Paulo da Silva Neto Sobrinho
Jan/2013
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Paulo Neto |
Infelizmente temos visto uma gama considerável de companheiros abrindo mão da fé raciocinada para, de uma certa forma, abraçar a fé cega, quando passam a acreditar na infalibilidade de espíritos ou de determinados médiuns, especialmente, os mais renomados; entre os espíritos, para exemplificar, citamos André Luiz, Emmanuel, Joanna de Ângelis, e entre os médiuns destacamos Chico Xavier, Divaldo P. Franco e José Raul Teixeira.
Em que pese toda a sabedoria de todos esses personagens citados, eles não são infalíveis e muitas de suas opiniões apenas refletem seus conhecimentos, e como a ninguém é dado saber tudo, podem, eventualmente, emitirem alguma consideração de forma equivocada. E pelo amor de Deus, não nos entendam como alguém que querer desmerecê-los, pois, isso jamais passa por nossa cabeça, que fique bem claro. E a eles até pedimos desculpas por citá-los.
Entretanto, não podemos ficar calados diante de tanto endeusamento como anda acontecendo em nosso meio, para isso vamos mencionar um tema que reflete muito bem essa situação.
Quantos de nós já não ouvimos dizer que um espírito não toma posse física de um encarnado, como base, apresentam-nos as obras O Livro dos Espíritos (questões 473 e 474) e O Livro dos Médiuns (cap. XXIII – Da Obsessão, itens 240 e 241). É certo, que em tais obras as considerações de Kardec e dos Espíritos Superiores é de que não haveria possessão, no sentido semântico do termo, ou seja, o de ocorrer uma posse física do corpo de um encarnado; porém, Kardec mudou de ideia, fato que iremos apresentar um pouco mais à frente.
Para corroborar o que estamos dizendo sobre essa crença cega, mais apropriada a pessoas fanáticas, trazemos duas falas, com as quais temos por objetivo apenas justificar o que vemos ocorrer, sem qualquer sentido de crítica negativa ou menosprezo dos envolvidos, até mesmo porque, por muito tempo, nós também comungávamos com o pensamento deles.
Encontramos a primeira fala no livro Desafios da Mediunidade, ditado pelo Espírito Camilo, na psicografia de Raul Teixeira, do qual transcrevemos a resposta à pergunta “É correto falar-se em 'incorporação'?”:
Não se trata bem da questão de certo ou errado. Trata-se de uma utilização tradicional, uma vez que nenhum estudioso do Espiritismo, hoje em dia, irá supor que um desencarnado possa “penetrar” o corpo de um médium, como se poderia admitir num passado não muito distante. […] (TEIXEIRA, 2012, p. 47) (grifo nosso).
A segunda fala a trazemos de uma entrevista de Divaldo P. Franco ao Programa Transição, sobre Mediunidade, no qual comentando uma ocorrência mediúnica em Ghost, filme norte-americano de 1990, do gênero romance, dirigido por Jerry Zucker e com roteiro de Bruce Joel Rubin. em que o espírito Sam Wheat (Patrick Swayze) se manifesta a Oda Mae Brown (Whoopi Goldberg), a certa altura, ele afirma:
Gostaria de fazer um pequeno adendo. É que posteriormente, nas comunicações tem-se a impressão que o desencarnado entrava no corpo da médium para poder comunicar-se. Essa informação não é verdadeira. Embora o filme seja muito bem elaborado, ele foge um pouco à técnica do fenômeno da mediunidade. Os fenômenos mediúnicos ocorrem através do perispírito do médium. O perispírito do desencarnado ou corpo astral, como normalmente é denominado, ao acoplar-se ao corpo astral do médium ou perispírito, palavra cunhada por Allan Kardec, transmite as suas emoções, as suas sensações e através do direcionamento psíquico comandando o chacra coronário e o chacra cerebral, a sede da consciência e a sede da superconsciência, transmite com naturalidade as informações. Foi um dos detalhes que, no filme, me chamou a atenção. Dando a impressão que o espírito entra no médium, conforme o líquido no vasilhame, não é exatamente assim. (FRANCO, 2008, de 19' 22'' a 20' 25'').
O nobre tribuno baiano, pelo qual nutrimos um incomensurável respeito, confirma o que foi dito pelo espírito Camilo, demonstrando que também alguns encarnados comungam de sua opinião, embora, no caso, não possamos afirmar que Divaldo tenha tomado essa ideia dele; particularmente, achamos que não.
Assim, tem-se mantido a opinião de que não há posse física, baseando-se em informações como essas duas exemplificadas. O que não se tem dado o devido valor é que Kardec nunca agiu dessa maneira, aliás, prudentemente, sempre considerava a opinião de um espírito como apenas uma opinião individual, que não poderia fazer parte do corpo doutrinário do Espiritismo, enquanto não fosse submetida ao crivo do Controle Universal do Ensino dos Espíritos, como podemos ver em seus comentários a respeito da obra intitulada Os Evangelhos Explicados:
[...] Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais aos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todos os casos, têm necessidade da sanção do controle universal, e até mais ampla confirmação não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita.
Quando tratarmos essas questões, o faremos sem cerimônia; mas é que, então, teremos recolhido os documentos bastante numerosos, nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, para poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim que fazemos todas as vezes que se trata de formular um princípio capital. Nós os dissemos cem vezes, para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica, para as coisas que não podemos controlar por nossos próprios olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como uma verdade absoluta, se, mais tarde, ela devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritos? (KARDEC, 1993i, p. 191) (grifo nosso).
Enquanto Kardec analisa uma obra e não a sanciona, esperando a sua confirmação universal, nós, infelizmente, estamos aceitando qualquer informação ou até mesmo alguma novidade pelo motivo dela ter vindo de determinado Espírito ou de determinado médium. Falta-nos seguir Kardec que, taxativamente, disse: “para nós a opinião de um Espírito, qualquer que seja o nome que traga, não tem senão o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica”. (KARDEC, 1993i, p. 191) (grifo nosso).
As orientações do Codificador são claras, conforme pode-se também ver nesta outra transcrição:
O Espiritismo não é mais a obra de um único Espírito como não é a de um único homem; é a obra dos Espíritos em geral. Segue-se que a opinião de um Espírito sobre um princípio qualquer não é considerada pelos Espíritos senão como uma opinião individual, que pode ser justa ou falsa, e não tem valor senão quando é sancionada pelo ensino da maioria, dado sobre os diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que fez o que ele é, e que fará o que será. Diante desse poderoso critério caem necessariamente todas as teorias particulares que sejam o produto de ideias sistemáticas, seja de um homem, seja de um Espírito isolado. Uma ideia falsa pode, sem dúvida, agrupar ao seu redor alguns partidários, mas não prevalecerá jamais contra aquela que é ensinada por toda a parte. (KARDEC, 2000c, p. 306) (grifo nosso).
Conforme já mencionado, informamos que o próprio Kardec mudou de opinião em relação ao assunto “posse física”, tornado, portanto, sem efeito o teor dos tópicos sobre o assunto constantes de O Livro dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns, obras que ainda continuam sendo base para opinião de muitos companheiros.
Essa mudança de opinião pode ser confirmada em a Revista Espírita 1863, mês de dezembro, quando ele, após ter uma prova de que há possessão física, retifica o seu pensamento anterior. Vejamos a transcrição do fato:
Um caso de possessão
Senhoria Julie
Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar da palavra, mas subjugados; retornamos sobre esta afirmação muito absoluta, porque nos está demonstrado agora que pode ali haver possessão verdadeira, quer dizer, substituição, parcial no entanto, de um Espírito errante ao Espírito encarnado. Eis um primeiro fato que é a prova disto, e que apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade. […].
[...] Ele [o espírito] declara que, querendo conversar com seu antigo amigo, aproveitou de um momento em que o Espírito da Senhora A..., a sonâmbula, estava afastado de seu corpo, para se colocar em seu lugar. […].
P. Que fez durante esse tempo o Espírito da senhora A...? – R. Estava lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me nesse vestuário.
(KARDEC, 2000b, p. 373-374) (grifo nosso).
Não há dúvida alguma de que Kardec mudou de opinião passando então a admitir a possibilidade da possessão física. O problema é que ele não fez questão de alterar o que havia dito em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, só o fazendo em A Gênese, último livro doutrinário que publica, obra a qual, infelizmente, poucos espíritas dedicam-se a estudá-la, daí incorrerem no lamentável equívoco de continuarem afirmando não haver posse física.
Vejamos o que consta em A Gênese, no capítulo XIV, Os Fluidos, onde ao tratar das obsessões e possessões, Kardec diz:
47. - Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado por uma como que teia e constrangido a proceder contra a sua vontade.
Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção. (Cap. XI, nº. 18.)
De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra; quem o haja conhecido em vida, reconhece-lhe a linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia.
48. - Na obsessão há sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria seu fato a outro encarnado. Isso se verifica sem qualquer perturbação ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo.
Quando é mau o Espírito possessor, as coisas se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante força moral para lhe resistir. Fá-lo por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo, já por estrangulação, já atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades e a atos que apresentam todos os caracteres da loucura furiosa. (KARDEC, 2007e, p. 349-350) (grifo nosso).
Embora o termo possessão até rime com obsessão, é bom ressaltar que o fato de a posse física ocorrer até mesmo com um espírito bom, significa dizer que ela não se enquadra, necessariamente, como sendo um processo obsessivo.
Ficaríamos felizes em ver esse assunto sendo tratado de forma correta, para isso tomamos a liberdade de sugerir, aos que se interessarem, os nossos textos disponíveis em nosso site www.paulosnetos.net: Possessão: há posse física de um encarnado? e Incorporação por Espíritos.
Referências bibliográficas:
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1863, Araras – SP: IDE, 2000b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1865. Araras, SP: IDE, 2000c.
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993i.
TEIXEIRA, J. R. Desafios da Mediunidade. Niterói, RJ: Fráter, 2012.
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