires (1914-1979) se confirma isso:
Em 1925, quando se reuniu em Paris o Congresso Espiritualista Internacional, o próprio Kardec, através de comunicações mediúnicas teve de forçar Léon Denis, já velho e cego, a sair de Tours, na província, para defender o Espiritismo dos enxertos que lhe pretendiam fazer os representantes de várias tendências, como a aceitação ingênua de ilustres mas desprevenidos militantes espíritas. [...]”. (PIRES, 1978, p. 13-14).
Informa-nos também Garcia que “Wantuil e Thiesen reproduzem, ainda, na mesma obra [Allan Kardec], uma mensagem transmitida por Kardec no dia 14 de junho de 1979, no Grupo Espírita Ismael, do Rio de Janeiro. A íntegra do documento aparece ao final do volume III, fechando a biografia” (GARCIA, 1999, p. 146). Comprovamos que, de fato, na obra citada, existe essa mencionada mensagem[3].
Ao que tudo indica não é de hoje essa de se querer apontar alguém como sendo Kardec reencarnado; vejamos, novamente, em Garcia:
Devemos registrar um outro fato. Denis faz uma anotação interessante no livro, a respeito de uma notícia que então se divulgava, dando conta de que Kardec estaria na época reencarnado. Ora, isso demonstra como a questão é antiga. Denis escreveu o livro em 1927, quando Chico estava com 17 anos de idade e dava início à sua tarefa mediúnica. Já havia na ocasião aqueles que admitiam estar Kardec reencarnado mas não como Chico, note-se! Era ele um francês, com cerca de 30 anos de idade, portanto, teria reencarnado antes do novo século. Eis o registro de Denis: “Uma outra objeção consiste em pretender que Allan Kardec está reencarnado no Havre, desde 1897. Trinta anos teriam se passado de sua nova existência terrestre. Ora, pode-se admitir que um espírito deste valor tenha esperado tão longo tempo para se revelar por obras ou ações adequadas? Além disso, Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica. Em todos esses lugares ele se afirma pela autoridade de sua palavra e a sabedoria de seus conhecimentos” (O Gênio Céltico, p. 220). (GARCIA, 1999, p. 145, grifo nosso).
Então, desde o ano de 1897 já se vem afirmando que Kardec estaria reencarnado. Aliás, se pesquisarmos na Internet, veremos que, atualmente, são apresentados vários outros candidatos; além do Chico, conseguimos listar alguns deles; veja-se em nosso texto “Que se apresentem os candidatos a Kardec reencarnado”, disponível em nosso site www.paulosnetos.net, na categoria “Artigos e Estudos”.
Resolvemos confirmar todas essas informações a respeito da manifestação do Espírito Allan Kardec; para isso recorremos à obra de Léon Denis (1846-1927) intitulada O gênio céltico e o mundo invisível, citada acima, de cuja Introdução tomamos esse trecho da fala do autor: “Com efeito, é pelo estímulo do Espírito Allan Kardec que realizei este trabalho, em que se encontrará uma série de mensagens que ele nos ditou, por incorporação, em condições que excluem toda fraude”. (DENIS, 2001, p. 28, grifo nosso). Foi publicado 1927, depois de sua morte.
Em duas oportunidades, Léon Denis fala sobre o Congresso Espírita de 1925 (p. 208 e 259), confirmando o que acima foi dito. Transcrevemos uma delas:
Então, ao se aproximar o Congresso de 1925, foi o grande iniciador, ele mesmo, que veio nos certificar de seu concurso e nos esclarecer com seus conselhos. Atualmente ainda é ele, Allan Kardec, quem nos anima a publicar este estudo sobre o gênio céltico e a reencarnação, como se poderá verificar pelas mensagens publicadas mais adiante. (DENIS, 2001, p. 259, grifo nosso).
Nessa obra de Denis temos também a confirmação de que Kardec teria reencarnado em 1897 (DENIS, 2001, p. 278-279). Além disso, fato importante, ele não deixou de mencionar que “Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica.” (DENIS, 2001, p. 279).
À página 168, Denis coloca uma mensagem ditada pelo Espírito Allan Kardec em 25 de novembro de 1925 e no final da obra coloca outras treze ocorridas no ano seguinte, de janeiro a outubro. Julgamos que não há como contestar a veracidade de tais manifestações a não ser comportando-se como um fanático, que faz de todo para defender aquilo que acredita.
O que podemos concluir disso tudo é que é bem pouco provável que o espírito de Kardec, se reencarnado como Chico, pudesse manifestar-se tantas vezes como se demonstrou comprovado. Para aceitarmos a tese seria imprescindível levantar todas elas, especificando dia e hora de início e término, para ver se naqueles momentos nos quais Kardec comunicou-se, Chico estava dormindo ou numa situação na qual o seu espírito não precisasse comandar seu corpo físico. Fica aí o primeiro desafio para os que advogam essa tese.
Cabe, portanto, aos defensores da tese de que Chico Xavier foi Kardec provarem que todas as vezes em que o espírito Kardec se manifestou, o nosso Chico estava dormindo ou em uma situação que sua alma emancipada se comunicasse como Kardec.
Mais ainda, teriam que desmentir o próprio Chico Xavier:
Por outro lado, na possibilidade disso ter ocorrido, ainda resta um outro desafio a ser vencido, que seria o de desmentir o próprio Chico, pois, nessa hipótese levantada, após emancipar-se do corpo ele teria que, de forma totalmente consciente, como acontece com os desencarnados, ter assumido a personalidade anterior para se manifestar. Ora, isso nos leva à situação de que Chico deveria se lembrar dessa “mudança”. Então, como explicar que no dia 28 de agosto de 1988, em entrevista ao jornal Diário da Manhã, de Goiânia, respondendo à pergunta se ele seria Kardec reencarnado, disse:
Consulto a minha via psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração é eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que, em doze anos, deixou dezoito livros maravilhosos. [...] (COSTA E SILVA, 2004, p. 115-116, grifo nosso).
Antônio Corrêa de Paiva (?- ) confirma essa publicação, citando-a em sua obra Será Chico Xavier a reencarnação de Allan Kardec?, acrescentando a seguinte nota de rodapé:
Trecho fundamental da reportagem feita pelo “Diário da Manhã”, de Goiânia-GO, pelo jornalista Batista Custódio, no dia 28 de agosto de 1988, e que foi transcrita por Carlos Antônio Baccelli, em artigo publicado no mensário “A Flama Espírita”, de Uberaba-MG, em novembro de 1994. (PAIVA, p. 79).
Achamos bem curiosa a citação do nome de Baccelli, pois ele é um dos que vem defendendo de “unhas e dentes” que Chico Xavier era Kardec reencarnado. Será que se esqueceu dessa fala de Chico?
Ademais, podemos ainda citar este trecho da fala de Chico Xavier, quando de sua entrevista no programa Pinga-fogo, realizado, em julho de 1971, pela extinta TV Tupi:
Quando ouvimos o Espírito de Emmanuel pela primeira vez, e que ele nos fez compreender a importância do assunto, nós nos informamos com ele de que, em outras vidas, abusamos muito da inteligência, nós, em pessoa, e que nesta consagraríamos as nossas forças para estar com ele na mediunidade, nos serviços de Nosso Senhor Jesus Cristo, no Espiritismo, e por isso mesmo coloquei minha vida nas mãos de Jesus e nas mãos dos bons Espíritos. (GOMES, 2010, p. 232-233, grifo nosso).
É certo que isso, que Chico disse, não quer dizer na encarnação imediatamente anterior; porém, nos leva a refletir sobre se caberia a Kardec, como personalidade anterior à de Chico, ter dito “abusamos muito da inteligência” em si referindo-se às suas outras encarnações anteriores?
Assim, quem ainda quiser sustentar a ideia de que Kardec reencarnou como Chico deve solucionar esses dois desafios, o que, acreditamos, resolverá de vez a questão.
Supostas reencarnações de Chico Xavier
Parece que os espíritas continuam descobrindo as várias reencarnações de Chico Xavier, pois sempre circulam na internet a lista delas.
Vejamos o quadro comparativo em duas listas:
Chico Xavier, diálogos e recordações...
(autor Carlos Alberto Braga Costa, publicação da União Espírita Mineira)
Vivências de um Espírito – Médium do Cristo (baseado na obra A volta de Allan Kardec, autor Weimar Muniz de Oliveira, impresso pela Federação Espírita do Estado de Goiás)
Nome
Local
Época
Nome
Época
nihil
Profeta Isaac
c. 1900 a.C.
Hatshepsut
Egito – Tebas
c. 1470 a.C.
Faraó Hatshepsut
c. 1.470 a.C.
Chams
Egito – Tanis
c. 800 a.C.
Faraó Chams
c. 800 a.C.
Sacerdotisa
Grécia – Atenas
c. 600 a.C.
nihil
nihil
Profeta Daniel
c. 622 a 550 a.C.
Platão
c. 428 a 348 a.C.
Druida Allan Kardec
c. 58 a 44 a.C.
Lucina
Itália -Roma
60 a.C.
nihil
Flávia Cornélia
Roma e Palestina
26 a 79 d.C.
nihil
nihil
João Evangelista
c. 10 a 103 d.C.
Lívia
Ciprus, Massilia, Lugdnm, Neapolis
233 a 256 d.C.
nihil
nihil
Santo Antão
251 a 356
Um sacerdote
c. 440 a 530
Francisco de Assis
1182 a 1226
Lucrezja di Colinna
Itália -
Século XIII
nihil
nihil
Jan Huss
1369 a 1415
Joana de Castela (a louca)
Espanha
1479 a 1555
nihil
nihil
Manuel de Paiva
1508 a 1584
Dama da corte francesa
França
1556
nihil
Joanne d'Arencourt
França – Arras
Séc. XVIII – 1789 Rev. Francesa
nihil
Dolores Del Sarte Hurquesa Hernandes
Espanha – Barcelona
Séc. XIX
Hippolyte Léon Denizard Rivail
1804 a 1869
Chico Xavier
Brasil – Pedro Leopoldo
1910 a 2002
Chico Xavier
1910 a 2002
A obra de Carlos Alberto Braga é baseada nos relatos de Arnaldo Rocha, que, segundo ele nos informa, foi amigo e confidente de Chico Xavier. Uma publicação da União Espírita Mineira.
Observar que no quadro além dos personagens divergirem, há sérios conflitos de datas.
Por outro lado, se pela lista, Kardec foi João Evangelista e Platão, como então fica a assinatura de ambos em Prolegômenos (O Livro dos Espíritos)?
Quanto ao fato da coordenação dos espíritos da codificação ter sido exercida por João Evangelista, isso, também não procede, pois, conforme Kardec, quem exercia essa função era o Espírito de Verdade, fato que, ainda, se pode corroborar em uma das mensagens de Erasto.
Wilson Garcia, em Chico você é Kardec?, apresenta uma entrevista publicada no “'Diário da Manhã”, de Goiânia, em 1998, na qual Chico nega ser Kardec.
Fora isso, podemos acrescentar aquilo que já dissemos anteriormente, os que advogam a tese que Chico foi Kardec têm a obrigação de provar que todas as vezes que Kardec, manifestou-se em espírito, Chico estava dormindo ou numa condição tal que seu espírito pudesse desligar-se do corpo para se manifestar como Kardec. Inclusive, ele esteve “assessorando” Léon Denis durante o período e 1926 a 1927, quando este estava escrevendo uma obra O Gênio Céltico.
Quando Kardec ficou sabendo que o seu desencarne estava se aproximando, ele também teve a notícia que voltaria para completar a sua missão. Comparando-se a forma de trabalho de ambos, Kardec e Chico, vemos que esse último, considerado como o brasileiro do século, apenas serviu de intermediário dos espíritos, enquanto que o primeiro fez todo um trabalho de coordenação, que para isso se utilizou de pesquisas e muita análise crítica, não colocando como ponto doutrinário senão aquilo que foi confirmado por vários espíritos, por vários médiuns de localidades diferentes. Ora, nem mesmo as obras de André Luiz, que dizem completar a doutrina, passaram por esse controle. Com isso não queremos desmerecer essas obras, apenas estamos registrando o fato.
É lamentável que tudo isso venha acontecendo no Movimento Espírita, coisas que os detratores usam como arma contra o Espiritismo.
Pesquisamos na Internet e encontramos vários candidatos a ser o Codificador reencarnado, então:
Que se apresentem os candidatos a Kardec reencarnado
É interessante como insistem em querer nomear algumas pessoas como sendo Kardec reencarnado, e, infelizmente, nem o Movimento Espírita, escapou desse tipo de fanatismo, indo mais além, criando polêmica sobre isso. Temos, inclusive, duas Federativas publicando obras que são contraditórias sobre a pretensa reencarnação de Kardec como Chico Xavier, conforme demonstramos em nosso texto “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, postado em Artigos e Estudos, em nosso site www.paulosnetos.net.
Isto tem sido um prato cheio para os detratores do Espiritismo que recebe do próprio Movimento Espírita munição para seus constantes ataques.
O primeiro ponto, é que essa de se descobrir o Kardec reencarnado não é algo novo; Léon Denis nos dá conta disso, em O Gênio Céltico e o mundo invisível, ao falar dos que objetavam sobre as mensagens enviadas pelo Espírito Allan Kardec, afirmou:
Uma outra objeção consiste em pretender que Allan kardec está reencarnado no Havre, desde 1897. Ele teria chegado, portanto, aos trinta anos de sua nova existência terrestre. (Este livro foi escrito em 1927, N.T.) Ora, pode-se admitir que um espírito deste valor tenha esperado tão longo tempo para se revelar por obras ou ações adequadas? Além disso, Allan Kardec não se comunica unicamente em Tours, mas também em muitos outros grupos espíritas da França e da Bélgica. Em todos esses lugares, ele se afirma pela autoridade de sua palavra e a prudência de suas observações. (DENIS, 2001, p. 278-279, grifo nosso).
Como, anteriormente, já argumentamos (“Kardec reencarnou-se como Chico Xavier”, disponível em Artigos e Estudos, em nosso site www.paulosnetos.net), cabe aos partidários de que Kardec teria sido algum personagem específico, provar que neste período em que o Espírito Allan Kardec se manifestava na França, inclusive, “assessorando” diretamente Léon Denis, o candidato a sua reencarnação estava dormindo ou num estado em que seu espírito pudesse se emancipar para manifestar-se nestas localidades mencionadas.
Resolvemos pesquisar e encontramos cinco candidatos:
1) Alziro Abrahão Elias David Zarur (1914-1979) foi um jornalista, radialista, poeta e escritor, fundador e primeiro presidente da Legião da Boa Vontade. (Wikipédia).
Allan Kardec recebeu de Seus Amigos Espirituais em meados do século passado, a notícia de que regressaria à Terra para completar a sua missão, porque o Espiritismo não dera a última palavra”. “... Ora, tudo isso está matematicamente cumprido no Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho e do Apocalipse, graças à ação heroica, pertinaz de Alziro Zarur: Kardec veio. Cumpriu, na íntegra, a segunda metade de sua admirável tarefa missionária”. “... os irmãos espíritas, diante da marcha inexorável da Verdade, reconhecerão que Alziro Zarur foi Kardec que voltou. E completou a missão do Espiritismo, com a RELIGIÃO DE DEUS...”. (A Saga de Alziro Zarur-III, JESUS, Zarur, Kardec, Roustaing Na Quarta Revelação, 5ª edição, p. 11-13) (site CACP Ministério Apologético, grifo nosso).
2) Ennio Schiess, não conseguimos nenhum dado biográfico sobre ele.
A informação a seguir, consta no site Candeia, em referência ao livro Obras Atuais – Vinda de Jesus:
Livro que ensina orações, reúne versos, depoimentos e fala sobre os trabalhos realizados pelo médium Ennio Schiess, que afirma ser Allan Kardec reencarnado e se diz receber o espírito de Jesus Cristo. (http://www.candeia.com/produto.asp?section=1&id=7481, grifo nosso)
3) Osvaldo Polidoro (1910-2000)
No site O Divinismo, encontramos:
Em 5 de junho de 1910, Allan Kardec reencarnou com o nome de Osvaldo Polidoro, na cidade de São Paulo. O maior trabalhador da Doutrina do Caminho que a Terra pôde conhecer escreveu, nesta encarnação, dentre inúmeras outras obras, 116 livros, restaurando tudo o que já foi ensinado no nosso planeta em termos de Verdades Divinas, tendo aprofundado muitos pontos que atualmente já temos condição de entender melhor.
Por meio do livro Evangelho Eterno e Orações Prodigiosas, prometido em Apocalipse 14,6, instituiu o Divinismo, a Doutrina Integral.
Ao desencarnar, em 25 de dezembro de 2000, Osvaldo Polidoro deixou no mundo, com a restauração concluída, “UM DEUS, UMA VERDADE, UMA DOUTRINA”. (http://divinismo.org/, grifo nosso).
4) Chico Xavier (1910-2002), o mineiro do século e o maior brasileiro de todos os tempos, nascido em Pedro Leopoldo, MG.
Essa informação circula no meio espírita sob diversas fontes e depoimentos; citamos, por exemplo, a obra A volta de Allan Kardec, de Weimar Muniz de Oliveira, publicação apoiada pela Federação Espírita do Estado de Goiás.
O estranho é que a União Espírita Mineira publicou a obra Chico Xavier, diálogos e recordações..., de autoria de Carlos Alberto Braga Costa, na qual a reencarnação anterior de Chico Xavier foi como Dolores Del Sarte Hurquesa Hernandes, - Barcelona, Espanha (p. 236). Se duas Federativas não se entendem, o que se pode esperar dos adeptos do Espiritismo?
Quem se interessar pelas divergências entre essas duas publicações, veja o nosso texto “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, disponível na categoria Artigos e Estudos em nosso site: www.paulosnetos.net.
5) Jan Val Ellam, é o pseudônimo usado pelo escritor natalense Rogério de Almeida Freitas (1959- ) (Wikipédia).
Da entrevista do escritor Alfredo Nahas a Alex S. Guimarães, disponível em http://alexscguimaraes.blogspot.com.br/, transcrevemos o seguinte trecho:
ALEX – Há mais de um ano atrás nos encontramos em Jacareí-SP, onde você falou sobre diversas personalidades da história que reencarnaram novamente depois, divulgando até os nomes dos mesmos os co-relacionando. Você poderia dizer alguns deles para nós?
ALFREDO – Este assunto é sempre polêmico, pois há opiniões contraditórias, de difícil comprovação. Mas de todos os que conheço e posso falar com mais certeza, como opinião pessoal minha, é da reencarnação de Kardec no Brasil, em Natal no Rio Grande do Norte, na pessoa de Jan Val Ellam. (grifo nosso).
Esta lista não está fechada, portanto, podem-se apresentar novos canditados.
Só por equívoco Chico Xavier foi Kardec
Temos em mãos o livro “Até sempre, Chico Xavier”, de autoria de Nena Galves, publicação do Centro Espírita União, no qual encontramos mais alguma coisa, que ajudará em muito a solução do caso de Chico ser ou não a reencarnação de Allan Kardec.
Indiscutivelmente D. Nena Galves foi amiga de Chico, o que ela demonstra com várias fotos, talvez para que não pairasse nenhuma dúvida sobre isso. Um detalhe que nos chamou a atenção é que ela não teve a mínima preocupação em identificar quem foi Chico na reencarnação passada, como alguns dos que dizem ser seus “amigos” espalham, a nosso ver, sem provas convincentes, que ele teria sido Kardec.
O capítulo dois tem o título “Reencontro de corações”, de onde transcrevemos:
Os bons ou maus momentos que passamos são sempre lembrados, são pontos definitivos em nossas vidas.
Maio de 1959 é data que recordamos com imensa alegria.
O encontro com Chico Xavier fez florescer na memória atual reencarnações passadas na Espanha e na França. Chico nos confidenciou que nos reconheceu imediatamente. Galves e eu sentimos uma atração imensa, uma grande afeição, e quando Chico tomou as mãos de Galves e as minhas entre as suas e as beijou, tivemos a certeza de que suas mãos e as nossas já haviam estado unidas num passado distante. Foi uma volta a tempos longínquos e um despertar no presente. Tivemos a impressão exata de que nos localizávamos no espaço e no tempo. (GALVES, 2011, p. 19, grifo nosso).
Ora, aqui é taxativo o fato de que Chico viveu na Espanha e na França, com o casal Galves, o que derruba a tese dos que defendem ter sido ele Kardec e confirma o que Carlos Alberto Braga Costa afirma na obra Chico Xavier, diálogos e recordações... sobre as reencarnações anteriores de Chico, conforme se pode ver em meu artigo publicado em 02 de dezembro de 2012, intitulado “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, disponível pelo link:  (http://www.oconsolador.com.br/ano6/289/paulo_neto.html).
No texto “Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet”, publicado na revista eletrônica digital O Consolador([4]), o autor Luciano dos Anjos também apresenta várias reencarnações do Chico, embora em quantidade superior às apresentadas por Carlos Alberto, a maioria confirma as listadas por ele([5]). Destaque especial para Ruth-Céline Japhet, uma das médiuns que colaborou com Kardec quando da elaboração das obras da Codificação Espírita.
E para completar o xeque-mate, a favor do que diz, D. Nena apresenta dois cartões-postais (p. 21) nos quais o Chico de próprio punho confirma ter vivido na Espanha, com o casal, ao dizer “lembrança de nossa querida España”. Vejamo-los:
Uma dessas imagens, a da espanhola, fez-nos lembrar que na obra citada do Carlos Alberto Braga Costa havia alguma coisa neste sentido. E não deu outra; a encontramos numa fala de Arnaldo Rocha, que, por oportuno, transcrevemos:
Meses se passaram e a Senhora Aida Fassanello voltou à casa de Chico, levando um presente para Alma Querida. Tratava-se de um quadro pintado a óleo, muito bonito, que retratava uma cena no mínimo curiosa, de três espanholas com roupas do século XIX. Sentada sobre uma mesa, a primeira tocava uma guitarra, enquanto as outras duas dançavam com suas castanholas.
Chico, muito emocionado com o presente, confidenciou-me: “Ela conseguiu registrar, na tela do quadro, o que captou da história que lhe descrevi, sobre nossa amizade anteriormente vivida. Éramos três grandes amigas, (Chico revela que a outra personagem se chamava Maria Yolanda – referindo-se a Dona Neném), e vivemos na cidade de Barcelona no século XIX, meu nome era Dolores del Sarte Hurquesa Hernandes”. (COSTA, 2006, p. 236, itálico do original, grifo nosso).
Voltando à obra de D. Nena Galves; mais à frente ela informa:
Chico dedicou atenção especial para nós, como se fôssemos velhos amigos. Tempos depois, ele confidenciou-nos que Emmanuel havia prometido que ele reencontraria familiares de outras vidas, já reencarnados em São Paulo. Naquela época, Chico mudara-se recentemente para Uberaba e sentia falta de seus familiares. Consolava-se com as palavras de Emmanuel e esperava a nova família do passado que chegaria em breve.
Ele nos reconheceu prontamente. Nós sentimos profunda atração por ele, mas tivemos alguma dificuldade em relembrar o passado que pouco a pouco foi surgindo. Voltamos assiduamente a Uberaba para visitá-lo. Nesses encontros fraternos foram acentuando-se as lembranças do passado e a alegria no trabalho doutrinário espírita. [...]. (GALVES, 2011, p. 32, grifo nosso).
Um desabafo de D. Nena que, embora não relacionado diretamente com o assunto, importa destacá-lo, pois pode ser que nas “entrelinhas” tenha algo, sim:
Depois de sua desencarnação, apareceram diversas pessoas que se autodenominaram amigos antigos do médium. Entretanto, essas pessoas nunca compartilharam com ele das lutas e sacrifícios que enfrentou em favor do movimento espírita.
Muitas comunicações mediúnicas atribuídas ao médium desencarnado não correspondem às confidências que conhecemos. Ao compará-las, nos perguntamos: será possível que Chico tenha mudado tanto? (GALVES, 2011, p. 139-140, grifo nosso).
D. Nena, mais para o final da obra, informa que todo ano Chico Xavier ia comemorar com eles a data de nascimento de Kardec. Coloca trechos da entrevista de Chico ao amigo Luiz Rodovil Rossi, que vale a pena transcrever alguns deles:
ROSSI: Querido Chico, é com enorme prazer e honra que o recebemos mais uma vez aqui no Centro Espírita União. Nós gostaríamos de ouvir um pouquinho a respeito da semana de Kardec e da feira do Centro União, às quais você comparece com tanto carinho todos os anos.
CHICO: Estamos aqui diante da bondade de todos e especialmente do nosso amigo Dr. Luiz Rossi, que lembra a nossa palavra simples e desataviada para exaltarmos a memória de Allan Kardec, o mentor inesquecível a quem devemos tanto.
Nosso amigo fala em prazer e honra, mas esses dois substantivos ajudam a mim, de vez que essa honra e esse prazer não me pertencem, pois na verdade, não mereço estar dentro de nossa comunidade com qualquer destaque especial.
Todos nós conhecemos a altura espiritual de Allan Kardec e reverenciamos nele aquele professor inolvidável, cujos ensinamentos atravessam grande parte do século passado. Estamos em pleno século XX e seus ensinamentos nos encontram para nos felicitar com o conhecimento de nossa própria natureza e com o imperativo do nosso aprimoramento espiritual...
Por muito que sejam expressivas as palavras que eu pudesse dizer a respeito de Allan Kardec, elas seriam demasiadamente pálidas para criar em nosso espírito o respeito, a admiração, o carinho e o amor com que não apenas anualmente, mas todos os dias, nos lembramos desse homem admirável, cuja herança para nós, da comunidade humana, representa um patrimônio de paz e luz.
Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo que engrandeça Allan Kardec onde estiver. Que ele possa receber as vibrações de nossos melhores sentimentos e que o Centro Espírita União continue nessa obra maravilhosa de redenção humana, a abraçar os necessitados, difundir a luz e honrar Allan Kardec por meio dos seus dignos diretores e dos dignos companheiros que me escutam, em memória daquele que não podemos esquecer.
Allan Kardec vive. Esta é uma afirmativa que eu quisera pronunciar com uma voz que no momento não tenho. Mas com todo o coração, repito: Deus engrandeça o nosso codificador, o codificador da nossa Doutrina! Que ele se sinta cada vez mais feliz em observar que as suas ideias e suas lições permanecem acima do tempo, auxiliando-nos a viver. É o que eu pobremente posso dizer na saudação que Allan Kardec merece de nós todos. Sei que cada um de nós, na intimidade doméstica, torná-lo-á lembrado e cada vez mais honrado, não só pelos espíritas do Brasil, mas do mundo inteiro. (GALVES, 2011, p. 213-216).
As considerações que Chico Xavier fez a Kardec soam estranhas caso ele, realmente, soubesse ser o Codificador reencarnado, pois pareceria pura bajulação de si mesmo, o que, convenhamos, não combina com o que conhecemos de sua personalidade.
Para concluir este artigo, trazemos duas importantes falas de Kardec.
A primeira, encontraremos na Revista Espírita 1859, no artigo “Deve-se publicar tudo quanto dizem os espíritos?”, do qual ressaltamos o seguinte trecho:
[…] O erro de certos autores é o de escrever sobre um assunto antes de tê-lo aprofundado suficientemente, e, por aí, dar lugar a uma crítica fundada. Lamentam-se do julgamento temerário de seus antagonistas: não prestam atenção ao fato de que, eles mesmos, frequentemente, mostram o ponto fraco. […] (KARDEC, 1993e, p. 283).
A segunda, consta da obra Viagem Espírita em 1862, da qual transcrevemos:
É preciso que se saiba que o Espiritismo sério patrocina com satisfação e zelo toda obra feita em boas condições, venha de onde vier; mas, por outro lado, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que se empenham para que a Doutrina não seja comprometida devem, pois, esforçar-se para as condenar, tanto mais porque, se algumas delas são feitas de boa fé, outras podem sê-lo pelos próprios inimigos do Espiritismo, tendo em vista desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Daí por que, repito, é necessário que se conheça o que ele aceita, daquilo que repudia. (KARDEC, 2000d, p. 98).
As recomendações, que constam destas considerações de Kardec, são tão óbvias que não ousamos acrescentar-lhes mais nada.



Paulo da Silva Neto Sobrinho
out/2013.



Referências bibliográficas:
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Tib%C3%A9rio, acesso em 20.10.2013, às 08:20hs.


Os textos de nossa autoria citados podem ser lidos em:





[1]          Nessa obra o nome do autor consta Jacó Abramovitch Lentsman, porém, parece-nos que os nomes próprios não devem ser traduzidos, é por isso que em vez de Jacó colocamos Iakov.
[2]    Na terceira edição corrigida e modificada é o Cap. VI.
[3]    WANTUIL, Z. e THISEN, F. Allan Kardec (pesquisa biobibliográfica e ensaios de interpretação). Vol. III. Rio de Janeiro: FEB, 1992, p. 380-381.
[4]          Texto publicado em duas partes, links: http://www.oconsolador.com.br/ano4/204/especial.html e http://www.oconsolador.com.br/ano5/205/especial.html
[5]    Quadro comparativo disponível em: http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/476-comparacao-entre-as-tres-publicacoes-das-supostas-reencarnacoes-de-chico-xavier

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