Em um mundo sacudido em suas bases pela intolerância, difícil tem sido conseguir transmitir reflexões que nos auxiliem a sair do diagnóstico das incertezas vividas pelo ser humano. No movimento espírita não tem sido diferente.
Nos valemos da prerrogativa do estudo doutrinário como plataforma para sustentar as renovações que tanto ansiamos, mesmo que não tenhamos plena consciência do que se deve exercer e dos caminhos a trilhar, sem perceber o cadafalso criado.
Muitos se apropriam da erudição de Allan Kardec, como se fosse aquele o único caminho a trilhar por todos. Belíssimos autores dedicaram-se com afinco legando-nos obras de pujante riqueza cultural e intelectual. Sir Willian Crookes, cognominado o “grande cientista do invisível” afirmou que o mundo espiritual não é apenas uma questão de possibilidade. É um fato.
Sustentar o fato da existência espiritual, assim como das influências e manifestações dos espíritos em nossas vidas, permitiu que pudéssemos compreender com mais propriedade, após milênios de efeitos e manifestações dessa interface com o mundo espiritual, que o desenvolvimento emocional não caminha com a mesma velocidade que o intelectual.
O avanço nos estudos estimulou o abismo que existe entre os corações que caminham pela estrada doutrinária. As redes sociais preencheram lacunas deixadas pelas casas espíritas, tanto quanto ao estudo, quanto pela convivência. Todavia, por mais real que seja essa situação, as redes sociais não substituem a casa espírita.
Estudo sistematizado, não é estudo engessado, que não permita o educando extrapolar suas reflexões na transversalidade do conhecimento que a vida exige. O matemático é um filósofo dos números, cuja sensibilidade é construída de maneira lógica, racional, sem perder as conexões com o coração. O filósofo, por sua vez, é a sensibilidade em busca do conhecimento racional, criando ponte entre os saberes.
Existe uma fórmula “mágica” para que dê tudo certo? Claro que não. Existem caminhos – por isso a metodologia é importante –, que nos conduzem por mais tempo nas reflexões doutrinárias, não para nos tornarmos catedráticos e sim para nos tornarmos pessoas melhores. É o adágio que circula nas redes sociais: “o que adianta ter doutorado e não cumprimentar o porteiro?”.
Ainda que não seja consenso, estudar o espiritismo é um exercício de fortalecimento da fé. O conhecimento ilumina o caminho para alcançarmos a fé. Sem fé, nos agredimos de forma espantosa, a ponto de vermos hoje, muitos espíritas deprimidos, inseguros e vítimas fáceis daqueles que ainda são sustentados pelo orgulho.
Tudo está em constante – e nem sempre sentida – transformação. Por que o estudo doutrinário não tem acompanhado? Vemos, estupefatos, estudos circulando na internet, com páginas e páginas para corrigir uma vírgula, como a defender teses que não passam de manifestações do ego!
Recentemente acompanhamos a celeuma em torno da publicação de A Gênese, seus milagres e predições segundo o espiritismo. Antes disso ressuscitaram a esposa de Allan Kardec que sempre figurou como uma primeira dama à parte de tudo que estava acontecendo (o que não é verdade, basta ler O Processo dos Espíritas e outras obras que abordam sobre ela). Com isso livros estão sendo produzidos – de boa qualidade, graças a Deus! –, palestras e encontros gratuitos também acontecem de forma a resgatarmos o “espiritismo primitivo”, aquele dos tempos de Kardec. Sabem qual efeito prático tem, esse tipo de estudo e pesquisa, fora o benefício da pesquisa e do conhecimento para quem desenvolve esses estudos? Não direi nenhum porque serei queimado vivo, mas é mínimo.
Por que? Porque o tempo vem ensinando, por meio da observação direta e do estudo da vasta bibliografia produzida pela pena iluminada de Chico Xavier, que não se desenvolve o ser, sem que o conhecimento auferido seja colocado em prática junto com alguma ação efetiva em benefício do próximo. É uma hipótese? Sim! Pode ser comprovada? Bastam os estudiosos que nos deram a graça de ler até aqui, desenvolverem ou resgatarem tais estudos. A vida do Chico Xavier, em nossa opinião, é um exemplo de que é assim que funciona, mas, está aberto a outras interpretações, principalmente daqueles que ficam discutindo estudos e pontos de vistas nas redes sociais sem colocar a mão na massa.
É preciso coragem para pensar diferente. É preciso coragem para aceitar que se erra. É preciso coragem para não seguir cabeças inteligentes que apenas repetem os mesmos passos do passado: conduzem rebanhos...
Leon Tolstoi, quando encarnado, escreveu um livro chamado “Uma Confissão”. Nessa pequena, porém, profunda obra, ele disse que “a doutrina religiosa que me foi transmitida desde a infância desapareceu dentro de mim da mesma forma como nos outros; a única diferença é que, como comecei cedo a ler e pensar, minha renúncia à doutrina religiosa se tornou consciente também muito cedo.” (pg. 19) Parafraseando Tolstoi, a doutrina espírita que me foi transmitida no início, não mais existe. A partir do momento em que comecei a pensar, a distinguir um do outro, ficou evidente, de forma clara, que o estudo doutrinário só faz sentido se praticado em conjunto com ações de caridade desinteressada.
Vivemos no movimento espírita aquilo que P. Caillé disse: “continuamos a procurar os solucionadores de problemas do planeta Alfa, embora nos encontremos no planeta Beta”. Encontramos soluções para os problemas dos outros e não percebemos o que estamos fazendo com os nossos. Discute-se, diuturnamente quem foi Chico Xavier, se homem ou mulher, Kardec ou não, quantas de suas vidas, mas não se estuda a pujança de sua obra e os efeitos da ausência dessa obra no meio espírita. Publica-se uma obra de Allan Kardec, direto da primeira edição, após mais de cem anos estudando as outras traduções, como se isso fosse revolucionar o movimento espírita para melhor.
Discute-se a respeito de espíritas entrarem para a política, como se fosse a solução para as aflições que vivemos! Manifestações do ego, ainda que seja respaldada por projetos políticos e “doutrinariamente” adequados! Até quando esse movimento espírita continuará assim? Assemelha-se ao movimento político: por muito menos bateram panela. Por muito menos dizem que os “Espíritos Superiores estão com dificuldade de ajudar os encarnados em função da espessa nuvem de ódio” que paira pela Terra, como se não tivéssemos vivido duas grandes guerras mundiais e daí para pior.
“A reforma do conhecimento exige a reforma do pensamento”, já asseverava Edgar Morrin. Enquanto o espírita quantificar a extensão de suas obras pelos critérios materiais de medição, veremos sempre mais do mesmo. Não são os títulos e as conquistas transitórias que evidenciam a riqueza do seu trabalho. Ainda é o bom, velho e atual Evangelho de Jesus, tantas vezes incompreendido, tantas vezes estudado de forma a criar, mais dissensões do que uniões entre seus profitentes.
Ou o movimento espirita se reinventa, junto com as atividades das casas espíritas, ou continuaremos apedrejando Alfa, quando deveríamos construir Beta.
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