ESPIRITISMO, DOUTRINA DE PRÁTICAS DEMONÍACAS ?
Historicamente, quando o homem era, fisicamente, parecido com os primatas, suas manifestações de religiosidade eram as mais bizarras, até que, transcorridos os anos, no mistério dos séculos, surgem os primeiros organizadores do pensamento religioso que, de acordo com a mentalidade geral, não conseguiram escapar das concepções de ferocidade, que caracterizavam aqueles seres egressos do egoísmo animalesco da irracionalidade. O homem foi levado a crer que os sacrifícios humanos poderiam agradar a Deus, primeiramente, por não compreenderem Deus como sendo a fonte da bondade. Os povos primitivos e politeístas adoravam os deuses através de oferendas, cultos, rituais que, geralmente, comportavam sacrifícios de animais ou de seres humanos. Como nos esclarece a questão 669, de O Livro dos Espíritos, "Nos povos primitivos, a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral ainda não se acha desenvolvido. Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os levou a imolarem, primeiro animais e, mais tarde, homens." (2) De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima.
Veio-nos à memória triste lembrança quando, no mês de outubro de 1890, foi promulgado o Código Penal da República, que, maldosamente, associa a prática do Espiritismo aos rituais de magia e adivinhações. O texto dizia o seguinte, no Artigo 157: "É crime praticar o Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancia (...), inculcar curas de moléstias (...) e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão celular de 1 a 6 meses e multa de 100 a 500 $". Os espíritas reclamaram com Campos Sales, Ministro da Justiça da época, mas nada adiantou. O relator do Código, João Batista Pinheiro, limitou-se a dizer que o texto se referia à prática do "baixo" Espiritismo, como se existissem dois Espiritismos. Na verdade, os republicanos utilizaram os espíritas como bodes expiatórios para diminuir a oposição católica ao novo regime, causada pelo desatrelamento entre a Igreja e o Estado. Como consequência do Código, vários companheiros foram presos em 1891, no Rio de Janeiro. Preocupado com possíveis focos de resistência ao regime, o Governo autorizou a polícia a invadir reuniões e residências à procura de opositores. Para evitar confusões, muitos centros decidiram fechar, temporariamente.
Alguns adeptos do cristianismo contemporâneo, por ignorância, ainda consideram o Espiritismo como doutrina de práticas demoníacas. Será que o Espiritismo, que hoje se expande no Brasil e no mundo, é a continuação da necromancia e do ocultismo praticados pelos povos antigos? Lamentavelmente, para tais cristãos, o Espiritismo é associado à bruxaria, à magia, à feitiçaria, etc. Fenômenos mediúnicos em suas múltiplas variáveis, da eficácia do passe e da água fluida, etc., são explicados como obra de Satanás (para os protestantes) ou do inconsciente (para "parapsicólogos" e/ou católicos).
O intercâmbio com os espíritos, no Espiritismo, é realizado por razões nobres que objetivam a consolação de quem se depara com a desencarnação de um ente querido; o auxílio ao espírito em estado de sofrimento, no além; o estudo da dinâmica da vida, na dimensão espiritual, e não para a satisfação dos interesses pessoais como "adivinhações" que podem estar sujeitas às brincadeiras de espíritos zombeteiros.
O objetivo de estudo da Doutrina Espírita é, justamente, tornar o sobrenatural ou oculto em natural e conhecido, dando fim a superstições e crendices. Portanto, não se trata de doutrina ocultista e, por conseqüência, primitiva. Ainda assim, muitos insistem em associar o Espiritismo às superstições. Nas práticas do Espiritismo, conforme os ensinamentos de Kardec e seus seguidores, não se fazem sacrifícios humanos, não se interrogam astros, adivinhos e magos para se informar de qualquer "revelação"; não se usam objetos, medalhas, talismãs, fórmulas sacramentais, e nem se escolhem lugares lúgubres e horários específicos para atrair ou afastar Espíritos.
A propósito, há alguma coisa de verdadeiro nos pactos com os maus Espíritos? Não há pacto com os maus Espíritos. Há, porém, pessoas más que simpatizam com os maus Espíritos e pedem a eles que pratiquem o mal, ficando, então, obrigados a servir, depois, a esses Espíritos, porque estes também precisam do seu auxílio. Nisso, apenas, é que consiste o pacto. É como explicam os Benfeitores: por exemplo - "queres atormentar o teu vizinho e não sabes como fazê-lo; chamas então os Espíritos inferiores que, como tu, só querem o mal; e para te ajudar querem também que os sirva com seus maus desígnios. Mas disso não se segue que o teu vizinho não possa se livrar deles, por uma conjuração contrária ou pela sua própria vontade".(3)
No trecho citado acima, o Benfeitor espiritual demonstra, de maneira muito clara, que é possível uma criatura evocar maus Espíritos para ajudá-la a causar mal a outra pessoa. Não há pactos, há formação de vínculos de simpatia. É a Lei da Sintonia. A resposta esclarece, ainda, que este ato pode ser realizado por uma sequência de procedimentos conhecidos como conjuração. Vai mais longe, dizendo que a pessoa, atingida pelo malefício, poderá se livrar dele, por uma vontade poderosa ou por uma conjuração contrária àquela que foi usada para fazê-lo. (4)
Quanto a associar Espiritismo à magia e à feitiçaria, é importante esclarecermos que, em todas as épocas, tem havido pessoas médiuns por natureza ou inconscientes que, por produzirem fenômenos insólitos e não compreendidos, são qualificadas de bruxos ou feiticeiros e acusadas de terem pacto com Satanás. Porém, basta comparar o poder atribuído aos feiticeiros com a faculdade dos médiuns propriamente ditos, para se estabelecer a diferença. Destarte, longe de ressuscitar a bruxaria, o Espiritismo a destruiu definitivamente, despojando-a de seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, despachos, amuletos e talismãs, reduzindo as suas devidas proporções os fenômenos possíveis e que, em verdade, não ultrapassam o âmbito das leis naturais. Isso, porque, "o Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações." (5)
Que todos saibam, de uma vez por todas, que o Espiritismo é uma doutrina, extremamente, séria e reprova, como o legítimo cristianismo também reprova, os falsos devotos e os excessos de fanatismo. Não é, pois, nem lógico, nem razoável, imputar ao Espiritismo, em geral, os abusos que até ele próprio condena, ou as faltas daqueles que não o compreendem. Antes de formular uma acusação, é preciso ver se ela se assenta justo. Espiritismo só faz o bem e é poderoso instrumento de moralização. Portanto, diremos: "A censura da Igreja cai sobre os charlatães, os exploradores, as práticas da magia e da feitiçaria; nisso ela tem razão. Quando a crítica religiosa e cética filtra os abusos e estigmatiza o charlatanismo, não faz melhor com isso que ressaltar a pureza da sã doutrina, que ajuda, assim, a se desembaraçar das más escórias; nisso, facilita a nossa tarefa. Seu erro está em confundir o bem e o mal, por ignorância na maioria, por má-fé em alguns; mas a distinção que ela não faz, outros a fazem. Em todos os casos, sua censura, à qual todo espírita sincero se associa no limite do que se aplica ao mal, não pode atingir a Doutrina", (6) até porque, a Doutrina Espírita é, genuinamente, cristã.
Jorge Hessen
E-Mail: jorgehessen@gmail.com
Site: http://jorgehessen.net
FONTES:
(1)O Burundi é um pequeno país interior da região dos Grande Lagos africanos.
(2)Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed. FEB, 1999, questão 669
(3)idem questão 549 -
(4)idem questão 553-a
(5)Kardec, Allan. O que é o Espiritismo, RJ: Ed. FEB, 1992
(6)Kardec, Allan. O Céu e o Inferno , RJ: Ed. FEB, 1999, I parte, Cap. X
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