LEONARDO
MARMO MOREIRA
Continuação da
PARTE I....
Capítulo 7 – Os Negros do Brasil
Vejamos o comentário sobre a cruz e a mudança
de nome de nossa nação:
p.59-60 “A
esse tempo, a terra do Evangelho não é mais conhecida pelo nome suave de Santa
Cruz. À força das expressões comuns, dos negociantes que vinham buscar as
fartas provisões de pau-brasil, seu nome se prende agora ao privilégio das suas
madeiras. Os missionários da colônia protestaram contra a inovação adotada, mas
as falanges do Infinito sancionaram a novidade imposta pelo espírito geral,
considerando as terríveis crueldades cometidas na Baía de Guanabara, em nome do
mais caricioso dos símbolos. A sanção de Ismael à escolha da nova expressão
objetivava resguardar a pátria do Cruzeiro dos perigos da Inquisição, que na
Europa fomentava os mais hediondos movimentos em nome do Senhor”.
O que a mudança de nome teria a ver
com “resguardar a pátria do Cruzeiro dos perigos da Inquisição”? Só por causa
do nome “Santa Cruz”? Além disso, todo o parágrafo está inundado de expressões
católicas.
A página 64 inicia com o começo de
um parágrafo em que o expositor pretende analisar o papel dos negros nas
tarefas espirituais do Brasil. Alguns comentários, mais uma vez, causam
estranhamento. Vejamos:
“Foi
por isso que os negros do Brasil se incorporaram à raça nova, constituindo um
dos baluartes da nacionalidade, em todos os tempos. Com as suas abnegações
santificantes e os seus prantos abençoados, fizeram brotar as alvoradas do
trabalho, depois das noites primitivas. Na Pátria do Evangelho têm eles sido
estadistas, médicos, artistas, poetas e escritores, representando as
personalidades mais eminentes. Em nenhuma outra parte do planeta alcançaram,
ainda, a elevada e justa posição que lhes compete junto das outras raças do
orbe, como acontece no Brasil, onde vivem nos ambientes da mais pura fraternidade...”.
Em
primeiro lugar, que “raça nova” é essa que foi formada? Em princípio, nenhuma
raça foi formada.
“...Em
nenhuma outra parte do planeta alcançaram, ainda, a elevada e justa posição que
lhes compete junto das outras raças do orbe...”.
O Explicador afirma que em nenhum outro país os
negros são tão considerados quanto no Brasil. Trata-se de afirmativa estranha e
questionável, pois França, México, Estados Unidos, entre outros países, também
apresentam boa presença de negros com representativo desempenho
socioeconômico. De fato, antes dessa
frase, o texto afirma “Na Pátria do
Evangelho têm eles sido estadistas, médicos, artistas, poetas e escritores,
representando as personalidades mais eminentes”, só que em vários
países isso também ocorre. Mas o pior ainda é a última frase: “...onde vivem nos ambientes da mais pura
fraternidade...”. Ora, se ainda hoje a comunidade negra brasileira
reclama de significativo preconceito, afirmar, em livro publicado no ano de
1938, que os negros vivem “...nos ambientes da mais pura fraternidade...” é
“dourar a pílula” excessivamente. O que o autor diria se lesse o livro hoje
(2015) sabendo que os EUA tem um presidente negro?
Outra
afirmativa questionável vem no mesmo parágrafo, logo a seguir:
p.64 “...É
que o Senhor lhes assinalou o papel na formação da terra do Evangelho e foi por
esse motivo que eles deram, desde o princípio de sua localização no país, os
mais extraordinários exemplos de sacrifícios à raça branca...”.
Será que o Senhor não assinalou papéis de
destaque para os negros em outros países? E, temos que frisar, que os negros
foram “escravizados”, ou seja, constrangidos aos sacrifícios. Portanto,
trata-se de uma frase com sentido ambíguo.
Logo
a seguir, outra colocação também muito questionável:
p.64 “...e
foi por essa razão que a terra brasileira soube reconhecer-lhes as abnegações
santificadas...”.
N
Capítulo 8 – A Invasão
Holandesa
p.69. “...Todas
as demais nações, como o próprio Portugal, se encontram presas da cobiça, da
inveja e da ambição. Os vícios de todas as identificam perfeitamente umas com
as outras, e no povo lusitano temos de considerar a austera honradez aliada a
grandes qualidades de valor e de sentimento, que o habilitam, conforme a
vontade do Senhor, a povoar os vastos latifúndios que constituirão mais tarde o
pouso abençoado da lição de Jesus...”.
O texto é prolixo e contraditório, pois se
“todas as demais nações, como o próprio Portugal...” apresentam “...cobiça,
inveja e ambição”, que são “vícios de todas”, identificando “perfeitamente umas
com as outras” como podemos entender a subsequente frase “e no povo lusitano temos de considerar a austera honradez aliada a
grandes qualidades de valor e de sentimento”. Perceba que o conectivo “e”
não indica ideia contrária. Se o povo lusitano não se diferenciava dos demais
em uma série de vícios morais, como poderia ter tais distinções éticas?! O
texto é confuso. Além disso, a frase final também é vaga, pois quer dizer que
essas pressupostas qualidades morais “...o
habilitam, conforme a vontade do Senhor, a povoar os vastos latifúndios que
constituirão mais tarde o pouso abençoado da lição de Jesus...”. Trata-se
de algo muito subjetivo, vago. Parece um elogio vazio ao povo português.
Poderiam falar a mesma coisa do povo espanhol justificando a colonização na
América Hispânica, que por sinal é muito maior; ou falar do povo inglês e da
América inglesa, que por sinal é muito mais desenvolvida socioeconomicamente;
ou mesmo do povo francês e da América francesa, que deu origem a boa parte do
Canadá, sem falar em parte dos EUA.
Além disso, aqui percebemos mais uma alusão a
decisões de Jesus que não resistem à menor análise. É inadmissível que Jesus
confiasse no povo lusitano para instalar a fraternidade entre o povo africano
que viria para o Brasil, sem prever que “administraria” no Brasil a escravidão
de africanos por quase 4 séculos. É aceitável que a Espiritualidade tenha
ajudado e inspirado os povos que colonizaram a América, mas isso não significa
que ela tenha apoiado os abusos. Seria de se esperar que o livro falasse isso
de modo mais claro e objetivo.
Capítulo 9 – A restauração de Portugal
Nesse
capítulo, há um diálogo também questionável entre Jesus e Helil. Vejamos alguns
comentários de Jesus:
p.74 “...No
Brasil, onde lançamos os fundamentos da pátria do Evangelho, introduziram o
tráfico de homens livres, forçando as falanges de Ismael a despender todos os
esforços possíveis para que as ordens divinas não se subvertessem pelas
iniquidades humanas. Em Lisboa, permitiram a entrada do terrível instituto da
Inquisição, que comete no mundo todos os crimes em meu nome, que deveria ser,
para todas as criaturas, um sinônimo de brandura e de amor”.
Novamente
Jesus afirma sobre o Brasil: “...onde
lançamos os fundamentos da pátria do Evangelho...”. É um comentário
estranho, sobretudo quando o texto o coloca na “boca de Jesus”, pois todas as
pátrias deveriam ser do “Evangelho”, sobretudo para Jesus. O curioso é que não
são as “falanges de Jesus” que salvam o trabalho espiritual, mas as “falanges
de Ismael”. E isso, supostamente, na boca de Jesus: “...forçando as falanges de Ismael a despender todos os esforços possíveis
para que as ordens divinas não se subvertessem pelas iniquidades humanas...”.
Quer dizer, o trabalho de Jesus foi salvo graças às falanges de Ismael. Jesus
ainda afirma sobre Portugal: “...Em
Lisboa, permitiram a entrada do terrível instituto da Inquisição, que comete no
mundo todos os crimes em meu nome, que deveria ser, para todas as criaturas, um
sinônimo de brandura e de amor”. O livro “Brasil, coração...” enunciou em
capítulo anterior, que o povo português seria “o povo mais humilde do mundo”.
Será que essa humildade coaduna com esse impacto inquisitorial? E onde estavam
os missionários de Jesus, que segundo o livro “Brasil, coração...” seriam os
jesuítas, que não lutaram para evitar que isso acontecesse? É claro que a
“Companhia de Jesus”, conhecida como o “Exército de Jesus”, não era tão isenta
de problemas assim, apesar do livro defender isso com veemência.
Entre nós foram
relevantes os serviços prestados pelos primeiros jesuítas (Nóbrega e Anchieta,
dentre outros). Porém, é o próprio Espírito Emmanuel que consigna, em “A
Caminho da Luz” [Emmanuel, 1972], no capítulo XX “Renascença do mundo” (no
tópico “Ação do Jesuitismo”), o lado infeliz da “Companhia de Jesus”, de
nefasta memória: predomínio, cupidez e ambição, que não poupava nem
mesmo os padres sinceros.
Capítulo 10 – As Bandeiras
p.83 “...As
jóias da mulher e das filhas são empregadas no seu arrojado empreendimento, arruinando-se
a família inteira. Fernão Dias, porém, segue um roteiro luminoso. Por onde
passa com as suas caravanas, florescem povoações asseadas e alegres. Seus
pontos de contato com a terra paulista são os arraiais prósperos e fartos, que
vai edificando nos caminhos desertos. As esmeraldas do seu sonho nunca foram
encontradas, e as pedras verdes que entregou ao genro no instante da agonia,
com única expressão da sua fortuna, representavam, decerto, o símbolo suave das
esperanças do seu labor e das suas lágrimas na terra do Evangelho. Próximo do
local onde mandara enforcar o filho, nas margens do Rio das Velhas, o seu
espírito de lutador se desprendeu igualmente do corpo exausto, e quando, no
íntimo do coração, implorava a misericórdia do Altíssimo para o delito, com que
exorbitava de suas funções na Terra, a voz de Ismael falou-lhe do Infinito:
__ Irmão, as quedas, com as suas
experiências sombrias, constituirão os degraus do teu caminho para as mais
gloriosas ascensões espirituais...!”.
A exaltação de Fernão Dias causa bastante
estranheza, pois, ao contrário de um Bezerra de Menezes, por exemplo, ele não
estava levando a família à ruína por amor a todos os irmãos e por uma prática
incansável e imparável das caridades espiritual e material, mas, sim, para dar
vazão ao sonho de encontrar pedras preciosas. Mas o mais questionável é que o
seu “...roteiro luminoso”, incluiu
mandar “enforcar o filho”, e, em um
eufemismo absurdo, assassinar um filho é
considerado pelo texto “...o delito, com
que exorbitava de suas funções na Terra”. Então, o seu “roteiro luminoso” foi manchado por uma “leve” exorbitância de suas
funções na Terra? Um assassino do próprio filho que arruinou toda a família por
excessiva ambição? O texto causa a impressão de que uma pessoa ambiciosa, que
cometera um crime grave,
Vejamos o comentário de Ismael, que tenta
“justificar” o assassinato do filho e todos os erros de Fernão Dias:
“ __
Irmão, as quedas, com as suas experiências sombrias, constituirão os degraus do
teu caminho para as mais gloriosas ascensões espirituais...!”.
E
para encerrar o capítulo 10, Fernão Dias começa a desfrutar das “merecidas
verdadeiras esmeraldas do seu grande sonho”. Vejamos:
p.84 “Fernão
Dias Paes abre os olhos materiais pela última vez. Uma lágrima pesada e branca
lhe corre pelas faces emagrecidas; mas, sobre o seu coração, paira a benção
cariciosa da terra dourada das minas, e, sentindo-se na posse das verdadeiras
esmeraldas do seu grande sonho, o notável batalhador regressa de novo à vida do
Infinito”.
Não há a menor possibilidade de outra leitura para esse texto, a não ser
a de que é de uma pobreza intelectual imperdoável, pois a aceitarmos tantos
crimes cometidos, como que o agente recebe afagos de um Espírito iluminado e
ainda por cima “regressa de novo à vida do infinito”?
Capítulo 11- Os Movimentos Nativistas
Novamente,
o texto faz apologia ao “jesuitismo”. Vejamos:
p.86 “A
esse tempo, no extremo norte convulciona-se o Maranhão, sob os ímpetos
revolucionários de Manoel Beckman, contra a Companhia do Comércio, que
monopolizara os negócios da importação e exportação da capitania, e contra os
jesuítas, cujo espírito de fraternidade se interpunha entre colonizadores e os
índios...”
Vejamos na p.87, outro texto estranho:
p.87 “...As
providências da contra-revolução no extremo norte são adotadas sem dificuldade.
Gomes Freire procede com magnanimidade com os revoltosos, sem, contudo, poder
agir com a mesma liberalidade para com Manoel Beckman, que foi preso e
sentenciado à morte. Sua fortuna teve-a ele confiscada, mas o grande oficial
que comandara expedição, dentro das tradições da generosidade portuguesa,
arrematou todos os bens do infeliz, em hasta pública, e os doou à viúva e aos
órfãos do revolucionário”.
É
interessante perceber a noção de “
tradições
da generosidade portuguesa” e “magnanimidade”, que o texto exalta,
as quais, aparentemente, incluem “matar
o semelhante”. O texto, porém, não explica o motivo da afirmativa: “...
sem, contudo, poder agir com a mesma
liberalidade para com Manoel Beckman”. Por que ele não pôde? E o parágrafo
termina exaltando a “generosidade” do “grande oficial” ao afirmar que ele “...
arrematou todos os bens do infeliz, em hasta
pública, e os doou à viúva e aos órfãos do revolucionário”. Deixou a viúva
e os órfãos ficarem os bens que já eram deles mesmos. Manoel Beckman era um senhor de engenho do
Maranhão que, em 1684, junto com seu irmão, e com o apoio de comerciantes
locais, saqueou a Companhia do Comércio do Maranhão. Esta companhia, instituída
pela coroa portuguesa, causava insatisfação na comunidade, pois cobrava preços
abusivos por seus produtos e pagava pouco pelos produtos fornecidos pelos
proprietários rurais. Beckman e outros revoltosos foram condenados à forca.
Segundo a fonte consultada, “As ações da coroa portuguesa, que claramente
favoreciam Portugal e prejudicava os interesses dos brasileiros, foram, muitas
vezes, motivos de reações violentas dos colonos. Geralmente eram reprimidas com
violência, pois a coroa não abria mão da ordem e obediência em sua principal
colônia” (
http://www.historiadobrasil.net/resumos/revolta_de_beckman.htm, acesso em 28/06/2015).
Capítulo 12 – No Tempo dos vice-reis
Na
página 92, novamente, comenta-se, desnecessariamente, atitudes supostamente
“superiores” dos padres, no caso a oração, exaltando suas qualidades
p.92 “...e
os padres podem rezar beatificamente, nos seus breviários, entre as paredes
coloniais do Convento de Santo Antonio”.
Também é importante salientar que, sempre que
possível, o máximo de valorização e detalhamento sobre atividades triviais da
vida católica são enfatizadas no livro.
Analisemos
a página 94:
P.94. “Ismael
com as suas hostes do mundo invisível, consegue harmonizar lentamente os
interesses espirituais de quantos se haviam estabelecido na pátria do Cruzeiro.
Sob sua inspiração, a Igreja torna-se a protetora da mentalidade infantil
daquela época. Os templos da colônia abrem as portas para todos os infelizes e
para todos os tristes. Os reinóis organizam festanças periódicas, missas e procissões
da fé…”
Por que não se
referir ao mediunismo oculto dos escravos no interior das senzalas? Segundo os
historiadores, os escravos
(bantos, sudaneses, nagôs e iorubanos) que mais tempo conviveram com seus
senhores, à força assistiam e participavam dos cultos católicos.
Mas, tal obediência
era por obrigação, não professavam aquela crença por devoção, já que na
intimidade da senzala, às ocultas, é que extravasavam sua fé... E ali, o
mediunismo, entre eles, era um antigo e singelo exercício espiritual aprendido
e praticado desde os tempos da terra-mãe, agora lhes aliviando a cruel
realidade — a escravidão. Por acomodação parcial, a pouco e pouco os rituais,
sacramentos, paramentos, imagens, altares, etc., do catolicismo, foram
agregados ao seu culto, porém sob roupagem própria, adequada, isto é, africana.
Essa, a origem do chamado Brasil-candomblé
Analisemos
o parágrafo seguinte:
p.94. “Sob
as vistas condescendentes da Igreja, os mensageiros do Espaço se fazem sentir
mais fortemente junto dos senhores, amenizando a situação amargurada dos
míseros cativos...”.
Mais à frente:
p.95 “A
Igreja, no Brasil, abre o seu culto a São Benedito e a Nossa Senhora do Rosário
tornando-se um refúgio de doce consolação para os pobre africanos. As ordens
religiosas possuíam seus pretos, que eram bem tratados e jamais poderiam ser
vendidos.”
A
Igreja tinha um papel de forte influência no estado brasileiro nos quase quatro
séculos de escravidão que o Brasil tristemente manteve. Afirmar que a “Igreja”
era um um refúgio de doce consolação
para os pobre africanos”, é algo muitíssimo questionável. Além disso, o
texto afirma “As ordens religiosas
possuíam seus pretos, que eram bem tratados e jamais poderiam ser vendidos”.
Ora, se jamais podiam ser vendidos, a Igreja estava fomentando a escravidão. E,
além disso, “possuíam seus pretos”,
trata-se de construção, que denota um certo desrespeito aos negros. Para
concluir, a expressão “jamais poderiam
ser vendidos”, demonstra que a Igreja os mantinha como escravos mesmo!
Porque não os mantinha como libertos, fornecendo-lhes carta de alforria e
contratando seus serviços de forma remunerada. Os padres e bispos não faziam
isso e, o que é pior, são tratados pelo texto por meio de uma promoção
exagerada e sistemática, que nem sempre é encontrada em muitos textos de
autores católicos. Voltamos a perguntar: – Por que não se referir ao
mediunismo oculto dos escravos no interior das senzalas?
Segundo o historiador
Vasconcelos (2005), a igreja foi conivente com a escravidão negra no brasil, agindo
como suporte ideológico da escravidão. Estava interessada apenas com a
catequização em massa, não se interessando pela sorte dos negros.
p.95 “...A
filantropia dos brasileiros cedo começou o movimento abolicionista, e a prova
da profunda assistência espiritual que acompanhava essas ações da Pátria do
Evangelho é que nunca teve o Brasil um código negro, à maneira da França e da
Inglaterra”.
O texto está sempre oscilante entre a exaltação
da Igreja Católica, e sua suposta altíssima proteção espiritual e seus supostos
elevados valores espirituais e o discurso ufanista a respeito do Brasil. A
suposta “prova da profunda assistência
espiritual” chega a ser um comentário até “irônico”, considerando o que os
negros sofreram por quase quatro séculos seguidos de escravidão, com
repercussões em termos de preconceito até hoje. Se o Brasil tinha tamanha
proteção e se a nossa “escravidão foi tão abençoada assim”, porque o Brasil tem
a VERGONHA HISTÓRICA de ser um dos últimos países a abolirem a escravidão?
São
reflexões elaboradas por autores espíritas, questionando um livro publicado
como obra espírita, e dos mais vendidos, famosos e considerados “admiráveis” do
século XX. Ou muitos confrades compraram e não leram, o que é natural,
considerando o grande volume de livros que todos os Espíritas militantes tem
para ler. Ou leram e não entenderam muita coisa. Ou leram e viram os erros e,
nesse caso, ignoram e/ou minimizam os erros. Acreditamos que não emitir opinião
crítica negativa a respeito de um livro é uma postura digna de respeito, mas
ler, ver os problemas e sair elogiando a obra, já é atitude totalmente
reprochável. Pelo menos, por tudo o que aprendemos com Allan Kardec, na busca
da Fé raciocinada.
Capítulo 13 – Pombal e os jesuítas
Neste
capítulo, os jesuítas são chamados de “missionários”; “humildes” e pertencentes
à “célebre” ordem, sempre no intuito de valorizá-los, caracterizando a
utilização de elogios exagerados e repetitivos, muitas vezes sem respaldo nos
fatos, o que acontece em todo o livro, como os leitores podem observar nos
diversos capítulos. Vejamos, portanto, o seguinte capítulo, presente na página
98:
p.98 “Os
missionários humildes da célebre Companhia, radicados no Brasil, diga-se em
honra da verdade, estavam muito longe das criminosas disputas em que se
empenhavam seus irmãos no outro lado do Atlântico; mas sofreram com eles a
incessante perseguição, tão logo se apossou do governo o famoso Ministro”.
O
interessante é que essa adjetivação excessiva é focada em primeiro lugar no
catolicismo e nos padres católicos, sobretudo nos jesuítas, e, em segundo
lugar, em um “ufanismo” luso-brasileiro. De fato, no segundo parágrafo
subsequente a esse último citado, referente à página 98, portanto na página 99,
o texto refere-se ao Marquês de Pombal (figura importantíssima na História
luso-brasileira), sem nenhum tipo de adjetivo ou elogio. Vejamos:
p.99 “Pombal
aproveita o ensejo que se lhe oferece para justificar a expulsão dos jesuítas,
apontando-os como autores indiretos do atentado e D. José I, a instâncias do
seu valido, assina sem hesitar o decreto de banimento”.
Agora,
prestemos atenção na confissão que o texto faz sobre a atitude dos padres
frente à escravidão para avaliarmos se eles mereciam todos os elogios
registrados, sobretudo aqueles referentes às suas atitudes com relação aos
escravos. Por outro lado, quando não dá para elogiar toda a Igreja, pelo menos
os jesuítas são elogiados.
p.99 “... O clero comum possuía escravos
numerosos e chegava a defender o suposto direito dos escravagistas,
incentivando a caça aos índios e abençoando a carga misérrima dos navios
negreiros. Os jesuítas, porém, sempre trabalharam, no início da organização
brasileira, dentro dos mais amplos sentimentos de humanidade.”
Esta
informação contradiz aquela do capítulo 12, p. 95, que pretendia dizer que a
igreja não apoiava a escravidão, ou que tentava amenizá-la.
Na
página seguinte (p.100), o Marquês de Pombal, conhecido inimigo dos jesuítas é,
agora sim, adjetivado mui negativamente. Por outro lado, os jesuítas são
elogiados novamente. Vejamos a passagem da página 100:
p.100 “A
esse tempo, observando a anulação dos seus esforços, os missionários humildes
da cruz procuraram Ismael com instantes apelos. Seus trabalhos eram
abandonados, por força das determinações do Ministro arbitrário”.
Portanto,
o texto, de forma incansável, elogia os jesuítas considerando-os “os missionários humildes da cruz”,
criticando o Marquês de Pombal, por ser claramente anti-jesuíta, chamando-o de
“Ministro arbitrário”. O curioso é
que mesmo entre muitos católicos praticantes, conhecedores das diferentes
ordens da Igreja Católica Apostólica Romana, os jesuítas não gozam de tanto
prestígio assim.
Resta
perguntar aos Espíritas Militantes, muitos com cargos e encargos de liderança no
Movimento Espírita, qual é o objetivo de fazer uma divulgação, com profunda
apologia a essa obra. Alguns poderiam afirmar tratar-se de respeito a Chico
Xavier e Humberto de Campos, o que, para nós não se trata de justificativa de
nenhuma forma plausível. As demais obras de ambos (Chico Xavier e Humberto de
Campos), não apresentam, de forma nenhuma, tamanho número de colocações tão
“estranhas” espiriticamente falando e a maioria delas, sobretudo as de Humberto
de Campos, não recebe nem ínfima parcela de divulgação quando comparada à
divulgação de “Brasil, Coração do Mundo e Pátria do Evangelho”. De fato, até
cursos de “Ensino à distância” (EaD) têm sido promovidos para divulgar tal obra
por instituição que lidera o Movimento Espírita Brasileiro.
Sem
ter a vaidosa e infantil pretensão de que esse pequeno trabalho esgote a
questão e que esteja isento de eventuais equívocos, cabe uma pergunta muito
objetiva: As várias questionáveis colocações presentes no livro “Brasil,
coração...”, em quase todos os capítulos, registradas no presente artigo,
seriam, todas elas, equívocos de interpretação? Ainda não chegamos à metade do
livro, e podemos perguntar a nós mesmos: as supracitadas passagens não são
suficientes para, ao menos, questionarmos, respeitosa, porém seriamente, essa
obra? Será que, em uma busca consciente em direção à pureza e à coerência
doutrinárias, tal obra é aprovada segundo os critérios de Erasto e Kardec? E, o
que é pior, é minimamente explicável e/ou justificável ser “Brasil, Coração do
Mundo, Pátria do Evangelho”, uma das obras mais divulgadas do Movimento
Espírita Brasileiro?
Capítulo 14 – A Inconfidência Mineira
Na
página 107, a questionável e demasiadamente adjetivada saga continua, narrando
o recebimento no mundo espiritual de Tiradentes por parte do Espírito Ismael:
p.107 “...Mas,
nesse momento, Ismael recebia em seus braços carinhosos e fraternais a alma
edificada do mártir.
-- Irmão querido – exclama
ele ---, resgatas hoje os delitos cruéis que cometeste quando te ocupavas do
nefando mister de inquisidor, nos tempos passados”.
Em
primeiro lugar, de forma já um pouco cansativa, o texto reforça o “valor de
Ismael”, enfatizando “seus braços
carinhosos e fraternais”. Além disso, por mais que Tiradentes tenha tido
uma atitude heroica no julgamento dos inconfidentes, se ele, conforme o texto
assevera, se ocupava “do nefando mister
de inquisidor, nos tempos passados”, sendo que a Inquisição foi processo
histórico que começou no segundo milênio, será que podemos aceitar como correta
a afirmação “a alma edificada do mártir”?!
Em que pese que a Inconfidência Mineira tinha significativo nível de idealismo,
não seríamos ingênuos de admitir que somente o idealismo superior motivava os
inconfidentes. Se Tiradentes realmente se ocupava, como o texto afirma, “do nefando mister de inquisidor, nos tempos
passados”, sendo que esses tempos não eram tão antigos assim, pensando no
processo de evolução espiritual como um todo (o qual, mui frequentemente,
requer várias reencarnações para uma transformação substancial do Espírito que
se encontra em plano de provas e expiações), será que o “mártir” já era uma “alma
edificada”? O texto em questão não responde a essa questão, como não
responde a várias outras, pois é pobre doutrinariamente. Realmente, não
esclarece suas muito questionáveis afirmativas, as quais são estabelecidas e
repetidas à exaustão como verdades praticamente inquestionáveis.
Para
dizer o mínimo, causa espanto um Espírito protetor dizer a um Espírito recém
chegado ao Plano Espiritual — depois de morte bárbara — que ele foi
inquisidor... Tiradentes evoluiu tanto assim, de um tempo ao outro, para ter
suporte de receber tão gravosa notícia, com o agravante de estar sob natural
perturbação gerada por tal processo de desencarnação?
Na
página 107, o texto registra a famosa atuação de D. Maria I concernente aos
inconfidentes:
p.107 “...D.
Maria I havia comutado anteriormente as penas de morte em perpétuo degredo nas
desoladas regiões africanas, com exceção do Tiradentes, que teria de morrer na
forca, conservando-se o cadáver insepulto e esquartejado, como exemplo para
quantos urdissem novas traições à coroa portuguesa”.
A
essa altura do texto, o ufanismo luso-brasileiro de “Brasil, Coração do Mundo,
Pátria do Evangelho” começa a ficar contraditório, pois, com o crescimento do
desejo de emancipação do Brasil, os interesses do povo brasileiro passam a
divergir fortemente em relação às aspirações do povo português e de sua corte.
A triste decisão de D. Maria I definir as penas de “perpétuo degredo nas desoladas regiões africanas” para a grande
maioria do grupo de inconfidentes e, principalmente, a condenação de Tiradentes
“que teria de morrer na forca,
conservando-se o cadáver insepulto e esquartejado, como exemplo para quantos
urdissem novas traições à coroa portuguesa” ilustram muito bem essa
situação. Vale lembrar que manter o “cadáver insepulto e esquartejado” nessa
época era uma atitude profundamente cruel, em função da cultura religiosa da
época.
Então,
Tiradentes “...teria de morrer na forca,
conservando-se o cadáver insepulto e esquartejado, como exemplo para quantos
urdissem novas traições à coroa portuguesa”. De fato, D. Maria I, por essa
e outras, foi adjetivada D. Maria “Louca”, mas o texto em um processo um tanto
quanto paradoxal de tentar exaltar tanto os portugueses como os brasileiros,
mesmo que ambos os grupos já estivessem à essa altura dos acontecimentos em
lados totalmente opostos, ainda se arrisca a caracterizar D. Maria I (de forma
muito questionável...), logo na página seguinte (p.108), de “...a piedosa rainha portuguesa...”. Observemos o texto:
p. 108 “...a
piedosa rainha portuguesa enlouquecia, ferida de morte na sua consciência pelos
remorsos pungentes que a dilaceravam...”. Podemos até admitir o “remorso”,
mas “piedosa”? Será que as famílias e amigos de Tiradentes, além de todos os
inconfidentes condenados à “perpétuo
degredo”, concordariam com essa caracterização?
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