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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O conhecimento provoca o desejo da ignorância

Vladimir Alexei


Vladimir Alexei
Belo Horizonte das Minas Gerais,
14 de agosto de 2019.

O título desta pensata é baseado em uma frase da obra “Santo Agostinho” de Teixeira Pascoaes (Assírio & Alvim, Lisboa, 1995). Algumas obras devem ser “degustadas” com vagar. Deixar fluir a imaginação e a mente para cada canto que os textos nos remeterem.
Esse “vagar” não pode ser o “silêncio eterno dos espaços infinitos” que Blaise Pascal (1623 – 1662) dizia, e que, por vezes, são provocados quando se vive experiências do cotidiano materialista, que exige que sejamos o que não somos e ostentemos o que não temos, sem oferecer elementos novos ao aprendizado.
Por isso, mais do que muitas palavras, a busca pelas palavras corretas, pela síntese, ronda o imaginário daqueles que, de alguma forma, se aventuram a escrever. Escrever com proveito, extraindo das ideias originais, outras ideias capazes de alçar a compreensões mais elevadas, é digno da história de Santo Agostinho, que, segundo Pascoaes, desceu aos pântanos da paranoia, para alcançar a metanoia, mudança essencial do ser.
Enfrentar paranoias, ou “meus demônios”, como fez o educador Edgar Morin (1921 - ), exige compreensão de que, na atualidade, a vida convida a fazer escolhas mais difíceis. “Nem tudo que reluz é ouro...” É preciso vigilância. Morin conta que desde a sua adolescência possuía a incômoda experiência de conversar com interlocutores que pensavam, naturalmente, que ele compartilhava suas ideias e sentimentos, algo que só foi vencido mais tarde com a publicação de uma obra.
Bertrand Russell (1872 – 1970), disse algo parecido, com outras palavras: “para muita gente, antes morrer que pensar”. A ignorância é um convite a permanecer estacionado em pensamentos e comportamentos de outrora. “A vida toda fui assim”! Outros mais ousados dizem: “todo mundo faz assim...”!
Sem perceber, aprisiona-se em “teias” complexas tecidas ao longo do tempo – por meio das reencarnações –, a quatro ou mais mãos, junto com pessoas que acreditam que ainda se é como antes. Romper essa teia exige esforço e o esforço provoca medo. O medo, segundo Zygmunt Bauman (1925 – 2017), provoca três tipos de perigos: ameaças ao corpo e a propriedade; ameaças de ordem social, envolvendo o sustento da família, emprego, sobrevivência no caso de velhice ou invalidez; e ameaças de lugar da pessoa no mundo.
Para não sentir medo, permanece-se com as mesmas ideias. A isso, o senso comum atribui o nome de “zona de conforto”, estado em que se sente aconchegado em um ambiente nocivo à saúde física, mental e espiritual. E por que o sentimento de aconchego? Porque os “hábitos” trouxeram até aqui. Porque assim se constrói pensamentos e comportamentos. Romper com os laços firmados, exige desfazer teias complexas que podem ter origem em outras vidas.
Saint-Exupéry (1900 – 1944) em seu “voo noturno”, conseguiu compreender a chave destes “laços”, em uma época atribulada, de profundas mudanças (guerra): o “homem é só um laço de relações, apenas as relações contam para o homem”.
Com o passar do tempo, as demandas individuais e sociais se tornaram mais sofisticadas e a sensação de ausência de controle passou a insuflar o medo. As respostas não são mais tão simples e a necessidade em se obter respostas mais “rápidas” parece um fenômeno pouco analisado. É o mesmo que passar uma vida inteira abusando da alimentação, com sobrepeso por mais de dez anos, e acreditar que em seis meses de dieta ou academia tudo voltará ao normal. “Natura non facit saltum”!
Se os laços das relações são importantes, quais os laços que nos unem ao sentido profundo, ou filosófico, da Vida? Vive-se para ganhar experiência e compreender, com autonomia e liberdade, o que nos move, as potências superiores da alma. Isso explica os obstáculos enfrentados. Tornam-se sofridos, quando tentamos curvar as leis naturais aos desejos pessoais, preservando a ignorância que ainda exerce força contrária ao progresso do ser. Entretanto, é possível o conhecimento fazer morada na mente e no coração de cada um, se voltarmos a degustar os pensamentos que nos impulsionam ao Mais Alto.
E é em busca desse pensamento elevado que trazemos Allan Kardec (1804 – 1869). Kardec deixa claro que a Doutrina Espírita é para as pessoas de boa-fé. Dentre as diversas análises possíveis, compreende-se que a boa-fé, nesse caso, é o espírito destituído de verdades absolutas, calcadas em dogmas, afastados da religiosidade, para conseguir sentir os ensinamentos do Espiritismo.
O Espiritismo está acima, enquanto filosofia espiritualista, das religiões tradicionais, porque será a religião do futuro, capaz de abrigar pensamentos diferentes, entendimentos diferentes, crenças diferentes, em busca dos mesmos valores, aqueles que alimentarão o espírito em seu progresso. Assim o conhecimento que rompe com as amarras da ignorância que nos mantem ainda presos a convenções religiosas do passado, que são separatistas, dogmáticas, arbitrárias, materialistas, ocupará espaço nas mentes e corações, capazes de vencer o medo de pensar para o Alto e para frente.
Novos tempos, novas crenças, novos entendimentos. Cogito ergo sum.

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