132. Qual é o objectivo da encarnação dos Espíritos?
“Deus a impõe com o fim de os conduzir à perfeição: para uns, é uma expiação; para outros, uma missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, eles devem passar por todas as vicissitudes da existência corpórea: é nisso que consiste a expiação. A encarnação tem ainda outro objectivo, que é o de capacitar o Espírito para enfrentar a sua parte na obra da criação. É para a executar que, em cada mundo, ele toma um aparelho de acordo com a matéria essencial do mesmo, para nele cumprir, segundo este ponto de vista, as ordens de Deus. Dessa forma, ao contribuir para a obra no seu todo, ele próprio progride.” * (trad. M. Azevedo)
A partir desta questão, uma conclusão se impõe: a reencarnação não é o resultado de um passado tenebroso, cheio de vicissitudes, e que cumpre pagar seja a que preço for. Reencarnar tem como fim conduzir o Espírito à perfeição, donde cada vida é simplesmente um patamar.
Podemos assim dizer que viver é estar numa encarnação que corresponde a um nível de escolaridade. As tribulações que tal possa implicar fazem parte do complexo processo de ensino-aprendizagem, cujo ritmo já dependerá da aplicação do aluno. Mas isto o texto já não diz, o que significa que os ritmos não são o mais importante, mas sim aprender e colaborar na obra já feita. Isto significa que temos um planeta devidamente apetrechado com tudo o que é necessário para nos receber.
Quanto ao factor expiatório, é simples. Por exemplo, para ser um adulto saudável a criança deve comer legumes, em sopa, salacdas, etc. Para algumas é uma tortura, para outras são saborosas iguarias. O prato é o mesmo, o que muda é o paladar. Além disso, se para ser saudável há que diversificar a alimentação, para ter um espírito são há que expor-se, naturalmente, a passar pelos diversos patamares existenciais. Para uns será desagradável, para outros lições fantásticas.
Simultaneamente, ao lutar por tornar a existência mais leve, o Espírito participa na obra da criação. Como? Com a sua originalidade. Isto é, cada ser dá o seu contributo para o progresso da Natureza e da Humanidade, com a sua peculiaridade, uma vez que se desenvolve intelectual e biologicamente.
Para isso, há um aparelho complexo, feito com os materiais de cada planeta; um corpo físico,devidamente preparado para os maiores embates. E a situação repetete-se: o aparelho é idêntico, o modo como é utilizado já depende de quem o usa.
Fazer da reencarnaçao o pagamento de actos esquecidos, resultado de uma natural imperfeição, é o mesmo, parece-nos, que castigar um indivíduo de vinte anos pelas birras de quando tinha apenas dois. Ou seja, voltar à pena de Talião, ainda que para a sua época tenha sido um franco progressso, é minimizar a reencarnação esquecendo que cada etapa tem os seus comportamentos próprios e que é preciso compreender. Com dez anos de idade não se tem a experiência e o conhecimento de cinquenta.
Isto levanta um outro problema, mais incisivo, a saber, o papel do perdão. Em que fica? Anular o perdão é destruir o Cristianismo, pois ele é a sua identidade. Sem perdão, o Cristianismo cai por terra, perde o seu cariz existencial.
Vejamos. O que é mais forte, perdoar um acto ignóbil ou condenar a uma existência inteira de tormentos quem o cometeu? Estamos por acaso na pele do outro, na sua vivência, na sua classe evolutiva? Não tem já o mundo os seus mecanismos jurídicos para fazer cumprir penas por actos não aceites pela sociedade? Esses mecanismos não vão, por ventura, evoluindo com a complexificação das sociedades, em crescimento permanente?
Não será infinitamente mais rico, já que não temos capacidade para perdoar quem assassinou um filho, por exemplo, vir a ter o próprio homicida como um outro filho em próxima vida? Não será esse o melhor mecanismo de reconciliação com aqueles que se envolveram de razões? Não será a melhor via para a perfeição, o próprio perdão, na mais elevada acepção do termo? Por mais conflituosas que sejam essas relações familiares, nada é comparável com uma pena de Talião ou uma espécie de vingança social cruel e fria, calculista, premeditada. Ninguém nasce obrigado a matar ou a ser morto por ninguém.
Se é certo que não somos capazes de perdoar aos inimigos, se tal é contrário à nossa natureza ainda tão rudimentar, sábiamente a mesma permite que eles sejam mães ou pais, ou… noutras vidas.
A prisão, no mundo, já é um castigo que baste. E se há vidas seguidas passadas em prisões, quantas e quantas, é porque há renitência em evoluir. Seja de gravata ou de seda fina, num bairro chique ou de lata, a pobreza do acto é sempre indício do nível de quem o praticou.
Há falhas? Não. Há lentidão, natural incapacidade em subir, numa vida, aquilo que é próprio de duas ou três. Quem é assassinado é porque já assassinou? É possível. Neste mundo ainda há, algures, alguém menos evoluído para quem a vida humana ainda não é um valor supremo. Todavia, o erro que nos parece maior continua a ser o de se falar em nome de Deus. O ser humano continua a construir um deus frágil, à sua míope imagem. Os Espíritos protectores poderão dar uma achega, mas serão sempre tão limitados, tão infinitamente distantes de Deus.
Muitos são aqueles que os têm como representantes da mais alta sapiência, esquecendo-se que eles falam a nossa linguagem, ainda a nossa linguagem. Ajudarem-nos na luta contra as nossas obsessões, limparem o ambiente dos nossos lares, ensinarem-nos a orar e compreender os profetas, serem nossos amigos estando ao nosso lado nos momentos mais críticos, orarem connosco nos nossos pensamentos e nos nossos sonhos, aducicarem-nos a vida, enfim, eis o magestoso papel dos Espíritos protectores.
A nossa fé vai, antes de mais, para esta fantástica capacidade de transformação de um assassino num anjo, de um facínora num cristo. Aqueles que nos protegem conhecem bem essas etapas. São mestres das labutas, como nós o seremos um dia. Porque é que tudo é assim? Eis uma grande questão.
Nós já chegámos até aqui. Mas, cuidado! Isto está tudo preso com arames. De um momento para o outro descambamos. É que não estamos tao distantes como pensamos daquilo que, por hora, ainda condenamos com tanta veemência.
Margarida Azevedo
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*132. Quel est le but de l´incarnation des Esprits?
“Dieu la leur impose dans le but de les faire arriver à la perfection: pour les uns, c´est une expiation; pour les autres, c´est une mission. Mais, pour arriver à cette perfection, ils doivent subir toutes les vicissitudes de l´existence corporelle: c´est là qu´est l´expiation. L´incarnation a aussi un autre but, c`est de mettre l´Esprit à même de supporter sa part dans l´oeuvre de la creation; c´est pour l´accomplir que, dans chaque monde, il prend un appareil en harmonie avec la matière essentielle de ce monde pour y executer, à ce point de vue, les ordres de Dieu; de telle sorte que tout en concourant à l´oeuvre générale, il avance lui-même.”
KARDEC, A. Le livre des Esprits, Les Editions Philman, Saint-Armand-Montrond, 2002, livre 2, Monde spirite ou des Esprits, ch. 2, Incarnation des Esprits, But de l´incarnation p.51
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