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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

SOBRE O ARTIGO CENSO DE 2010 , OUTRA OPINIÃO INTERESSANTE

Caro Irmão,


         Seu artigo refere-se aos dados do censo de 2010, que possui dados sobre a filiação religiosa de nossa população, focando especificamente a nossa doutrina.
      É inegável que existem eventos que dificultam imensamente, de modo quase proibitivo, a participação dos segmentos menos favorecidos socialmente.
      Entretanto, creio, em humilde e falível opinião, que não procedem, a partir do perfil majoritário de nossos confrades, determinadas constatações que tendem a apontar um caráter elitista, e até mesmo racista, no conjunto dos irmãos espíritas do Brasil.
      Eu já lera conclusão similar em outras fontes, envolvendo a nossa seara, e também outros aspectos da vida nacional, em que a população “branca” predomina, coincidindo com as camadas com poder aquisitivo e acesso à educação.
      As aspas são devidas à virtual impossibilidade de classificar etnicamente grande parte das pessoas de um país onde a miscigenação é a regra, não a exceção, como ocorre no hemisfério norte; a quase totalidade das famílias é resultado, em nível variado, da colaboração de irmãos das mais diversas procedências.
      Nada existe de casual no cenário desairoso que historicamente tem relegado grande parcela da população negra aos patamares inferiores da sociedade, uma vez que vieram de condições desumanas, de vileza inenarrável, e não receberam qualquer amparo oficial ao adentrarem o mercado de trabalho; porém, independentemente da origem étnica, a verdade é que a educação e o preparo profissional de qualidade sempre estiveram distantes de quem não pudesse pagar por eles.
      Essa omissão, criminosa, continuará com o sistema de cotas raciais e, pior ainda, com a intenção de privilegiar os egressos do ensino público, o que trará para o nível superior as mesmas distorções já conhecidas, que apenas manterão o abismo entre as categorias de renda, com o agravante de o governo alegar, sordidamente, que procura diminuir as diferenças; não o faz realmente, porque teria que ensinar a pescar, mas prefere distribuir pequenos peixes que alimentarão somente o descontentamento e o revanchismo.
      O perfil social do espírita brasileiro é apenas conseqüência desse círculo que sempre foi inercial e tende a se tornar vicioso.
      Colaboram também as características de nossa doutrina, que exige o constante aprimoramento pessoal, motivando o adepto sincero a se manter como estudante dedicado em tempo integral, no esforço, que certamente durará muitas existências, de compreender e praticar os ensinamentos de Jesus.
      Não é, absolutamente, tarefa a que devam arrojar-se aqueles que pretendam resultados imediatos e superficiais.
      Muitos irmãos têm os primeiros contatos com a nossa doutrina na hora da necessidade ainda não atendida por outras vertentes científicas – incluindo a medicina, normalmente dominante –, filosóficas ou religiosas; são bem recebidos, recebem orientação, consolação, esperança e começam, de algum modo, a conhecer os fundamentos espíritas.
      Quase sempre, as leituras iniciais consistem em romances e narrativas vazadas em textos simples e diretos, corretas sob o aspecto doutrinário, mas insuficientes para o constante aprimoramento pessoal, que é uma lei irrenunciável do Espiritismo; raramente, o novato adentra os ensinamentos insubstituíveis das obras obrigatórias para a dedicação efetiva às verdades espirituais, que começariam pelo Evangelho Segundo o Espiritismo.
      Muitos sequer atingem esse patamar, optando pela acomodação inadvertida, situação bem mais confortável que o estudo das complexidades conceituais da verdadeira postura cristã; limitam-se, no mais das vezes, ao comparecimento semanal, se tanto, a palestras para receberem o passe que os “sustentará” por algum tempo.
      Porém, o fator decisivo para a inércia, ou mesmo abandono, é a “exigência” da fé viva, patrocinada pela prática concreta dos ensinamentos cristãos, refletindo-se no cumprimento da assertiva de Kardec de propugnar a reforma íntima como a única prova indiscutível de aceitação do Espiritismo.
      Considere-se ainda o grau de comprometimento e, principalmente, de esforço individual indispensáveis para o bom termo de estudos essenciais, como o ESDE e o ESLE, e concluiremos que somente irmãos dotados de robusta força de vontade e sólida base intelectual estariam à altura da tarefa pretendida.
      O espírita sabe que deve abster-se de comentar criticamente outras religiões, mas, quando parte relevante da própria comunidade espírita lamenta o alcance numericamente inferior de nossos eventos e iniciativas, sob a suposta tendência elitista, entendo válido o cotejo honesto e isento.
      É inquestionável que se devem manter acessíveis a todos os interessados os eventos e as iniciativas de nossa doutrina, oferecendo-os a um custo mínimo ou inexistente; entretanto, não seria surpresa se uma avaliação judiciosa apontasse que o espírita médio talvez "gaste" menos do que os irmãos de outras denominações, muitas vezes às voltas com contribuições pouco espontâneas como dízimos e similares.
      Se for válida essa possibilidade, certamente deveríamos buscar em outros fatores os motivos para a expansão relativamente dosada, conquanto segura, do Espiritismo junto à população brasileira.
      Assim, enquanto irmãos de outra fé prometem a solução de todos os problemas de seus adeptos, por meio da oração, pondo tudo “nas mãos de Deus”, o Espiritismo conclama a atitudes por vezes difíceis, quando não “antipáticas”, como esforço, abnegação, resignação, paciência, caridade, tolerância, propondo o resultado positivo como mérito de cada um.
      Alguns prometem o paraíso para os que seguirem as suas palavras, e a nossa doutrina desvela a lei da evolução constante, pelo trabalho incansável e pela prática cristã incondicional.
      Em várias organizações, o cumprimento de regulamentos e objetivos confunde-se com procedimentos empresariais, a tal ponto que aos mais destacados é oferecida a possibilidade de carreira ascendente no âmbito administrativo e doutrinário; a seara terrena de espiritualização cristã não estabelece dogmas ou restrições pessoais, não mantém clero profissional e nem busca qualquer destaque econômico, social ou político, afastando-se completamente de toda tendência corporativista.
      Em suma, ninguém vive do Espiritismo, mas para ele. 
      Outros predizem o iminente retorno de Jesus, ou a subida até ele, para salvar os bons e condenar os maus a penas intermináveis; o Espiritismo mostra-nos que já estamos na vida eterna, que se tornará cada vez melhor, conforme aproveitemos as incontáveis oportunidades de expiação e reerguimento.
      Existem ainda irmãos, em infeliz e renitente desconhecimento, que enxergam demônios em todos os problemas que não conseguem explicar; nossa doutrina ensina que são, todos eles – esses irmãos e os “demônios” –, filhos do mesmo Pai Criador, que os ama da mesma forma que a nós todos, o que manda que também os amemos e procuremos aliviar-lhes as dores da ignorância.
      Muitos invertem o ditame bíblico e criam um Deus à sua própria imagem e semelhança, em antropomorfismo extremo e conveniente, idealizando um ente supostamente supremo, embora sujeito às emoções humanas, que se compraz com rituais e bajulações, mas é também ciumento e vingativo; o Espiritismo explica o Criador no grau absoluto das virtudes.
      A maioria coloca a Bíblia num pedestal, sempre merecido, porém a interpretação de muitos irmãos é superficial, atém-se ao significado literal de palavras e expressões que são a tradução, “em quarta ou quinta mão”, de idéias expressas há milênios em línguas desaparecidas, como o aramaico, ou completamente modificadas, como o grego e o hebraico.
      O Espiritismo mantém a Bíblia em seu patamar de honra inigualável, e a respeita explicando seus ensinamentos em livros insuperáveis e profundos; não se limita à catequese, mas chega a obras sublimes e complexas como A Gênese, cuja compreensão exige prodígios de dedicação, raciocínio e estudo.
      Sempre será possível argumentar que há muitos seres desprovidos de cultura formal, pouco dados à leitura, que, ainda assim, são praticantes fiéis das verdade evangélicas, porém são reconhecidamente poucos, já vieram a este mundo com a sabedoria inata, provinda de sacrificantes existências anteriores, e exercem a moralidade de modo natural e irresistível.
      Contudo, à parte desses aparentes privilegiados, a maioria de nós precisa assimilar a ética cristã pela maneira mais direta e penosa, compulsando livros e exemplos, para que o conhecimento moral que nos falta seja paulatina e lentamente adquirido e venha a fazer parte de nossa natureza intrínseca.
      O Espiritismo oferece o caminho natural para a futura felicidade crística, sem saltos ou milagres, sem receitas infalíveis, mas propõe-se a ajudar o ser verdadeiramente interessado a superar obstáculos por seus próprios méritos.
      A conseqüência inevitável é que o espírita fica muito exigente consigo mesmo, pois o Espiritismo lhe evidencia que esse é o único caminho, expondo uma verdade que não se tornará popular muito rapidamente para a nossa humanidade, ainda em busca de panacéias para as suas dificuldades, estando mais propensa a acompanhar quem as ofereça.
      A compreensão das verdades eternas – que não são espíritas, são divinas – será um processo gradativo em função das limitações do ser encarnado, e será acelerada à medida que a humanidade se aprimore moral e intelectualmente.
      Retornamos, assim, ao raciocínio inicial: o estudo e a prática do Cristianismo redivivo exigem raciocínio, dedicação e preparo cultural - no mínimo, a disposição para implementá-lo - de irmãos já acostumados a exercer essas capacidades.  Esses são encontráveis em todos os estratos da população, mas é inegável que alguns grupos sociais usufruem facilidades que ainda faltam a outros, e não há motivos para preverem-se melhoras radicais em médio prazo, pois a ação de quem detém os meios e o dever de mitigar as diferenças ainda é incipiente.     
      Porém, não desanimemos, porque alguém já disse que a verdade não precisa de defensores, precisa de praticantes.
      Por isso, se nós, espíritas, estamos convictos do acerto de nossa opção, prossigamos, transmitindo o que aprendemos a quem quiser ouvir, seja uma praça repleta, um auditório lotado ou uma sala singela; o aprendiz sincero sempre saberá onde buscar o professor, a fonte estará sempre ao alcance dos que deploram a sede.
      Mais importante que o emprego maciço dos meios de comunicação é o atendimento às necessidades materiais e espirituais de tantos desfavorecidos da sorte terrena; o nosso investimento preferencial tem que privilegiar o espírito encarnado, sendo secundário o emprego dos recursos tecnológicos de informação, que podem e devem ser utilizados, mas em prioridade menor que a missão da caridade. 
      O Espiritismo não precisa preocupar-se com a inferioridade numérica de seus correligionários, nem com o crescimento pouco acelerado de seus praticantes em relação a outras denominações religiosas; sustenta-o, infalível, a harmonia indissolúvel de sua doutrina religiosa, filosófica e científica.
      O espírito competitivo, para arrebanhar prosélitos e colaboradores, é absolutamente incompatível a qualquer religião que pretenda o progresso moral da humanidade; os espíritas sinceros, genuinamente preocupados com a consolidação terrena de nossa doutrina, precisam observar os bons exemplos, em nossa seara e também em outras organizações, assumindo aqueles que incentivam a prática da virtude maior da caridade.
      Os espíritas devem, sim e sempre, observar criticamente a si mesmos, para que exercitem, no limite de sua capacidade, o mandato de amor que o Mestre Divino outorgou a todos que desejarem segui-lo.
O comportamento correto, a caridade incondicional e a fraternidade indiscriminada constituem a melhor divulgação de nossa doutrina, que chegará, a seu tempo, a todas as mentes sensíveis à sua evocação de paz e felicidade.
Sergio de Jesus Rossi

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