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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

DEFICIÊNCIAS DO TRABALHO ESPIRITUAL NOS CENTROS ESPÍRITAS

A minha fotografia
Mem Martins, Sintra, Portugal


Verifica-se, de há uns anos a esta parte, uma crescente inoperância mediúnica nos Centros espíritas. Os médiuns estão cada vez mais isolados, e com eles os grupos de que fazem parte; a sua autovigilância espiritual está a enfraquecer, o que leva invariavelmente à falta de afecto, móbil imprescindível da actividade mediúnica. 

Constatamos também que os passes de limpeza psico-magnética estão a tornar-se, em alguns casos, num impor de mãos rotineiro, o que é extremamente perigoso. Isto significa que o trabalhador passista precisa de rever constantemente a sua actividade, reformulando-a sempre que tal se torne imperativo, e não pode afirmar, como já ouvimos, que precisa de dar passes senão fica doente. Pelo contrário, o passista “precisa” de dar passes porque sente que com isso contribui para o alívio do sofrimento do outro, o que é totalmente diferente. Se o acto de dar uma peça de roupa a um carenciado não deve servir para colmatar uma necessidade moral, porque o seria um passe, em termos de trabalho espiritual? Um acto é tão caridoso como o outro, se em ambos o amor for o móbil da acção.

Há que perceber que o outro nunca poderá ser um meio para atingir um fim, pois aí estaria a ser usado e não apoiado/ajudado. O outro é um fim em si mesmo, donde o apoio, material ou espiritual, tem a função de o fortalecer na superação dos seus problemas. Por outro lado, a salvação daquele que dá não é uma quantidade, isto é, não é por muito dar que o indivíduo garante a bem-aventurança; a salvação é uma qualidade, ou seja, é no bem dar que reside a felicidade em toda a sua plenitude. Dar muito, mas sem amor, por descargo deconsciência, é mais nocivo que benéfico.

Isto significa que o bem não pode ser feito com fim à salvação. Isso será um meio de trocas comerciais, como cumprir uma promessa em troca de uma graça recebida. Muitos espíritas o criticam, mas não percebem que fazem exactamente o mesmo, segundo moldes diferentes. A salvação é uma sequência lógica do bem que fazemos crescer no outro. Ambos, o que ajuda e o ajudado, caminham juntos rumo a um conceito de felicidade que transcende o mero doar de roupa ou do passe magnético, ou do cumprimento da promessa. 

Ora, o que nos parece que está a faltar nos meios espíritas é toda uma sensibilização para o sofrimento do outro. São praticamente inexistentes os estudos de uma evangelização vocacionada não só para desenvolver uma melhor assistência, mas também aberta ao diálogo com os mais necessitados. Parece que está a ser mais fácil facultar apoio material que apoio espiritual. Além disso, a ausência da noção do pluralismo que caracteriza a nossa época, e com ela o ambiente espiritual de todos aqueles que vêm aos Centros é depreciado. Dito de outro modo, um Espiritismo isolado nunca poderá ter médiuns à altura das necessidades e consequentes exigências espirituais do mundo em que vivemos. 

Com tudo isto, a Doutrina espírita está a ser confrontada com uma crescente e progressiva limitação na capacidade de resposta aos problemas espirituais daqueles que a procuram, deixando-se ultrapassar por outras congéneres. 

Aquilo a que estamos a assistir, e com grande pesar o afirmamos, é a um Espiritismo de resposta imediata, em que a pessoa que o procura é momentaneamente ajudada, mas que, ao fim de algum tempo, constata que está reduzida ao silêncio. As suas espectativas nem sempre são satisfeitas e, infelizmente, a Doutrina torna-se, em alguns casos, uma desilusão. Quando isto acontece, o trabalhador espírita tem a sua quota de responsabilidade pois que, se a Doutrina não chegou ao coração, dificilmente atingirá a alma. Os trabalhadores não são técnicos nem tecnocratas do Espiritismo, mas gente ao serviço de quem precisa. Tal significa trabalhar em prol do Bem, isto é, ser candidato a engrossar o número dos servos de Deus. 

Os critérios de vivência espiritual do Centro não podem colidir com os princípios éticos e morais de quem, por necessidade, aparece na Casa espírita movido pelo sofrimento. Só na compreensão e dedicação afectivas o trabalho espiritual alcança o fim que se propõe. 

Quem procura a Casa espírita não pode encontrar nela a existência de colisão entre um Cristianismo traçado segundo moldes de um para lá que ninguém sabe como é (e venham desmentir-nos), e ao qual Jesus não fez qualquer referência (não confundir o Reino de Deus com o mundo do além), e o mundo deste lado, depreciado, desvalorado e minimizado. Dito de outro modo, o Cristianismo segundo os moldes do Espiritismo não foi, não é nem será uma doutrina exclusivista. É na convergência de ambos os mundos que o Espiritismo avança as suas teses. 

O Espiritismo não pode rejeitar o mundo e simultaneamente maximizar a indispensável passagem do Espírito pelo mesmo, sob pena de não compreender os consequentes problemas mediúnicos característicos de cada época. Não podemos esquecer que Jesus e os demais profetas vieram traçar propostas de conduta com fim a um futuro celestial de bênçãos e felicidade, enfatizando assim que este mundo é um manancial de aprendizado cujo comportamento é demasiado importante para se perder. 

Atente-se que o mundo é o sentido que temos dele, é a maior ou menor consciência que possuímos da sua fenomenologia, tão complexa quanto espantosa, por outras palavras, é o conjunto dos Espíritos encarnados, provenientes das mais ou menos longínquas vivências, portadores de sentidos que se perdem na complexidade e que lhe conferem um colorido fantástico. 

O que o mundo é em si próprio passa-nos ao lado. Tudo o que os nossos sentidos não captam é um inexistente. Consideremos ainda o facto de que este ver não é uma acção dos olhos carnais. O ver é a conjugação de uma multiplicidade de factores que interagem, desde a acumulação da informação adquirida, processo complexo do qual não dispomos de noção concreta de como se forma, capacidade abstractiva, concentração (que é sempre insuficiente porque demasiado fugaz), linguagem, vivência e seus problemas, etc. Podemos dizer que o ver carnal está investido de uma série de influências bidirecionais polivalentes, isto é, ao mesmo tempo que o vendam o desocultam, de tal forma que nem vemos todos a mesma coisa, nem vemos todos sempre a mesma coisa.

Ora, estar no mundo é ter mundo, isto é, possuir um sentido que nos coloca num nível de consciência que nos traça parâmetros de razão sem os quais estaríamos completamente perdidos. Isto significa que a nossa razão constitui-se em discurso que, para ser coerente, tem que ser capaz de transmitir esse mundo que, no fundo, é a simbiose entre o que nos rodeia e as nossas vivências interiores. 

Parece-nos, assim, de capital importância que não se confunda o Reino de Deus e o mundo do além ou do para lá. Este consiste em tudo o que existe e que não vemos ou não captamos, seja como encarnados ou desencarnados. Dele fazem parte uma infinidade de graus ou escalas, que se estendem desde o mais infinito ao menos infinito. O aspecto físico do observador aqui pouco importa. Espíritos encarnados ou desencarnados estão igualmente circunscritos ao sentido mundivivencial do seu entendimento. Ambos vivem a impossibilidade dos sentidos captarem o que está fora do seu alcance, bem como a consequente impossibilidade linguística em expressá-lo. E não captar, não dizer é não existir.

Quanto ao Reino de Deus, embora não tenhamos igualmente uma noção, ainda que ténue, da sua natureza, “sabemos” mais. Sabemos que é um mundo de totalidades que se fundem numa só. Isto é, a noção de totalidade é sempre uma noção de ausência, exclusão, especificidade, total bem-aventurança… Na nossa impossibilidade sensitiva e linguística, o Reino de Deus é imaginado como o Bem Supremo. Mas esta expressão será sempre paupérrima, pois estamos a reduzir o indizível aos critérios da nossa predicação insuficiente. 

Embora digamos que o Reino de Deus exclui toda e qualquer gradação, sem que com isso saibamos o que estamos a dizer, pois ainda vivemos no plano da escala, o curioso é possuirmos informação fiel do mesmo como não possuímos do além. Como? O reino de Deus é pregado como Evangelho, traçando meios de o conquistar. Isto é, a noção de distância infinita que nos separa dele está à distância da nossa capacidade de amor ao próximo. Do além não há qualquer evangelho, uma vez que, por mais informações que nos venham, nenhuma tem paralelo com o Evangelho de Jesus. Além disso, não reconhecemos nos médiuns e respectivas Entidades comunicantes autoridade para pregar o Reino de Deus em paralelo com Jesus. Quando muito há algumas informações sobre o que significa e como viver em conformidade com os planos relativamente mais elevados, mas isso é bem diferente. Aliás, tem sido esse o papel do Cristianismo e das suas igrejas, nas quais se inclui o Espiritismo.

Ora, toda a mediunidade passa por aí. Ela é esse ajuste entre o médium e a sua evangelização. Ela é a luta entre a maximização espiritual quer se pretende atingir e um ver sempre insuficiente. Quando o indivíduo está perturbado não significa falta de evangelho, pois a boa-nova habita em todos os seres da criação, ele “apenas” está em desconformidade com o que lhe é proposto. E é aqui que todos nos encontramos. 

Passando à prática, se é certo que o esclarecimento é ponto de charneira para o auxílio às Entidades sofredoras e respectivos médiuns que as transportam, há que compreender, porém, que nem todas e nem todos conseguem ficar por aí. Há Entidades que precisam de uma abordagem mais específica, realizada em ambiente próprio, de maior recolhimento e atenção. Por outro lado, o médium que as transporta não é um devasso nem um inconsequente. E ainda que o fosse, não cabe aos trabalhadores dos Centros tomarem-se de poses de luz pois estamos todos no mesmo mundo, sujeitos a idênticas desventuras. Os trabalhadores não podem nem devem fazer juízos de valor de quem procura o Centro. Bem pelo contrário, devem congratular-se por terem a possibilidade de ajudar mais uma infinidade de Entidades que, não foi por acaso, vieram à Casa espírita.

Em consequência, muitos são os que afirmam que as pessoas não melhoram porque não compreendem os esclarecimentos evangélicos dados nas sessões. Mas se assim é, há que saber porquê. Alguém se interroga sobre a qualidade da sessão? Por outro lado, a não compreensão tem a ver com uma multiplicidade de factores, nomeadamente, a novidade do discurso, bloqueios ou perturbações mediúnicas devidos às influências das Entidades perturbadoras, incapacidade em abstrair-se dos problemas com que está a defrontar-se, etc.

Posto isto, e a partir da observação no terreno, quer o Espiritismo, quer as outras congregações estão a deparar-se com novas apresentações da mediunidade, mais incisivas nas suas exigências, a despontar em todas as idades, descontroladas, mais vocacionadas para as questões doutrinárias que científicas, mais dirigidas aos afectos. 

Por isso, o trabalhador de evangelização deve ter muito cuidado nos caminhos que cruza, deixar-se de ímpetos de cientista e compreender que uma sessão de evangelização serve, primordialmente, para esclarecer o auditório sobre questões relativas à mediunidade e não para falar de micro-organismos ou, pior ainda, abortos no astral. Nós diríamos mais, é cada vez maior o número de Entidades precisadas de uma voz esclarecedora do seu estado, que as encaminhem no sentido do bem e do amor ao próximo. É de oração que as Entidades precisam, tal como todos nós.

Finalmente há que perceber que todas as religiões são respostas aos problemas dos seus fiéis/médiuns. Ninguém segue uma doutrina se esta não corresponder às suas espectativas, se ela não for uma hipótese de resposta. Assim, tal como nem todas as Entidades precisam de ser captadas em médiuns de incorporação, nem todos os fiéis precisam de idêntica abordagem na sua fé. A pluralidade religiosa é bem representativa do colorido da diversidade de caminhos. 

O amor de Deus existe em toda a parte. Compete a cada um de nós ser um bom condutor desse amor. Por mais voltas que demos, sem excepção, o fim do caminho chama-se Reino de Deus.

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