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domingo, 1 de fevereiro de 2015

HUMOR, AMOR DA PLENITUDE

Margarida Azevedo
Na precaridade das relações inter-religiosas, cultivada pelos poderosos, para quem a vida é um valor menor, aspectos fundamentais da liberdade de expressão, tais como o humor, são encarados como uma afronta.

Ora o humor não é sinónimo de brincadeira nem falta de respeito. Pelo contrário, é discurso muito sério que visa registar no leitor/observador outras formas de interpretar o que, debaixo do Sol, vai acontecendo. Isto significa que ele se impõe como uma forma de reflexão paralela a outras, e tão importante como elas.

Assim, não é para minimizar, ridicularizar, desdenhar. O humor é uma partilha, uma dádiva da vida que a torna mais suportável e mais leve.

Os que se ofendem com um traço são aqueles que aprenderam que um traço é ofensivo. Nós, cristãos, também aprendemos nos bancos da catequese que religião, fé, Graça, enfim, são incompatíveis com humor. A imagem assustadora das igrejas, a maioria de gente em grande sofrimento, não nos permitia esquecê-lo. A religião era um caminho sacrificial, de aceitação da dor como uma virtude, tendo como exemplo a imagem de Cristo crucificado, que lembrava a sua morte por nós, os nossos pecados, e por tudo o que de pior nós possuímos. A Cruz estava sempre presente como o grande exemplo da virtude a conquistar.

Esta catequese, da purificação pelo abraçar da cruz, era, também, apelativa de uma outra catarxis, a confissão, cujos pecados eram perdoados mediante o dizer de um chorrilho de orações, constituindo-se as mesmas como um chicote. O Pai Nosso, oração cósmica de máxima libertação, perfeita, era dita como castigo. Temas como a modificação intrínseca do indivíduo/crente, a luta contra as suas más tendências, o altruísmo, e mesmo a alegria da fé, entre outros, não interessava.

Hoje, mercê do enfraquecimento de um cristianismo precisamente resultante das incongruências do seu discurso ao longo dos tempos, em nada compatíveis com Jesus, o homem, nem com Cristo, o Messias, e do consequente esvaziamento dos seus locais de culto, transformando os crentes em migrantes, o humor tem vindo a conquistar o seu lugar natural na fé. Podemos dizer sem pejo que sem humor a fé perde expressão, uma vez que crer também implica riso.

Assim, neste início de século, o humor está a ocupar o seu lugar natural e insubstituível na nossa existência, com a sua história repleta de experiência, porque ele é revelador das nossas fobias, os nossos mitos, os interditos construtores, quantas vezes, de normas aprisionantes e sem sentido.

Ninguém é senhor do Senhor, mas todos fazemos parte de uma irmandade universal, os Seus filhos, diferentes na forma de pensar, mas irmãos. Para isso, há que perceber que só no muito amor sentimos Deus, porque o amor e a fé são a vida, em todo o seu esplendor.

Muito ainda há a fazer. A liberdade religiosa entre os cristãos ainda tem muito que caminhar, bem como o diálogo inter-religioso que, só agora, começa a dar ares de se mostrar como fundamental para o bom entendimento e coexistência pacífica entre os povos.

Assim, o pluralismo religioso tem que passar pela vontade de paz, pelo perdão e pela aceitação da diferença; são os diferentes modos de pensar e reflectir a fé que nos fazem ter mais fé, mais amor e assim desenvolver a tolerância. Deus jamais poderia estar prisioneiro, quer de uma congregação, quer de um traço, quer do humor. Esses aspectos são muito nossos. Cada traço é um caminho, cada riso a consciência da solicitude, bem como de uma necessidade maior que não tem outra forma de se expressar. As nossas necessidades de espiritualidade representam-se, também, numa folha, uma simples folha de jornal. Se Deus se manifesta na História, como aprendemos com os nossos irmãos judeus, então evoluímos com tudo o que dela faz parte. O modo como a escrevemos não é apenas por meio de palavras e regras gramaticais. Um quadro, uma tela, um panfleto e, claro está, o humor, em todas as suas manifestações, também redigem o modo como estamos na existência. A fé, há muito, muito, que deixou de ser assunto igrejeiro, de templos, de castas ou de hierarquias clericais.

O absolutismo religioso das congregações religiosas maioritárias tem conduzido a humanidade à desvaloração da vida, tornando-a intolerante, triste e sem graça. Viver também é rir, e haver quem o saiba construir, despertar, transmitir, desenvolver é também dom que aflora a fim de aliviar o peso daquilo de que não podemos fugir. Esses também são missionários, à sua maneira, como todos os outros.

É bom ter presente que Jesus sentava-se a todas as mesas, onde se fala de assuntos sérios, onde se está em alegre conversada. Há que perceber que o convívio de um bom repasto une, num diálogo descontraído e informal, superando atritos num brinde com uma taça de vinho. Quem sabe se não estará, mais próximo do que pensamos, esse brinde universal?!

Que Deus abençoe o mundo, os homens e as mulheres que, por ora, cá estão. Que nos perdoemos infinitamente, que sintamos necessidade de paz como de alimento para a boca, que cada um procure a harmonia antes de qualquer outra coisa, mas que todas as coisas sejam, no coração de cada homem e de cada mulher, vividas com um sorriso pleno de humor.





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