José Passini
O Espírito que se faz passar pelo Dr. Inácio
Ferreira tem procurado, nos seus últimos livros, atenuar seus comentários
jocosos, desrespeitosos, chulos de que fez uso noutras obras. Depois de atacar
os espíritas em geral e os médiuns, em particular, agora procura, com a técnica
própria dos fascinadores, confundir pontos doutrinários. Esse livro constitui
uma tentativa de, pelo exagero, levar ao inverossímil e ao ridículo as
revelações feitas por André Luiz. Age assim também contra o Chico: louva seus
feitos, mas ridiculariza-lhe a obra. Veja-se o livro “Chico Xavier Responde”.
Transcreveremos, sem aspas, em negrito, os textos retirados do livro em análise. Nossos
comentários serão grafados em tipo normal.
(...) há
certo esvaziamento nos centros espíritas com o qual muitos estão preocupados e
com justa razão. Se os condutores do rebanho se voltam, de cajado em punho, uns
contra os outros, que rumo o rebanho tomará? (27)
Essa afirmação é completamente destituída de
fundamento, pois o que se observa é exatamente o contrário: É até preocupante o
volume de pessoas que estão chegando às casas espíritas.
Estamos
falhando pela base... O autoritarismo, o ranço, a luta pelo poder e a vaidade
andam fazendo estragos quase irreparáveis! (22/23)
Esse comentário, colocado na boca de Maria
Modesto Cravo, faz coro com a cantilena levada a efeito por outro Espírito
fascinador que, sob o nome de Ermance Dufaux, do alto de pretensa cátedra de
psicologia, faz críticas semelhantes aos espíritas.
Depois de usar cinco páginas do livro
descrevendo o desjejum que tomariam num tal Liceu, começam um estudo de “O
Livro dos Espíritos”, de modo informal, como num bate papo... Nota-se aí a
grande diferença entre os ambientes descritos por André Luiz, em “Nosso Lar”, onde
ose nota a seriedade com que os assuntos e trabalhos eram tratados.
A certa altura dos estudos sobre
reencarnação, Domingas diz que ouviu de Chico Xavier, na Terra, a seguinte
afirmativa: ... os que possuem a crença
inabalável na reencarnação vieram de outros mundos – imigraram de outros
planetas para a Terra! (43)
Não bastassem muitos encarnados estarem
dando a público essa série de afirmativas baseadas no “Chico disse...”, agora
também desencarnados! Note-se que essa afirmativa contraria o que se aprendeu
sobre reencarnação até agora. Então, os espíritas vieram de outros planetas...
André Luiz revelou-nos a existência de vida
organizada no Mundo Espiritual, de maneira análoga à da Terra. O Dr. Inácio
exacerba esse aspecto “material”, falando em reencarnação lá, embora não exista
carne. Procurando levar, pelo exagero, ao descrédito, falou, noutra obra, na
possibilidade de conseguir terreno em comodato para fundação de estabelecimento
destinado à proteção de animais e, agora, da posse de carro particular, com o
qual o Dr. Odilon os leva a uma aldeia de índios, num serviço assistencial...
Eu
trouxe algumas sacolas de alimento no carro – alimento para adultos e crianças
– esclareceu.
(57)
Depois de repartir guloseimas com as
crianças, ouve de uma menina:
Tio, o
senhor benze? O vovô está acamado... o senhor benze? É claro, vamos vê-lo – respondeu.
A
mamãe – disse um garotinho, sem camisa –, com o remédio que o senhor lhe deu,
já melhorou da dor de cabeça... O senhor trouxe mais?
Como vai
o nosso Morubixaba?
–
Melhorando – respondeu com uma piscadela. – A febre, no entanto, vai e volta. (58)
Estranhável o fato de um índio sábio, capaz
de revelar, só pelo cheiro das mãos, encarnações passadas e futuras de alguns
Espíritos ali presentes, ainda continuasse na condição de velho e doente.
Nesse
ponto, Patuwa teve uma crise de tosse que quase o deixou sem fôlego. (62)
Saindo o Dr. Odilon em visita a outras
famílias indígenas, ficou o Dr. Inácio a conversar com o índio Patuwa. Nessa
conversa, coloca, como sempre, auto-elogios, além de destacar-se na condição de
revelador:
Patuwa
gostou muito de você: homem sincero e destemido. A luta sua é grande, mas não
pode haver desânimo. O homem no mundo precisa saber a verdade... chega de tanta
mentira! Você escreve livros, não é? (64)
Continuando a conversa, Patuwa diz que
esteve encarnado à época dos Padres Anchieta e Manoel da Nóbrega. Depois,
“revela” que Chico Xavier foi o Padre Anchieta... Como se não bastasse a polêmica
inócua a respeito de Chico/Kardec, bem alimentada por ele, agora vem o Dr.
Inácio com mais essa, colocadas na boca do índio Patuwa:
Depois,
a última notícia que tive é que ele estava novamente na Terra – ele na Terra e
o Padre Nóbrega aqui, neste Outro Lado... O Padre Nóbrega escrevia por ele –
igual ao que Inácio vem fazendo com seu amigo!
–
Anchieta, então?... – questionei, boquiaberto.
–
Estava numa religião nova... O Page branco Odilon sabe de tudo!
– Ele
era Chico Xavier?!
– Sim,
os dois assumiram compromisso com Jesus para muito tempo... O Padre Anchieta na
Terra e o Padre Nóbrega fora do corpo. Agora vai inverter! (65/66)
O Morubixaba doente diz que vai
“desencarnar” (seria melhor dizer “desesperipiritizar”) em breve, deixando seu
corpo para o Dr. Inácio estudar:
Patuwa
não diz, mas sabe que ele está perto de morrer de novo... Não diga nada a ninguém.
O Pajé branco já sabe... Não quero tristeza na pequena tribo. Quando Patuwa”morrer”,
vou dar meu corpo a você...
– A mim?!
– perguntei com espanto.
–
Entenda bem, para você estudar. Quero que você o abra, veja o que tem dentro e
escreva para a Terra contando o que viu.
– Mas
eu não sou cirurgião! – aleguei – Eu sou psiquiatra! Não sei mais dissecar um
corpo... (67/68)
E o diálogo prossegue, culminando com esta
afirmativa:
– Vou
deixar documento assinado, doando meu corpo para você... (68)
Desmentindo tudo o que se aprendeu até agora
sobre perispírito, Patuwa dá aula de anatomia perispiritual. Mas a aula foi
interrompida...
Patuwa
teve outro acesso de tosse e algumas gotículas de sangue tingiram-lhe a camisa
empapada de suor.
(69)
Tudo indica que Patuwa iria “desencarnar”
por efeito de uma tuberculose, que lhe provocava febre, além da tosse:
– A
febre está voltando cada vez mais forte – disse ele com tranquilidade. – Deixarei
a carcaça na Lua Nova – previu com voz entrecortada. (71)
No trecho abaixo, repete algo inverossímil
que já fora relatado por outro médium:
São
Francisco de Assis, em certas ocasiões, chegava a rolar sobre espinheiros,
flagelando-se de maneira voluntária, para não oferecer sintonia aos espíritos
que o tentavam!
(78)
De vez em quando, volta ao velho chavão de
atacar espíritas e médiuns:
Interessante
em certos adeptos do espiritismo: chegam agora à doutrina, que mal estão
conhecendo, praticam meia dúzia de ações na Caridade, começam o exercício da
mediunidade incipiente e já se julgam espíritos superiores... Quanta ilusão! (83)
Aprende-se, no Espiritismo, que o Espírito
humano é a resultante de um longo e laborioso caminhar, como princípio
espiritual, acompanhando a evolução das formas físicas, através de milênios
incontáveis. Na presente obra há uma adesão à teoria da queda do Espírito. Além
do mais, o Autor refere-se ao “ato da criação”, como se fosse o momento da
criação do Espírito, tomando ao pé da letra a expressão “simples e ignorante”:
O espírito,
no ato da criação, foi criado sem corpo – simples e ignorante. A necessidade de
evoluir é que, primeiro, o fez “encarnar” e “reencarnar” no Plano Espiritual,
em sua “descida” à matéria. Adquirindo corpos, cada vez mais grosseiros, em sua
“descida”, o espírito, em seu movimento de ascese, gradativamente, deles haverá
de se despojar. (86/87)
Ao contrario do que se lê acima, aprende-se
que o Espírito vai usando corpos cada vez mais sutis... A seguir, cita capciosamente
André Luiz, querendo induzir o leitor a crer que o Espírito, ao respirar, no
Mundo Espiritual, não o faz com o seu perispírito, mas por estar “reencarnado”
lá.
No
livro Nosso Lar (...) “meus pulmões respiravam a longos haustos”. (87)
O que se segue, não carece de comentário,
diante do absurdo:
Absolutamente,
eu não me considerava apto para o que ele solicitara: participar da dissecação
do “cadáver” do seu perispírito! (90)
Como sempre, o Dr. Inácio, faz questão de
mencionar seu contato com Espíritos que deixaram na Terra marcas do seu saber,
da sua seriedade, da sua dignidade. Noutras obras, citou contato com Emmanuel,
Bezerra de Menezes, André Luiz, Leopoldo Cirne, Eurípedes Barsanulfo, Hernani
Guimarães Andrade. Fica difícil crer que esses Espíritos sérios tivessem tempo
para dar atenção a quem cultivava a irreverência, o mau gosto, o deboche e até
o anedotário reprovável... Desta vez, cita apena Hernani Guimarães Andrade e
Hemendra Nath Banerjee. Ainda aqui, nota-se a preocupação de caricaturar as
revelações de André Luiz sobre a vida no Mundo Espiritual:
Aos
poucos, os pratos, que eu pedira que as nossas excelentes cozinheiras preparassem
à moda indiana, foram chegando.
–
Arroz basmati! – exclamou Banerjee.
– Em
sua homenagem – respondi – Não sei se o tempero estará de seu agrado. A nossa
cozinheira-chefe, que é mineira, está mais habituada a preparar arroz com tutu
de feijão, uma pimentinha de bode e ...
–
Maionese com caril! Exclamou ao ver o segundo prato que Anastácia, a cozinheira-chefe,
trazia-nos pessoalmente, todo decorado com tenras folhas de alface. (140/141)
A descrição do jantar se prolonga, até a
sobremesa, um pudim de iogurte.
Mais adiante, relata que fez uma palestra
para jovens, sobre pesos atômicos, numa flagrante demonstração de quem quer
encher páginas de livro. Depois, relata o encontro com Tomaz Novelino,
discípulo de Eurípedes Barsanulfo, que teria fundado um colégio no Mundo
Espiritual. Para tal, teria contratado um arquiteto, feito o projeto, só faltou
dizer onde conseguiu o financiamento para a obra, cujo primeiro módulo teria 10.000 metros quadrados.
– Você
gastou muito, Tomaz? – perguntei.
– Não,
e vou explicar por quê. Aqui, Doutor, no Mundo Espiritual, as obras destinadas
a beneficiar a comunidade – escolas, hospitais, fábricas e indústrias, parques
de recreação, etc. – custam menos do que as de uso privativo.
–
Interessante.
–
Existe um decreto governamental que estabelece as obras comunitárias – da pedra
do alicerce à laje de cobertura – custarem 1/3 menos que qualquer outra.
–
Então os operários que se envolvem em sua construção ganham, menos?
–
Absolutamente! Ganham mais! (159/160)
Alguém pergunta ao Dr. Inácio se ele não
sabia disso quando construiu seu hospital, ao que ele respondeu que estava
perguntando só porque estava escrevendo um livro... (160)
Não resistindo, mais uma vez, ao hábito de
vangloriar-se, “transcreve” palavras de Tomaz Novelino:
– Sem
a intenção de elogiá-lo, Doutor – longe de mim semelhante propósito – a tese da
reencarnação no Mundo Espiritual, que o senhor vem apresentando em suas obras,
amplia, consideravelmente, os horizontes da Vida!
– Não
obstante – argumentei – a referida tese tem sido objeto de escárnio da parte de
alguns adeptos da Doutrina... (166)
Kardec trouxe ao Mundo várias revelações,
que foram complementadas através da obra de Chico Xavier, sempre redigidas em
linguagem séria, elevada, digna. Será que o Alto, agora, enviaria à Terra novas
revelações, através de um Espírito debochado, irreverente, gabola,
desrespeitoso? Leiamos os trechos abaixo, analisando algumas expressões suas:
Seria digno de fazer revelações complementares
a Kardec um Espírito que diz ter comido churrasco de porco espinho no Umbral,
ter tido dor de barriga e, à falta de um sanitário, ter baixado as calças
improvisando uma latrina, diante dos outros? Será digno de crédito um Espírito
que, numa pretensa Fundação Emmanuel, no Mundo Espiritual, depois de ler os
comentários num jornal veiculava fofocas, dá uma banana aos espíritas, da
Terra, que o teriam criticado? Ou um Espírito que se diz diretor de um hospital
– fundado por Eurípedes Barsanulfo – e que acorda de mau humor ou com crise de
depressão?
O Dr. Inácio não revela se ele, Dr. Odilon,
Domingas e Modesta estão “encarnados” no Mundo Espiritual, mas “revela” que são
passíveis de se contaminarem por viroses por não se terem vacinado...
A
nossa irmã Domingas está pálida – observou Carmelita, percebendo que ela transpirava.
–
Creio tratar-se de uma virose – expliquei – e, por esse motivo, pediria a Modesta
que a conduzisse de volta à nossa base, no Hospital dos Médiuns. (222)
A
nossa irmã Domingas, realmente, não estava bem; notei-a muito abatida –
comentou Carmelita.
– Como
tivemos que vir muito rápido ponderei – não houve tempo para a devida imunização...
(227)
Patuwa “desencarnou” e, conforme promessa,
deixou seu corpo para o Dr. Inácio estudá-lo na Faculdade de Medicina. Como
estava desencarnado há 22 anos, deveria, antes, prepara-se para a necropsia.
Planejou ficar na Crosta três dias para sentir “como é estar encarnado”. Para
isso, invade a intimidade de um encarnado, como se fosse um obsessor. Escolheu
um homem que estava tomando café num bar:
Aproximei-me.
Algo obeso e cansado, transpirando ao ponto de molhar a camisa nas axilas – o
que sempre detestei! – ele pediu um café.
Quando
ele levou a xícara à boca para tomar o primeiro gole, eu me justapus ao seu
corpo, como se, a partir daquele instante fôssemos xifópagos.
Ele,
notei, sentiu certa sensação de alívio, mas, de início, quase que me asfixio –
tive de fazer força para conter a ânsia de vômito, não que ele me causasse
asco, mas é qual se estômago, de maneira involuntária, intentasse livrar-se do
alimento que não lhe caíra muito bem. (348/349)
Depois, entra na vida íntima do encarnado,
não resistindo a tentação de demonstrar o seu desrespeito e mau gosto:
O
coitado, quando ia tomar banho, a barriga dobrava e ele não consegui esfregar
as partes íntimas, a dianteira e tampouco a traseira. Com assaduras
generalizadas, ele tacava talco e... a higiene estava feita! (...) Afinal, na condição
de exigente “inquilino”, eu praticamente vivera no corpo daquele pobre homem
sem, até então, nada pagar pelo “aluguel”.
Esperei-o
dormir (...) eu me sentei na beirada da cama. Cheirei o meu próprio sovaco –
que estava um horror – e auxiliei Sebastião
a se destacar alguns centímetros do próprio corpo. (354)
Voltando ao hospital, durante a “autópsia”,
o Dr. Inácio anuncia o peso do perispírito: um milésimo do peso do corpo
humano:
Por
exemplo: em alguém, cujo corpo carnal pese 70 quilos, o peso do perispírito
será de 70 gramas
– o corpo mental teria peso um milésimo de setenta gramas, quase o peso da
glândula pineal, calculado entre 70 e 100 miligramas. (365)
A ser verdade essa “revelação”, os Espíritos
desencarnados – e os encarnados libertos pelo sono – poderiam comprovar sua
presença aqui na Terra, assentando-se no prato de uma balança...
A autópsia prossegue, com explicações
descabidas do Dr. Inácio, entre as quais destaca-se:
Nos Espíritos
Superiores, em seu corpo mental sutilíssimo, cérebro e coração se fundem! (367)
O livro todo é, como nos demais, um
verdadeiro atentado ao bom senso, aos bons costumes, à dignidade e o respeito
devidos à Doutrina Espírita.
De tudo isso, fica-nos a pergunta: como
podem algumas pessoas acreditar nessas “revelações” feitas por esse Espírito,
que prima pelo ataque aos espíritas, ao Movimento Espírita, usando uma linguagem
tão irreverente e rasteira?
Será que os dirigentes de centros espíritas,
de livrarias espíritas, os responsáveis por clubes do livro estão avaliando a
responsabilidade que assumem perante o Alto promovendo a divulgação de obras
como essas?
1 Comentários:
Realmente, eu comecei a ler o livro, mas apesar de alguns comentários fundamentados em obras espíritas, o autor passa um desânimo quanto a doutrina espírita e seu futuro. Em certos momentos parece periódicos de fofocas sobre personalidades já desencarnadas. Gosto de humor, mas há colocações em momentos impróprios e sem graça. Após 26 anos de doutrina espírita, posso dizer que esta trama do além está bem elaborada e que muitos infelizmente se empolgarão, eu me empolguei nas primeiras páginas, mas no final a "ficha caiu".
Por JOSE RIBAMAR, às 10 de março de 2014 às 18:01
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