O vírus da exaustão
Por Jane Maiolo |
A presença do covid-19 ou vírus SARS COV -2 revelou incontáveis chagas que a humanidade mascarou e encobriu ao longo dos anos, dentre elas: a desigualdade social, a instabilidade psíquica do homem contemporâneo, a banalização do mal, a polarização política que vivemos no dia a dia, a arena das desilusões e conflitos que se tornaram as redes sociais, a ganância do homem capitalista, o modelo político que à muito dá mostras de sua ruína e desprestígio, dentre outras.
Freud em Obras
completas, v.XVII diz que “o homem não é senhor na sua própria casa” afirmando
nossa pacifica condição de seduzidos e escravos dos padrões estabelecidos e
massificados pela nova ordem mundial que é a sociedade do consumo e do
desempenho. Ao mesmo tempo gritamos, bradamos pela liberdade de ser, fazer,
existir e realizar. Porém, o pensar parece uma ação que desejamos
terceirizar, permitindo o tempo todo que pensem por nós.
O vírus da exaustão, tomou conta do mundo, nós
consumimos em excesso, trabalhamos em excesso, nos aliciamos em excesso. Nos aprisionamos
a um comportamento sem reflexão. Entretanto, nos sentimos cansados, exauridos,
fracassados, falidos. Nos tornamos uma comunidade global que reproduz os mesmos
males, dores, aflições e sintomas, onde não existe mais limite entre público
e privado. Tornamo-nos públicos sem nos darmos conta que o teletrabalho,
o home Office, as videoconferências, o atendimento online, transformou-se num
vírus letal fazendo-nos servidores 24 horas. Respondemos WhatsApp
instantaneamente, participamos online em vários eventos, respondemos e-mail a
todo instante. O cérebro já não dissocia o que é trabalho, descanso ou lazer. Desde
o momento em que acordamos até a hora de dormir, o nosso cérebro permanece
atento e ligado no planejamento de ações e na elaboração de objetivos a serem
alcançados durante todo o . Estamos online 24 horas. Nossas ações executivas
não se desligam nunca.
Não estamos apenas cansados, não, o cansaço se resolve
com uma boa noite de sono. Estamos exaustos. A exaustão é permanente,
infindável, não podemos controlar, não sabemos quando terminará. Só teremos condições de avaliar esse período,
após sairmos dele. Tudo antes é precipitado e inconcluso.
As relações sociais presenciais eram redes de
proteção para implementar e proteger a saúde mental. Essa rede hoje é
inexistente. Adoecemos pelo contágio do vírus, pelo medo da convivência, pela
angústia, pela depressão, pela ansiedade, pelo afastamento social, pelo
desemprego, pelo luto. Mas o vírus não tem culpa. A dificuldade maior é nossa
em não desenvolver estratégias comportamentais que foram negligenciadas ao
longo dos anos, estratégias que poderiam nos manter vivos em todos os sentidos.
Talvez essa seja a oportunidade de repensar o modelo de proteção e a
preservação da vida humana em seus múltiplos aspectos e entender que toda vida
importa, todo trabalho importa, toda desigualdade deveria ser minimizada, já
que é impossível aniquila-la. A pouca atenção dada à saúde mental denuncia a
fragilidade e a ineficácia das políticas públicas de saúde. Estamos
escravos de jogos que nós mesmos engendramos. Pode ser que com a invasão do
vírus SARS COV-2, sejamos obrigados a viver um novo modelo de sociedade. Não a
sociedade da exaustão, porém, a sociedade da empatia, da justiça e da oportunidade
para todos.
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