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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

PRESIDIÁRIAS E OS “BEBÊS CATIVOS” – UM DILEMA MODERNO (Jorge Hessen)

Jorge Hessen


Muito se discute a situação dos presos no Brasil, mas poucos voltam seu olhar à parcela feminina dessa população. As encarceradas normalmente são abandonadas pela família. A maioria das presas enfrenta dificuldades sociais e econômicas – contexto definidor para entrada delas no mundo do crime. No Brasil, o tema surgiu com a Lei de Execução Penal de 1984, que determina aos presídios femininos a construção de berçários para a condenada cuidar dos filhos e amamentá-los por um mínimo de seis meses. Outro artigo garante creche para crianças maiores de 6 meses e menores de 7 anos. A Constituição Federal assegurou à mulher presa o direito de ficar com o filho durante a amamentação. No Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, ficou determinado que “o poder público, instituições e empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento, inclusive aos filhos de mães submetidas à privação de liberdade.

Porém, os direitos das presidiárias são demolidos em face do sistema penitenciário brasileiro ser muito problemático, com raras exceções. Tais cidadãs vivem dramas mormente quando são mães de bebês. Infelizmente a situação é muito pouco debatida pelos estudiosos. Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, revelam que 75 presídios, dos quase 1.500 existentes no Brasil, têm creche. Como se observa, há muita carência, o que culmina privando as crianças de um maior convívio materno. A lei determina que as crianças podem ficar com as mães na prisão até a idade máxima de 7 anos.

O Centro de Referência da Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), abriga todas as detentas do Estado com filhos de até doze meses de idade. Atualmente, são dezenas de mulheres divididas em sete alojamentos, que em vez de trancas e paredes escuras, têm bercinhos e paredes repletas de desenhos infantis. Isso evita que a criança passe seus primeiros anos de desenvolvimento sob a cultura do sistema carcerário. Por isso, nenhum juiz deixa as crianças ficarem com as mães até os 7 anos.

O Centro de Referência da Gestante condenada é um ambiente anômalo. É mais humanizado. Não tem portas nem grades e as mães podem criar laços com as crianças e acompanhar os primeiros meses. Há um pátio circulado por muros rosados, repleto de árvores e brinquedos. Dezenas de mães exibem bebês rechonchudos e risonhos. O ar bucólico no entanto não camufla a presença de policiais armados de rifles e da cerca de arame farpado. É tudo muito sugestivo, mas não se pode olvidar de que é um presídio, e há presas condenadas por envolvimento com tráfico de drogas ou roubo e até por sequestro, latrocínio e homicídio.

São centenas de bebês que vivem em presídios no País. Nessas circunstâncias indagamos: como deve ser o impacto que os primeiros meses de vida dentro de um presídio tem na consciência de uma criança? Quando mais velha, será que se lembrará do que se passou? Como ela assimilará a separação da mãe? O bebê, a partir de um ano, começa a se movimentar, a caminhar pelas instalações prisionais e a falar. Evidentemente nessa situação ela pode incorporar muitos hábitos contraproducentes da prisão, inclusive o vocabulário, linguajar, expressões etc. Por isso, não se pode permitir que uma criança permaneça mais de um ano na prisão com a mãe, até porque isso não traria nenhum benefício para essa criança.

A separação é necessária, pois o ambiente carcerário em que vivem não tem o mínimo de condições para o desenvolvimento saudável desses pequenos. É um ambiente perturbador e traumático que os privam desde o nascimento dos direitos fundamentais que deveriam ser invioláveis: a dignidade da pessoa humana e a liberdade. Óbvio que surge outro dilema: quais as vantagens de se retirar a criança das mães detentas? Nota-se que o sofrimento é regra nestes casos, pois a mãe tem que deixar o seu filho partir, muitas vezes para abrigos (orfanatos), tendo em vista serem as presas na maioria vulneráveis sociais e desprezadas pela família. Os bebês ficam privados do amor fundamental para qualquer ser humano, que é o amor materno. Até porque a maternidade é sem dúvida a experiência mais plena e marcante na vida de uma mulher.

Ao refletir sobre o tema, deliberamos abrir o Evangelho Segundo o Espiritismo ao “acaso”, a fim de esquadrinhar resposta para tal situação. Considerando que nas experiências humanas não há “vítimas”, e avaliando doutrinariamente os dramas de tais espíritos encarnados (presidiária e bebê), e ainda ponderando que nos Estatutos de Deus não há espaços para injustiças, reconhecemos que as dores na terra têm duas fontes bem distintas, que importa apontar no assunto. No item 4 do Cap. V do Evangelho observamos que os sofrimentos têm sua causa na vida presente (considerando as presas); outras, em vidas passadas (considerando os bebês).

Para pacificar nosso entendimento sobre os sofrimentos impostos aos bebês e às encarceradas, urge remontarmos à origem dos erros cometidos. Nossos sofrimentos físico e moral são consequência natural das próprias culpas, portanto somos servos das imprevidências, orgulhos e ambições. Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mau proceder ou por não terem sabido limitar seus desejos! Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade! Quantos pais são infelizes com seus filhos, porque não lhes combateram desde o princípio as más tendências! Por fraqueza, ou indiferença, deixaram que neles se desenvolvessem os germens do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que produzem a secura do coração; depois, mais tarde, quando colhem o que semearam, admiram-se e se afligem da falta de deferência com que são tratados e da ingratidão deles. [1]

Urge que todos nós vasculhemos friamente as próprias consciências, todos os que somos feridos no coração pelas vicissitudes e decepções da vida; remontemos passo a passo à origem dos males que nos torturam e verificaremos se, as mais das vezes, não poderíamos dizer: Se eu houvesse feito, ou deixado de fazer tal coisa, não estaria em semelhante condição. A quem responsabilizar por todas essas aflições humanas senão a nós mesmos? Somos, pois, em grande número de casos, causadores dos nossos próprios infortúnios; mas, em vez de reconhecê-lo, achamos mais simples, menos humilhante para a nossa vaidade, acusar a sorte, a Providência, a má fortuna, a má estrela, ao passo que a má estrela é apenas a nossa incúria.” [2]

Façamos nossa parte a fim de minimizar as dores dos que sofrem, entretanto não olvidemos que os insondáveis mecanismos das Leis de Deus são definitivamente justos.


Referência bibliográfica:

[1] Kardec Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 4 Cap. V, Rio de Janeiro: Ed. FEB. 1977

[2] Idem

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