Nosso Lar: um grande filme de ficção
No rasto do grande sucesso alcançado pelos filmes nacionais Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito e Chico Xavier, um grupo de empreendedores investiu cerca de 20 milhões de reais na roteirização de Nosso Lar, do André Luiz. Com adaptação e direção de Wagner de Assis, produção executiva de Luiz Augusto Queiroz e Elizabeth Marinho Dias, fotografia de Ueli Steiger, figurino de Luciana Buarque, música de Fhilip Glass, pela Orquestra Sinfônica Brasileira, distribuição da 20th Century Fox, o lançamento aconteceu no dia 3 de setembro de 2010, turbinado por eficiente marketing. Foi, desde o primeiro dia de exibição, sucesso colossal, tendo alcançado, até o final daquele mês, índice próximo dos 3.500 milhões de espectadores em todo o Brasil e um retorno de bilheteria recorde superior a 32 milhões de reais. A crítica fez as costumeiras restrições a esse tipo de roteiro, enquanto o público em geral vibrou e o público espírita se extasiou, em reação justificável, notadamente por conta da espetacular tecnologia. Houve também um rebuliço fantástico, diante das estatísticas medidas dia a dia. A euforia inundou os sentimentos, a emoção inturgesceu os corações e não faltaram entrevistas de nomes famosos, opiniões de gente modesta e de “doutores” em espiritismo, com desdobramentos ora importantes, próprios e ponderados, ora vexatórios e de cunho verdadeiramente desastroso para a seriedade do espiritismo.
Era meu propósito lançar o livro O Verdadeiro André Luiz ao mesmo tempo em que estivesse sendo exibido o filme. Não foi possível. Antecipo, aqui, pela internet, o tópico em que faço a crítica da versão levada às telas, a que fui assistir ontem.
Podemos dividir minha análise em dois planos: o filme como arte e o filme como intenção e objetivo.
O Renato Prieto – que esteve brilhante no papel central, coadjuvado por elenco de primeira linha –, ao ser convidado para protagonista, me telefonou e conversamos demoradamente. Ele queria, como se espera de qualquer ator compenetrado do seu mister, assimilar no máximo a personalidade do André Luiz, tanto na espiritualidade como na encarnação terrena. Laboratório, no jargão da classe artística. Passei-lhe, então, o perfil do Faustino Esposel, depois de lhe resumir as controvérsias em torno da identificação do espírito. Fez-me inúmeras perguntas e fui delineando a figura do neurologista na vida pública e em família.
Contudo, sempre me ficara uma nesga de dúvida sobre a abertura do ângulo de arbítrio do Prieto, não quanto à capacidade dramatúrgica de personificar minhas indicações, mas quanto ao grau de resistência que ele teria de reunir em face de naturais pressões. Não nos falamos mais até o momento em que redijo este texto. Mesmo antes de ver o filme, eu já percebera, pelo trailer, que a caracterização do personagem espelhando o Carlos Chagas acabara prevalecendo no entendimento do ator ou da direção. Outros detalhes, como o momento da queda, à mesa de refeição (enfarte?), completaram a montagem. Estava, pois, incorporada a hipótese dos chaguistas. Chegaram a me justificar que o Renato Prieto já havia vivido, no palco, o papel de André Luiz com aquela mesma caracterização e não conviria, de repente, alterar a imagem. Pode ser...
Não obstante, qualquer que seja a explicação, penso que ele tinha o direito de fazer o que fez, por imposição ou convencido talvez por argumentos que não os meus. Não me altero. Afinal, mesmo incorporando o Carlos Chagas, nem por isso a verdade dos fatos vai se alterar. André Luiz só não será Faustino Esposel se, numa conspiração das regras biográficas, Faustino Esposel deixar de ser Faustino Esposel. Estou certo de que, ao término da leitura de O Verdadeiro André Luiz, não sobrará dúvida para ninguém e, então, com ou sem o filme, a verdade prevalecerá para além de qualquer contradita. A verdade não vai mudar, mesmo diante do correto phisique de rôle da atuação do Renato Prieto.
A imprensa, em particular a respeitada revista Veja, identificou o protagonista como Carlos Chagas, evidentemente à conta de informação que foi passada ao jornalista, ou colhida de algum texto disponível. Não lhe cabia apurar nada, confiante na fonte ouvida e sem desconfiar de que o assunto é controvertido. Pena que essa fonte não estivesse interessada na verdade, ou a desconhecesse. Na controvérsia se insere, por exemplo, o argumento, tal o que cheguei a ler, de que o neurologista Faustino Esposel não é tão famoso. Acham, talvez, que ele não pode ser o autor espiritual de Nosso Lar devido à condição de presidente de time de futebol. A ortodoxia, ressanfonizando zombarias (como costumava dizer meu pai), deve achar essa relação inadequada à angelitude espiritual. Ignoram que a grandeza do espírito e sua ascensão não podem ser medidas pelo seu passado, do contrário, Paulo de Tarso não poderia ter sido Saulo de Tarso, Maria Madalena não poderia ter sido Maria a pecadora, Agostinho de Hipona não poderia ter sido Aurelius Augustinus. E em matéria de fama – outro ângulo de referência dos chaguistas – não se pode aquilatar, de forma alguma, quem foi mais famoso, se Esposel ou Chagas. Ambos tiveram sua glória e seu prestígio incontestáveis, até mesmo na esfera internacional.
Assim, fui assistir ao filme Nosso Lar sabendo, desde o trailer, que o Renato Prieto viveria o Carlos Chagas e não o Faustino Esposel. Ao mesmo tempo, dando plena razão ao competente produtor Oceano Vieira, acabei diante de um monumental trabalho cinematográfico. O Oceano é referência em termos de boa produção. Assina currículo gabaritado nesse campo profissional e sua opinião, para mim, vale considerável acerto.
Bem, aconteceu que a crítica não pensou no mesmo diapasão. A Veja enalteceu os recursos tecnológicos, enquanto deixava escapar comentários às vezes sarcásticos sobre os preceitos e os seguidores espíritas. O Globo, outro veículo de peso, apresentou o seu conhecido bonequinho dormindo a sono solto; talvez desdobrado e vagando pela espiritualidade à procura de elementos que o livrem dum eventual estágio no umbral. Detenho-me, por ora, nesses dois importantes veículos porque desejo apenas exemplificar e, não, fazer varredura de todas as manifestações havidas, por sinal, numerosas em todo o país.
Malgré tout, penso que nada há de errado nessas críticas. Sou espírita e jornalista profissional. Entendo meus colegas. Nenhum deles está engajado na campanha de exaltação da religião espírita. Foram assistir ao filme para comentar uma obra de arte. Por esse prisma, não se agradaram da temática, independente de crença. A meu aviso, sinceramente, gostei bastante do filme. Como arte, como arrojo de fantástica tecnologia. Mas, como meio apropriado de divulgação do espiritismo, isento de distorções graves, achei-o simplesmente grand raté; mais que isso, prejudicial e perigoso. Regra geral, me agrada a cinematografia cristã e a de viés espírita. Gostei sobremodo de Ghost (que parte da crítica desdenhou), de O Sexto Sentido, Em Algum Lugar do Passado, Os Outros, Campo dos Sonhos, O Segredo da Libélula, Amor Além da Vida, Minha Vida em Outra Vida, Chico Xavier (magnífico!). Entre os mais antigos, Os Inocentes e 2001 Uma Odisseia no Espaço (escrevi, no Reformador, crônicas sobre estes dois). Com roteiro genuinamente cristão: Jesus de Nazaré, de Zeffirelli, o melhor filme sobre Jesus (veio ocupar, na minha preferência, o lugar de O Rei dos Reis, versão de 1961, da Metro Goldwyn Mayer, a despeito do modelo tipicamente hollywoodiano), e mais Ben-Hur (também com o selo do glorioso império não de Roma, mas de Hollywood), Abelardo e Heloísa, Irmão Sol Irmão Lua, Galileu Galilei, Joanna d’Arc, de Luc Besson, na ótima interpretação de Milla Jocovich (a mais convincente criação da Pucelle d’Orléans), Lutero, O Conclave, A Paixão de Cristo (a despeito dos litros de ketchup derramados pelo Mel Gibson) e alguns outros. Quo Vadis não deu para aguentar. Foi canastrice demais. De acréscimo, surgiu uma enxurrada de filmecos sobre figuras bíblicas que são lixo puro. Já o nacional Bezerra de Menezes – Diário de Um Espírito foi muito ruim, valendo apenas a reconstituição de época e o esforço do excelente ator Carlos Vereza para salvar a presença do Bezerra metido num roteiro fracativo, de exclusiva pregação religiosa. Concedo ao menos que outros atores também estiveram bem. A Video Spirite oferece ótimas produções, selecionadas e recuperadas pelo Oceano Vieira, que tem realizado biografias e documentários preciosos sobre espiritismo.
Como jornalista profissional, convivi muitos anos em bastidores do universo artístico, onde, aliás, fiz inesquecíveis amizades. E sou filho de artista, neto de artista, sobrinho de artistas, bisneto de artista, sobrinho-bisneto de artista, primo de artista. Acho que deu para aprender alguma coisinha em matéria de arte cênica. Por isso, ouso comentar o filme Nosso Lar, na expectativa de encontrar algum leitor atencioso e benevolente.
Aprecio o bom cinema, de todos os gêneros. Assisto frequentemente aos filmes franceses programados pela TV5Monde (a cabo), de alta qualidade. Entendo, por sinal, que a Europa e até a Ásia e o Oriente Médio têm produzido filmes cult remarcáveis, muito melhores do que esses nitroglicerinados norte-americanos em que sobreleva a violência, a banalização do amor, o referendo glorioso ao anti-heroi escabroso.
Há diretores da minha preferência, como Jean-Luc Godard, Ingmar Bergman, Constantin Costa-Gavras, Federico Fellini, Francis Ford Copolla, Luís Buñuel, Franco Zeffirelli, Frank Capra, Alfred Hitchcock, Pedro Almodóvar, Quentin Tarantino, François Truffaut. Movimentos como o Neorrealismo Italiano, a Nouvelle Vague (feitas algumas restrições quanto ao alinhamento ético com o amoralismo) me merecem aplauso e recomendação. Em suma e reafirmando: gosto do bom cinema. E gosto de ver filme com roteiro espírita ou cristão (projetados, claro, fora de instituições espíritas). Portanto, Nosso Lar – pensei – com certeza me agradaria. E, de fato me agradou, embora bem mais como obra de arte e, ainda assim, com restrições ao estilo narrativo. Como mensagem espírita, achei-o completamente despropositado, mau para a divulgação correta do espiritismo. Eu jamais filmaria Nosso Lar com esse roteiro quadrado, se tivesse à minha disposição 20 milhões de reais e a competência especializada que não tenho. A não ser que estivesse interessado apenas em ganhar dinheiro. Com o pensamento direcionado para a adequada divulgação do espiritismo, jamais aplicaria 20 ou 2 milhões na obra de André Luiz. Mesmo que isso me custasse apenas 1 real e meu retorno chegasse aos 20 milhões. Teria optado, por exemplo, por uma adaptação de Há 2.000 Anos, Párias em Redenção, Paulo e Estêvão, Renúncia, Ressurreição e Vida, Dor Suprema, Os Diamantes Fatídicos, A Abadia dos Beneditinos. Qualquer destas obras, se bem adaptadas, penso que dariam formidáveis filmes e peças teatrais maravilhosas, ao gosto do público e sem riscos maiores à pureza da doutrina espírita.
Com fantásticos efeitos especiais, com belíssima composição musical, com esmeradas performances individuais, Nosso Lar tem tudo para ser marco na afirmação do cinema nacional. Renato Prieto esteve ótimo no papel. Fez jus ao difícil personagem. Conseguiu transmitir, em todas as situações, o drama, a dor, a surpresa, a decepção, a coragem, a redenção do André Luiz sem se desviar da individualidade daquele espírito que, como todo mundo, tem sua biografia espiritual que não pode ser modificada em passe de mágica. No gestual, na movimentação, nas alternâncias da inflexão da voz, no silêncio e na precisa criação de cada momento, o ator se superou. Para mim, esteve impecável. Paulo Goulart, Othon Bastos e Ana Rosa são monstros sagrados e exibiram a competência que fez deles os ícones que são. O restante do elenco, Clemente Viscaíno, Fernando Alves Pinto, Inez Viana, Rodrigo dos Santos, Rosanne Mulholland, Werner Schünemann, não comprometeu em nada. No entanto, quero destacar a perfeita performance de Rosanne Mulholland, no pequeno mas importante papel de Eloísa, com talento indiscutível. Emmanuel – bem interpretado por Werner Schünemann, como convém sem exageros e nenhum jeito de santinho – não aparece na obra do André Luiz, senão na apresentação do Prefácio. Mas sua presença no filme não foi indevida, porque de fato houve encontros do André Luiz e do médium Francisco Cândido Xavier com aquele mentor antes de ser começada a psicografia. Assim, a presença não fica apenas explicada, mas acrescentou um cunho bastante importante ao trabalho que André Luiz viria a desenvolver e que – sabemos todos – estaria sempre sob a égide daquele elevado espírito. (Por oportuno: já confessei que gostei muito do filme Chico Xavier, mas prefiro a performance deste Emmanuel de Nosso Lar do que aquele outro, tipificado por inconveniente aura pontifical.)
A narração em off não me agradou em nada. Aliás, é recurso que, em tese, pode comprometer a linguagem cinematográfica. De veio didático, ficou chato e anódino, pois seria perfeitamente dispensável, entrando no canal do áudio apenas para ensinar espiritismo. Poderão alegar que a obra Nosso Lar é de conteúdo muito complexo e de difícil tradução imagística. É. Mas já tivemos inteligentes roteiros de sucesso, como o de O Processo (de Kafka, autor tcheco das minhas preferências), O Pequeno Príncipe, Alice no País das Maravilhas, Um Violinista no Telhado, O Piano, A Festa de Babette, A Ponte de San Luis Rey, e outros mais. E, por favor, não suponham que esses títulos tenham alguma coisa a ver com o Cinema Novo, da década de 60, que, com poucas exceções, foi um blefe, pura enganação. Tolerem-me os pretensiosos intelectoides de plantão...
O público, cético ou religioso, quer ver arte, não intrusões doutrinárias que são bem mais do pendor dos evangélicos. A mensagem de qualquer doutrina só é palatável se introduzida sem a intenção de converter e de vender ideias que no fundo são compradas unicamente por plateias muito ingênuas. Além do que, no caso específico, não creio (simples avaliação minha) que o André Luiz houvesse estagiado no umbral nas circunstâncias tenebrosas que o filme retrata. Não há dúvida de que foram oito anos de muito sofrimento, mas não podemos esquecer que há níveis no umbral ajustados à natureza de cada caso. É absurdo comparar um espírito que abusou do álcool, do sexo, com um assassino cruel e impiedoso, embora ambos devam merecer misericórdia.
Bem, certo é que o filme Nosso Lar, com intenção proselitista, não vai sequer contribuir para alcançar o objetivo que os bem intencionados (porém mais afoitos) esperam, salvante raras exceções. Quem não aceita o espiritismo gargalhará e escreverá crônicas como as que lemos; e entre os espíritas também não faltarão as reprimendas daqueles que até hoje ainda não aceitam os cenários luisianos, ou aqueles outros, como eu, que aceitam firmemente os relatos, mas nunca nos termos em que os católicos e protestantes reencarnados nos meios espíritas os vêm aceitando, agora com o reforço desse filme. E é precisamente aqui que está a maior derrapagem.
Apresso-me honestamente em registrar que nenhum dos integrantes da equipe técnica e do cast tem culpa ou responsabilidade por qualquer dos grandes ou pequenos equívocos temáticos do filme. A rigor, estiveram todos bem, destacando-se – repito – a interpretação do Renato Prieto, correta e convincente, cuja escolha para o papel central foi merecida e acertada. E mesmo os menos participativos, nenhum deles comprometeu o trabalho. A questão é que o problema não está na equipe de atores e de técnicos, nem nas expressões de sofrimento que, realmente, acompanham o que lemos no original mediúnico. O problema está na concepção, na linguagem das imagens.
André Luiz não pode ser roteirizado dessa maneira. É preciso acompanhar a saga desse espírito dentro de outra concepção, com a visão excludente dos laivos de materialidade que está longe daquilo que pelas mãos de Francisco Cândido Xavier nos foi transmitido (com não menos dificuldade). André Luiz não é apenas uma história de dor, amor e redenção; André Luiz é para ser estudado, analisado em grande parte nos seus enfoques abstracionistas. A linguagem desse filme que aí está transmite, até para muitos espíritas, a existência de falsos modelos, copiados do catecismo católico e da reforma protestante, modelos que nunca ajudaram a humanidade em nada e só servirão para o aumento da descrença e do resfriamento da religiosidade. Produzir um filme sem cair nesse engano, isto é, sem deturpar princípios e, ao mesmo tempo, sem escorregar para a narrativa religiosa, é realmente muito difícil. Daí que filmar Nosso Lar teria sido melhor não arriscar. E não adianta levantar a ingênua suposição de que serve ao menos para despertar os indiferentes, os materialistas e para ampliar o censo espírita. Primo loco: quantidades nada valem para nós. E, amedrontados, atemorizados dessa maneira substancialmente deturpada, fica quase impossível, depois, consertar conceitos internalizados. Nosso Lar é remake. Já vimos outro filme semelhante, de longuíssima metragem (está em cartaz há séculos!), bem mais real e em estilo gótico. Custou à humanidade sessões de torturas físicas e morais, perseguições, sacrifícios e atrasos evolutivos. Nosso Lar será ainda mais desastroso quando for distribuído pelo mundo e se, de repente, por outros motivos que não a temática, vier a vencer algum prêmio internacional. Aí então nada salvará, por muitos mais séculos, a verdadeira noção científica, filosófica e religiosa da doutrina espírita codificada por Allan Kardec.
Antes mesmo da estreia, o filme já estava fazendo estragos nas intenções mais nobres. Misturando mercantilismo com promessas mirabolantes, completamente improváveis de se realizarem (senão nos casos mais excepcionais que poderiam ocorrer até mesmo em casa, em meio a uma prece sincera), os habituais fabricantes de ilusões bizarras apareceram com promessas de curas e desobsessões milagrosas para os que estivessem presentes durante as exibições. Eis a festança do milagre com entrada paga e bilheteria aberta ao público. Já tive ocasião de exprobrar esse deplorável chamamento, que surgiu seguido da inacreditável fantasia de que “o filme Nosso Lar não é um produto apenas de espíritas encarnados – que foram importantes instrumentos – mas sim, e principalmente um desejo da vontade divina,” Quanto destempero originário de um centro espírita e difundido por espíritas!
Patético e pegajoso. Tudo maquinado sem nenhum pudor numa propaganda mentirosa para atrair doentes que, certamente, superlotaram as salas de projeção. Enganosa romaria como as patrocinadas pelos administradores dos "lugares santos", que prometem milagres e salvação eterna.
No entanto – pasmem! – o esquema comercial não ficou apenas nisso; foi ainda mais corajoso e mais desavergonhado. Foram confeccionados e lançados à venda brindes variados, como camisetas coloridas, chaveirinhos e canetas com inscrições “Nosso Lar” e “Chico Xavier”. E nem ao menos foi iniciativa de oportunistas desconhecedores dos critérios espíritas sobre proselitismo e meios de propaganda. Dolorosamente a iniciativa é assinada por instituição que, como criteriosa formadora de opinião, a existência inteira verrumou esses recursos mercantilistas ou mesmo oferecidos como amostras grátis.
Não faltarão, é claro, os fãs descabelados de Kardec e Chico Xavier, que sairão por aí mimetizando a empolgação das torcidas organizadas, dos carnavalescos das escolas de samba ou dos marqueteiros políticos (folguedos que se justificam nos limites das suas áreas e dos seus propósitos). Vergonhosamente, o movimento espírita, que tanto se orgulha das indecentes maiúsculas que ostenta (ver meu opúsculo Maiúsculas em Movimento Minúsculo), chegou ao máximo da insensatez e só lhe resta fazer coro no cordão dos católicos e protestantes.
No entanto, ainda é tempo de reler as palavras do nosso Kardec Brasileiro sobre essa fanfarra, esse grande teatrão, que mais não reflete senão a folia de igrejeiros e simoníacos reencarnados nas hostes espíritas. Em 15 de agosto de 1896, Bezerra de Menezes assina e manda publicar, no Reformador, o contundente artigo “A Verdadeira propaganda” (reproduzido em outubro de 1954), em cujos dois últimos parágrafos ensina:
“Pelo contrário, os que são trazidos como em folia, por milhares que sejam, virão crentes, pelo modo por que viram obrar os propagandistas, de que o espiritismo é meio de distração, senão de brincadeira, e esses milhares nem aproveitam para si, nem concorrem de leve para o triunfo da boa Lei.”
A propósito desse importante tema, o leitor deve se reportar também ao tópico 21 do cap. V do meu livro O Atalho, Publicações Lachâtre, RJ.
O pior corolário de Nosso Lar, todavia, é de preocupação muito mais grave. Falhou o roteiro por não conseguir costurar as imagens ao script do texto original (não da adaptação), que só conseguimos assimilar pelo estudo sério das obras espíritas, feito em casa ou nas instituições espíritas. Na estética da sétima arte, o espiritismo dispensará o tom pegureiro e exigirá muito cuidado para não cair no sermão didático. Assim como está, inclusive por exibir trabalho visualmente muito bem feito, não faltarão os que acabarão materializando de vez toda a vida espiritual na colônia Nosso Lar, no umbral e em tudo o mais (com aquele desenho da Heigorina Cunha, a distorção será inevitável), levando espíritas e não espíritas a conceber réplicas das velhas e perniciosas alegorias das religiões adeptas do concretismo.
Introduzo aqui uma explicação. No filme Amor Além da Vida, por exemplo, estrelado pelo ótimo Robin Williams, e que eu disse haver apreciado, aparecem imagens de um purgatório bastante materializado. Poderão acusar-me de incoerente. Ora, importa não confundir as alegorias católicas (universalmente desacreditadas) com imagens baseadas em obra espírita séria, tal a de André Luiz, cujas descrições não devem ser aceitas como realidades de igual natureza.
Insisto em afirmar que André Luiz, a colônia, vida espiritual, espíritos bons e espíritos maus são verdades indiscutíveis, mas que não podem ser concebidas nas mesmas formas e fôrmas da absurda materialização de Deus e de Satanás, do ceu e do inferno, universalizada séculos afora por culpa das religiões que Allan Kardec veio desmistificar. No fogareu dessa terrível distorção, o pior efeito estará no arrastão de adeptos para o espiritismo não pela razão livre e sem lavagem cerebral – como Kardec aspirou e exemplificou – mas pelo medo, pelo terror, ameaças que vão cevando a ambição das cúpulas pelo poder religioso. Em contraponto, o espiritismo espera uma adesão pelo amor desinteressado, pelo conhecimento sem pompa, nunca pela barganha, pela chantagem ou sequer pelo respeito mundano. No que concerne, recomendo a notável e oportuna mensagem de Vianna de Carvalho, “Terrorismo de natureza mediúnica”, ditada ao médium Divaldo Pereira Franco, em 7.12.2009, em Calpe, na Espanha, da qual copio o seguinte parágrafo:
“De maneira sistemática e contínua, vêm-se tornando comuns algumas pseudorrevelações alarmantes, substituindo as figuras mitológicas de Satanás, do Diabo, do Inferno, do Purgatório, por Dragões, Organizações demoníacas, regiões punitivas atemorizantes, em detrimento do amor e da misericórdia de Deus que vigem em toda parte.”
Produzir, provocar emoções pela leitura, pela oratória, pela imagem é absolutamente legítimo, como no caso de inúmeras obras mediúnicas, de filmes e peças históricas, como a própria vida de Jesus, como as conferências vibrantes de Divaldo Pereira Franco, ou mesmo um diálogo durante reunião mediúnica. É recurso correto e meio de chamamento, às vezes capaz de grandes conquistas, de abertura para eventual renovação espiritual. Mas só haverá legitimidade se focado em história verdadeira, como a de Jesus e de outras figuras exemplares. Até em narrativa de ficção, desde que não contrarie a lógica da vida real, do fato verdadeiro. Diferentemente é valer-se do emocional tendo como enfoque, como mote, a mentira e a falsidade, induzindo à construção de bases conceituais erradas, prejudiciais à formação do conhecimento e do amor pelo amor. Nada valem resultados obtidos em cima do interesse, do medo, da falsificada noção do futuro, do eu próprio, da Verdade e de Deus. Pescar almas nos oceanos das marés da ignorância e do mal tem de ser tentado com as redes da sinceridade e da verdade.
É vazio e anacrônico o argumento de que há pessoas que não estão preparadas, e que ainda precisam da materialidade das verdades subjetivas para despertar e se convencer. Cuidado! Esse argumento faz parte do mesmo pacote histórico usado pelos que deturparam e desviaram o cristianismo. De justificativa em justificativa, daqui a pouco mais estaremos voltando a Adão e Eva, à cegonha, ao Papai Noel. Praticamente já chegamos à materialidade do inferno. Agora, falta muito pouco. Já existe a escolástica espírita, na forma assustadora de ESDE/EADE. Já há hierarquias sacerdotais disfarçadas, já há paróquias jurisdicionais, já há venda de brindes, de santinhos, de bugigangas, fetiches e amuletos, já há negócios e até jogo de azar dentro das instituições espíritas (ostensivos ou tácitos), já há poderosa estruturação religiosa, já há o “silêncio obsequioso” em que ninguém contesta nada, já há, enfim, tudo o que os espíritas condenamos vida afora e que hoje faz a festa do atalho vida adentro.
Repare-se que a Igreja católica e o protestantismo estão há bastante tempo silenciosos, adormecidos em relação ao espiritismo, como que indiferentes ao seu espraiamento. Mas acompanham de longe, pois que entre eles não existe ninguém tolo ou conformado. É muito consolador achar que estão calados porque cada vez mais se convencem das verdades espíritas. Ora, esse convencimento não é de agora; sempre o tiveram. Certo é que atualmente estão silenciosos porque não precisam mais atacar para conseguir o que querem. Regozijam-se, intimamente, apenas observando o atalho em que o atual movimento espírita se atolou. Acompanham e sorriem sinistra e sorrateiramente. Esperam apenas o último momento do processo em curso. Quando tudo se igualar por baixo e não houver mais nenhuma diferença entre catolicismo e espiritismo, virá o golpe mortal. Não me achem exagerado na visão do que aí está nem que avinagro demais a crítica. Jesus não buscou palavras menos ácidas quando apontou a hipocrisia dos fariseus e nem a simonia dos vendilhões do Templo. E aqueles que lograrem acordar a tempo e ousarem reagir, serão simplesmente esmagados pelo sistema e só restará o grito agudo das lágrimas: Volta, Kardec! Volta, Kardec!
Não acho que o Wagner de Assis seja incompetente. Deu mostra de que, se quisesse, teria produzido um roteiro totalmente à altura da obra de André Luiz. Exemplificou isso na cena quase final, quando André Luiz regressa ao lar terreno e vai viver sua grande decepção diante do quadro doméstico que encontra, seguida da reflexão, da análise introspectiva de seu novo papel e de benfeitor da ex-mulher e do seu substituto no leito do antigo lar. Não foi preciso uma única palavra em off. Em minutos iluminados pela alta inspiração e pela primorosa atuação artística, com cortes precisos, edição perfeita, criação ideal do clima de expectativa e da lenta transformação interpretativa espelhada pelo Renato Prieto (esteve ótimo naquele take) assistimos ao clímax do filme. Tudo ficou irretocável, sem voz em off, o que mostra que, se quisesse, Wagner de Assis teria posto de lado o tom do sermão em todos os outros momentos do filme. Faltou alguém que, conhecendo bem André Luiz, a sua obra e o espiritismo, lhe indicasse o que poderia ser construído sem abalar o edifício doutrinário erguido por Allan Kardec e sem deixar de produzir boa obra de arte.
Aliás, naquele cenário de raiva e de posterior conscientização, conseguimos observar também como o umbral que predomina no início do filme poderia ter sido reduzido à sua verdadeira concepção. Enraivecido, machucado, André Luiz se deixa levar, de repente, pela postura do passado antes de sua transformação na colônia. Então, “regressa” ao umbral. Revive sua tragédia anterior e se dá conta do erro que estava cometendo. Rapidamente retorna à realidade e se dispõe à prática da caridade e do amor que já havia conquistado. Entende a situação. Recorda lições dos mentores da colônia, cai em si e se dispõe a socorrer o novo marido da mulher amada. O rápido retorno ao umbral é a senha para que ele e o espectador entendessem que, na doutrina espírita, não existe purgatório como o da Igreja católica e que o umbral está dentro de cada um de nós. Penso que não ficou evidente se foi uma reconstituição ou apenas uma lembrança ruim. Assim, podemos concluir que todo o início do filme com seus cenários dantescos e outros quadros na colônia não foram adequadamente concebidos. Insisto em que, com certeza, faltou aos cineastas uma assessoria competente de espíritas estudiosos para deixar claro o entendimento doutrinário em questão tão importante. Ou aconteceu essa assessoria, mas não de gente tão estudiosa e sim de pseudoestudiosos que, no fundo, pensam e querem mesmo que o espiritismo seja uma colagem das aberrações do catolicismo. No filme, aquele flashback de André Luiz enquanto visita o lar terreno não deveria ser apenas mnemônico, mas de reconstrução efetiva de uma realidade interior.
Aplaudo toda a tomada. A filha, já crescida, ao piano e com a presença do pai em plano espiritual é de beleza transcendental. É verdade que esse momento não aparece no original e é anacrológico, mas valeu tamanha imaginação do roteirista. O filme mostra ainda outros momentos de situações de grande emoção. Claro que há senões, como, por exemplo, a chegada dos desencarnados na guerra mundial então em curso. Judeus vítimas do Holocausto, com a estrela de Davi no peito, não deixam de ser judeus e dificilmente aportariam à colônia sem algum natural tumulto mental, dado o cenário que não previram no estudo do Torah e do Talmud. Salvo aqueles que eventualmente houvessem conhecido a Cabala. E as primeiras palavras com que são recepcionados refletem alegria e muito carinho, mas totalmente inviáveis. Não era hora para mais um sermão. De qualquer forma, ao lado do reencontro do André Luiz com a mãe, temos na história os dois momentos de maior emoção, esplendidamente filmados. Ao mesmo tempo, foram eliminados alguns fatos importantes da vida do André Luiz na terra e feitos alguns ajustes de adequação temporal. Porém, nada de grave prejuízo, embora o espectador, que não leu o livro, possa se interrogar como pode bater no umbral alguém que apenas gostava de beber uma cervejinha.
Retomando o aspecto desastroso dos efeitos do filme sobre o público espírita e não espírita no que concerne à materialidade dos planos de vida na colônia, no umbral (e nas trevas, que não foram mostradas), faço, para encerrar, breve incursão pela filosofia. George Berkeley, filósofo inteligente, prisioneiro embora da dogmática católica, arregimentou bom lastro dialético na tentativa de conter a expansão do materialismo, tonificado ao ensejo histórico do extremado racionalismo dos enciclopedistas. Erguendo a clava contra o radical sensualismo de John Locke, defensor de que todo conhecimento provinha das sensações e de que o espírito não existia, Berkeley conclui que, seguido este raciocínio, a matéria não passaria de um conjunto de sensações e que, consequentemente, ela, a matéria é que não existia de fato. Exemplifica com a alimentação humana, uma combinação da visão, do olfato e do tato, causando depois as outras sensações do prazer, da satisfação e do calor interno. Todo o processo, porém – ressalta –, é originário do espírito, único verdadeiramente existente. A dedução, que obviamente extrapola, é de que a matéria é puro subjetivismo e não existe exteriormente como algo verdadeiro. Era a consagração do espírito imortal e a negação suprema da matéria.
David Hume, materialista ainda mais ferrenho que Lock, entra no debate e procura provar que, a vigorarem a posição de Lock e a contraposição de Berkeley, nesse caso seria inevitável concluir que nem a matéria e nem o espírito existiriam, já que este seria também fruto das sensações. Eis a negação de tudo. Foi preciso surgir o genial Immanuel Kant para colocar ordem na dialética e oferecer a solução precisa, ideal, notadamente com a construção de sua notabilíssima teoria do conhecimento. Demonstrou que nenhum dos dois tinha razão e que todo conhecimento verdadeiro existe a priori da experiência, tal o exposto em A Crítica da Razão Pura. Kant salva a matéria e garante a existência do espírito. Suas ideias se aproximam muito de alguns princípios do espiritismo, conforme procurei evidenciar em meu livro Deus é o Absurdo. Acho Kant o maior de todos os filósofos.
De qualquer forma, a concepção de Berkeley, conquanto exorbitasse, acena para interessante probabilidade, a da inexistência da matéria. É não menos interessante que, no campo da ciência moderna, há, no momento, ao lado da teoria das cordas, a concepção do Princípio Antrópico, que nos fala de universos criados a partir do avanço das nossas observações; não porque já estivessem onde possam estar, mas porque vão de fato se criando à medida que vão sendo observados. Sem o observador, não existem. Loucura? Não, apenas o raciocínio nosso que vai abstraindo mais e mais e criando uma realidade concreta. Teoria perturbadora, que se alinha entre a ciência e a filosofia. Não obstante, não poderia ser diferente o inteligentíssimo efeito da obra de Deus. O pensamento domina nossos universos exterior e interior, e o pensamento de Deus domina o Todo.
Em sua notável série, André Luiz não teria como escapar da mesma observação e, então, procura nos transmitir – aqui já bastante explicado e repetido – o que possa se adequar à nossa linguagem e possa ser compreendido pelos nossos sentidos tridimensionais, limitados pela queda de nossos erros advindos do orgulho, do egoísmo e do ateismo.
É assim que ninguém tira ninguém do umbral. Simplesmente porque o umbral não é um local exterior, mas que está dentro de nós. Somente nós podemos descobrir a saída, quando nós o desejarmos sinceramente. Espíritos amigos, benfeitores, mesmo Jesus podem abrir a porta, mas a saída é opção nossa. Por outro lado, estando, pois, dentro de nós, poder-se-ia indagar onde nós estamos com esse umbral dentro de nós. Essa indagação é descabida. Não existe “onde” na abstração do tudo. Onde só existe no nosso universo a três dimensões. Ora, hoje, a própria ciência, tanto materialista como espiritualista, concorda que o espaço-tempo einsteiniano possui 10 a 11 dimensões. O espírito, com ou sem umbral interior, em seu plano de existência, sem se afastar do universo conhecido, estará na dimensão em cuja faixa de vibração se colocar. Atenção. Abstração nada tem a ver com irreal, com simbolismo, que só pode ser concebida pelo pensamento. Como no argumento ontológico anselmiano sobre Deus, é uma verdade abstrata que existe no pensamento e na realidade. Não falo, portanto, de abstração do fenômeno (aqui em sentido rigorosamente metafísico, em oposição a numeno), mas do processamento a priori da percepção, da razão e do juízo do espírito imortal na inserção da Lógica Transcendental. E nada disso invalida a revelação de que nosso mundo material é um reflexo, uma cópia do mundo espiritual. Claro que é. Reconstruímos, aqui, como cocriadores, primeiro no pensamento e, depois, pelo trabalho material, as construções ontológicas da espiritualidade que, como ensinam Kardec e Roustaing, a tudo precede e preexiste a tudo.
Enfim, do ponto de vista exclusivamente doutrinário, qual o lado menos nocivo desse filme? Claro que existiu. Valeu, sim, como algum despertamento para a crença na imortalidade e na vantagem de seguir o caminho do bem. Mas, para isso, não precisava arrastar o espiritismo em mais uma equivocada jogada de propaganda, cujo target visou o aumento das estatísticas, em detrimento das verdades legadas por Allan Kardec.
Ressalto, em complemento, que nada do que expus diverge das definições de espírito e de matéria e das realidades espirituais conceituadas em O Livro dos Espíritos. Mas aqui não dá para estender o estudo. Não é o caso de ampliarmos ainda mais essa maravilhosa visão filosófica que deparamos nos postulados da revelação espírita, magistralmente codificada pela genialidade do missionário Allan Kardec. Para quem consegue perceber, é claro.
Resumo nestes dois últimos parágrafos o pensamento até aqui desenvolvido:
Os dirigentes, as lideranças do movimento espírita exageraram na empolgação pelo filme Nosso Lar porque, para eles, uma eventual convicção generalizada do público espírita e do público que venha a ser espírita significará ótimo resultado, pois servirá de poderosa arma de ameaça e de dominação das consciências. Foram investidos 20 milhões no projeto. O custo-benefício é altamente compensador para os que objetivam o poder e o domínio.
A revista Veja e o jornal O Globo tacharam Nosso Lar de obra de ficção porque, sem entender de espiritismo, não acreditam no espiritismo. Eu classifico o filme de ficção porque sou espírita, entendo um pouco de espiritismo e sou estudioso da extraordinária obra de André Luiz. Desde muitas décadas defendo e explico que a obra ditada por André Luiz ao médium Francisco Cândido Xavier não tem absolutamente nada de ficção.
LUCIANO DOS ANJOS
Rio, 10.10.2010
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