.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

LIVRA-NOS,SENHOR, DE QUERERMOS CONVERTER O MUNDO

Margarida Azevedo


As nossas convicções são uma maquilhagem como outra qualquer. Estar convicto não é sinónimo de estar correcto, de ter a certeza de alguma coisa ou de estar no caminho certo. A convicção é como uma casa aparentemente muito limpa e arrumada mas que, na verdade, tem o lixo escondido debaixo do tapete.
O convicto raramente ouve o outro; finge ouvi-lo, mas está distante, certo de que este nada ou muito pouco tem a ensinar-lhe. Não encara a diferença como uma algo natural, mas uma fraqueza de quem ainda não atingiu o seu nível.
No campo da religiosidade, o problema agudiza-se quando as religiões do Livro, ou assim designadas habitualmente para as diferenciar das da Natureza, têm-se imposto pela violência e agressividade em nome de um propósito salvífico. É a insensatez a impor-se na sua máxima ignorância objectivando um mundo a preto e branco; é o crente a pensar que transporta consigo a ideologia que vai mudar o mundo; é o fanático que se julga a voz de Deus ou que as Entidades que se manifestam na sua doutrina são todas de luz.
A História das Religiões, a mais ensanguentada de todas as Histórias, e são muitas as que temos, mais não tem sido que o percurso da intolerância levada a cabo por gente perturbada, distanciada das boas práticas de respeito pelo outro. A certeza de que tem dentro de si a voz de Deus, que sabe o que Deus quer e não quer, o que gosta e não gosta, tem sido, como não poderia deixar de ser, o mais bélico dos pensamentos.
Isto conduziu a que o outro fosse perseguido na sua natural alterabilidade, a sua fé rebaixada e vista como sem sentido e o mundo, no seu todo, passasse a ser visto no espartilho de uma dualidade entre politeístas (retrógradas, atrasados e infiéis) e monoteístas (iluminados, sábios e fiéis).
As convicções criaram o super-homem, o feliz e risonho porque já descobriu deus dentro de si, e sábio porque tem a certeza absoluta do que vai encontrar no outro lado da vida quando lá chegar, isto é, grandes prémios, grandes prazeres, tudo à grande. É de lamentar, pois o insensato desconhece que não temos a mínima noção, a mínima que seja, do que se passa no outro lado. E ainda bem, caso contrário a situação seria ainda bem pior.
É impossível, assim parece, dissociar a Natureza de Deus e vice-versa. Criatura e Criador estão acoplados existencialmente. São noções-ferramentas com que vamos moldando a nossa vida, fazem parte de nós mesmos quais órgãos que formam o nosso corpo permitindo-lhe estar vivo.
Deus não cabe nas nossas cabeças. Descobrimo-Lo com o outro, com a Natureza, magnífica na sua diversidade. Ninguém está no mundo para converter ninguém, e as religiões fazem falta porque ainda não chegámos à fé livre. Quando a fé fôr um estado de graça, quando a fraternidade fôr a grande vivência social, quando não mais houver interesses pessoais por oposição a colectivos, quando aprender o respeito pelo Outro fôr a principal disciplina escolar, quando a Natureza fôr a grande Mãe, então atingiremos o fim das religiões. Não haverá convertidos nem ninguém para converter, nem gente a gastar o precioso tempo a estudar o modo como há-de convencer o outro a vir para a sua doutrina. Nessa altura compreender-se-á que converter significa convencer o outro à nossa mesma finitude como o fim máximo, fazendo-o abdicar de si mesmo, e que as doutrinas, todas, têm um termo. Felizmente.
A convicção é uma máscara. Só faz sentido num dado momento.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home