Chico Xavier e as confusões apocalípticas
Artur Felipe de Azevedo Ferreira
Já tratamos deste tema em outras oportunidades através dos artigos abaixo linkados e relacionados, em que discorremos sobre as previsões de Ramatis que se revelaram totalmente falsas e fantasiosas:
Catastrofismo aparvalhante: as Previsões Apocalípticas que não se Cumpriram
Ramatis e o presidente do Brasil
À feição de seita apocalíptica
Onde está o Planeta Chupão de Ramatis?
Ramatis dita ficção e não realidade, assim como Hollywood
Terremotos recentes e histerias apocalípticas
Desta feita, transcreveremos inicialmente a excelente análise sobre o tema realizada pelo escritor e estudioso espírita Sérgio F. Aleixo, atual vice-presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de janeiro (ADE-RJ):
CHICO XAVIER: DEFINITIVAMENTE, OUTRA RELIGIÃO!
Faz algum tempo, afiancei que caducaram por completo os prognósticos ao final do capítulo XXV do livro A Caminho da Luz (F.E.B., 1939), de Emmanuel.[1] O jesuíta assegurava ali, evidentemente em falso, que eram chegados os tempos em que as forças do mal seriam compelidas a abandonar as suas derradeiras posições de domínio nos ambientes terrestres; que se vivia na Terra, à época, um crepúsculo, ao qual sucederia ainda profunda noite, e que, ao século XX é que competiria a missão do desfecho desses acontecimentos espantosos.
Justo agora, num jornal “espírita” de grande circulação, entrevistado pela festejada Dr.ª Marlene Nobre, o Ilmo. Sr. Geraldo Lemos Neto participa as revelações que, em 1986, Chico Xavier lhe fez sobre o futuro reservado ao nosso planeta e seus habitantes nos próximos anos, finalizando com esta pérola emmanuelina: “As profecias são reveladas aos homens para não serem cumpridas”. De fato, as do suposto ex-senador de Roma, sem dúvida advogando aí em causa própria, nunca se cumpriram.
Kardec já advertira em A Gênese, XVI, 16, que “os espíritos realmente sábios nunca predizem nada com épocas determinadas”, bem como “se pode ter por certo que, quanto mais circunstanciadas as predições, mais elas são suspeitas”. Portanto, definitivamente, nada tem que ver com o Espiritismo, doutrina codificada por Allan Kardec, essa nova religião, essa nova Igreja chamada Federação Espírita Brasileira, que sempre teve por ícones mui dóceis de sua propaganda antidoutrinária o médium Chico Xavier e todos os seus guias e congêneres, agora erigidos em profetas apocalípticos.
De acordo com as tais revelações,[2] surpreendentemente não por decisão própria, mas ouvindo o apelo de outros seres angelicais de nosso sistema solar, Jesus convocou, em julho de 1969, reunião destinada a deliberar, na atmosfera terrestre, sobre o futuro de nosso planeta. Fico a imaginar se a convocação foi mediante algum satélite por ali disponível... A razão do apelo, pasmem: a chegada do homem à Lua naquele mês.
Jesus, pelo visto, não se abalou. Foi atendendo aos seus pares do sistema solar que marcou o conclave celeste. Depois de muitos diálogos, debates e sugestões, mesmo ante o receio e a indisposição de algumas potências angélicas presentes, o Mestre concedeu-nos uma “última chance” e “todas as injunções cármicas previstas para acontecerem no final do século XX” (eufemismo empolado para o fim do mundo) “foram suspensas”. Mais não parecem desse modo, pelo evidente conflito, deuses mitológicos que espíritos puros?
Pois bem. Revogadas assim, de improviso, as disposições anteriores, Emmanuel estaria livre da acusação de falso profetismo. Contudo, neste caso, menos interessa que suas profecias não se hajam cumprido do que o simples fato de haver predito acontecimentos espantosos para época determinada, o que espíritos verdadeiramente sábios nunca, nunca fazem. Além do mais, em A Gênese, XVIII, 26, aprende-se:
'A Terra, no dizer dos espíritos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá da mesma maneira, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo, pois, se passará, exteriormente, como de hábito [...] Assim, aqueles que esperam ver a transformação ocorrer através de efeitos sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.'
Mas voltemos ao monte Olimpo. Para tranquilizar as potências angélicas receosas e indispostas com a dilação que obteve do prazo para o fim do nosso mundo em mais 50 anos além do antes previsto, Jesus impôs às nações mais desenvolvidas e responsáveis da Terra (impôs como?) que não lançassem a III Guerra. Basta evitarem isso até 2019 e nosso mundo será admitido no sistema solar na condição de planeta de regeneração. Oras! Se um espírito apenas sábio nada prediz com época marcada, que se dirá de um espírito puro como Jesus, a fazê-lo em meio à indisposição receosa de alguns de seus pares.
Daí por diante, apesar de Chico Xavier dizer a G. L. Neto que “nenhum de nós pode prever os avanços que se darão a partir dessa data de julho de 2019”, o próprio Chico, pasmem, instado pelo interlocutor, passa a enumerá-los, desde a erradicação da pobreza, passando pelo fabrico de aparelhos para conversas com desencarnados, até a permissão expressa de Jesus aos extraterrestres, a fim de que nos ofertem tecnologias inimagináveis.
O mais assombroso, porém, são as previsões para a hipótese de o homem iniciar a III Guerra até 2019, que será, nesse caso, terminada por uma reação colossal das forças telúricas do planeta, inviabilizando a vida no hemisfério norte e abrindo um período de reconstrução de mais de mil anos. Isso levaria, pasmem de novo, a uma invasão autorizada pela O.N.U. ao hemisfério sul. Parece o filme O Dia Depois de Amanhã.
E restará aos brasileiros, além de só um quarto do seu território, a obrigação de “exemplificar a verdadeira fraternidade cristã”, ensinando aos invasores os mais altos valores de espiritualidade. Aprenderão com os norte-americanos o respeito às leis, o amor ao direito, à ciência e ao trabalho; com os europeus, o amor à filosofia, à música erudita; com os asiáticos o respeito ao dever, etc. Um povo que precisa aprender o respeito às leis e o amor ao direito com invasores norte-americanos irá ensinar-lhes, em contrapartida, os mais altos valores de espiritualidade... Surreal!
Outra providência dos deuses gregos, agora na atmosfera do nosso planeta travestidos de seres angélicos, foi que, desde 2000 (suposto ano da volta de Emmanuel), só permitem reencarnar aqui mansos, brandos, amorosos e pacíficos, sendo os recalcitrantes no mal encaminhados a mundos atrasados, o maior deles, Quírom, ou Kírom. Todos os que hoje têm no máximo 11 anos integrariam, pois, esse exército de brandos. Matemática canhestra. Decerto, se trata de outra profecia a não se cumprir. E tudo bem. Afinal, é para isso que as profecias, segundo Emmanuel, são reveladas, sobretudo as dele.
Toda essa mixórdia ridícula integra outra religião, um divinismo oracular abrasileiradamente sincrético; não é Espiritismo, mesmo porque nada conseguiu sê-lo após o passamento, em 31/03/1869, do Gênio Lionês ao mundo espírita, de onde ainda contempla o cumprimento desta profecia do Espírito de Verdade: “[...] as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas”.[3]
Assim, profecias são verdadeiras predições e se cumprem com rigor, exceção feita às mistificações de espíritos pseudossábios, como Emmanuel, Ramatis e assemelhados, que julgam saber mais do que realmente sabem, ou simplesmente insistem sobre aquilo que deve permanecer oculto, a fim de darem a impressão de que conhecem os segredos de Deus.[4]
[1] Revista “Espiritismo e Ciência” n. 53. Kardec e os Exilados. Cf. texto atualizado: http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2010_03_29_archive.html; Kardec Versus Emmanuel em 12 Passos, http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2011_06_12_archive.html, bem como esta palestra: http://www.youtube.com/user/sergiofaleixo#p/c/F40B80DEDC8DE9CF/0/4h4r6CxP8Rs
[2] Cf. http://www.vinhadeluz.com.br//site/noticia.php?id=760
[3] KARDEC. Obras Póstumas. 12 de junho de 1856. Em casa do Sr. C.; médium: Srta. Aline C. Minha Missão.
[4] Cf. O Livro dos Espíritos, 104. O Livro dos Médiuns, 300.
Pois bem! E como dissemos no início, os catastrofistas de plantão logo vieram a público respaldar a suposta revelação profética. Um deles, o médium ramatisista e auto-proclamado "espírita universalista" Roger Bottini, já citado neste nosso espaço por afirmar receber mensagens de um deus da mitologia grega, saiu, mais uma vez, em defesa das mensagens de Hercílio/ Ramatis em seu sítio na internet, procurando confirmar as previsões do citado espírito com uma matemática elementar e bastante equivocada. O mais interessante é que o "médium" gaúcho cita e enaltece a reportagem em que Chico Xavier teria previsto as calamidades para 2019, mas ao mesmo tempo as prevê para 2036(!). Confiramos passo-a-passo essa declaração:
1 - O "médium" ramatisista começa criticando duramente aqueles que não creem nas previsões de Ramatis, chamando-os de "pessoas de visão estreita" :
"Um exemplo disso, é o sistemático ataque que sempre sofreram as obras de Ramatís por parte dessas pessoas de visão estreita; principalmente devido às revelações de seu profético livro “Mensagens do Astral”, recebido mediunicamente pelo médium Hercílio Maes e publicado em 1956."
2 - Logo após, o "médium" tenta atrelar a tal reunião citada por Emmanuel, supostamente ocorrida em 1969, às previsões feitas por Ramatis:
"Ou seja, esse livro foi escrito bem antes do ano de 1969, momento em que houve a reunião do astral, citada no texto da pergunta, dando uma moratória de 50 anos a nossa humanidade para procurar corrigir-se antes dos cataclismos de fim dos tempos. No livro de Ramatís, o sábio mentor afirma que esses acontecimentos ocorreriam no final do século vinte."
3- Como as tais previsões de Ramatis para o ano 2000 não se cumpriram, a estratégia é responsabilizar o plano espiritual e afirmar que eles mudaram de planos:
"E, pelo que vemos nas referências de Chico, era isso que realmente aconteceria. (...) Voltando ao texto, vemos que as datas mencionadas por Chico Xavier fecham muito bem. Realmente, os eventos de fim dos tempos foram adiados e, a partir da próxima década, começarão a se intensificar os sinais de efetivação da transição planetária, sendo que por volta de 2036 teremos os mais impressionantes eventos."
Talvez temendo a proximidade do ano de 2019 e o consequente vexame advindo do fato desses eventos não se cumprirem, o sr. Bottini estica a previsão e, numa matemática canhestra, 1969 + 50 acaba resultando em 2036 (!).
Outro fato digno de nota é que consta do livro "Encontros do Tempo" (IDE), de Hércio Marques C. Arantes, publicado na época em que Chico Xavier ainda estava vivo, uma declaração do citado médium afirmando o seguinte:
"Muitas realizações para o Terceiro Milênio,segundo Emmanuel, poderão talvez ocorrer depois de 2990. Imaginemos, pois, certos fenômenos de triagem para séculos não muito próximos. Os amigos desencarnados afirmam que na próxima galáxia, de cuja vida e grandeza compartilhamos, existem numerosos mundos de feição primitiva, aptos a nos receberem para estágios mais simples de progresso espiritual, caso não queiramos seguir o surto de elevação de elevação em que a nossa Terra está penetrando."
Daí perguntamos ao estimado leitor: qual declaração mereceria e merece maior credibilidade? A primeira, relatada após o desencarne do médium, ou a segunda, tornada pública através de um livro enquanto Chico Xavier ainda estava entre nós?
Percebe-se aí a tendência, nos dias de hoje, de tudo colocarem na boca do médium Chico Xavier com o intuito de angariar notoriedade e, principalmente, credibilidade. A pouco tempo, inclusive, até mesmo uma dieta em forma de simpatia foi amplamente divulgada como sendo de autoria do mesmo. Confira clicando aqui.
Já a Doutrina Espírita em si, contida toda ela nas obras da Codificação, é cada vez mais posta de lado, e são poucos que a consultam antes de sair divulgando algo em nome do Espiritismo. Predomina a leviandade e a completa falta de compromisso ético-moral, tanto perante a própria Doutrina como com as próprias pessoas em geral, que certamente estão procurando o Espiritismo para se instruírem, e acabam tendo contato com mentiras, fantasias e mistificações de todo gênero, principalmente divulgadas por indivíduos de tendência mística e que, na mais das vezes, querem obter vantagens pessoais com tudo isso.
A Doutrina Espírita é demasiadamente clara e cristalina e não há como misturá-la a outras "coisas" de conteúdo duvidoso, que caem por terra ao menor arremedo de racionalidade e discernimento.
Como já pude recentemente dizer a um conhecido divulgador ramatisista por e-mail, nada temos contra alguém desejar aventurar-se no espiritualismo genérico. Que tenha boa sorte! Mas daí subverter uma doutrina tão clara e cristalina como é o Espiritismo é outra coisa, bem diferente.
Não podemos agregar tudo ao Espiritismo e ao seu Movimento a pretexto de caridade e boa convivência com pessoas que pertençam a outras doutrinas e/ou religiões. O Espiritismo não ensina intolerância religiosa, portanto fundar um movimento nessas bases é querer posar de "mais realista do que o rei", conforme a expressão popular. Podemos muito bem discordar e sermos fraternos, uma vez que ser fraterno não quer dizer que se deva aceitar tudo. Seria um contrassenso e uma violência à liberdade de pensamento.
O Espiritismo, por sua vez, nada tem a ver e não respalda qualquer previsão de "final dos tempos". A marcha evolutiva da humanidade se dará lenta e gradativamente, conforme as sábias leis de Deus e da Natureza. Isso se encontra bem claro nas obras da Codificação elaborada por Allan Kardec:
P. — Disseram os Espíritos que os tempos são chegados em que tais coisas têm de acontecer: em que sentido se devem tomar essas palavras?
R. — Em se tratando de coisas de tanta gravidade, que são alguns anos a mais ou a menos? Elas nunca ocorrem bruscamente, como o chispar de um raio; são longamente preparadas por acontecimentos parciais que lhes servem como que de precursores, quais os rumores surdos que precedem a erupção de um vulcão. Pode-se, pois, dizer que os tempos são chegados, sem que isso signifique que as coisas sucederão amanhã. Significa unicamente que vos achais no período em que se verificarão.
P. — Confirmas o que foi dito, isto é, que não haverá cataclismos?
R. — Sem dúvida, não tendes que temer nem um dilúvio, nem o abrasamento do vosso planeta, nem outros fatos desse gênero, porquanto não se pode denominar cataclismos a perturbações locais que se têm produzido em todas as épocas. Apenas haverá um cataclismo de natureza moral, de que os homens serão os instrumentos. (12 de maio de 1856 - Obras Póstumas)
O que pervaga pelo Movimento Espírita são indivíduos que desejam os holofotes e correm atrás de fama e de dinheiro advindos da exposição desses relatos confusos e fantasiosos, mui habilmente engendrados, em meio a discursos repletos de palavras bonitas e lugares comuns. Atentemos a isso e assim colaboraremos para uma divulgação séria desse colosso que é o Espiritismo. Essa é a parte que cabe a todos nós.
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