Luz na Mente entrevistou Cesar Perri, presidente da FEB
Antonio César Perri de Carvalho
Antônio César Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita
Brasileira, nasceu em Araçatuba (SP) e atualmente reside em Brasília (DF). Foi
fundador de mocidade e de centro espírita, conselheiro
e presidente da União Municipal
Espírita de Araçatuba, diretor e presidente da USE – União
das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, secretário geral do Conselho Federativo Nacional
e membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional (CEI). Na
entrevista que se segue, César
Perri fala à revista A luz na Mente
sobre os desafios que enfrentará para coordenar o Movimento Espírita Brasileiro.
A Luz na Mente –
Considerando a disseminação do Evangelho com as fundações de “igrejas”, visitas
e, sobretudo, intercâmbios epistolares de Paulo de Tarso com os “chefes” dos
núcleos cristãos, pode-se identificar, nos primórdios do Cristianismo, um
movimento organizado para a Unificação dos postulados da Segunda Revelação?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Nós identificamos claramente, nos primeiros cristãos, um
trabalho que nos serve de inspiração e que estamos estimulando presentemente.
Guardadas as devidas proporções, acreditamos que haja semelhança entre o
trabalho dos cristãos primitivos e o Espiritismo. A rigor, a Codificação
Espírita tem pouco mais de cento e cinquenta anos e isso é um período de tempo
muito curto. A Doutrina se apresenta como Cristianismo Redivivo e o Consolador
Prometido, que restabeleceria a Verdade e ensinaria algumas coisas a mais.
Dessa forma, percebemos que os trabalhos pioneiros dos cristãos nos servem de
estímulos, sim!
Quando
Paulo de Tarso reunia os interessados do Cristianismo para o estudo da mensagem
de Jesus, considerando as condições da época, fazia visitas, estimulava o
intercâmbio, levava orientação e praticava trabalhos mediúnicos. Observemos que
na Carta aos Coríntios consta a necessidade de “ordem no culto”. Quando olhamos
as necessidades dessa “ordem”, claramente é como se fosse orientação para
prática mediúnica, certa disciplina. Ao final do trabalho, quando percebeu que
não teria mais condições de visitar a todos, Paulo foi inspirado pelo Espírito
Estevão para minutar as epístolas, ou seja, estimulou o contato próximo,
direto; todavia também à distância. Identificamos aí a origem, vamos assim
dizer, daquilo que hoje nós praticamos na imprensa espírita.
Essa era a
razão predominante, o objetivo dele em ajudar, apoiar e orientar os primeiros
agrupamentos cristãos, inclusive para a prática da caridade no verdadeiro
sentido da palavra. Recordemos que existia entre eles muita solidariedade –
dessa forma encontramos entre os primeiros cristãos as bases que inspiram o
Movimento Espírita atual, com um detalhe fundamental: naquela época não existia
hierarquia, não existia uma organização que preponderasse sobre outra; isso
surgiu muito mais tardiamente, daí ser importante olharmos a vivência dos primeiros
cristãos e verificarmos aquilo que aproveitamos como parte de reflexão e de
orientação para o Movimento Espírita atual.
A Luz na Mente –
Allan Kardec comenta no item 334, Cap. XXIX, do Livro dos Médiuns, que a
formação do núcleo da grande família espírita um dia consorciaria todas as
opiniões e uniria os homens por um único sentimento: o da fraternidade. Estaria aqui o Codificador formulando alguma
programação doutrinária visando a unidade dos
espíritas por intermédio de instituições colegiadas?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Allan Kardec trabalhou exatamente a ideia colegiada, e
fala da fundamentação, do vínculo da fraternidade. Mas percebemos, igualmente,
em “Obras Póstumas”, que ele nos orienta sobre o funcionamento das
instituições. Anota sobre uma comissão não centralizada numa única pessoa e
essa experiência que nos sugere foi uma ideia que serviu de referência para a
atualidade. Notemos que a noção de presidencialismo, não só na questão
político-partidária, como ocorre no Brasil, mas igualmente nas instituições
espíritas, é um presidencialismo que às vezes excede o conceito do termo
presidencialismo em si; muitas vezes chega a se confundir com o autoritarismo.
Allan
Kardec chega a propor que as decisões institucionais sejam colegiadas; que se discuta,
que se troquem ideias, e nós estamos vivenciando essa experiência aqui na FEB.
Desde que assumimos primeiramente de forma interina em maio de 2012, e
atualmente eleito, trabalhamos em conjunto com todos os diretores da FEB,
fazendo reuniões com periodicidade muito curta e tratamos todos os assuntos e
decidimos em nível de diretoria. Entendo que é uma experiência enriquecedora,
facilita a tomada de decisões e evita, às vezes, determinadas tendências
pessoais.
A Luz na Mente –
Qual a diferença essencial entre Espiritismo e Movimento Espírita?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – O
Espiritismo é a doutrina propriamente dita, composta pelas Obras Básicas e as
chamadas obras complementares, que mantêm coerência com a Codificação, ou seja,
o Espiritismo é a mensagem e a proposta. O Movimento Espírita é a ação; é
realizado pelos encarnados. De maneira muito objetiva, Allan Kardec registrou
na obra "A Gênese", Capítulo I, que o Espiritismo é de origem divina
em face da ação dos Espíritos. Contudo, a concretização doutrinária se faz
através dos homens, contributo da participação dos encarnados. Leon Denis, da
mesma forma anota que o Movimento Espírita é de responsabilidade dos seres
encarnados. Do exposto, e com base na Doutrina Espírita, temos que partir para a
ação, e isso se efetiva no dia a dia, por isso somos os responsáveis pelas
opções e atos. A decisão de agir ou não é nossa, dos encarnados, então o
Movimento Espírita compete aos encarnados.
A Luz na Mente –
Os princípios institucionalizados da Unificação
inibem o ideário da União espontânea entre os espíritas?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – A
rigor, não. Em 1949 foi definido através do Pacto Áureo um itinerário de ação,
dando origem ao CFN – Conselho Federativo Nacional, que é composto pelas
entidades federativas estaduais com base na obra de Allan Kardec. Hoje em dia,
dentro do contexto da idéia de união e de unificação, podemos perfeitamente
estabelecer propostas de união e de parceria entre várias instituições, somando
esforços, e portanto não há necessidade, desde que haja propósitos comuns, de
ficarmos na dependência de conceitos antigos de controles. Essa é a ideia.
A Luz na Mente –
O Pacto Áureo ainda pode ser avaliado como o grande
marco da Unificação?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Pode ser considerado, sim, pois ele é genérico. Ele
define a obra de Allan Kardec e decide também com base na obra “Brasil Coração
do Mundo”. Os membros do Pacto chegaram à conclusão que o livro Brasil do Mundo
Pátria do Evangelho mostrava qual seria a missão do Espiritismo no Brasil e
qual a missão espiritual do Brasil também. É esse o roteiro que ele oferece. O
Pacto não entra em detalhamentos, mas fala da União e criou o Conselho
Federativo Nacional. Para o CFN funcionar ele foi primeiramente introduzido no
Estatuto da FEB. Com a instalação do CFN, a área federativa da FEB é
corporificada com a ação do CFN – é importante que saibamos disso. Então o CFN
é que traz a orientação geral e define planos para o Movimento Espírita
Nacional. Esse Conselho é presidido pelo presidente da FEB, mas é integrado
pelas representações dos 27 estados.
A Luz na Mente –
Quais os grandes desafios vistos para o Movimento
Espírita brasileiro?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Nós estamos vivendo vários desafios. A ideia de
difundirmos o Espiritismo, na sua pureza, é um grande desafio, pois, como ficou
claro, de várias orientações de Allan Kardec, sempre haveria alguma tendência
natural de se valorizar pessoas, de se personalizar, e com isso, o que nós
assistimos atualmente é que há uma diferença entre a proposta de Kardec e
algumas práticas. Por exemplo, na Apresentação de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, Allan Kardec explica que optou por não colocar o nome dos médiuns
junto às mensagens e apenas colocou o nome dos Espíritos, a cidade e a data.
Para Kardec era mais importante o conteúdo das mensagens do que o nome do
médium. Infelizmente, notamos que hoje em dia muitas pessoas, antes de ler o
texto, querem saber primeiro quem é o médium, ou seja, inverte-se a situação.
Urge
buscar-se mais a coerência doutrinária e maior compatibilidade com a base da
Codificação ao invés de ficarmos exaltando ou levantando fileiras em torno de
médiuns A,B,C ou D, ou seja, temos que somar, independente de quem seja o
médium, desde que a mensagem tenha coerência e esteja fundamentada nas obras de
Kardec; esse é o grande desafio.
A Luz na Mente –
Recentemente, um espírita latino-americano participou
de um evento doutrinário realizado no Brasil, e o mesmo nos confidenciou que a
coordenação do tal movimento “doutrinário” proíbe aos seus membros quaisquer
contatos com espíritas não integrantes do grupo. Qual a sua opinião sobre esse
procedimento de tais coordenadores?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Essa postura é lamentável, pois em primeiro lugar ela
fere a Constituição brasileira sobre o direito de ir e vir, ou seja, nenhuma
pessoa pode ser impedida de se manifestar ou transitar no país. Em segundo
lugar, ela não é uma proposta respaldada no Espiritismo, porque a Doutrina
respeita, com base em Jesus, as diversidades e distintas realidades das
pessoas, então, se eventualmente um de nós tiver uma visão ou interpretação
doutrinária diferente, não podemos impedir que outro tenha a oportunidade de
dialogar, conversar ou manifestar opções; caso contrário, seria um retorno a um
processo, de certa forma, inquisitorial.
A Luz na Mente –
O modelo federativo foi idealizado por mentes superiores, não temos dúvidas. O
crescimento do Espiritismo gera distorções e perda na qualidade da mensagem e
da prática espírita – é fato – fenômeno sociologicamente explicável. Boa parte
dos dirigentes de casas espíritas nem sempre valorizam as ações dos órgãos de
Unificação, atribuindo- lhes caráter meramente administrativo, burocrático, com
pouco sentido prático. Considerando a sua larga experiência doutrinária, seja
como fundador de mocidade espírita, conselheiro e presidente da União Municipal
Espírita de Araçatuba, membro fundador de centro espírita, diretor e presidente
da USE (União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo) e por fim
presidente da Federação Espírita Brasileira, quais as ações que pretende
desenvolver para aproximar a FEB das casas Espíritas?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Reportarei a minha primeira experiência. Quando era muito
jovem, assumi a presidência da União Municipal Espírita de Araçatuba – órgão da
USE- São Paulo. Naquele momento batalhei contra essas dificuldades, porque o
Movimento de Unificação era recente, tinha apenas 20 anos (pós Pacto Áureo).
Nessas condições, havia uma certa confusão entre as lideranças espíritas,
sobretudo de qual seria a função do órgão unificador. Alguns tinham receio de
que seria um órgão controlador ou fiscalizador. Por outro lado, havia muitas
pessoas (jovens) no Movimento de Unificação, que pensavam também assim, e ocorriam
muitos conflitos.
As
reuniões eram simplesmente administrativas, então quando assumimos a
presidência da UMEA, dentro desse contexto, tornamos as reuniões minimamente
administrativas e preponderantemente voltadas para diálogos, para as propostas
de ação, juntando esforços, de tal modo que conseguimos descentralizar, fazendo
as reuniões em rodízios pelos centros espíritas da cidade. Aproveitamos
experiências para que elas se tornassem coletivas.
Essa a
ideia que, guardadas as devidas dimensões, ainda seguimos, embora atualmente
exista uma abrangência gigantesca e um grau de complexidade muito maior, mas
mantivemos essa postura para tornar mais dinâmicas as reuniões do CFN. Vejamos,
conseguimos suprimir a leitura de relatórios, e hoje as federativas encaminham
um relatório por meio de um formulário eletrônico – transferimos para um DVD e
distribuímos; desse modo utilizamos o espaço reunião para discutir planos de
ação, e, assim avaliarmos situações que merecem discussão para o
desenvolvimento espírita. Entendemos que
esse seja o melhor caminho.
A Luz na Mente –
Considerando que as sandálias de nosso Mestre Jesus sempre estiveram próximas
aos necessitados e sofridos, e especialmente junto a esses irmãos em humanidade
que Ele nos ofereceu provas de amor insuperáveis, e considerando que sobre a
FEB repousam muitas esperanças, mas também expectativas, como atuará para se
aproximar dos pobres e pouco instruídos na educação formal, dado que
representam significativo extrato da sociedade brasileira?
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – Essa é uma preocupação para a qual estamos procurando
colocar a solução em prática. Há três anos consubstanciamos um projeto que se
titulava “interiorização”, ou seja, estimulávamos a ação de representantes,
diretores e colaboradores da FEB juntamente com uma federativa estadual para ir
ao interior, não ficarmos só nas capitais. Assim, tive o prazer de conhecer
duas cidades do interior do amazonas, uma delas viajando de barco durante duas
horas, justamente para ter o contato com a realidade da base. Um desses centros
que visitamos não possuía luz elétrica. A nossa participação à noite foi
através do clarão de uma fogueira, porque para eles era uma ocasião especial,
pois normalmente usavam a luz de velas.
Após essa
experiência (interiorização), começamos outros projetos que seriam
implementados, que são as ações integradas de acolhimento, consolo,
esclarecimento e orientação no centro espírita, porquanto concluímos também que
aquela ideia de departamento ou setor, ou seja, muita burocracia, não seria
efetiva, até porque a grande maioria dos centros espíritas do Brasil são casas
simples e pequenas, não tendo espaço nem condições para tais trâmites.
Assim,
começamos a trabalhar em torno de um projeto, uma ação, um acolhimento junto a
essas pessoas simples, além da ideia de valorizar os centros humildes,
periféricos, pequenos, que às vezes não têm condições de manter os custos, mas
podem perfeitamente seguir esses passos de acolhimento, consolo e orientação.
Nós
estamos caminhando nesse sentido e aí recordo de um companheiro nosso que foi
muito feliz na confecção de um cartaz com a imagem da formiguinha. Ele fez a
comparação com a formiga e que nos remete a uma mensagem de Fenelon, no Cap. I
do Evangelho Segundo o Espiritismo, onde o Espírito examina: “não são esses
animálculos (formigas) que conseguem levantar o solo?” É a ideia do trabalho
simples, mas persistente e em conjunto, isso que pretendemos disseminar.
A Luz na Mente – Suas palavras finais.
Antônio
Cesar Perri de Carvalho – As nossas palavras finais são de sugestão aos espíritas para que
aproveitemos o momento que nós estamos vivendo, que é o período, segundo
Emmanuel, de aferição de valores, e é um momento bastante delicado e sensível,
porque nós temos os compromissos individuais e compromissos coletivos, e com
relação ao Movimento Espírita, é muito importante lembrar o nosso trabalho
respaldado no propósito de União, de concórdia e de benevolência recíproca.
Então é isso que deve animar a nossa atuação conjunta no Movimento Espírita e
no relacionamento com a própria sociedade.
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