Análise Científica da Apometria (*)
ALEXANDRE FONTES DA FONSECA
a.f.fonseca@bol.com.br Bauru, SP (Brasil) |
I. Introdução
A Apometria é uma técnica de desdobramento desenvolvida pelo Dr. José
Lacerda de Azevedo com o propósito de auxiliar enfermos encarnados ou
desencarnados [1,2]. Ela se apresenta como uma teoria de caráter
científico que pretende “mostrar um mundo novo” através de premissas “formuladas cientificamente”
[1]. Em resumo, na Apometria o médium é levado ao desdobramento para
atuar na observação de enfermos encarnados e desencarnados; executar
comandos oriundos de um doutrinador; e relatar atividades realizadas na
esfera espiritual. A eficácia das técnicas da Apometria se baseia na
hipótese de que processos mentais de contagem e comando aglutinariam e
condensariam energias do corpo físico e do espaço vazio para realização
das tarefas do desdobrado na ajuda a enfermos ou na contenção de
Espíritos obsessores.
Em
vista de a Apometria ser baseada em conceitos científicos da Física, e
se apresentar como uma técnica inovadora e de consequências mais
eficazes que o Espiritismo [1], este artigo tem como objetivo apresentar
uma análise científica rigorosa da validade do emprego de conceitos da
Física e da Matemática na formulação da teoria da Apometria.
Mesmo
sabendo que a Apometria é uma técnica não condizente com a orientação
espírita (vide, por exemplo, artigos de O Consolador, Refs. [3,4,5]),
vários grupos insistem na adoção das práticas da Apometria nos centros
espíritas acreditando que ela produz resultados melhores e mais “fortes”
do que o Espiritismo, e alegando que, por usar conceitos de teorias
modernas da Física, a Apometria seria uma proposta mais avançada do que o
Espiritismo.
Da
mesma forma como se avaliam os trabalhos científicos na área de Física,
analisaremos a validade da utilização dos conceitos da Física na
formulação da Apometria. Verificaremos se a teoria da Apometria
apresenta ou não contradições entre si ou com os conceitos da Física.
Isso será feito da mesma forma como novas teorias são analisadas dentro
da área da Física.
O principal critério de análise neste artigo é: existência de inconsistências ouincoerênc
II. Análise de alguns conceitos e de uma equação da Apometria
Neste artigo, vamos nos ater à análise de dois conceitos da Apometria
que usam conceitos da Física e uma equação matemática usada na definição
de uma lei da Apometria. Essa escolha foi feita em função de o nível de
complexidade dos conceitos e equação ser baixo e, portanto, mais
acessível ao leitor. Um artigo contendo uma análise completa de mais
conceitos e equações da Apometria será publicado futuramente na
coletânea de trabalhos apresentados no 8º ENLIHPE[1].
Reproduziremos alguns conceitos da Apometria apresentados na obra da
Ref. [1] e apresentaremos, em seguida, a análise científica em linguagem
o mais acessível possível ao leitor não especialista em Física ou
Matemática.
Conceito 1. Corpo astral imaterial
Na seção intitulada “8 - Propriedades e funções do corpo astral” do capítulo “III - Corpo Astral” de [1], é dito que “Esta
facilidade de separar-se do corpo físico é característica do corpo
astral, imaterial e de natureza magnética, não tem constituição fluídica
como o duplo etérico ...”. Adiante, na seção intitulada “9 - Alimentos e ‘morte’ do corpo astral” do mesmo capítulo é dito que “Nosso
corpo astral perde energia constantemente, necessitando de suprimento
energético para sua sustentação, tal qual o corpo físico. Mas a natureza
deste alimento varia muito; vai dos caldos proteicos necessários aos
Espíritos muito materializados, fornecidos pelas casas de socorro no
astral, até as quintessenciadas energias que alimentam os Espíritos
superiores, (...)”.
Análise científica: Acima encontramos erros de inconsistência econtradição
Conceito 2. Tempo e Espaço não existem na dimensão mental
O conceito acima é o título da seção 7 do capítulo “IV – Corpo Mental” de [1].
Análise científica: O título é um exemplo direto de incoerência econtradição
Equação 1. Energia do psiquismo – W e Ψ
No
capítulo intitulado “”Nohtixon - O pensamento como trabalho do
Espírito”, da obra Ref. [1], o Dr. Azevedo apresenta uma análise de como
o pensamento poderia agir sobre a matéria e propõe a seguinte lei que
rege o pensamento do Espírito: “A energia do pensamento manifestada
no campo físico é igual ao produto da energia elétrica neuronal (En)
pela energia psíquica (da alma) - Ψ na potência v, quando v tende para o
infinito”. Em termos matemáticos, a lei acima pode ser escrita numa das seguintes fórmulas que são equivalentes entre si:
W = En Ψv→∞ , o
onde W é a energia total do pensamento, En a energia neuronal (do cérebro), e Ψ a energia psíquica (da alma). Ψv representa o que em Matemática se diz: “Ψ elevado à potência v”.
O primeiro erro dessa lei é de inconsistência teórica, pois consiste em não definir-se a variável Ψ. Toda definição matemática requer algum valor de referência. A teoria da Apometria apenas diz que Ψ é de natureza psíquica. O que significa isso em termos quantitativos, já que Ψ faz parte de uma fórmula matemática? Ψ é igual, maior ou menor que 1? Como diferenciá-lo entre as pessoas ou seres? Que experimentos permitiriam medir Ψ?
O segundo erro é o que chamamos de absurdo matemático e consiste da análise da própria equação (1). Segundo Dr. Azevedo, o que diferencia os seres é o valor do expoente v que valeria 1 (v = 1) em seres unicelulares, maior que 1 (v > 1) em seres animais, e v tenderia ao infinito em humanos (v→ ∞: esse símbolo significa “tender ao infinito” ou “limite quando v tende ao infinito”) [1]. A Apometria propõe estimar o valor da energia do pensamento de um ser humano através do cálculo do limite da função Ψv quando v tende ao infinito (ou v → ∞). Aqui, para mostrar o absurdo da fórmula da Apometria, analisaremos o resultado da seguinte expressão:
lim v→∞ (Ψv ). (2)
Explicaremos o cálculo de modo mais simples possível para que o leitor
menos acostumado a este tipo de operação matemática compreenda o
raciocínio. O cálculo de limites como o que vamos fazer a seguir se
aprende nos cursos básicos de Cálculo [7] das carreiras comuns do Ensino
Superior das áreas de Engenharias e Ciências Exatas e da Terra.
Para estimar os valores do limite definido na equação (2), identificaremos a grandeza do tipo parâmetro e a grandeza do tipo variável no cálculo do limite. A variável é aquela que irá para o limite infinito: no caso a grandeza v. Oparâmetro é o elemento considerado fixo no cálculo do limite: no caso, a grandeza Ψ. A operação de “calcular o limite” é aplicada a uma função que no caso, segundo a equação (1) ou (2), é Ψv. Calcular o limite de v tender ao infinito de Ψv nada mais é do que analisar para que valor numérico a operação Ψv (lembrando: “Ψ elevado à potência v”) se aproxima, quando a variável do limite, no caso v, adquire valores extremamente altos, tendendo ao infinito [7].
Para
realizar as estimativas de cálculo do limite da equação (2),
precisaremos testar todas as possibilidades para o valor do parâmetro Ψ. As possibilidades são: Ψ = 1 (possibilidade 1); -1 < Ψ < 1 (possibilidade 2); Ψ > 1 (possibilidade 3); e Ψ ≤ -1 (possibilidade 4).
- Se Ψ = 1, sabemos que 1 elevado a qualquer valor de potência é igual a 1 [7]. Portanto, o limite da equação (2) quando v tende ao infinito, com a possibilidade 1, é 1 (um).
- Se -1 < Ψ < 1, então observamos que Ψ tem
valor absoluto menor que 1 e sabemos da Matemática que um número de
valor absoluto menor que 1 elevado a um expoente de valor elevado, é um
número tão menor quanto maior for o expoente [7]. Assim, o limite da
equação (2) quando v tende ao infinito, com a possibilidade 2, é 0 (zero).
- Se Ψ > 1, ou se “Ψ tem
valor maior que 1”, sabemos da Matemática que um número de valor maior
que 1 elevado a um expoente de valor elevado é um número também elevado
[7]. Assim, o limite da equação (2) quando v tende ao infinito, com a possibilidade 3 é infinito, isto é, tende ao infinito na medida em que o expoente v tende ao infinito.
- Se Ψ ≤ -1, isso significa que Ψ tem
valor negativo. Sabemos da Matemática que o limite de um número
negativo de valor absoluto maior ou igual a 1 (um) elevado a um expoente
que tende ao infinito, é um resultado indeterminado, pois, dependendo
do valor par ou ímpar do expoente, o resultado é positivo ou negativo
[7]. Por isso o limite da equação (2) quando v tende ao infinito, com a possibilidade 4 é indeterminado.
Em resumo, obtemos as seguintes soluções para o limite definido pela equação (2):
lim v→∞ (Ψv ) = 1 se Ψ = 1 , (3a)
lim v→∞ (Ψv ) = 0 se -1 < Ψ < 1 , (3b)
lim v→∞ (Ψv ) = +∞ se Ψ > 1 , (3c)
lim v→∞ (Ψv ) = Indeterminado se Ψ ≤ -1 . (3d)
A interpretação dos resultados acima é a seguinte:
-
Se a equação (3a) for o resultado válido, então a energia da alma não
tem utilidade, pois que, na composição da energia do pensamento, o termo
associado à energia material, En, é multiplicado diretamente por lim v→∞ (Ψv) que é igual a 1, e multiplicar En pela unidade (por um) não altera o resultado e a energia do pensamento é apenas a energia da parte material.
- Se a equação (3b) for o resultado válido, então a energia total do pensamento é zero, pois multiplicar En por
zero é igual a zero. Esse resultado não serve para nada e é
contraditório, pois, segundo a teoria da Apometria, a energia mental de
uma ameba (para a qual v tem um valor finito) seria maior do que a de um ser humano.
- Se a equação (3c) for o resultado válido, então a energia do pensamento é infinita, pois, multiplicar En por
infinito é infinito. Esse resultado não serve para nada, pois, em
Ciências Exatas, não se trabalha com valores infinitos que não podem ser
medidos, calculados ou comparados.
- Se a equação (3d) for o resultado válido, então a energia do pensamento é algo indeterminado, pois multiplicar En por um número indeterminado dá um resultado indeterminado. Portanto, essa possibilidade também não tem utilidade alguma.
Da análise acima concluímos, por absurdo, pela não-validade da equação (1) e do enunciado da lei que rege o pensamento segundo a Apometria.
III. Conclusões
A
análise acima permite concluir que a teoria da Apometria foi construída
sem nenhum respaldo da Física ou da Matemática, não podendo, portanto,
ser considerada científica. Ela apresenta erros do tipo incoerência,inconsistênci
É
importante esclarecer que essa análise não teve a intenção de
desrespeitar os praticantes e simpatizantes da Apometria. Uma vez que
temos a orientação de Jesus de que devemos buscar a verdade, pois ela
nos libertará (João 8:32), e de que devemos dizer “sim, sim, não, não”
(Mateus 5:37), nosso objetivo é esclarecer e alertar espíritas e
não-espíritas sobre as bases falsas da teoria Apometria. Se a prática da
Apometria produz resultados, estes se devem a fatores diferentes do que
a teoria ensina. As curas e outros auxílios que eventualmente ocorrem
em nome da Apometria são decorrentes de fatores como: merecimento dos
envolvidos, presença de médiuns de efeitos físicos, concentração e fé
das pessoas, e outros fatores que o Espiritismo ensina. As orientações
para que sejam usados objetos ou práticas como contagens ou outras
técnicas que foram propostas com base em conceitos da Física são
completamente equivocadas e sem fundamentos. Conforme estudo anterior
[8], o Espiritismo é a teoria mais moderna e segura que temos na
atualidade para tratar e orientar a prática mediúnica.
(*) Publicado na Revista O Consolador, Ano 6 - N° 289 - 2 de Dezembro de 2012
Referências:
[1] José Lacerda de Azevedo, Espírito / Matéria – Novos Horizontes Para A Medicina, 7ª edição, VEC Gráfica e Editora Ltda., Porto Alegre (2002).
[2] José Lacerda de Azevedo, Energia e Espírito, 2ª edição, Comunicação Impressa, Porto Alegre (1995).
[3] Jorge Hessen, “A apometria e as práticas espíritas”, O Consolador 67 (3 de Agosto de 2008), link: http://www.oconsolador.
[4] Astolfo O. de Oliveira Filho, “Apometria não é Espiritismo”, O Consolador 130 (25 de Outubro de 2009), link: http://www.oconsolador.
[5] Gebaldo José de Sousa, “Apometria não convém às Casas Espíritas”, O Consolador139 (3 de Janeiro de 2010), link:http://www.oconsolador.
[6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da Física – Volume 2 – Gravitação, Ondas e Termodinâmica, Editora LTC, 8a. Edição (2009).
[7] H. L. Guidorizzi, Um Curso de Cálculo – Vol. 1, Editora Livros Técnicos e Científicos Editora LTDA., 2a. Edição (1987).
[8] A. F. da Fonseca, “Estaria o Espiritismo ultrapassado?... Ou muito na frente?”, O Consolador 271 (27 de Julho de 2012), link:http://www.oconsolador.
e
19 de Agosto de 2012, na sede do Centro de Cultura, Documentação e
Pesquisa do Espiritismo, Eduardo Carvalho Monteiro, CCDPE-ECM, em São
Paulo. A apresentação do trabalho pode ser assistida em: http://www.youtube.com/
Alexandre Fontes da Fonseca é professor de Física na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", em Bauru-SP.
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