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quinta-feira, 25 de março de 2021

O vírus da exaustão

Por Jane Maiolo


 
A presença do covid-19 ou vírus SARS COV -2 revelou incontáveis chagas que a humanidade mascarou e encobriu ao longo dos anos, dentre elas: a desigualdade social, a instabilidade psíquica do homem contemporâneo, a banalização do mal, a polarização política que vivemos no dia a dia, a arena das desilusões e conflitos que se tornaram as redes sociais, a ganância do homem capitalista, o modelo político que à muito dá mostras de sua ruína e desprestígio, dentre outras.

 Freud em Obras completas, v.XVII diz que “o homem não é senhor na sua própria casa” afirmando nossa pacifica condição de seduzidos e escravos dos padrões estabelecidos e massificados pela nova ordem mundial que é a sociedade do consumo e do desempenho. Ao mesmo tempo gritamos, bradamos pela liberdade de ser, fazer, existir e realizar. Porém, o pensar parece uma ação que desejamos terceirizar, permitindo o tempo todo que pensem por nós.

O vírus da exaustão, tomou conta do mundo, nós consumimos em excesso, trabalhamos em excesso, nos aliciamos em excesso. Nos aprisionamos a um comportamento sem reflexão. Entretanto, nos sentimos cansados, exauridos, fracassados, falidos. Nos tornamos uma comunidade global que reproduz os mesmos males, dores, aflições e sintomas, onde não existe mais limite entre público e privado. Tornamo-nos públicos sem nos darmos conta que o teletrabalho, o home Office, as videoconferências, o atendimento online, transformou-se num vírus letal fazendo-nos servidores 24 horas. Respondemos WhatsApp instantaneamente, participamos online em vários eventos, respondemos e-mail a todo instante. O cérebro já não dissocia o que é trabalho, descanso ou lazer. Desde o momento em que acordamos até a hora de dormir, o nosso cérebro permanece atento e ligado no planejamento de ações e na elaboração de objetivos a serem alcançados durante todo o . Estamos online 24 horas. Nossas ações executivas não se desligam nunca.

Não estamos apenas cansados, não, o cansaço se resolve com uma boa noite de sono. Estamos exaustos. A exaustão é permanente, infindável, não podemos controlar, não sabemos quando terminará.  Só teremos condições de avaliar esse período, após sairmos dele. Tudo antes é precipitado e inconcluso.

As relações sociais presenciais eram redes de proteção para implementar e proteger a saúde mental. Essa rede hoje é inexistente. Adoecemos pelo contágio do vírus, pelo medo da convivência, pela angústia, pela depressão, pela ansiedade, pelo afastamento social, pelo desemprego, pelo luto. Mas o vírus não tem culpa. A dificuldade maior é nossa em não desenvolver estratégias comportamentais que foram negligenciadas ao longo dos anos, estratégias que poderiam nos manter vivos em todos os sentidos. Talvez essa seja a oportunidade de repensar o modelo de proteção e a preservação da vida humana em seus múltiplos aspectos e entender que toda vida importa, todo trabalho importa, toda desigualdade deveria ser minimizada, já que é impossível aniquila-la. A pouca atenção dada à saúde mental denuncia a fragilidade e a ineficácia das políticas públicas de saúde. Estamos escravos de jogos que nós mesmos engendramos. Pode ser que com a invasão do vírus SARS COV-2, sejamos obrigados a viver um novo modelo de sociedade. Não a sociedade da exaustão, porém, a sociedade da empatia, da justiça e da oportunidade para todos.


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