Deus não pune, logo a nossa dor não é uma “reação”
a nada
(Jorge Hessen)
Jorge Hessen
Em sânscrito, karma significa "ato deliberado". Nas suas origens, a palavra karma significava
"força" ou "movimento". Apesar disso, a literatura
pós-védica expressa a evolução do termo para "lei" ou
"ordem", sendo definida muitas vezes como "lei de conservação da força". Isto
significa que cada pessoa receberá o resultado das suas ações. É um mero caso
de causa e consequência. [1]
O Espiritismo
esclarece que o sofrimento atual não está obrigatoriamente relacionado às
nossas ações erradas (“pecados”) do passado, porém ao estado de imperfeição
moral mantido no presente. Logo, sofremos nesta atual encarnação em virtude da
imperfeição da qual ainda não nos libertamos, e não por causa de atos errados
(“pecados”) atuais ou de outras encarnações.
Conta-se
que um sofrimento desta vida, se não tem causa visível, estará certamente na
vida anterior. Por esta razão defende-se o princípio do carma, ou causa e
efeito, ou inadequadamente de “ação e reação”. Mas não é esse o preceito
revelado pelos espíritos superiores, até porque é uma ingenuidade crer que o
carma ou “pecado” é o princípio que Deus estabeleceu como regras que devem ser
obedecidas pelos indivíduos, caso contrário serão “castigados”. Contudo se
forem obedientes serão recompensados.
Ninguém
sofre tão-somente para “pagar” a ação errada do passado. A nossa dor não é uma
reação a nada, mas uma ação, pois sofremos necessariamente pela causa da liberdade e não "por causa" dela. Allan Kardec faz ligeira alusão ao
termo causa e efeito e jamais citou o termo “carma” para pesquisar e esclarecer
as razões da dor e das aflições. Portanto, o “carma” não foi mencionado em
nenhum momento por Kardec ou pelos Benfeitores espirituais. Além do mais, a
reencarnação jamais será um processo punitivo. Renascemos para progredirmos. Se
sofremos, de vez em quando, é pela causa que abraçamos
livremente e não inapelavelmente por causa de alguma desobediência às leis divinas.
Na
pergunta nº 132 do Livro dos Espíritos, Kardec questiona sobre qual seria o
objetivo da encarnação. A resposta é clara: “A lei de Deus impõe a
encarnação com o objetivo de chegarmos à perfeição ...”. Em nenhum momento
aparece a palavra amargura, fardo, dor ou qualquer outro termo que signifique
“carma”. Pelas sucessivas existências, mediante nossos esforços e desejos
de melhoria no caminho do progresso, avançamos sempre e alcançamos a perfeição,
que é a nossa destinação final”. [2]
"Os
sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se
originam de culpas atuais, são muitas vezes o efeito da falta cometida, isto é, o
homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre [“muitas vezes”] o
que fez sofrer aos outros. Se foi duro e desumano,poderá ser
a seu turno tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer
em humilde condição; se foi avaro, egoísta, ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá ver-se
privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer
pelo procedimento de seus filhos, etc." [3] Evidentemente as expressões "muitas vezes"
e "poderá" relativiza
o processo da lei e não afirma que a dor seja sempre uma penalidade. Até porque
as leis de Deus não são punitivas.
O
livre-arbítrio é a nossa grande ferramenta evolutiva, inexistindo, pois,
determinismos e fatalidades. A fatalidade existe apenas na escolha que fazemos
ao reencarnar e suportar esta ou aquela prova. E da nossa escolha resulta uma
espécie de destino, que é a própria consequência da posição que escolhemos e em
que nos achamos. Falamos das provas de natureza física porque, quanto às
de natureza moral e às tentações, ao conservarmos nosso livre-arbítrio quanto
ao bem e ao mal, seremos sempre senhores para ceder ou resistir...”. [4]
Atingido
o patamar evolutivo de nos integrar ao reino humano conquistamos gradualmente a
faculdade do livre arbítrio. Apoderamo-nos da liberdade como a grande alavanca
da evolução. A liberdade de escolher nosso próprio destino, todos os dias,
torna-se o diferencial entre nós e os animais inferiores, que ainda não podem
discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado, o moral e o imoral.
Expõe
Kardec que a Lei de Deus está gravada na consciência de cada um. Desta forma,
identificamos o porquê da liberdade de consciência, e da sua progressividade à
medida que a realizamos em nós. [5] Deus é amor, não existe nada fora de
Deus; portanto deduzimos que não existe nada fora do amor. O que é
contrário à Lei de Deus, na realidade não existe de forma absoluta. As nossas
escolhas transportam na essência as implicações boas ou ruins.
Em síntese, sofremos
as consequências naturais de todas as imperfeições que não conseguimos corrigir, mas
não porque “pecamos” no passado. O nosso estado, feliz ou calamitoso, é
intrínseco ao nosso estado de pureza ou impureza. Por isso, não devemos
procurar em Deus a imunidade das nossas dificuldades, mas exoremos a força
necessária para superá-las. Notando que no mundo espiritual não há qualquer
código que puna ou premie, por lá vigora a "Lei da Escolha das
Provas", e não "Lei de Causa e Efeito" com atributos punitivos.
O espírito sempre escolherá o que ele irá enfrentar no futuro, como meio de seu
desenvolvimento moral e intelectual.
Referências bibliográficas:
[2] KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. 50a ed., Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1980, questão 132
[3] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o
Espiritismo., Capítulo V - Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1975
[4] KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. 50a ed., Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1980, questão 851
[5] Idem, questão 621
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