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sábado, 8 de janeiro de 2011

Ciência com Amor, reflexões de um amigo


Luiz Carlos D. Formiga

Excelentíssimas e Digníssimas Autoridades
Senhores Pais, Senhoras, Senhores e
Caros Colegas,
Em razão do anonimato de nossa carreira universitária ficamos surpreendidos com o convite, da Primeira Turma de Formandos em Microbiologia e Imunologia do Brasil, para dizer nesta cerimônia algumas palavras.
Aquele que convida se arrisca duas vezes, porque o convidado pode declinar do convite ou pode aceitar, deixando inicialmente que a memória realize a viagem retrospectiva, sem a todos agradar.
Foi aqui, na Praia Vermelha, no antigo prédio do Instituto, que tivemos nosso primeiro contato com o Professor Paulo de Góes. O professor nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 14 de julho de 1913. Diplomou-se em medicina em 1936, pela antiga Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Brasil. Desde o início de seu curso de graduação orientou sua formação em Microbiologia, pois no primeiro ano já era Auxiliar Acadêmico. Em 1937 foi assistente e em 1944 fez Doutoramento e Docência Livre. Em 1954 tornou-se Professor Catedrático e no ano seguinte, antecipando-se à reforma universitária, reuniu as cátedras de Microbiologia da Faculdade de Farmácia e da Faculdade de Medicina. Assim fundou o Instituto de Microbiologia, que hoje recebe seu nome, entidade pioneira na história da Microbiologia no Brasil.
Quarenta anos depois, em homenagem ao centenário de morte de Louis Pasteur (27/12/1822 – 28/09/1895), que dá nome à Avenida onde estamos, e à memória do Professor Paulo de Góes, nossos alunos do Curso de Bacharelado realizaram, de 25 à 28 de setembro de 1995, a Primeira Semana de Microbiologia e Imunologia. Recordo-me do convite que nos foi feito para discutir a educação e a ética na ciência. Neste dia certamente nossos laços foram estreitados e hoje retornamos, mais uma vez honrados. No entanto, são muito difíceis de dizer, nesta hora de festa, essas coisas de ciência e de sensibilidade.
Professor Paulo de Góes doutorou-se em 1944, eu nasci nesta época, antes da televisão, antes da penicilina, da vacina Sabin, da fralda descartável, do xerox, do plástico e das lentes de contato. Nascemos antes de 1945, antes do radar, dos átomos, do raio laser, das canetas esferográficas, da máquina de lavar pratos, do ar condicionado e antes do homem andar na lua.
Nós nunca tínhamos ouvido falar em SPAS, fitas cassete, vídeos, máquinas de escrever eletrônicas, computadores e danoninho. Talvez, por isso, naquela Primeira Semana de Microbiologia e Imunologia tenham lembrado um discurso de Pasteur aos jovens dizendo assim: - “e vocês que estão sentados nesses bancos, representando a esperança desse país, não venham aqui só pela excitação da polêmica, mas apenas para aprender...”. E, mais adiante, continua Pasteur, “Não fiquem maravilhados diante do novo, nem assustados pelo que ontem vos era desconhecido. Não recuem diante do mistério, mas procurem enfrentá-lo e desvendá-lo... Não se considerem os únicos donos da verdade e do conhecimento, pois um diploma não faz o cientista. Somente assim poderão cumprir sua missão, ser úteis ao próximo... E façam tudo com amor, pois será um dia esplêndido aquele em que, dos progressos da ciência, participará também o coração”.
Pasteur falava de Educação, de Humanidade. Nossos esforços nunca deverão produzir monstros cultos ou psicopatas hábeis.
Muitos desconfiam da educação.
Um sobrevivente de um campo de concentração disse que seus olhos viram o que nenhuma pessoa deveria presenciar. Crianças envenenadas por cientistas instruídos e aparelhos de tortura construídos por engenheiros ilustrados. Por isso Pasteur lembrou que “será um dia esplêndido em que, dos progressos da ciência, participará também o coração”.
A ciência sem o amor pode conduzir a comportamentos imediatistas, quando a vida em si perde seu valor.
Mas, foi o mesmo Pasteur quem disse que pouca ciência afasta o homem de Deus e que os verdadeiros cientistas acabam dele se aproximando.
O grande microbiologista talvez lembrasse que “os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento a obra das suas mãos”.
Se utilizarmos um telescópio de rádio-astronomia veremos na nossa galáxia, que é subdesenvolvida, 100 bilhões de estrelas. Ficaremos entediados de contar as estrelas de 10 bilhões de galáxias.
Se utilizarmos um veículo com a pequena velocidade de 360 mil km/s e partirmos da Terra para alcançar a extremidade da galáxia gastaremos a bagatela de 50 mil anos luz.
Em uma cabeça de alfinete vamos encontrar 8 sextilhões de átomos, separados uns dos outros por distâncias maiores do que suas dimensões. Se pudéssemos contá-los com a velocidade de um milhão a cada segundo, contaríamos o último 2530 séculos depois. Quem duvidar faça a conta!
O cientista deve possuir alto nível de consciência. A consciência adormecida é preenchida pelo Ter em detrimento do ser. O cientista deve fazer esforço para apreender e compreender a verdadeira realidade. Muito daquilo que vemos não é mais do que aparência. A realidade é outra. O sol parece girar em torno de nós e a Terra parece imóvel, mas a realidade é outra. Deslumbramo-nos com Mozart em seu harmonioso concerto encantando-nos os ouvidos. O som não existe! Não passa de uma impressão dos nossos sentidos, vibrações do ar de certa amplitude e velocidade, silenciosas por si mesmas. Sem o nervo auditivo não haveria sons, só movimento. O mesmo podemos pensar sobre a luz que põe em vibração o nervo óptico.
As galáxias, o som, a luz manifestam a glória de Deus e anunciam a obra de suas mãos.
Podemos encontrar 5 milhões de hemácias em um mililitro de sangue e em alguns meses nosso corpo é reconstituído de novo. E diante desta cultura, aparentemente inútil, ficamos a refletir sobre as grandes questões.
Quem – ou o que – decidiu sobre nossa existência, sobre o seu valor ? Por mais que procuremos se abrem apenas três caminhos – os da religião, da filosofia e da ciência.
A existência da ordem no seio do caos é outra emergência dessa estranheza lógica.
O maior problema da filosofia que a ciência positiva não resolve, nem está em condições de resolver, é o da conduta ou do valor da ação humana. O fato de ser portador de um diploma e de maior soma de conhecimentos leva o homem a reconhecer o caminho do seu dever ? A atitude do homem perante o homem e o mundo, e a projeção dessa atitude como atividade social e histórica é tema da filosofia.
Como explicar a existência de uma tal ordem no âmago do caos ? Num universo submetido a entropia, irreversivelmente arrastado para uma desordem crescente, por que e como aparece a ordem ? O homem comum lembraria de uma Inteligência Suprema, Causa Primária de todas as coisas e a chamaria – Deus.
Nossas certezas sobre o tempo, o espaço e a matéria não passam de perfeitas ilusões, sem dúvida mais fáceis de apreender do que a própria realidade. A realidade em si não existe; depende do modo pelo qual decidimos observá-la. As entidades elementares que a compõem podem ser uma coisa (uma onda) e ao mesmo tempo outra (uma partícula). Essa realidade é, num sentido profundo, indeterminada.
Qual o sentido último do Universo e da existência humana ? Kant, lançando as bases da moderna Antropologia Filosófica resume estas indagações numa só: “Que é o homem ?”
Hoje nos recusamos a aceitar que somos apenas impulsos eletroquímicos num bicomputador que se originou por acaso e acreditamos que chegou o momento de buscar, para além das aparências mecanicistas da ciência, o traço quase metafísico de alguma coisa diferente, estranha, poderosa e misteriosa. O Caos contêm em si uma ordem tão surpreendente quanto profunda. Cientistas e filósofos concordam que hoje a Física Quântica toca de modo surpreendente a Transcendência, acreditam que estamos diante do primeiro encontro explícito entre Deus e a ciência. Por isso, mais do que nunca a educação é vista como o processo de interferência numa realidade em constante mudança, no sentido de levar os indivíduos a adotarem, em opção livre e consciente, comportamentos desejáveis ao seu bem estar, físico, biológico, psíquico, social e também espiritual. Esta interferência está baseada em valores e conhecimentos que nós, pais e mestres consideramos válidos científica e filosoficamente. Por isso, Pasteur falou daquela forma aos jovens e hoje retornamos ao mesmo discurso. Mas, quem ensina quem?
Além de biocomputadores ou cientistas somos seres sociais dotados de historicidade. E, assim “aprendi que se depende sempre, de tanta, muita diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições de tantas outras pessoas. Que é tão bonito, quando a gente entende que a gente é tanta gente, onde quer que a gente vá”.
Gonzaguinha falando da ciência da vida parafraseou Pasteur – “é tão bonito quando a gente vai a vida, nos caminhos onde bate bem mais forte o coração”.
No discurso aos jovens Pasteur recomenda que “façam tudo com amor” e relembra que um diploma não faz o verdadeiro cientista, ele sabia que aprender não é apenas um ato de conhecimento da realidade concreta, da situação real vivida pelo estudante, mas também é ato de modificação de suas próprias percepções, em relação ao aprendizado do bem, da moral e dos valores supremos.
Pasteur fala de religiosidade, de filosofia e de ciência, deve Ter usado como referência bibliográfica a Primeira Carta de Paulo aos Coríntios: “se falássemos as línguas dos homens e as dos anjos, mas não tivéssemos amor, seríamos um bronze que soa ou um sino que toca. E se tivéssemos o dom da profecia, tivéssemos a fé, a ponto de transportar montanhas, e conhecêssemos ainda todos os mistérios e toda a ciência, mas não tivéssemos amor, não seríamos nada”.
A síntese talvez possa ser feita com algumas palavras: Devotamento, Firmeza, Raciocínio, Sentimento, Humildade, Dignidade.
Devotamento sem apego, Firmeza sem petulância, Raciocínio sem aspereza, Sentimento sem pieguice, Humildade sem subserviência e Dignidade sem orgulho.
Parece estranho que numa reunião de festa falemos da responsabilidade social do cientista, mas ela possui duas dimensões: a individual, que é produzir o bem, e a sócio-política (ou coletiva) que é a reforma das instituições humanas. O homem que desenvolveu a razão deverá agora abrir o coração.
Pensamos em terminar com o manifesto do Sermão da Montanha, com o da ciência, mas finalmente escolhemos o de um simples chefe indígena ao presidente norte-americano.
“Isto nós sabemos.
Todas as coisas estão ligadas
Como o sangue que une uma família ...
Tudo o que afeta a terra
Afeta os filhos e filhas da terra.
O Homem não teceu a teia da vida;
Ele é apenas um fio dela.
Tudo que ele faz à teia
Ele faz a si mesmo”
Que aquele que teceu a teia da vida os ajudem, na ciência, a produzir o bem!

UFRJ, 1997

Revista Espírita Fraternidade (Lisboa), 422: 227-229, 1998; Boletim da Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM-Notícias), 22 (outubro): 3-4, 1998; Folha Espírita, São Paulo, março, 2000.

http://www.espirito.org.br/portal/artigos/neurj/ciencia-com-amor.html

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