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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Religião e Ceticismo


Vladimir Alexei


Acompanhando a produção literária em um mercado combalido como o mercado editorial brasileiro, nos deparamos com um livro no mínimo instigante do filósofo da moda, Luis Felipe Pondé. Ele é um crítico contumaz e com uma formação sólida nas fieiras da USP, produziu uma obra simples e agradável de ler, mais do que muitos ditos romances espíritas por aí. Tanto que ele, Leandro Karnal, Cortela e o Clovis de Barros Filho são as mais novas vedetes do mercado. E com razão: o trabalho deles é interessante e se comparado com produções que não fazem “pensar” em nosso meio espírita, são verdadeiras pérolas. Quase Rubens Alves modernos.

É nisso que tem se tornado o mercado editorial espírita: produções de baixo conteúdo educativo, inclusive, e principalmente, para o Espírito. Já os filósofos contemporâneos citados, cuja produção intelectual é interessante, ainda que muitos amigos mais críticos não concordem, o pensamento deles vem ganhando espaço e com grande ênfase no ceticismo. Na última segunda-feira no programa Roda Viva, assistimos pelo facebook ao Karnal e o Pondé dando uma aula de erudição e conhecimento. Ambos manifestam-se claramente céticos e não tem faltado argumentos para isso.

As instituições religiosas, todas, quase todas, seguiram a um modelo falido da Igreja Católica de funcionamento (“falido” espiritualmente, ok?!). Quanto maior a “casa”, maior a necessidade de “gerar receitas” porque os fiéis gostam da ostentação e do poder (os fiéis...). Não é errado gerar receitas. É condição básica de qualquer instituição: as iniciativas privadas existem para gerar lucro. As entidades filantrópicas para auxiliar naquilo a que se propôs e assim por diante. Nenhuma instituição é criada para “dar prejuízo”. Elas podem ser mal gerenciadas...

Até as organizações espíritas e seus regimes de caixa precisam ser revistos. Dinheiro adquirido com eventos, congressos, vendas de livros ditos psicografados, almoços, jantares e outras atividades, são da instituição e não de seus diretores, “donos de centros” ou membros contribuintes. Parece que esse princípio básico se perdeu no meio espírita pois há eventos grandiosos sendo realizados para “bancar” os custos da “entidade”. Peraí: se o custo está elevado, é necessário estudar onde estamos falhando. E não aumentar a arrecadação simplesmente às custas dos esforços de uma minoria. Qual a “causa raiz” dos custos elevados? Recebíamos doações e paramos de receber? O “simplesmente” é porque o mercado espírita está mais preocupado com a forma do que com o conteúdo. Ou seja: aderiram ao “show” e não à exposição de conteúdos doutrinários.

Lembro-me, como se fosse hoje, uma pessoa da Federativa de Minas, logo quando dei meus primeiros passos naquela querida Casa, ela sempre se preocupava em não apenas reproduzirmos os capítulos e os livros de autores renomados no meio espírita. Essa pessoa queria saber qual era a nossa contribuição naquilo que tínhamos estudado. Havia preocupação com a geração de “conhecimento”. A erudição todos podem ter, basta estudar e ler um pouco. Mas o conhecimento, que é a sua contribuição em torno daquele assunto: se perdeu. Os eventos espíritas estão assim. Espíritas sensitivos mudam as vozes para dizerem-se cercados, envolvidos por “mentores” para expressar o elevado “teor” de suas vibrações: algumas poucas vezes ocorre mesmo. É da Lei, mas não é essa sangria que vemos por aí. Não é lógico, não é racional e nenhum espírito realmente Superior se prestaria a esse ridículo papel de se manifestar para trazer estultices. Como é um caso de uma mensagem que é atribuída ao médium Divaldo Franco em que ele traduz o pensamento dos espíritos dizendo que “estamos passando por períodos difíceis” e que se continuarmos assim eles, os “espíritos superiores” não vão conseguir nos ajudar. Simples assim. É só “virar a chave” aqui, voltar ao “cheiro da sacristia” como diria nosso saudoso Arnaldo Rocha e tudo se resolve. Carolice desenfreada.

O mesmo tem ocorrido com as produções literárias. Os livros estão de dar dó. Quanta mesmice sendo produzida. Alguns amigos dizem que faz parte do movimento. Sim, como também faz parte questionar essa seara que está longe de consolar e esclarecer. No livro do Pondé, Filosofia para Corajosos, existe um capítulo com o título “religião x ceticismo: contra os picaretas do espírito”. Ele diz o seguinte (p.76): “Esse argumento de evolução espiritual serve para tudo, porque ninguém sabe onde ela começou.” No parágrafo seguinte complementa: “A chave do picareta do espírito é dizer o que todo mundo sabe que pode acontecer e capitalizar para si o que de fato acontece ou terceirizar tudo aquilo que ele errou ao dizer que ia acontecer.” Não é o que fazem alguns médiuns para ter poder por aí? Para ganharem notoriedade? Não usam o nome de “fulano” pra dizer que ele disse ou não disse? Esses médiuns servem-se de sua sensibilidade para temperar as intuições com lampejos e vestígios de espiritualidade, direcionando, conduzindo, de acordo com seus interesses pessoais e não aquilo que a entidade espiritual projetou.

Quando um cético (cuja origem da palavra vem do verbo grego skopien, que quer dizer “observar, ver com atenção”) levanta a bola para os mercadores dos templos, o espírita que não se incomoda com o que tem visto nas casas espíritas precisa rever seus posicionamentos. Baratearam a Mediunidade. Endeusaram a oratória, pararam de ler, deixaram de estudar a beleza do Espírito. Copiem aquilo que na sociedade ajunta. Sejam inclusivos. A era dos “missionários” acabou com o desencarne do Chico. Trilhem novos caminhos, aprendam algo de diferente porque o cheiro de sacristia está insustentável: mais parecem sepulcros caiados do que aprendizes. Ou nós, espíritas, alinhamos o discurso à prática ou então perder-se-á toda a credibilidade que demorou uma vida para ser construída. Faça bom uso do livre arbítrio...

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