Espiritismo ante o censo 2010 - Retrato de um panorama que clama por mudanças de rumo
O Censo 2010 do IBGE evidencia um crescimento de 65% em 10 anos do número de espíritas com maior salário e instrução (são quase 4 milhões de espíritas e 700 mil possuem rendimento acima de 5 salários mínimos). O incremento de adeptos com maior salário e instrução pode nos levar a deduzir que após a desencarnação do Chico Xavier o desígnio de divulgação doutrinária foi e ainda é aristocrático, ou seja, há distanciamento dos confrades que estão em dificuldade material, mormente na região nordeste, norte e centro-oeste (excluindo-se Brasília, maior renda per capta do país). O IBGE demonstra que entre os espíritas, 98,6% são alfabetizados. Os adeptos da Doutrina possuem as maiores proporções de pessoas com nível superior completo (31,5%) e taxa de alfabetização (98,6%), além das menores percentagens de indivíduos sem instrução (1,8%) e com ensino fundamental incompleto (15,0%). Os dados são reflexos de uma programação doutrinária que opta pela leitura e tem a aquisição de cultura como um de seus focos.
Mas a rigor, o fato de haver um monte de espíritas com curso superior não quer dizer muita coisa. A liderança do movimento espírita não deveria priorizar ou consentir ambiente de proeminência para os que se blasonam com seus títulos de doutor, de mestres e intelectuais extravagantes, até porque agindo assim expulsariam do movimento personagens quais Leon Denis, que não tinha diploma de doutor (foi um caixeiro viajante), de Chico Xavier, que só fez o curso primário (foi apenas um escriturário) e pasmem! do próprio Cristo, que não esteve na Universidade (era simples carpinteiro). Pois é! Ambos não encontrariam acolhimento nos eventos espetacularizados nos anfiteatros, centros de convenções e nalguns centrões espíritas destinados à nata social.
O Censo 2010 aguçou nossa curiosidade ao dar conta de que há mais de 40 milhões de evangélicos, em sua maioria absoluta componentes da população periférica, mais pobres e de baixa instrução. Imaginamos que essa massa provavelmente se tornou evangélica devido às agruras da pobreza, da discriminação, da falta de acesso à qualidade de vida (educação, saúde, lazer etc.). Deduzimos que a proposta doutrinária dos evangélicos (em que pese a inconveniência da cobrança de dízimos dos pobres) tornou-se a única via disponível de alívio e conforto da vida dura, e a única porta viável para a melhoria de suas condições de humanidade e cidadania. E isso é um respeitável serviço de inclusão e melhoria social desse segmento religioso.
Por que a proposta espírita não consegue se aproximar dessa massa humilde? Respondem alguns que a Doutrina dos Espíritos não defende proselitismos, não assegura o “céu beatífico”, nem a “salvação” etc. Obviamente, esses argumentos não respondem à questão. Talvez pudéssemos inferir que paire um sistema de difusão doutrinária alarmante e excludente. Contudo, a despeito de tudo e de todos, queira a elite ou não, a culminância da programação espírita, no plano terreno, deverá ser a concretização da transformação social, e será impossível essa transformação sem uma efetiva aproximação da população sofrida e pobre.
A considerar as diretrizes doutrinárias que incentivam e mantêm a formação da fidalguia (intelectuais e abastados) o Censo 2010 demonstrou uma situação inusitada: talvez haja algum preconceito entre nós, espíritas, no que tange a questão racial e que desfavorecem as massas. Essa ocorrência pode ser constatada num dado estatístico no mínimo indiscreto: do “segmento populacional que se declarou espírita, quase 70% eram brancos, percentual bem mais elevado que a participação do grupo de outra cor ou de outra raça no conjunto da população.”(1)
Outro detalhe: a difusão da mensagem espírita não se dá precipuamente pela TV nem pelo rádio, mas através dos livros, jornais, revistas, folhetos e Internet. Assim, a capacidade de ler se torna um requisito para a prática doutrinária. Mas será que os confrades espíritas – assalariados, desempregados ou pobres – conseguem ter acesso a essa literatura? Como?... Sabemos que os livros espíritas, via de regra, são caros. Quantos espíritas carentes podem ter Internet em casa? Quantos podem ingressar nos rotineiros e aristocráticos “congressos espíritas”? Aliás, congressos que se assemelham a meros “encontros” para recreações embaladas pelas palestras quase sempre proferidas por ilustres segmentos da fina flor da sociedade. A rigor, ignoramos que há efetivação de congressos espíritas destinados a debates e estudos atinados a propósito dos graves problemas sociais e das enxertias de ideias, práticas e conceitos absurdos contidos nos livros “psicografados”, supostamente espíritas, que hipnotizam impiedosamente os incautos confrades tangidos pelo misticismo.
Quando os Mentores realçam a necessidade da revivescência do Evangelho na sua “primitiva pureza”, constatamos que não se consegue abarcar o sentido “PIMITIVA PUREZA”. Não há dúvida de que o Espiritismo só se justificará na Terra se alcançar a base da sociedade – o “povão”, como se diz. É indispensável que o pratiquemos junto com as massas mais humildes, social e intelectualmente falando, e deles nos aproximemos. É imperioso destruir qualquer ranço que tanja hierarquias mesquinhas, discriminações, proeminências individuais, mordomias, regalias, primazias ou mercantilagens dos shows de oratórias doutrinárias.
Esperemos que no próximo Censo, em 2020, tenhamos um quadro demonstrativo mais interessante. É um delito de Lesa Codificação um Espiritismo sem Jesus e sem Kardec para todos, com todos e ao alcance de todos. Quiçá nem tudo esteja perdido. Cremos que o “Projeto de Interiorização – Espiritismo para os simples” se consolidará. (2) Lemos recentemente o excelente artigo intitulado “União com fidelidade, simplicidade e fraternidade”, do César Perri, Vice-Presidente da FEB. O texto expõe argumentos esperançosos e inspira-nos para o pensamento de Emmanuel: “unidade do espírito pelo vínculo da paz”. (3) Consigna o documento que “entre os desafios atuais para a união dos espíritas (...) há necessidade de revisão de algumas estratégias e posturas, para se ampliar a difusão do Espiritismo em todas as faixas etárias e sociais. (...) entendemos que o acolhimento dos simples [espíritas desempregados, iletrados, pobres] no ambiente das reuniões espíritas é tarefa de primordial importância nos tempos em que vivemos.”(4) Para o Presidente em exercício da Casa Máter, “a realização de eventos federativos e de divulgação devem ter como parâmetros o que é simples e viável para a maioria das instituições e dos espíritas.”(5)
As federativas estaduais jazem a passos demasiadamente vagarosos e não alcançam “o que é simples e viável para a maioria das instituições e dos espíritas”, (6) por isso urge seja acelerado o desenvolvimento de mais projetos sociais no âmbito dos chamados órgãos unificacionistas do País. À semelhança do Movimento Cristão, dos tempos apostólicos, a Doutrina dos Espíritos precisa se fazer robusta nos Centros Espíritas simples, situados nos lugarejos de infortúnio, nos assentamentos, nas favelas, nos bairros miseráveis, nas periferias urbanas esquecidas. Por essa fortíssima razão, que sejam Jesus e Kardec não apenas acreditados ou experimentados, anunciados ou despontados à nossa fé, mas intensamente vividos, padecidos, pranteados e concretizados em nossas próprias vidas. “Sem essa base, é difícil forjar o caráter espírita-cristão que o mundo conturbado espera de nós pela unificação.” (7)
Referências bibliográficas:
(1) Disponível acesso em 02-07-2012
(2) disponível em: acesso em 01-07-2012
(3) Xavier, Francisco C. Fonte Viva, ditado pelo espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 49, pg.116
(4) Carvalho, Antonio C. Perri. Artigo “União com fidelidade, simplicidade e fraternidade” publicado em Reformador, abril, ano 2011 pags. 29,30 e 31
(5) idem pags. 29,30 e 31
(6) idem pags. 29,30 e 31
(7) Bezerra de Menezes, trechos da mensagem “Unificação”, Psic. F. C. Xavier - Reformador, dez/1975 - FONTE: CEI - Conselho Espírita Internacional.
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