Por Leonardo Paixão
(*)
Falar
de imortalidade é falar do estado da alma na vida futura, clara está a máxima:
“a cada um segundo as suas obras” (Epístola de Paulo aos Romanos, 2: 6). O
estado do Espírito após a morte física não é definitivo e a melhoria deste cabe
ao espírito realizar, certo é que ele pode já no plano espiritual evoluir (1),
mas ensinam os espíritos que a reencarnação tem por objetivo o “melhoramento
progressivo da humanidade” (O Livro dos Espíritos – questão 607). Deste modo
temos uma justiça imparcial, todos os espíritos têm a oportunidade do
aperfeiçoamento, entretanto, há os que querem manter-nos “na ignorância em que
eles próprios se encontram” (O Livro dos Espíritos – questão 166-b), para tanto
buscam recursos na bíblia e nos Pais da Igreja, vamos analisar seus
questionamentos.
A
objeção que os estudiosos fazem a nós espíritas no tocante à reencarnação é
quanto ao fato da interpretação de passagens bíblicas alegando que
desconhecemos a hermenêutica – arte e técnica da interpretação -, claro está
que nem todos os estudiosos espíritas têm sólida formação teológica ou de
história da religião, mas é preciso afirmar que aqueles espíritas que se
dedicam a tais estudos o fazem através de obras sérias e são honestos em suas
análises, como há os que têm formação muito consolidada nas pesquisas dos
antigos manuscritos, exemplo é o Sr. Severino Celestino da Silva que escreveu o
belo livro Analisando as Traduções Bíblicas; o excelente estudo A Sabedoria do
Evangelho (8 volumes), de Carlos Torres Pastorino e as traduções do Novo
Testamento por Haroldo Dutra Dias, todos eles com formação acadêmica.
Em
relação à imortalidade da alma, alegam os teólogos e os estudiosos do Antigo
Testamento e das culturas semíticas que os espíritas desconsideram o contexto
histórico, cultural e o grau de desenvolvimento das ideias (2), tal afirmação
provém da falta de um estudo aprofundado do que diz o Espiritismo a tal
respeito. Sabe-se – e isto é ponto comum entre os historiadores – que os
antigos judeus não admitiam uma retribuição póstuma, todos fossem justos ou
injustos, após a morte estariam no sheol e se achariam num estado de
inconsciência. Daí a concepção de que a Justiça Divina haveria de ocorrer no
tempo da vida presente, os fiéis teriam vida longa, saúde, riqueza..., os
infiéis e pecadores iriam sofrer com doenças, miséria, morte prematura... (cf.
Jó 14: 21s; 21: 21; Is 14: 10; 38: 18; Sl 6: 6; 29: 10). Somente por volta do
século II a. C. as concepções antropológicas dos judeus começaram a se modificar,
influenciados pela cultura helênica os judeus passaram a vislumbrar uma sorte
póstuma diferente para bons e maus no dia da ressurreição (cf. Dn 12: 2s) (3).
À luz do estudo da concepção antropológica dos judeus entende-se o porquê da
ideia de justiça para os fariseus era a abastança material.
Allan Kardec no capítulo IV de O
Evangelho segundo o Espiritismo – item 4, fazendo um estudo sobre ressurreição
e reencarnação, diz claramente sobre as ideias dos judeus a respeito da
imortalidade:
(...) as ideias dos judeus sobre esse ponto,
como sobre muitos outros, não eram claramente definidas, porque apenas tinham
vagas e incompletas noções acerca da alma e da sua ligação com o corpo. Criam
eles que um homem que vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que
maneira o fato poderia dar-se (...).
Vê-se,
portanto, que não desconsideram os espíritas o contexto histórico, cultural e o
grau de desenvolvimento das ideias.
Muitos afirmam que a reencarnação não
fazia parte da crença dos judeus, mas há um comentário honesto sobre uma
passagem do Evangelho (Lc 9: 7-9), feita por um grupo de colaboradores para a
Bíblia de Estudos Aplicação Pessoal (4) em que dizem textualmente: “Muitos
pensavam que Jesus era a reencarnação de algum profeta”, é claro que após os
teólogos vão negar a reencarnação e falar de Jesus como a segunda pessoa da
Trindade, com uma natureza humana e divina, buscando fazer crer que Deus teria
se encerrado num corpo humano! O comentário a tal trecho do Evangelho de Lucas
vem confirmar a exatidão das palavras de Kardec ao afirmar que “a reencarnação
fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição” (O Evangelho
segundo o Espiritismo – cap. IV – item 4).
A reencarnação aparece na Bíblia muito
antes de Jesus declarar que João Batista era Elias (Mateus 17: 10-13; Marcos 9:
11-13). Já o Decálogo expressa tal Lei. Lemos em Êxodo 20: 5: “Não te
encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR, teu Deus, sou Deus zeloso,
que visito a maldade dos pais nos filhos na terceira e na quarta gerações
daqueles que me aborrecem”. O mesmo texto se repete em Deuteronômio 5: 9. As
traduções da Bíblia que temos hoje, católica e protestante, trazem “até à
terceira e quarta geração”, o que muda o sentido do texto. São Jerônimo, doutor
da Igreja, ao traduzir a Bíblia para o latim, tradução conhecida como Vulgata
Latina escreve: “in tertiam et quartam generationem”, o doutor Zamenhof,
criador da lígua universal, o Esperanto, traduz: “en la tria kaj kvara
generacoj”. Para mais pormenores consulte-se a nota da FEB à sua edição de O
Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo I – item 2 (5).
Ao expressar “na terceira e na quarta
gerações”, não se coloca o inocente pagando pelo culpado, pois que este, se não
pode reencarnar na primeira e na segunda geração (conforme se depreende do
texto bíblico), na terceira e na quarta gerações já é possível a sua volta, ao
passo que expressar “até à terceira e quarta gerações” os filhos pagam pelos
erros de seus pais. Resta-nos perguntar: qual doutrina é justa: a da unicidade
da existência ou a da pluralidade das existências.
Para afirmar a unicidade da existência
e o dogma da ressurreição, os biblistas recorrem aos Pais da Igreja, um
retroceder na História mostra o equívoco de alguns Pais da Igreja quanto à sua
compreensão da crença na reencarnação. Observemos as palavras de alguns Pais da
Igreja:
Portanto, [os gnósticos] consideram
necessário que, por meio da transmigração de corpo para corpo, as almas
experimentem todo tipo de vida... Podemos subverter a doutrina [gnóstica] da
transmigração de corpo para este fato: as almas nada lembram de eventos
ocorridos em seus [supostos] estados anteriores de existência... Platão, o
antigo ateniense, foi o primeiro a introduzir essa opinião (Contra as Heresias,
Irineu de Lião (+ c.200)).
Quão mais digno de aceitação é o nosso
ensino de que as almas irão retornar aos mesmos corpos. E quão mais ridículo é
o ensino herdado [pagão] de que o espírito humano deve reaparecer em um cão,
cavalo ou pavão! (Ad Nationes, cap. 19, Tertuliano (+220)).
Neste lugar, não me parece que através
do nome de ‘Elias’ se esteja fazendo referência à alma. De outro modo, eu iria
cair na doutrina da transmigração, que é estranha à igreja de Deus. Ela não foi
transmitida pelos apóstolos, nem é apresentada em qualquer lugar das Escrituras
(Comentários de Mateus, Livro XIII, Orígenes (+ 254)).
Pitágoras insiste que as almas migram
de corpos desgastados pela velhice e pela morte. Ele diz que elas são admitidas
em corpos novos e recém-nascidos. Ele também diz que as mesmas almas são
reproduzidas, ora em um homem, ora em uma mulher, ora em um animal selvagem,
ora em um pássaro... Essa opinião de um homem insensato é ridícula. É mais
digna de um ator de teatro que de uma escola de filosofia (As Institutas
Divinas, Lactâncio (+ 320)) (6).
Tais posições dos Pais da Igreja não são um
desmentido à reencarnação, vê-se que confundem metempsicose, transmigração e
reencarnação, fala-se de Pitágoras, Platão e os gnósticos, mas o Espiritismo
não ensina a reencarnação tal como os antigos a divulgavam, “entre a
metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação, há, como também
se sabe, profunda diferença, assinalada pelo fato de os Espíritos rejeitarem de
maneira absoluta, a transmigração da alma do homem para os animais e
reciprocamente” (O Livro dos Espíritos – cap. V – Considerações sobre a
pluralidade das existências). A objeção de Irineu de Lião quanto ao
esquecimento do passado não resiste a um exame mais profundo, Allan Kardec faz
o seguinte questionamento aos Espíritos:
Como pode o homem ser responsável por atos e
resgatar faltas de que não se lembra? Como pode aproveitar da experiência de
vidas de que se esqueceu? Concebe-se que as tribulações da existência lhe
servissem de lição, se se recordasse do que as tenha podido ocasionar. Desde
que, porém, disso não se recorda, cada existência é, para ele, como se fosse a
primeira e eis que então está sempre a recomeçar. Como conciliar isto com a
justiça de Deus?
Recebe a seguinte resposta:
“Em cada nova existência, o homem dispõe de
mais inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal. Onde o seu mérito se
se lembrasse de todo o passado? Quando o Espírito volta à vida anterior (a vida
espírita), diante dos olhos se lhe estende toda a sua vida pretérita. Vê as
faltas que cometeu e que deram causa a seu sofrer, assim como de que modo as
teria evitado. Reconhece justa a situação em que se acha e busca então uma
existência capaz de reparar a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas
às de que não soube aproveitar, ou as lutas que considere apropriadas ao seu
adiantamento e pede a Espíritos que lhe são superiores que o ajudem na nova
empresa que sobre si toma, ciente de que o Espírito, que lhe for dado por guia
nessa outra existência, se esforçará pelo levar a reparar suas faltas,
dando-lhe uma espécie de intuição das em que incorreu. Tendes essa intuição no
pensamento, no desejo criminoso que frequentemente vos assalta e a que
instintivamente resistis, atribuindo as mais das vezes, essa resistência aos
princípios que recebestes de vossos pais, quando é a voz da consciência que vos
fala. Essa voz, que é a lembrança do passado, vos adverte para não recairdes
nas faltas de que já vos fizestes culpados. Em anova existência, se sofre com
coragem aquelas provas e resiste, o Espírito se eleva e ascende na hierarquia
dos Espíritos, ao voltar para o meio deles” (O Livro dos Espíritos – Questão
393) (7).
Transcrevemos toda a questão e a respectiva
resposta pela riqueza de detalhes nelas contido, não podemos esquecer, todavia,
que hoje a Terapia de Vidas Passadas (8) é um avanço da ciência no conhecimento
profundo da personalidade humana e uma prova experimental da reencarnação e
consequentemente da pré-existência e imortalidade da alma. O doutor Brian
Weiss, autor do livro Muitas Vidas, Muitos Mestres, terá contato com a
reencarnação após uma paciente numa sessão de regressão fazer uma “viagem no
tempo”. Desde então, o doutor Brian Weiss despido do preconceito da Academia
têm escrito livros (é bom ressaltar: não espíritas, mas válidos enquanto
pesquisa) e proferido palestras sobre o assunto. Ian Stevenson, Hamendras Net
Barnerjee, Erlendur Haraldson e Hernani Guimarães Andrade, são alguns nomes da
pesquisa sobre o fenômeno da reencarnação (9).
Voltando às palavras dos Pais da Igreja, o
fato de Orígenes não aceitar a transmigração da alma, que não é o mesmo que a
doutrina da reencarnação, como deixamos claro acima, não invalida as palavras
do Evangelho: “Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista’
(Mateus, 17: 13). Malaquias é muito claro quando expressa a sua profecia sobre
o precursor do Messias: “Eis que eu vos envio o profeta Elias, ante que venha o
dia grande e terrível do Senhor” (Ml 4: 5). Ele não diz que virá um profeta
como Elias, ele fala “o profeta Elias”, como Elias poderia ser enviado se ele
havia sido arrebatado ao céu (2 Reis 2: 11)? É claro que o profeta Elias não
subiu ao céu em corpo e alma, como o quer a tradição cristã, a razão repudia
tal coisa. No entanto, é muito lógico e conforme a razão o ver nas respectivas
passagens bíblicas o prenúncio e a confirmação da volta de Elias, mas Elias
volta em outro corpo, mesmo porque Malaquias fez a predição por volta do ano
430 a. C.. Elias havia desencarnado por volta de 848 a. C., portanto, se Elias
continuasse vivo ele retornaria em seu próprio corpo e teria mais de 400 anos,
o que é uma impossibilidade biológica, “se (...) João Batista era Elias, o
corpo de João não podia ser o de Elias, pois que João fora visto criança e seus
pais eram conhecidos, João, pois, podia ser Elias reencarnado, porém, não
ressuscitado” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IV – item 4).
A Bíblia ao expor a reencarnação e a
imortalidade, expõe também a pré-existência da alma, doutrina defendida por
Orígenes e que tem por consequência lógica a doutrina das vidas sucessivas,
tanto assim é que, a partir de Orígenes, uma corrente de monges passou a
professar a reencarnação. O interesse humano levou a doutrina das vidas
sucessivas à condenação:
O grande pensador Orígenes (+ 254), de
Alexandria defendeu a pré-existência da alma, mas não a transmigração. A partir
dele, surgiu uma corrente de monges que passaram a professar também a
reencarnação e a salvação universal. Como o chamado “origenismo” se tornava
fanático e tumultuava a Palestina, o patriarca de Jerusalém, no século 6, pediu
ao Imperador Justiniano (483-565) que interviesse. Justiniano, o maior dos
imperadores bizantinos, escreveu um tratado contra Orígenes e levou o patriarca
de Constantinopla a reunir um sínodo local em 543, que condenou teses relativas
à pré-existência da alma e outras posições origenistas. Dez anos depois, em
553, o II Concílio de Constantinopla encerrou definitivamente a chamada
“controvérsia origenista” (Revista Ultimato. Ano XXXIV-n.270 – Maio/Junho 2001.
Matéria de capa: Reencarnação e Espiritismo. p. 52).
É a seguinte a opinião de um sacerdote
católico sobre tal sínodo (10):
- O que realmente aconteceu – (...) segundo
Robertson e Hefele, foi que um sínodo local condenou os ensinamentos de
Orígenes acerca da pré-existência em 543, na cidade de Constantinopla, mas isto
não é, naturalmente, uma decisão a ser acatada pela Igreja Universal (APUD:
MIRANDA, Hermínio C. IN: A Reencarnação na Bíblia. 10. ed. São Paulo:
Pensamento, 1995. p. 96).
O Concílio de Constantinopla (553) rejeitou o
conceito de vidas sucessivas, por votação, na qual a reencarnação perdeu por 3
a 2 (Ibid). Uma votação não representa a inverdade de uma doutrina, é preciso
para isso, que se tenha argumentos irrefutáveis, sem o que é ter a pretensão da
infalibilidade (11). A reencarnação veio a ser rejeitada novamente muito mais
tarde pelos Concílios de Lião (1274) e Florença (1439), como do recente
Concílio Vaticano II (1965, Lumen Gentium, 48), rejeitam apenas, sem que haja
uma crítica apurada.
Há uma objeção que é repetida com frequência
pelos biblistas que negam a reencarnação, é o texto do capítulo 9, versículo 27
da Epístola aos Hebreus: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez,
vindo, depois disso o juízo”. Há que se observar em relação à Epístola aos
Hebreus, algo digno de nota: não se sabe quem é seu autor e, ainda no século IV
havia discussões se ela deveria figurar entre os livros canonizados. Há
divergências entre os estudiosos sobre a autoria desta Epístola, os vários
nomes sugeridos são o de Lucas, Apolo, Barnabé, Priscila, o diácono Filipe,
Clemente Romano, etc., seus destinatários também são desconhecidos, segundo uns
seriam os judeu-cristãos, para outros sacerdotes judeus convertidos ao
cristianismo, ou os fiéis de Roma (12). O de que não se tem dúvida é de que seu
autor era versado em grego, “seu grego é o mais elegante (e até o mais
sofisticado) do Novo Testamento, seguido das duas obras de Lucas: o Evangelho e
os Atos dos Apóstolos (RAVASI, 1999) (13). O autor revela uma atração pela
liturgia judaica, com seus ritos, sacrifícios e o sacrifício de Cristo na cruz
(cf. Hb 9: 24-26), apesar de se servir somente da versão alexandrina (14) da
Bíblia, e basear sua argumentação em faltas dos copistas gregos” (Hb 10:5) (15).
Em relação à data de sua composição, Ernesto
Renan e teólogos contemporâneos, assinalam que poderia ser o ano 66, o que é
provável é que deve ter sido escrita antes da destruição do Templo de
Jerusalém, o autor se refere aos sacrifícios e cerimônias no Templo, mas não
fala em nenhum momento da destruição deste. RAVASI (1999), diz não ser
“possível definir uma data, a não ser o ano 95, limite que não pode ser
ultrapassado, porque naquele ano Clemente Romano escreve sua Carta aos
Coríntios, na qual parece fazer alusão a trechos do nosso escrito”. Ficamos com
a opinião de Renan e dos teólogos por se nos afigurar mais plausível.
A Epístola aos Hebreus só veio fazer
parte do cânone da Igreja no quarto século. No ano 313, o Imperador
Constantino, na busca da unificação política (16), mandou que se copiasse 50
bíblias para uso das Igrejas, dentre as epístolas que foram disputadas pelos
teólogos estavam a de Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e o
Apocalipse, estes livros constaram das cópias que Constantino mandou fazer. Em
363, o Concílio de Laodicéia decretou que só os livros canonizados do Antigo e
Novo Testamentos fossem lidos na Igreja, neste Concílio só o Apocalipse ainda
não era considerado canônico, mas foi só em 367 que os 27 livros do Novo
Testamento foram reconhecidos oficialmente, quando Atanásio usou o termo
“canônico” referindo-se aos livros citados. O Cristianismo neste tempo já
estava desfigurado, as discussões teológicas eram mais importantes que a moral
evangélica, gnósticos e cristãos disputavam a supremacia:
(...) Os Gnósticos, que enfrentaram o
avanço dos cristãos, apoiados pelo Imperador Constantino, de Roma, diziam-se
herdeiros de uma revelação antiga, que se conservara na sucessão dos mandatos.
Pretendiam a universalidade, como os cristãos, mas não dispuseram de um apoio
político e militar suficiente, sendo condenados como hereges. Os cristãos
realizaram sua institucionalização sob a proteção romana toda poderosa. Tinham
o mandato de César, mas faltava-lhes o de Deus. Todas as seitas cristãs que
discordavam da posição dos protegidos de Roma eram declaradas hereges e muitas
vezes exterminadas. A mesma aliança anteriormente efetuada entre romanos e
judeus, em Jerusalém, efetuava-se então entre romanos e cristãos, com propósito
mais vasto, que era o domínio do mundo. Por mais desejemos dourar essa
situação, alegando a necessidade de expansão do Cristianismo para salvação da
Humanidade, a verdade dos fatos históricos nos mostra que o objetivo principal,
e que realmente se realizou, pelo menos em parte, era o domínio político e
militar dos povos sob o prestígio da igreja cristã apoiada pelo Império (PIRES,
J. Herculano. Revisão do Cristianismo. 4. ed. São Paulo: Paideia, 1996. p. 65).
Diante dos fatos expostos, como fica a
“autoridade das Escrituras”, quando o seu reconhecimento se deu num meio de
embate de ideias e derramamento de sangue? Tal estado de coisa levou a que as
Escrituras tenham contradições em seus ensinos, como é o caso da passagem da
Epístola aos Hebreus (9: 27) a que nos referimos e o ensino de Jesus no
Evangelho de João 3: 3: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não
nascer de novo não pode ver o Reino de Deus” (17). A reencarnação é a doutrina
que se depreende das palavras de Jesus e de passagens bíblico-evangélicas (cf.
Gn 15: 15-16; Ex 20: 5; Dt 5: 9; Ez 37: 9-14; Is 48: 8; Mt 17: 10-13; Mc 9:
11-13), e é a que mais satisfaz a razão em relação ao conceito de Justiça
Divina.
REFERÊNCIAS:
1 – Ver O Livro dos Espíritos, questão
86 e o complemento nas obras de André Luiz.
2 – Revista Ultimato – Ano XXXIV – n.
270 – Maio/Junho 2001. Matéria de Capa: Reencarnação e Espiritismo. p. 32.
3 – SEGUNDO, Juan Luiz. O Inferno como
Absoluto Menos: Um Diálogo com Karl Rahner. São Paulo: Paulinas, 1998. p. 21-27
(Coleção Teologia Atual).
4 – Os comentários e notas da Bíblia
de Estudo Aplicação Pessoal são de responsabilidade de teólogos de renomadas
instituições de pesquisa e estudo dos E.U.A.
5 – A tradução de Ferreira de Almeida
(protestante) pode até dar a entender que haja uma só existência (cf. Êx 20:
5), mas ele achou melhor traduzir o termo grego anothen em João 3: 3 por “de
novo”, do que por “do alto” como o querem os tradutores da Bíblia de Jerusalém
(6. ed. 1979), colocando em nota de rodapé que “do alto” é melhor que “de
novo”, sem maiores esclarecimentos. Almeida ao traduzir como “de novo”, torna o
texto inteligível e de acordo com a pergunta de Nicodemos ao Mestre: “Disse-lhe
Nicodemos: Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura, pode tornar a
entrar no ventre de sua mãe e nascer?” (João 3: 4).
6 – Revista Ultimato, idem, p. 52-53.
Para ver opiniões dos Pais da Igreja favoráveis à reencarnação veja-se o livro
Depois da Morte, de Léon Denis – O Cristianismo.
7 – É de bom alvitre, para maiores
esclarecimentos, que se leia todas as perguntas de O Livro dos Espíritos sobre
o Esquecimento do Passado – Parte Segunda – Cap. VII – Perguntas 392-399, bem
como o n. 11 do cap. V de O Evangelho segundo o Espiritismo.
8 – Sobre a Terapia de Vidas Passadas
e sua relação com a Casa Espírita, recorramos à palavra do tribuno Divaldo
Pereira Franco:
“Reconhecemos a excelência de todas elas, e
particularmente a Terapia de Vidas Passadas, que devem ser exercidas
criteriosamente, por pessoas credenciadas, médicos, psicólogos, psiquiatras,
psicanalistas, que além de terem o seu estudo acadêmico, hajam no caso da
Terapia de Vidas Passadas, feito cursos de especialização. Isto porque, ninguém
deve penetrar no inconsciente do indivíduo de maneira leviana, nem tentar
restaurar recordações sem estar equipado para poder canalizá-los corretamente.
A
função da Casa Espírita não é cuidar de terapias de vidas passadas, de
cromoterapias (grifei), - disso ou daquilo – são terapias dignas, mas que devem
ser aplicadas nos lugares correspondentes” (FRANCO, Divaldo. Mediunidade:
Encontro com Divaldo. 4. ed. São Paulo: Mundo Maior, 2004. p. 41-42).
9 – Reencarnação e Ciência – O também
orador e médium espírita Dr. José Raul Teixeira (Físico e Doutor em Educação),
deixa-nos a sua palavra clara referente ao tema:
“Lamentavelmente, a academia, enquanto
instituição produtora de conhecimento, ainda não se voltou para a questão
reencarnatória. Tal coisa, contudo, não nos deve causar estranheza, dada a sua
coerência. Se a nossa ciência formal, pela voz dos seus representantes, ainda
não admite a existência do ser espiritual, como entidade independente da matéria,
com seus atributos e tudo o mais, não poderia aceitar a reencarnação, que se
calca, exatamente, na realidade do espírito e todas as consequências daí
decorrentes.
Entretanto, temos encontrado um
sem-número de trabalhos, de livros, de investigações em torno da questão
reencarnatória, provenientes de cientistas, de filósofos vários que, não
obstante a grandiosidade de seus nomes e a importância de seus vereditos, ainda
pregam, individualmente, sem qualquer aval acadêmico, impossibilitando-nos
falar em nome da ciência, embora possamos afirmar que são pesquisas e trabalhos
científicos, porque partidos de metodologia científica estabelecida por esse ou
aquele cientista. Essa dificuldade de aceitação da reencarnação por parte da
ciência oficial não diminuiu a importância desse ponto fundamental do
Espiritismo, no campo das reflexões filosóficas, pois, sem ele, não teríamos
como compreender a justiça e o amor de Deus para com suas criatura” (TEIXEIRA,
José Raul. Ante o Vigor do Espiritismo. Niterói, RJ: Fráter, 1998. p. 121 –
Questão 70).
10 – Sínodo – Assembleia regular de
párocos convocada pelo bispo geral.
11 – Infalibilidade – a desfiguração
do Cristianismo levou a que o Concílio Vaticano I adotasse a infalibilidade
papal por dogma, eis a fórmula adotada pelo Concílio e sancionada pelo Papa Pio
IX, em 18 de Julho de 1870:
Nós, com aprovação do Sacro Concílio,
ensinamos e definimos ser dogma revelado por Deus que o Pontífice Romano,
quando fala ex-cathedra, isto é, quando em sua função de Pastor e Mestre de
todos os cristãos, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, define que
uma doutrina resguardante da Fé e dos costumes deve ser abraçada por toda a
Igreja, graças à assistência divina que lhe foi prometida na pessoa de São
Pedro, goze aquela infalibilidade da qual o Divino Redentor quer que seja
dotada a Igreja todas as vezes em que deva ser definida uma doutrina
concernente à Fé e aos costumes, pelo que tais definições do Pontífice Romano,
por si mesmas, e não por consenso da Igreja, são irreformáveis (APUD: BARBOSA,
Rui. O Papa e o Concílio. 2. Ed. Londrina, PR: Leopoldo Machado, 2002 (vol. 1).
p. 09).
Tal fórmula deixa clara a intenção de
domínio da Igreja, retirando do homem a sua liberdade máxima que é a de pensar,
o progresso, entretanto, se faz na própria Igreja correntes outras vão
surgindo, como é o caso da Teologia da Libertação e os próprios fiéis já
questionam o credo quia absurdum (creio, mesmo que absurdo) que lhes tolhe a
capacidade de raciocínio.
12 – Destinatários da Epístola aos
Hebreus – Renan defende a Igreja de Roma como destinatária:
A determinação da Igreja destinatária pode
fazer-se com bastante verossimilhança. As circunstâncias que enumeramos
põem-nos em situação de só escolhermos entre a Igreja de Roma e a de Jerusalém.
O título Για τους Εβραίους (Aos Hebreus) faz pensar a princípio na Igreja de
Jerusalém. Mas é impossível demorarmo-nos numa tal ideia. Passagens como 5:
1-14; 6: 11-12, e mesmo 6: 10, não formam sentido se se supõem dirigidas por um
discípulo dos apóstolos a esta Igreja mãe, fonte de todo o ensino. O que se diz
de Timóteo (Hb 13: 23) não se compreende também; pessoas tão ligadas como o
autor e como Timóteo ao partido de Paulo não teriam podido dirigir à Igreja de
Jerusalém uma frase que dá a entender a existência de relações íntimas. Como
admitir, por exemplo, que o autor, com esta exegese unicamente fundada sobre a
versão alexandrina, esta incompleta ciência judaica, este imperfeito
conhecimento das coisas do templo, tivesse ousado dar uma tão grande lição aos
mestres por excelência, a pessoas falando hebreu ou pouco menos, vivendo todos
os dias à volta do templo, e que sabiam muito melhor do que ele tudo o que lhes
dizia respeito? Como admitir sobretudo que ele as tratasse como catecúmenos
apenas iniciados e incapazes de uma forte teologia? – Pelo contrário, se se
supõem que os destinatários da epístola são os fiéis de Roma, tudo se harmoniza
maravilhosamente. As passagens 6: 10; 10: 32 e seguintes; 13: 3 e 7 são alusões
claras à perseguição do ano 64; a passagem 13: 7 aplica-se à morte dos
apóstolos Pedro e Paulo; enfim ὁί ὰπό τἦς Ỉταλιας (Os da Itália vos saúdam)
justifica-se desse modo perfeitamente, porque é natural que o autor envie à
Igreja de Roma as saudações da colônia dos Italianos que estava em volta dele.
Acrescente-se a isto que a primeira epístola de Clemente Romano (obra com
certeza romana) se serve por muitas vezes da Epístola aos Hebreus,
decalcando-lhe o modo de exposição por uma forma evidente (RENAN, Ernesto. O
Anti Christo. Porto, Portugal: Livraria Chardron de Lello e Irmão. Introdução,
p. XVIII-XIX).
13 – RAVASI, Gianfranco. A Boa Nova:
as histórias, as ideias e os personagens do Novo Testamento. São Paulo:
Paulinas, 1999. p. 307.
14 – O Cânone de Alexandria – O nome
Alexandria provém do fato de que muitos judeus viviam nesta cidade e produziam
literatura religiosa no templo. Como falavam o grego, traduziram o Pentateuco
no ano 250 a. C., os outros livros da Bíblia foram traduzidos no ano 150 a. C..
Tal tradução é conhecida como Septuaginta, por terem sido 70 especialistas
(segundo a tradição) que nela trabalharam. Muitos com muita razão consideram o
número 70 apenas uma referência à numerologia judaica para um número perfeito.
15 – Faltas dos copistas gregos – é
curioso que a passagem bíblica de Hb 10: 5: “Pelo que, entrando no mundo, diz:
Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste”, não se encontre em
nenhum outro lugar do Novo Testamento. RENAN (O Anti Christo, p. XVI) coloca os
versículos 37 e 38 entre as faltas dos copistas gregos, realmente soa estranha
a tradução do versículo 37: “Porque ainda um poucochinho de tempo (outra
tradução diz “um pouquinho de tempo”; a da Bíblia de Jerusalém traz “muito
pouco tempo”) e o que há de vir virá e não tardará”.
Só mesmo uma fé cega para que se leve
como verdade absoluta todos os escritos da Bíblia, necessário se faz a análise
do contexto histórico e cultural, sem o que é perdermo-nos em divagações
teológicas e forçando concordâncias entre os textos.
16 – Constantino:
A afirmação de muitos cristãos de que
Constantino abraçou o Cristianismo não suporta uma análise histórica,
Constantino proibiu a perseguição aos cristãos porque queria a unidade do
Império na política, na religião e no domínio territorial. Esta foi uma decisão
acertada já que o Cristianismo no séc. IV estava em franca expansão (SANT’ANNA,
Ocívio. Constantino e o Culto do Sol Invictus. O Rosacruz. 4º Trimestre, 2006 –
n. 258. Cultura. p. 42-45).
Gordon Childe, um dos mais brilhantes
arqueólogos do século XX chama Constantino de “o primeiro imperador cristão”,
entretanto, diz que a conversão de Constantino pode ser interpretada como
triunfo do totalitarismo:
Sem dúvida a Igreja não só conseguiu
para si a tolerância e o fim das perseguições, mas também riquezas e direito de
perseguir os outros. O preço disso foi a aprovação religiosa da ordem já
existente na Terra. O imperador já não é mais “Senhor e Deus”, mas
transformou-se em “imperador ortodoxo e apostólico”. Seu governo é uma cópia
terrena e representativa da Soberania do Verbo Divino. No “Sagrado Palácio” de
Istambul, a “Casa Divina” recebeu e emitiu “Mandatos Celestiais” como
“Delegação Divina” (CHILDE, Gordon. O Que Aconteceu na História, p. 292).
17 – Reencarnação na Bíblia –
Comparadas as palavras de Jesus, anotadas pelo discípulo amado, que do fato
narrado foi testemunha ocular, com as passagens bíblicas citadas, chega-se à
conclusão que os textos só fazem sentido quando interpretados à luz das doutrinas
da pré-existência e da reencarnação. Ainda que o Evangelho de João tenha
características que dão a entender não ter sido escrito por ele, “as partes
narrativas encerram preciosas tradições, remontando em parte ao apóstolo João”
(RENAN, Ernesto. Vida de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 23).
(*)
Leonardo Paixão é trabalhador espírita em Campos dos Goytacazes, RJ,
colaborando com um grupo de amigos de ideal no Grupo Espírita Semeadores da Paz.
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home