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terça-feira, 2 de junho de 2015

Reunião de doutrinação (esclarecimento) de espíritos foi recomendada na codificação?



Paulo Neto


Na atualidade, após quase 160 anos do surgimento da Doutrina dos Espíritos, pode alguém questionar sobre a utilidade das evocações de Espíritos em reuniões mediúnicas, denominadas de doutrinação ou de esclarecimento de Espíritos.
Pensam, alguns companheiros, que o esclarecimento ou a moralização dos Espíritos inferiores deve ser uma tarefa específica de Espíritos superiores, realizada no mundo espiritual e não por nós aqui do mundo material. Outros são contra, só pelo fato delas serem mencionadas por André Luiz, na psicografia de Chico Xavier; pede-se, apenas, bom senso, pois o excesso para nenhum dos lados é bom.
Estávamos pesquisando na obra Curso Básico de Espiritismo, 1º ano, uma publicação da FEESP – Federação Espírita do Estado de São Paulo, visando encontrar algum material para utilizar numa palestra sobre a vida no mundo espiritual, quando nos deparamos com este interessante parágrafo:
“Em erraticidade, os Espíritos analisam e refletem sobre o seu passado, sempre objetivando o aperfeiçoamento e, ao percorrerem os lugares, observam e escutam com interesse os conselhos dos encarnados mais esclarecidos, e dessa forma, as ideias novas surgem em seu íntimo, predispondo-os a aceitação dos desígnios divinos.” (FEESP, 2011, p. 50, grifo nosso).
Despertou-nos atenção o trecho que diz “escutam com interesse os conselhos dos encarnados mais esclarecidos”, razão pela qual fomos ver se nas obras da Codificação havia algo a respeito disso.
Tomemos, por pertinente ao tema, a obra O Livro dos Médiuns, cap. XXV – Evocações, para esclarecimento da questão:
278. Uma questão importante se apresenta aqui, a de saber se há ou não inconveniente em evocar Espíritos maus. Isto depende do fim que se tenha em vista e da ascendência que se possa exercer sobre eles. Não há inconveniente, quando são chamados com um fim sério, instrutivo e tendo em vista melhorá-los. Ao contrário, o inconveniente é muito grande quando se faz a evocação por simples curiosidade ou por divertimento, ou, ainda, quando quem os chama se põe na dependência deles, pedindo-lhes um serviço qualquer. […]. (KARDEC, 2013b, p. 300, grifo nosso).
E o alerta no início do item subsequente (279) não deve ser nunca desprezado: “Ninguém exerce ascendência sobre os Espíritos inferiores, a não ser pela superioridade moral.” (KARDEC, 2013b, p. 300, itálico do original).
Um pouco mais à frente, no tópico “Utilidade das evocações particulares”, do item 281, transcrevemos o seu último parágrafo:

A evocação dos Espíritos vulgares tem, além disso, a vantagem de nos pôr em contato com Espíritos sofredores, que podemos aliviar e cujo adiantamento podemos facilitar, por meio de bons conselhos. Todos, pois, nos podemos tornar úteis, ao mesmo tempo que nos instruímos. Há egoísmo naquele que somente a sua própria satisfação procura nas manifestações dos Espíritos, e dá prova de orgulho aquele que deixa de estender a mão em socorro dos desgraçados. De que lhe serve obter belas comunicações de Espíritos de escol, se isso não o faz melhor para consigo mesmo, nem mais caridoso e benévolo para com seus irmãos deste mundo e do outro? Que seria dos pobres doentes, se os médicos se recusassem a lhes tocar as chagas? (KARDEC, 2013b, p. 304, grifo nosso).
Entenda-se o adjetivo “vulgares” não no sentido pejorativo, mas apenas uma outra designação com a qual também se nomeia os Espíritos inferiores (KARDEC, 2013b, item 267, 4).
Caso não tentemos aliviar e ajudar no adiantamento os Espíritos inferiores, nós os espíritas, estaremos, segundo Kardec, sendo egoístas, por não estarmos sendo caridosos e benévolos para com eles. Obviamente, que isso não significa que todos os espíritas devam fazer esse trabalho, já que a caridade pode ser exercida de muitas outras maneiras. O que ele quer dizer é que as instituições espíritas não devem descuidar deste tipo de atividade. Entendemos que, utilizando-se de outras palavras, Kardec está, na verdade, recomendando mesmo a evocação desses Espíritos para que, por meio de bons conselhos, possamos contribuir no alívio de seu sofrimento e no seu despertamento moral para buscarem o caminho da evolução espirital. O que só ocorre em reuniões mediúnicas criadas precipuamente para esse objetivo.
Ademais, há situações que, segundo Kardec, é mesmo necessária a evocação, como nos casos das obsessões. Em A Gênese, no capítulo XIV, Os Fluidos, quando, tratando desse tema, Kardec disse:
46 – Assim como as moléstias resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às influências perniciosas exteriores, a obsessão decorre sempre de uma imperfeição moral, que dá ascendência a um Espírito mau. A uma causa física, opõe-se uma força física; a uma causa moral preciso é se contraponha uma força moral. Para preservar o corpo das enfermidades, é preciso fortificá-lo; para garantir a alma contra a obsessão, tem-se que fortalecê-la. Daí, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar pela sua própria melhoria, o que na maioria das vezes é suficiente para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de terceiros. Este socorro se torna necessário, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque neste caso o paciente não raro perde a vontade e o livre-arbítrio.
Quase sempre a obsessão exprime vingança tomada por um Espírito e cuja origem frequentemente se encontra nas relações que o obsidiado manteve com o obsessor, em precedente existência.
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que é preciso desembaraçá-lo, Ora, um fluído mau não pode ser eliminado por outro igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium curador, nos casos de enfermidade, há que se expulsar o fluido mau com o auxílio de um fluido melhor.
Nem sempre, porém, basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso que se tenha o direito de falar com autoridade, que, entretanto, não possui quem não tenha superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.
Mas ainda não é tudo: para assegurar a libertação, é preciso que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que nele desponte o arrependimento, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com vistas à sua educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito. (KARDEC, 2013c, p. 259, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Somente por meio de “evocações particularmente feitas com vistas à sua educação moral” é que um Espírito perverso pode ser convencido a renunciar a sua vingança, contra o obsidiado; portanto, não podemos protestar ignorância dessa missão que, como espíritas, nos cabe.
Voltemos à obra O Livro dos Médiuns, agora no cap. XXIII – Obsessão, item 254, onde lemos esclarecimentos importantes:
5. Não se pode também combater a influência dos maus Espíritos, moralizando-os?
“Sim, mas é o que não se faz, e é o que não se deve deixar de fazer, porque, muitas vezes, isso constitui uma tarefa que vos é dada e que deveis desempenhar caridosamente, religiosamente. Por meio de sábios conselhos, é possível induzi-los ao arrependimento e apressar o progresso deles.”
(KARDEC, 2013b, p. 274, grifo nosso).
Uma das nossas missões é combater a influência dos Espíritos maus, moralizando-os, obviamente, em reuniões específicas para o trato com eles, já que “isso constitui uma tarefa que vos é dada e que deveis desempenhar caridosamente, religiosamente”; mais claro que isso é impossível.
Kardec insistiu na questão, querendo saber como nós, os encarnados, podemos influenciar positivamente os Espíritos maus se eles, teoricamente, têm os Espíritos superiores ao lado.
5-a. Como pode um homem ter, a esse respeito, mais influência do que a têm os próprios Espíritos?
Os Espíritos perversos se aproximam antes dos homens que eles procuram atormentar, do que dos Espíritos, dos quais se afastam o mais possível. Nessa aproximação dos humanos, quando encontram algum que os moralize, a princípio não o escutam e até se riem dele; depois, se aquele os sabe prender, acabam por se deixarem tocar. Os Espíritos elevados só em nome de Deus lhes podem falar e isto os apavora. O homem, indubitavelmente, não dispõe de mais poder do que os Espíritos superiores, porém, sua linguagem se identifica melhor com a natureza aqueles outros e, ao verem o ascendente que o homem pode exercer sobre os Espíritos inferiores, melhor compreendem a solidariedade que existe entre o céu e a terra. Demais, o ascendente que o homem pode exercer sobre os Espíritos está na razão da sua superioridade moral. Ele não domina os Espíritos superiores, nem mesmo os que, sem serem superiores, são bons e benevolentes, mas pode dominar os que lhe são inferiores em moralidade." (KARDEC, 2013b, p. 274, grifo nosso).
Conforme explicado, a razão está em que nós, os encarnados, estamos mais próximos deles do que os Espíritos Superiores; daí ser mais fácil chegarmos a eles do que estes Espíritos.
Em dois outros momentos Kardec, falando das obsessões, recomendou que se evocasse o Espírito obsessor, a fim de instruí-lo e também com isso libertasse o encarnado de sua influência, conforme esses trechos que nós transcrevemos; o primeiro da Revista Espírita 1866 e o outro de A Gênese:
O Espiritismo nos mostra na obsessão uma das causas perturbadoras do organismo, e nos dá, ao mesmo tempo, os meios de remediá-la: aí está um de seus benefícios. Mas como essa causa pode ser reconhecida se não for pelas evocações? As evocações, são, pois, boas para alguma coisa, o que quer que digam delas seus detratores.
[…].
[…] O conhecimento que temos agora do mundo invisível no-lo mostra povoado dos mesmos seres que viveram sobre a Terra, uns bons, os outros maus. Entre estes últimos, há os que se comprazem ainda no mal, em consequência de sua inferioridade moral e que não se despojaram ainda de seus instintos perversos; estão em nosso meio como quando vivos, com a única diferença de que em lugar de terem um corpo material visível, têm um corpo fluídico invisível; mas não são, por isto, menos os mesmos homens, no sentido moral pouco desenvolvido, procurando sempre as ocasiões de fazer o mal, se obstinando sobre aqueles que lhes dão presa e que acabam submetendo-se à sua influência; obsessores encarnados que eram, são obsessores desencarnados, tanto mais perigosos porque agem sem serem vistos. Afastá-los pela força não é coisa fácil, tendo em vista que não se pode prendê-los pelo corpo; o único meio de dominá-los é o ascendente moral com a ajuda do qual, pelo raciocínio e os sábios conselhos, chega-se a torná-los melhores, por isto são mais acessíveis no estado de Espírito do que no estado corpóreo. Desde o instante em que são conduzidos a renunciarem voluntariamente a atormentar, o mal desaparece, se esse mal é o fato de uma obsessão; ora, compreende-se que não são nem as duchas, nem os remédios administrados ao doente que podem agir sobre o Espírito obsessor. Eis todo o segredo dessas curas, para as quais não há nem palavras sacramentais, nem fórmulas cabalísticas; conversa-se com o Espírito desencarnado, se o moraliza, educa-o, como teria sido feito quando de sua vida. (KARDEC, 1993i, p. 41, grifo nosso).
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que importa desembaraçá-lo. Ora, um fluido mau não pode ser eliminado por outro igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium curador, nos casos de enfermidade, há que se expulsar o fluido mau com o auxílio de um fluido melhor.
Nem sempre, porém, basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso que se tenha o direito de falar com autoridade, que, entretanto, não a possui quem não tenha superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.
Mas, ainda não é tudo: para assegurar a libertação, é preciso que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que nele se desponte o arrependimento, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com vistas à sua educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito. (KARDEC, 2013c, p. 259, grifo em itálico do original, em negrito nosso).
Entendemos que ao dizer “por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com vistas à sua educação moral” Kardec está referendando as reuniões mediúnicas específicas para a doutrinação ou esclarecimento de Espíritos.
Das instruções de Erasto relativas ao caso da Senhorita Julie, publicadas na Revista Espírita 1864, mês janeiro, destacamos mais dois pontos: o primeiro é a evocação dos Espíritos superiores, pedindo auxílio nos casos de obsessão; e o segundo é a prece:
“[…] É preciso não só uma ação material e moral, mas ainda uma ação puramente espiritual. Ao Espírito encarnado que se encontra, como Júlia, em estado de possessão, é preciso um magnetizador experimentado e perfeitamente convicto da verdade Espírita; é preciso que seja, além disso, de uma moralidade irrepreensível e sem presunção. Mas, para agir sobre o Espírito obsessor, é necessária a ação não menos enérgica de um bom Espírito desencarnado. Assim, pois, dupla ação: ação terrestre, ação extraterrestre; encarnado sobre encarnado, desencarnado sobre desencarnado; eis a lei. […].
“Isso nos demonstra o que tereis de fazer doravante nos casos de possessão manifesta; é indispensável chamar em vossa ajuda o concurso de um Espírito elevado, gozando, ao mesmo tempo, de uma poder moral e fluídico, […] Além disso, nosso concurso é dado a todos aqueles que nos chamarem em sua ajuda, com pureza de coração e fé verdadeira.
“[..] Quando se magnetizar Julie, será preciso primeiro proceder pela fervorosa evocação do cura d’Ars e de outros bons Espíritos que se comunicam habitualmente entre vós, rogando-lhes agirem contra os maus Espíritos que perseguem essa jovem, e que fugirão diante de suas falanges luminosas. Não é preciso esquecer, no mais, que a prece coletiva tem uma poder muito grande, quando é feita por certo número de pessoas agindo em acordo, com uma fé viva e um desejo ardente de aliviar.”
ERASTO (Médium: Sr. d’Ambel)
(KARDEC, 1993h, p. 16-17, grifo nosso).
Observamos que Erasto está dizendo da importância de se evocar a assistência dos Espíritos superiores para que, nos casos de possessão (obsessão), eles também possam auxiliar no processo de libertação dos envolvidos. Alerta-nos, também, para o poder da prece, a qual devemos fazer a favor do Espírito obsessor.
         Concluímos, então, que, conforme o que encontramos nas obras da Codificação, as reuniões mediúnicas de doutrinação ou esclarecimento de Espíritos sofredores (imperfeitos) é uma missão nossa, que deve ser levada a efeito em reuniões específicas; obviamente, sem público externo, mas na intimidade que esses casos requerem e na privacidade que os espíritos manifestantes merecem.
Sendo uma missão nossa, ou seja, dos encarnados, julgamos que toda casa espírita deva ter essas reuniões para que possamos bem cumprir essa missão, com as quais, segundo as palavras de Kardec, teremos em cada caso resolvido “a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito” (KARDEC, 2013c, p. 259).


Paulo da Silva Neto Sobrinho
Mai/2015.
(versão 2 – jun/2015).




Referências bibliográficas:
FEESP – Federação Espírita do Estado de São Paulo. Curso Básico de Espiritismo, 1º ano. São Paulo: FEESP, 2011 (em PDF).
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2013c.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1864. Araras, IDE: 1993h.
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, IDE: 1993i.

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