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Paulo Neto |
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Na atualidade, após quase 160 anos do surgimento da
Doutrina dos Espíritos, pode alguém questionar sobre a utilidade das evocações
de Espíritos em reuniões mediúnicas, denominadas de doutrinação ou de
esclarecimento de Espíritos.
Pensam, alguns companheiros, que o esclarecimento ou a
moralização dos Espíritos inferiores deve ser uma tarefa específica de
Espíritos superiores, realizada no mundo espiritual e não por nós aqui do mundo
material. Outros são contra, só pelo fato delas serem mencionadas por André
Luiz, na psicografia de Chico Xavier; pede-se, apenas, bom senso, pois o
excesso para nenhum dos lados é bom.
Estávamos pesquisando na obra Curso Básico de
Espiritismo, 1º ano, uma publicação da FEESP – Federação Espírita do Estado
de São Paulo, visando encontrar algum material para utilizar numa palestra
sobre a vida no mundo espiritual, quando nos deparamos com este interessante
parágrafo:
“Em erraticidade, os
Espíritos analisam e refletem sobre o seu passado, sempre objetivando o
aperfeiçoamento e, ao percorrerem os lugares, observam e escutam com
interesse os conselhos dos encarnados mais esclarecidos, e dessa forma, as
ideias novas surgem em seu íntimo, predispondo-os a aceitação dos desígnios
divinos.” (FEESP, 2011, p. 50, grifo nosso).
Despertou-nos atenção o trecho que diz “escutam com
interesse os conselhos dos encarnados mais esclarecidos”, razão pela qual fomos
ver se nas obras da Codificação havia algo a respeito disso.
Tomemos, por pertinente ao tema, a obra O Livro dos
Médiuns, cap. XXV – Evocações, para esclarecimento da questão:
278. Uma questão
importante se apresenta aqui, a de saber se há ou não inconveniente em evocar
Espíritos maus. Isto depende do fim que se tenha em vista e da ascendência
que se possa exercer sobre eles. Não há inconveniente, quando são chamados
com um fim sério, instrutivo e tendo em vista melhorá-los. Ao contrário, o
inconveniente é muito grande quando se faz a evocação por simples curiosidade
ou por divertimento, ou, ainda, quando quem os chama se põe na dependência
deles, pedindo-lhes um serviço qualquer. […]. (KARDEC, 2013b, p. 300, grifo
nosso).
E o alerta no início do item subsequente
(279) não deve ser nunca desprezado: “Ninguém exerce ascendência sobre os
Espíritos inferiores, a não ser pela superioridade moral.” (KARDEC,
2013b, p. 300, itálico do original).
Um pouco mais à frente, no tópico
“Utilidade das evocações particulares”, do item 281, transcrevemos o seu último
parágrafo:
A
evocação dos Espíritos vulgares tem, além disso, a vantagem de nos pôr em contato com Espíritos sofredores, que
podemos aliviar e cujo adiantamento podemos facilitar, por meio de bons
conselhos. Todos, pois, nos podemos
tornar úteis, ao mesmo tempo que nos instruímos. Há egoísmo naquele que somente
a sua própria satisfação procura nas manifestações dos Espíritos, e dá prova de
orgulho aquele que deixa de estender a mão em socorro dos desgraçados. De que
lhe serve obter belas comunicações de Espíritos de escol, se isso não o faz
melhor para consigo mesmo, nem mais caridoso e benévolo para com seus irmãos
deste mundo e do outro? Que seria dos pobres doentes, se os médicos se
recusassem a lhes tocar as chagas? (KARDEC, 2013b, p. 304, grifo nosso).
Entenda-se o adjetivo “vulgares” não no
sentido pejorativo, mas apenas uma outra designação com a qual também se nomeia
os Espíritos inferiores (KARDEC, 2013b, item 267, 4).
Caso não tentemos aliviar e ajudar no
adiantamento os Espíritos inferiores, nós os espíritas, estaremos, segundo
Kardec, sendo egoístas, por não estarmos sendo caridosos e benévolos para com
eles. Obviamente, que isso não significa que todos os espíritas devam fazer
esse trabalho, já que a caridade pode ser exercida de muitas outras maneiras. O
que ele quer dizer é que as instituições espíritas não devem descuidar deste
tipo de atividade. Entendemos que, utilizando-se de outras palavras, Kardec
está, na verdade, recomendando mesmo a evocação desses Espíritos para que, por
meio de bons conselhos, possamos contribuir no alívio de seu sofrimento e no
seu despertamento moral para buscarem o caminho da evolução espirital. O que só
ocorre em reuniões mediúnicas criadas precipuamente para esse objetivo.
Ademais, há situações
que, segundo Kardec, é mesmo necessária a evocação, como nos casos das
obsessões. Em A Gênese, no capítulo
XIV, Os Fluidos, quando, tratando
desse tema, Kardec disse:
46 – Assim como as
moléstias resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às
influências perniciosas exteriores, a obsessão decorre sempre de uma
imperfeição moral, que dá ascendência a um Espírito mau. A uma causa física,
opõe-se uma força física; a uma causa moral preciso é se contraponha uma
força moral. Para preservar o corpo das enfermidades, é preciso
fortificá-lo; para garantir a alma contra a obsessão, tem-se que fortalecê-la.
Daí, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar pela sua própria melhoria, o
que na maioria das vezes é suficiente para livrá-lo do obsessor, sem o
socorro de terceiros. Este socorro se torna necessário, quando a obsessão
degenera em subjugação e em possessão, porque neste caso o paciente não raro
perde a vontade e o livre-arbítrio.
Quase sempre a
obsessão exprime vingança tomada por um Espírito e cuja origem frequentemente
se encontra nas relações que o obsidiado manteve com o obsessor, em precedente
existência.
Nos casos de obsessão
grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso,
que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que é
preciso desembaraçá-lo, Ora, um fluído mau não pode ser eliminado por outro
igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium curador, nos casos de
enfermidade, há que se expulsar o fluido mau com o auxílio de um fluido
melhor.
Nem sempre, porém,
basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente,
ao qual é preciso que se tenha o direito
de falar com autoridade, que, entretanto, não possui quem não tenha
superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.
Mas ainda não é tudo:
para assegurar a libertação, é preciso que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que
nele desponte o arrependimento, assim como o desejo do bem, por meio de
instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com
vistas à sua educação moral.
Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um
Espírito imperfeito. (KARDEC, 2013c, p. 259, grifo em itálico do original, em
negrito nosso).
Somente por meio de “evocações particularmente feitas
com vistas à sua educação moral” é que um Espírito perverso pode ser convencido
a renunciar a sua vingança, contra o obsidiado; portanto, não podemos protestar
ignorância dessa missão que, como espíritas, nos cabe.
Voltemos à obra O Livro dos Médiuns, agora no
cap. XXIII – Obsessão, item 254, onde lemos esclarecimentos importantes:
5. Não se pode também combater a influência dos maus Espíritos,
moralizando-os?
“Sim, mas é o que não se faz, e é o que
não se deve deixar de fazer, porque, muitas vezes, isso constitui uma tarefa
que vos é dada e que deveis desempenhar caridosamente, religiosamente. Por
meio de sábios conselhos, é possível induzi-los ao arrependimento e apressar o
progresso deles.”
(KARDEC, 2013b, p. 274, grifo nosso).
Uma das nossas missões é combater a influência dos
Espíritos maus, moralizando-os, obviamente, em reuniões específicas para o
trato com eles, já que “isso constitui uma tarefa que vos é dada e que deveis
desempenhar caridosamente, religiosamente”; mais claro que isso é impossível.
Kardec insistiu na questão, querendo saber como nós,
os encarnados, podemos influenciar positivamente os Espíritos maus se eles,
teoricamente, têm os Espíritos superiores ao lado.
5-a. Como pode um homem ter, a esse respeito, mais influência do que a têm
os próprios Espíritos?
“Os Espíritos perversos se aproximam
antes dos homens que eles procuram atormentar, do que dos Espíritos, dos quais
se afastam o mais possível. Nessa aproximação dos humanos, quando encontram
algum que os moralize, a princípio não o escutam e até se riem dele; depois, se
aquele os sabe prender, acabam por se deixarem tocar. Os Espíritos elevados só
em nome de Deus lhes podem falar e isto os apavora. O homem, indubitavelmente,
não dispõe de mais poder do que os Espíritos superiores, porém, sua
linguagem se identifica melhor com a natureza aqueles outros e, ao verem o
ascendente que o homem pode exercer sobre os Espíritos inferiores, melhor
compreendem a solidariedade que existe entre o céu e a terra. Demais, o
ascendente que o homem pode exercer sobre os Espíritos está na razão da sua
superioridade moral. Ele não domina os Espíritos superiores, nem mesmo os
que, sem serem superiores, são bons e benevolentes, mas pode dominar os que lhe
são inferiores em moralidade." (KARDEC, 2013b, p. 274, grifo nosso).
Conforme explicado, a razão está em que
nós, os encarnados, estamos mais próximos deles do que os Espíritos Superiores;
daí ser mais fácil chegarmos a eles do que estes Espíritos.
Em dois outros momentos Kardec, falando
das obsessões, recomendou que se evocasse o Espírito obsessor, a fim de
instruí-lo e também com isso libertasse o encarnado de sua influência, conforme
esses trechos que nós transcrevemos; o primeiro da Revista Espírita 1866
e o outro de A Gênese:
O Espiritismo nos mostra na
obsessão uma das causas perturbadoras do organismo, e nos dá, ao mesmo tempo,
os meios de remediá-la: aí está um de seus benefícios. Mas como essa causa pode
ser reconhecida se não for pelas evocações? As evocações, são, pois, boas
para alguma coisa, o que quer que digam delas seus detratores.
[…].
[…] O
conhecimento que temos agora do mundo invisível no-lo mostra povoado dos
mesmos seres que viveram sobre a Terra, uns bons, os outros maus. Entre estes
últimos, há os que se comprazem ainda no mal, em consequência de sua
inferioridade moral e que não se despojaram ainda de seus instintos perversos;
estão em nosso meio como quando vivos, com a única diferença de que em lugar de
terem um corpo material visível, têm um corpo fluídico invisível; mas não são,
por isto, menos os mesmos homens, no sentido moral pouco desenvolvido,
procurando sempre as ocasiões de fazer o mal, se obstinando sobre aqueles que
lhes dão presa e que acabam submetendo-se à sua influência; obsessores
encarnados que eram, são obsessores desencarnados, tanto mais perigosos porque
agem sem serem vistos. Afastá-los pela força não é coisa fácil, tendo em vista
que não se pode prendê-los pelo corpo; o único meio de dominá-los é o
ascendente moral com a ajuda do qual, pelo raciocínio e os sábios conselhos,
chega-se a torná-los melhores, por isto são mais acessíveis no estado de
Espírito do que no estado corpóreo. Desde o instante em que são conduzidos
a renunciarem voluntariamente a atormentar, o mal desaparece, se esse mal é o
fato de uma obsessão; ora, compreende-se que não são nem as duchas, nem os
remédios administrados ao doente que podem agir sobre o Espírito obsessor. Eis
todo o segredo dessas curas, para as quais não há nem palavras sacramentais,
nem fórmulas cabalísticas; conversa-se com o Espírito desencarnado, se o
moraliza, educa-o, como teria sido feito quando de sua vida. (KARDEC,
1993i, p. 41, grifo nosso).
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um
fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É
daquele fluido que importa desembaraçá-lo. Ora, um fluido mau não pode ser
eliminado por outro igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium
curador, nos casos de enfermidade, há que se expulsar o fluido mau com o
auxílio de um fluido melhor.
Nem sempre, porém, basta esta ação
mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é
preciso que se tenha o direito de falar com autoridade, que, entretanto, não a possui quem não tenha
superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.
Mas, ainda não é tudo: para assegurar
a libertação, é preciso que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos
seus maus desígnios; que nele se desponte o arrependimento, assim como o desejo
do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com vistas à sua educação
moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de
converter um Espírito imperfeito. (KARDEC, 2013c, p. 259, grifo em itálico do
original, em negrito nosso).
Entendemos que ao dizer “por meio de
instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com
vistas à sua educação moral” Kardec está referendando as reuniões mediúnicas
específicas para a doutrinação ou esclarecimento de Espíritos.
Das instruções de Erasto relativas ao caso
da Senhorita Julie, publicadas na Revista Espírita 1864, mês janeiro,
destacamos mais dois pontos: o primeiro é a evocação dos Espíritos superiores,
pedindo auxílio nos casos de obsessão; e o segundo é a prece:
“[…] É preciso não só uma ação material e moral, mas ainda uma ação
puramente espiritual. Ao Espírito encarnado que se encontra, como Júlia,
em estado de possessão, é preciso um magnetizador experimentado e
perfeitamente convicto da verdade Espírita; é preciso que seja, além disso, de
uma moralidade irrepreensível e sem presunção. Mas, para agir sobre o
Espírito obsessor, é necessária a ação não menos enérgica de um bom Espírito
desencarnado. Assim, pois, dupla ação: ação terrestre, ação extraterrestre;
encarnado sobre encarnado, desencarnado sobre desencarnado; eis a lei. […].
“Isso nos demonstra o que tereis de fazer doravante nos casos de
possessão manifesta; é indispensável chamar em vossa ajuda o concurso de um
Espírito elevado, gozando, ao mesmo tempo, de uma poder moral e fluídico,
[…] Além disso, nosso concurso é dado a todos aqueles que nos chamarem em sua ajuda,
com pureza de coração e fé verdadeira.
“[..]
Quando se magnetizar Julie, será preciso primeiro proceder pela fervorosa evocação
do cura d’Ars e de outros bons Espíritos que se comunicam habitualmente entre
vós, rogando-lhes agirem contra os maus Espíritos que perseguem essa
jovem, e que fugirão diante de suas falanges luminosas. Não é preciso esquecer,
no mais, que a prece coletiva tem uma poder muito grande, quando é feita
por certo número de pessoas agindo em acordo, com uma fé viva e um desejo ardente
de aliviar.”
ERASTO (Médium: Sr. d’Ambel)
(KARDEC, 1993h, p. 16-17, grifo nosso).
Observamos que Erasto está dizendo da
importância de se evocar a assistência dos Espíritos superiores para que, nos
casos de possessão (obsessão), eles também possam auxiliar no processo de
libertação dos envolvidos. Alerta-nos, também, para o poder da prece, a qual
devemos fazer a favor do Espírito obsessor.
Concluímos,
então, que, conforme o que encontramos nas obras da Codificação, as reuniões
mediúnicas de doutrinação ou esclarecimento de Espíritos sofredores
(imperfeitos) é uma missão nossa, que deve ser levada a efeito em reuniões
específicas; obviamente, sem público externo, mas na intimidade que esses casos
requerem e na privacidade que os espíritos manifestantes merecem.
Sendo uma missão nossa, ou seja, dos
encarnados, julgamos que toda casa espírita deva ter essas reuniões para que
possamos bem cumprir essa missão, com as quais, segundo as palavras de Kardec,
teremos em cada caso resolvido “a grata satisfação de libertar um encarnado e
de converter um Espírito imperfeito” (KARDEC, 2013c, p. 259).
Paulo da Silva Neto
Sobrinho
Mai/2015.
(versão 2 –
jun/2015).
Referências
bibliográficas:
FEESP –
Federação Espírita do Estado de São Paulo. Curso Básico de Espiritismo, 1º ano. São Paulo: FEESP, 2011 (em PDF).
KARDEC,
A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2013c.
KARDEC,
A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2013b.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1864. Araras, IDE: 1993h.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1866. Araras, IDE: 1993i.
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