Arthur Felipe de A. Ferreira
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Arthur Felipe |
Em um dos nossos últimos artigos, intitulado "Artigo Investigativo: Ramatis pode nem existir", discorremos sobre as semelhanças entre alguns conceitos e textos teosóficos e os ditados do espírito Ramatis, e também acerca da consequente (e grande) possibilidade de Ramatis sequer ter existido ou existir. Desta feita, faremos um exame da biografia de Hercílio Maes, o primeiro médium a alegar ter recebido mensagens daquele espírito.
Em "Simplesmente Hercílio" (Editora do Conhecimento, 2010), o próprio filho de Hercílio, Mauro Maes, discorre sobre acontecimentos ocorridos durante a vida do pai, assim como alguns dos seus pensamentos e opiniões, sendo muitos deles bastante interessantes para a análise que estamos fazendo, em que buscamos, ao máximo, a isenção, para que cheguemos mais próximos da Verdade.
Resumamos algumas das informações constantes do livro que consideramos como as mais relevantes para o objeto de nossa pesquisa. Citaremos as páginas do livro para que o leitor possa aferir com mais facilidade o que declaramos.
1 - É informado que Hercílio Maes recebeu uma educação católica a contragosto, já que sua mãe era católica fervorosa. Para satisfazer o desejo da mãe, foi coroinha. Por conta disso, na juventude tornou-se ateu, opção que, segundo seu filho, conservou-se por muito tempo (pág. 12). Teria sido somente por ocasião de um atropelamento a um casal que Hercílio teria se aproximado do Espiritismo (pág. 15). No entanto, é dito alhures que ele teria tido contato com Ramatis já aos três anos de idade, o que faz com que haja aí um grande contrassenso no que concerne à sua posterior opção pelo ateísmo. É dito que Ramatis teria feito essa primeira aparição "completamente materializado", envergando um turbante com uma pedra verde e uma cruz dentro de um triângulo. Algo que, de tão impressionante, dificilmente teria sido deixado de lado por alguém.
2 - Aos 30 anos teria acontecido o segundo contato. Hercílio Maes alegava ser dotado de "mediunidade intuitiva" e teria usado dessa faculdade para escrever as obras atribuídas a Ramatis, embora fosse também médium psicógrafo (pág.18). Guardou as primeiras mensagens, todas escritas com utilização de uma máquina de escrever, até que um amigo militar chamado Levino Cornélio Wischral se interessou e, entusiasmado, o incentivou para que fossem publicadas, passando, então, a revisá-las. Percebe-se aí que não foi feito qualquer tipo de estudo analítico das obras antes de sua publicação, tendo as mensagens ficado restritas a um pequeno grupo de pessoas antes de irem direto para o prelo. Levino já havia incursionado por esse terreno movediço com a publicação de um folheto intitulado “O Sol”, onde um espírito chamado Henrique Voes teria descrito o Sol e seus habitantes (!) através de uma médium chamada Guilhermina Drischel. Parecia ter um gosto especial por obras de cunho duvidoso: foi ainda prefaciador do livro “Num Disco Voador Visitei Outro Planeta”. Trataremos mais detalhadamente sobre o opúsculo “O Sol” em outra oportunidade.
3 - Tempos depois, Hercílio passou a reunir pessoas em sua casa a fim de formular perguntas a Ramatis, sendo que o próprio espírito, segundo é relatado, sugeria algumas delas. Como isso acontecia não é esclarecido, já que Hercílio não recebia mensagens de Ramatis nem através da psicografia, nem pela psicofonia. Somente se pode contar com o relato do médium, e nenhuma prova cabal de contato mediúnico direto é demonstrada, uma vez que as supostas mensagens eram recebidas “intuitivamente”.
4 - Por conta disso, à página 20, é relatado que Hercílio sofreu críticas de grandes vultos do Movimento Espírita, tais como Herculano Pires, Jorge Rizzini e Henrique Rodrigues, logo após o surgimento da primeira obra, intitulada "A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores", lançada pela Editora da Boa Vontade, ligada à LBV de Alziro Zarur, que sempre defendera a tese do “de 1000 passará, mas a 2000 não chegará”, incessantemente repetida em seus programas de rádio. Acreditavam eles que as obras eram de origem anímica, algo que jamais ficou bem esclarecido para o público em geral. No entanto, com as pesquisas que recentemente envidamos, ficou evidenciado que tais ditados têm incrível semelhança com certos escritos anteriores de autores teosóficos, o que certamente foi verificado, à época, por Herculano Pires, estudioso da Teosofia antes de conhecer o Espiritismo.
Incomodado com as críticas bem fundamentadas, Hercílio Maes alegou não ser importante a autoria das mensagens, mas seu conteúdo:
"Mesmo que Ramatis não existisse, mesmo supondo-se a tese de Herculano Pires, o que importa é o conteúdo das mensagens. (...) Que importa que fossem inspiração minha? Eu também sou um espírito.(...)"
É realmente impressionante como a atitude do analista é vista como condenável no meio espírita. Isso demonstra desconhecimento da obra kardeciana. “Os médiuns geralmente assumem a condição de ofendidos, e aparecem aos olhos da sociedade como infelizes e injustiçados”, conforme pontua Wilson Garcia, no ótimo “Uma Janela para Kardec” (Editora EME). O autor também enfatiza que analisar a identidade e o pensamento dos espíritos não é apenas necessidade, mas verdadeira obrigação. Foi um espírito quem nos instrui sobre isso na Codificação: “É isto que exige um muito grande estudo da parte de espíritas esclarecidos e dos médiuns; em distinguir o verdadeiro do falso é que devemos dirigir toda nossa atenção”.
No que diz respeito diretamente à declaração de Hercílio transcrita acima, Kardec reconhece que a “identidade dos Espíritos é uma das mais discutidas, mesmo entre os adeptos do Espiritismo”, não deixando de ressaltar que “em muitos casos, a identidade absoluta é uma questão secundária e sem importância real.” É preciso convir, no entanto, que a identificação é absolutamente desnecessária apenas quando “se trata de instruções gerais”, o que não se aplica a mensagens assinadas por espíritos que se posicionam como superiores, como é o caso de Ramatis, por exemplo. Tanto é que consta de “O Livro dos Médiuns” a análise de três mensagens cujo autor espiritual teria sido São Francisco de Paula. A apreciação dessas mensagens demonstra que é preciso, às vezes, certa argúcia para que se perceba o engodo que o espírito engendra, algo que, infelizmente, não ocorre porque grande parte do contingente espírita não estuda as obras da Codificação, não lhe conhece os princípios, o método e sua real proposta.
5 - Mais adiante no livro, o autor tece comentários sobre a vida cotidiana de Hercílio Maes e família. Afirma que o pai fazia questão que os filhos compreendessem as bases da Doutrina Espírita e que elas fizessem parte da educação desde tenra idade. Além disso, é contado que fenômenos mediúnicos ocorriam vez ou outra, tendo os filhos conhecimento do trabalho do pai como autor de livros de origem mediúnica. Estranhamente, é informado, alguns capítulos adiante, que seus filhos converteram-se a religiões protestantes. "Yara frequentava a igreja dos Mórmons, Zeila a igreja presbiteriana e eu a igreja evangélica" (pág. 26). Nem é preciso lembrar ao leitor deste artigo que todas essas religiões condenam veementemente o Espiritismo, a prática mediúnica e os próprios espíritas, além de seus ensinamentos colidirem frontalmente com a Doutrina. Mauro Maes, o autor do livro em questão, houvera sido, inclusive, incumbido pelo pai, aos 12 anos de idade, de passar a limpo as páginas do livro "A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores", sua primeira obra. A meu ver, é bastante improvável que alguém, no caso todos os filhos, tendo tido um contato tão de perto com o Espiritismo desde tenra idade através do próprio pai que tanto diziam seguir e admirar, pudesse vir a seguir movimentos religiosos tão antagônicos. De duas, uma: ou esse contato com o Espiritismo não foi tão intenso assim, de modo que acabou por não convencer ninguém, ou havia uma dúvida no ar sobre a veracidade e/ou origem dos fenômenos dos quais o pai dizia ser intermediário.
6 - Consta do mesmo livro que Maes possuía uma compreensão integral e profunda da Doutrina Espírita. No entanto, são relatadas ocasiões onde fica evidenciada uma aproximação muito maior com a Umbanda que, embora respeitável, possui crenças, práticas e terminologia que lhe são próprias, nada tendo a ver com a Doutrina codificada por Kardec. Uma prova de que Maes passou a confundir as coisas, é que um homem chamado Júlio Simó Costa foi nomeado “cambono” nas reuniões mediúnicas realizadas no escritório de Hercílio Maes. É dito ainda que os móveis eram cobertos com panos brancos, algo que nada tem a ver com aquilo que é aprendido no Espiritismo. As entidades comunicantes eram, além de Ramatis, também ligadas àquele rito africanista.
7 - Como é muito comum no meio umbandista, Hercílio Maes fazia reclamações constantes em relação a não-aceitação de seu trabalho por parte da maioria do contingente espírita brasileiro. O tom da crítica que desferia contra os espíritas era ácido e de cunho pessoal, algo que jamais foi feito por aqueles que não aceitavam as obras de Ramatis, que focavam unicamente nas discrepâncias e exotismos presentes nos ditados daquele espírito, e nunca na figura de seu (suposto) médium. Maes costumava defender o conteúdo de seus livros dizendo que seus críticos não podiam compreendê-los, pois que estavam “na base do leite” (pág. 82), isto é, uma clara insinuação de que as obras elaboradas por Allan Kardec são uma espécie de be-a-bá infantil, amplamente superada pelas suas. Declarou ainda Hercílio Maes sobre os espíritas estudiosos contrários a Ramatis: “São limitados, com preconceitos e sempre achando que o Espiritismo é que irá salvar o mundo, quando antes de Buda o céu já era povoado de santos!” Um argumento fraco, evidentemente, já que nenhum deles jamais afirmou algo parecido.
8 - Defensor do “universalismo”, uma espécie de sincretismo disfarçado, Hercílio Maes se auto-proclamava, assim como os defensores desse sistema de ideias, como um espírito “consciente”, enquanto que quem não seguisse a mesma cartilha era “sectário” (pág.82).
Em carta enviada ao Sr. Antonio Plínio da Silva Alvim, presidente de conhecido núcleo ramatisista no Rio de Janeiro, demonstrou um evidente deslumbramento com as mensagens que recebia, e proferiu comentários que possuíam enorme semelhança, tanto na forma, quanto no fundo, com as críticas proferidas pelo “espírito” Ramatis em seus livros:
“Sem dúvida, Antônio, comprovei que realmente existem duas hierarquias de espíritos na Terra: uma que foi exilada de três ou mais planetas, capaz de sentir e compreender a mensagem universalista de Ramatis, e outra que, desenvolvendo sua consciência exclusivamente no psiquismo global, ainda não está em condições de suportar conceitos que ultrapassem os limites de sua conscientização primária. Eles estão certos: a mensagem é demasiadamente além de sua capacidade receptiva intelecto-emotiva. (...) Mas, caro Antônio, apenas trocaram de etiqueta, pois sendo fanáticos, limitados, irônicos e reverendos do catolicismo, assim se mostram no protestantismo, e, finalmente, no espiritismo. São como raposas: trocam de pele, mas não mudam a manha... Antigos clérigos, desde o papado até o irmão leigo dos conventos, adquirem aquela postura secular e conventual de não entregarem o posto antes de morrer! Assim, eles grudam-se 20, 30 ou 40 anos na direção de um centro espírita ou federação, com unhas e dentes, jamais cedendo a vez a novos valores idealistas.”
Talvez ainda não soubesse Hercílio Maes que aquele seu amigo permaneceria no cargo de presidente de um Centro ramatisista em um bairro da zona norte do Rio, ininterruptamente, por 39 anos, de 1964 até 2003, só deixando o cargo após seu desencarne!...
9 - Outras afirmações ousadas e errôneas estão presentes na biografia oficial do médium de Ramatis:
“A obra de Ramatis é complementar à codificação feita por Allan Kardec.” (pág. 93)
Discordamos, já que algo que é complementar jamais seria discordante. Listamos algumas das inúmeras discordâncias em "Breve Resumo de Algumas Diferenças".
“No livro ‘A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores’, Ramatis antecipou um detalhe, à época impensável: quando os marcianos se aproximam das portas de uma residência, elas se abrem e depois se fecham automaticamente.”
Na verdade, a porta automática já havia sido imaginada em 1899, no livro “When the Sleeper Wakes”, por H.G. Wells, e foi efetivamente inventada em 1954, um ano antes da publicação do livro escrito por Maes.
“Quanto ao livro Mensagens do Astral, o derretimento das calotas polares, a verticalização do eixo imaginário da Terra já são realidades.”
A ciência informa que o nível dos mares vem subindo há mais de 20.000 anos, desde o fim da última era glacial. De lá para cá, já ganharam 120 metros. A maior aceleração do derretimento das calotas polares começou a ser verificada entre o final do século XIX até 1940, quando houve a maior parte do aumento de 0,3 a 0,6 grau Celsius na temperatura da Terra. Tal vem se dando devido ao efeito estufa. Nada tem a ver com a teoria ramatisiana, que afirma que a causa seria a aproximação de um astro (o famoso “planeta chupão”), que teria começado a provocar tais mudanças somente a partir de 1950. Ramatis afirma que o ápice desse processo, com catástrofes globais, se daria até 1999, sendo que nada aconteceu. Quanto à verticalização do eixo da Terra, nada de anormal foi verificado até hoje. O movimento ramatisista tenta até hoje arrumar alguma explicação para as previsões que não se cumpriram.
10 - A biografia de Maes conta também com a colaboração de pessoas que lhe foram próximas em vida. A astróloga Mariléia Castro, revisora do livro, se mostrou a mais deslumbrada, e revoltada na mesma intensidade. Chama os espíritas que não aceitam Ramatis de “ex-clérigos da época inquisitorial”. Para justificar a necessidade de aceitação das ideias orientalistas de Maes/Ramatis, alega que Allan Kardec fora um sacerdote druida, embora os druidas tenham vivido na Gália, uma antiga província do Império Romano, hoje território francês, muito distante, pois, do Oriente.
Conta, também, uma história difícil de acreditar e própria de quem alcançou níveis altíssimos de credulidade irrefletida. Diz ter ouvido de Hercílio Maes que este teria sofrido um acidente automobilístico provocado por “forças trevosas” incomodadas com os livros de Ramatis. Não obstante, Hercílio teria se desmaterializado no momento do acidente e se rematerializado instantes depois, já fora do carro. Acredite, caro leitor, se puder...
Seu fascínio pelo médium de Ramatis não para por aí. A Sra. Mariléia de Castro acreditava que Maes podia ir em espírito a Marte e retornar, sendo que, quando voltava, corroborava o que teria ouvido de Ramatis: sim, havia uma civilização hiper mega desenvolvida naquele planeta. Para comprovar tal tese, mostra fotos tiradas do solo marciano onde aparecem uma suposta terraplenagem, um duto e um rosto.
Comecemos pelo rosto: trata-se somente de uma ilusão. Em nova foto tirada do mesmo local tempos depois, a NASA comprovou que é apenas uma colina no imenso deserto marciano. Em comunicado, a agência espacial explicou a ilusão de ótica, dizendo que “a enorme formação rochosa, que lembra uma cabeça humana, é formada por sombras que dão a ilusão de olhos, nariz e boca”. Tal fenômeno é conhecido como pareidolia. Já o suposto “duto” não passa de uma conformação do caótico terreno de Marte. Se houvesse a propalada hiper desenvolvida civilização marciana, dutos certamente teriam uma aparência bem melhor, já que o que lá aparece é fincado no solo e totalmente irregular. O caso da terraplenagem se enquadra no mesmo caso, e na verdade se deve às marcas deixadas no solo de Marte pela correnteza de água há 3,8 bilhões de anos.
Não satisfeita, Mariléia de Castro procura defender a revelação ramatisiana sobre Marte com a citação de autores que a teriam posteriormente referendado. Cita, daí, um artigo que teria sido escrito pelo teosofista Charles Leadbeater em 1955, em que há uma descrição da civilização marciana, segundo ela própria admite, “em termos incrivelmente análogos aos de Ramatis”. O que a Sra. Mariléia não sabe é que Leadbeater desencarnou em 1934. Assim sendo, como já pudemos ver em “Artigo Investigativo: Ramatis pode nem existir”, há uma evidente “inspiração” na obra do teosofista inglês, já que a obra de Ramatis é de 1955, mesmo ano em que a revista “O Teosofista” publicou o tal artigo.
Mais adiante, à página 122, é reproduzida uma entrevista realizada com Hercílio Maes pela revista Panorama em 1969. Ao longo da entrevista, várias imprecisões científicas e doutrinárias são cometidas. Entre elas, o suposto médium de Ramatis afirma que os satélites de Marte são artificiais e que foram lançados pelos habitantes de Marte. Nada mais incorreto e fantasioso. Ocorre é que, em 1959, Walter Scott Houston publicara uma “pegadinha” de 1º de abril (Dia da Mentira) na edição da revista “Great Plains Observer”, anunciando que “o Dr. Arthur Hayall, da Universidade de Sierras, constatou que as luas de Marte são na verdade satélites artificiais”. Só que não havia nem Dr. Hayall, nem Universidade de Sierras, meramente fictícios. A mentira ganhou fama quando o anúncio de Houston foi repetido, aparentemente de maneira séria, pelo cientista soviético Iossif Shklovsky, citado por Hercílio Maes na entrevista.
11 - Ao longo de todo o livro “Simplesmente Hercílio”, depara-se o leitor com inúmeras revelações feitas por Hercílio Maes sobre as vivências pregressas de inúmeras personagens da história. Alegava ele que tinha acesso a tais informações. O interessante, tal como ocorre com outro “médium” de Ramatis, o Sr. Roger Bottini, conforme demonstramos em estudos interiores, é que eles foram sempre criaturas de elevada condição social e/ou espiritual que habitaram planetas adiantados, continentes perdidos, foram faraós, reis, rainhas, parentes próximos de expoentes da Bíblia e do próprio Allan Kardec, conheceram Jesus, enfim, estiveram sempre presentes entre a nata da nata. Só que a mosca azul da vaidade não pica a todos. É contado no livro supracitado que, certa feita, Hercílio teria encontrado a médium Yvonne Pereira no ano de 1969 em um evento, e afirmou que ela teria sido George Sand (pseudônimo de Amandine Dupin), famosa escritora e musa inspiradora de Chopin. Yvonne educadamente negou a tese.
O espírito Vianna de Carvalho comenta essa postura:
“Pseudo-médiuns ou medianeiros em desequilíbrio, assessorados por espíritos levianos, que se comprazem em mantê-los no ridículo, amiúde apresentam-se como reveladores, e o são inconsequentes, ludibriando a boa-fé dos incautos ou incensando os orgulhosos com bombásticas informações em torno do seu passado, com promessas mirabolantes sobre o seu futuro, ou ainda, como emissários de Embaixadores Celestes para evitarem calamidades, assumindo posturas de semi-deuses, que deslumbram os fascinados e se tornam condutores de grupos humanos.
Os Espíritos Nobres não têm qualquer interesse em revelações em torno de personalidades de ontem ou de hoje, evitando a abordagem em torno do que hajam sido, trabalhando em favor do presente, do qual se origina o futuro, que é a grande meta.
Não tem nenhum sentido a busca de informações em torno do passado espiritual, particularmente se se anela por haver sido rei ou príncipe, nobre ou burguês, sábio, guerreiro ilustre, papa ou outra qualquer personagem importante, que em algum momento esteve presente na história.”
Assim sendo, qualquer semelhança não é mera coincidência, querido leitor.
Conclusão
Não há dúvida que Hercílio Maes era um homem de bem. Segundo seu filho e amigos, era dedicado à família e disposto a colaborar com todos. Era também um homem de certa cultura e tinha o dom para a escrita. Venceu concursos literários, foi ex-acadêmico de Medicina e formou-se em Direito e Ciências Contábeis. Ao contrário de Chico Xavier, tinha condições intelectivas para escrever de próprio punho. É muitíssimo provável que isso tenha acontecido, já que as ideias que defendia não encontravam eco na Doutrina Espírita, a qual dizia seguir, mas ao mesmo tempo apresentava similitudes com a Teosofia, o ocultismo e quase toda sorte de crença esotérica. Assim sendo, nada melhor que receber um “espírito de oriental” para fazer valer as verdades que acreditava fazerem falta ao corpo doutrinário espírita.
Herculano Pires, ex-teosofista, foi o primeiro a corajosamente levantar essa tese através da coluna que possuía em um jornal, não se importando com a apressada aceitação dos ditados de Ramatis por parte de numerosos neófitos da Doutrina. Anos depois, com a não confirmação das principais teorias dos ditados atribuídos ao tal “espírito oriental”, tal como a não existência da avançada civilização marciana, até mesmo seus discípulos aventaram a hipótese da influência anímica. Wagner Borges, por exemplo, que afirma receber mensagens de Ramatis, em seu livro “Viagem Espiritual” (1994) cogita essa possibilidade e declara que Ramatis nunca lhe disse coisa alguma sobre marcianos e catástrofes provocadas por um suposto astro intruso.
Hercílio não se apressou muito em publicar o que escrevia. Infelizmente, um amigo se empolgou mais do que deveria, e ignorando o cuidado que se deve ter antes de se publicar algo supostamente advindo do mundo espiritual, tratou de elevar aqueles ditados à conta de revelações indefectíveis, espécie de complemento do grandioso trabalho do Codificador Allan Kardec, embora as condições e qualidade de tais trabalhos em nada se assemelhassem. E como tais mensagens traziam novidades bem ao gosto das massas, repletas de previsões retumbantes, excursões interplanetárias e boa dose de misticismo oriental, as obras atribuídas a um espírito que ostentava um turbante logo começaram a vender como água.
Homens mais experimentados e conhecedores da Doutrina Espírita não se deixaram entusiasmar, exatamente como agiu Kardec ao se deparar muitas vezes com ditados que contrariavam o consenso universal. Herculano Pires, Deolindo Amorim, Jorge Rizzini, Ary Lex, Carlos Imbassahy (o pai), entre outros expoentes, direta ou indiretamente se manifestaram, provocando a ira e o antagonismo dos que aceitavam aquelas mensagens como autênticas revelações de um espírito sábio. Os defensores de Ramatis alegavam que seu médium era homem sem ambições de cunho material, esquecendo-se que nem sempre esta é a única marca de confiabilidade que se espera em um médium para aquilatar o valor das mensagens que recebe. Um médium pode muito bem se enganar em relação às luzes do espírito comunicante, sem contar a hipótese de animismo – ideias que são do médium, mas que são confundidas com as de um espírito.
Foi um eminente físico americano Richard Feynman quem disse: “Sou sábio o suficiente para saber que posso me enganar”. Os ramatisistas parecem não contar com esta possibilidade. Embora os carros-chefes da suposta entidade espiritual tenham se esboroado com o tempo em decorrência do avanço das ciências e da ampliação do conhecimento humano, insistem eles em defender o indefensável, com a criação incessante de teses esdrúxulas, geralmente de fundo conspiratório, como aquela que afirma que os marcianos utilizam hologramas para encobrir a real paisagem do planeta vermelho, já que ao invés dos mares, jardins floridos e marcianos alados descritos por Maes/Ramatis, as sondas não-tripuladas só encontraram um terreno desértico, caótico e desolador.
Assim sendo, é tempo do movimento espírita retomar o bom-senso kardeciano e definitivamente escoimar de seus círculos os movimentos cismáticos que se formaram ao seu redor, entre eles o ramatisismo, cujos adeptos bem poderiam formar seus próprios redutos e movimentos, sem se utilizarem da figura de Allan Kardec e da insígnia espírita para angariar a respeitabilidade que lhes falta. Seria bem mais honesto, coerente e sensato.
Análise crítica dos livros assinados pelo espírito Ramatis.
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