É inegável que existem
eventos que dificultam imensamente, de modo quase proibitivo, a participação dos segmentos menos favorecidos socialmente.
Entretanto, creio, em
humilde e falível opinião, que não procedem, a partir do perfil
majoritário de nossos confrades, determinadas constatações que tendem a
apontar um caráter elitista, e até mesmo racista, no conjunto dos irmãos
espíritas do Brasil.
Eu já lera conclusão similar
em outras fontes, envolvendo a nossa seara, e também outros aspectos da
vida nacional, em que a população “branca” predomina, coincidindo com
as camadas com poder aquisitivo e acesso à educação.
As aspas são devidas à
virtual impossibilidade de classificar etnicamente grande parte das
pessoas de um país onde a miscigenação é a regra, não a exceção, como
ocorre no hemisfério norte; a quase totalidade das famílias é resultado,
em nível variado, da colaboração de irmãos das
mais diversas procedências.
Nada existe de casual
no cenário desairoso que historicamente tem relegado grande parcela da
população negra aos patamares inferiores da sociedade, uma vez que
vieram de condições desumanas, de vileza inenarrável, e não receberam
qualquer amparo oficial ao adentrarem o mercado
de trabalho; porém, independentemente da origem étnica, a verdade é que
a educação e o preparo profissional de qualidade sempre estiveram
distantes de quem não pudesse pagar por eles.
Essa omissão, criminosa,
continuará com o sistema de cotas raciais e, pior ainda, com a intenção
de privilegiar os egressos do ensino público, o que trará para o nível
superior as mesmas distorções já conhecidas, que apenas manterão o
abismo entre as categorias de renda, com o agravante
de o governo alegar, sordidamente, que procura diminuir as diferenças;
não o faz realmente, porque teria que ensinar a pescar, mas prefere
distribuir pequenos peixes que alimentarão somente o descontentamento e o
revanchismo.
O perfil social do espírita
brasileiro é apenas conseqüência desse círculo que sempre foi inercial e tende a se tornar vicioso.
Colaboram também as características
de nossa doutrina, que exige o constante aprimoramento pessoal,
motivando o adepto sincero a se manter como estudante dedicado em tempo
integral, no esforço, que certamente durará muitas existências, de
compreender e praticar os ensinamentos de Jesus.
Não é, absolutamente,
tarefa a que devam arrojar-se aqueles que pretendam resultados imediatos e superficiais.
Muitos irmãos têm os primeiros
contatos com a nossa doutrina na hora da necessidade ainda não atendida
por outras vertentes científicas – incluindo a medicina, normalmente
dominante –, filosóficas ou religiosas; são bem recebidos, recebem
orientação, consolação, esperança e começam, de
algum modo, a conhecer os fundamentos espíritas.
Quase sempre, as leituras
iniciais consistem em romances e narrativas vazadas em textos simples e
diretos, corretas sob o aspecto doutrinário, mas insuficientes para o
constante aprimoramento pessoal, que é uma lei irrenunciável do
Espiritismo; raramente, o novato adentra os ensinamentos
insubstituíveis das obras obrigatórias para a dedicação efetiva às
verdades espirituais, que começariam pelo Evangelho Segundo o
Espiritismo.
Muitos sequer atingem
esse patamar, optando pela acomodação inadvertida, situação bem mais
confortável que o estudo das complexidades conceituais da verdadeira
postura cristã; limitam-se, no mais das vezes, ao comparecimento
semanal, se tanto, a palestras para receberem o passe
que os “sustentará” por algum tempo.
Porém, o fator decisivo
para a inércia, ou mesmo abandono, é a “exigência” da fé viva,
patrocinada pela prática concreta dos ensinamentos cristãos,
refletindo-se no cumprimento da assertiva de Kardec de propugnar a
reforma íntima como a única prova indiscutível de aceitação do
Espiritismo.
Considere-se ainda o grau
de comprometimento e, principalmente, de esforço individual
indispensáveis para o bom termo de estudos essenciais, como o ESDE e o
ESLE, e concluiremos que somente irmãos dotados de robusta força de
vontade e sólida base intelectual estariam à altura da tarefa
pretendida.
O espírita sabe que deve
abster-se de comentar criticamente outras religiões, mas, quando parte
relevante da própria comunidade espírita lamenta o alcance numericamente
inferior de nossos eventos e iniciativas, sob a suposta tendência
elitista, entendo válido o cotejo honesto e isento.
É inquestionável que se
devem manter acessíveis a todos os interessados os eventos e as
iniciativas de nossa doutrina, oferecendo-os a um custo mínimo ou
inexistente; entretanto, não seria surpresa se uma avaliação judiciosa
apontasse que o espírita médio talvez "gaste" menos do
que os irmãos de outras denominações, muitas vezes às voltas com
contribuições pouco espontâneas como dízimos e similares.
Se for válida essa possibilidade,
certamente deveríamos buscar em outros fatores os motivos para a
expansão relativamente dosada, conquanto segura, do Espiritismo junto à
população brasileira.
Assim, enquanto irmãos
de outra fé prometem a solução de todos os problemas de seus adeptos,
por meio da oração, pondo tudo “nas mãos de Deus”, o Espiritismo
conclama a atitudes por vezes difíceis, quando não “antipáticas”, como
esforço, abnegação, resignação, paciência, caridade,
tolerância, propondo o resultado positivo como mérito de cada um.
Alguns prometem o paraíso
para os que seguirem as suas palavras, e a nossa doutrina desvela a lei
da evolução constante, pelo trabalho incansável e pela prática cristã
incondicional.
Em várias organizações,
o cumprimento de regulamentos e objetivos confunde-se com procedimentos
empresariais, a tal ponto que aos mais destacados é oferecida a
possibilidade de carreira ascendente no âmbito administrativo e
doutrinário; a seara terrena de espiritualização cristã
não estabelece dogmas ou restrições pessoais, não mantém clero
profissional e nem busca qualquer destaque econômico, social ou
político, afastando-se completamente de toda tendência corporativista.
Em suma, ninguém vive
do Espiritismo, mas para ele.
Outros predizem o iminente
retorno de Jesus, ou a subida até ele, para salvar os bons e condenar
os maus a penas intermináveis; o Espiritismo mostra-nos que já estamos
na vida eterna, que se tornará cada vez melhor, conforme aproveitemos as
incontáveis oportunidades de expiação e reerguimento.
Existem ainda irmãos,
em infeliz e renitente desconhecimento, que enxergam demônios em todos
os problemas que não conseguem explicar; nossa doutrina ensina que são,
todos eles – esses irmãos e os “demônios” –, filhos do mesmo Pai
Criador, que os ama da mesma forma que a nós todos,
o que manda que também os amemos e procuremos aliviar-lhes as dores da
ignorância.
Muitos invertem o ditame
bíblico e criam um Deus à sua própria imagem e semelhança, em
antropomorfismo extremo e conveniente, idealizando um ente supostamente
supremo, embora sujeito às emoções humanas, que se compraz com rituais e
bajulações, mas é também ciumento e vingativo; o
Espiritismo explica o Criador no grau absoluto das virtudes.
A maioria coloca a Bíblia
num pedestal, sempre merecido, porém a interpretação de muitos irmãos é
superficial, atém-se ao significado literal de palavras e expressões
que são a tradução, “em quarta ou quinta mão”, de idéias expressas há
milênios em línguas desaparecidas, como o aramaico,
ou completamente modificadas, como o grego e o hebraico.
O Espiritismo mantém a
Bíblia em seu patamar de honra inigualável, e a respeita explicando
seus ensinamentos em livros insuperáveis e profundos; não se limita à
catequese, mas chega a obras sublimes e complexas como A Gênese, cuja
compreensão exige prodígios de dedicação, raciocínio
e estudo.
Sempre será possível argumentar
que há muitos seres desprovidos de cultura formal, pouco dados à
leitura, que, ainda assim, são praticantes fiéis das verdade
evangélicas, porém são reconhecidamente poucos, já vieram a este mundo
com a sabedoria inata, provinda de sacrificantes existências
anteriores, e exercem a moralidade de modo natural e irresistível.
Contudo, à parte desses
aparentes privilegiados, a maioria de nós precisa assimilar a ética
cristã pela maneira mais direta e penosa, compulsando livros e exemplos,
para que o conhecimento moral que nos falta seja paulatina e lentamente
adquirido e venha a fazer parte de nossa natureza
intrínseca.
O Espiritismo oferece
o caminho natural para a futura felicidade crística, sem saltos ou
milagres, sem receitas infalíveis, mas propõe-se a ajudar o ser
verdadeiramente interessado a superar obstáculos por seus próprios
méritos.
A conseqüência inevitável
é que o espírita fica muito exigente consigo mesmo, pois o Espiritismo
lhe evidencia que esse é o único caminho, expondo uma verdade que não se
tornará popular muito rapidamente para a nossa humanidade, ainda em
busca de panacéias para as suas dificuldades,
estando mais propensa a acompanhar quem as ofereça.
A compreensão das verdades
eternas – que não são espíritas, são divinas – será um processo
gradativo em função das limitações do ser encarnado, e será acelerada à
medida que a humanidade se aprimore moral e intelectualmente.
Retornamos, assim, ao
raciocínio inicial: o estudo e a prática do Cristianismo redivivo
exigem raciocínio, dedicação e preparo cultural - no mínimo, a
disposição para implementá-lo - de irmãos já acostumados a exercer essas
capacidades. Esses são encontráveis em todos os estratos
da população, mas é inegável que alguns grupos sociais usufruem
facilidades que ainda faltam a outros, e não há motivos para preverem-se
melhoras radicais em médio prazo, pois a ação de quem detém os meios e o
dever de mitigar as diferenças ainda é incipiente.
Porém, não desanimemos,
porque alguém já disse que a verdade não precisa de defensores, precisa de praticantes.
Por isso, se nós, espíritas,
estamos convictos do acerto de nossa opção, prossigamos, transmitindo o
que aprendemos a quem quiser ouvir, seja uma praça repleta, um
auditório lotado ou uma sala singela; o aprendiz sincero sempre saberá
onde buscar o professor, a fonte estará sempre ao
alcance dos que deploram a sede.
Mais importante que o
emprego maciço dos meios de comunicação é o atendimento às necessidades
materiais e espirituais de tantos desfavorecidos da sorte terrena; o
nosso investimento preferencial tem que privilegiar o espírito
encarnado, sendo secundário o emprego dos recursos tecnológicos
de informação, que podem e devem ser utilizados, mas em prioridade
menor que a missão da caridade.
O Espiritismo não precisa
preocupar-se com a inferioridade numérica de seus correligionários, nem
com o crescimento pouco acelerado de seus praticantes em relação a
outras denominações religiosas; sustenta-o, infalível, a harmonia
indissolúvel de sua doutrina religiosa, filosófica
e científica.
O espírito competitivo,
para arrebanhar prosélitos e colaboradores, é absolutamente
incompatível a qualquer religião que pretenda o progresso moral da
humanidade; os espíritas sinceros, genuinamente preocupados com a
consolidação terrena de nossa doutrina, precisam observar os bons
exemplos, em nossa seara e também em outras organizações, assumindo
aqueles que incentivam a prática da virtude maior da caridade.
Os espíritas devem, sim
e sempre, observar criticamente a si mesmos, para que exercitem, no
limite de sua capacidade, o mandato de amor que o Mestre Divino outorgou
a todos que desejarem segui-lo.
O comportamento correto, a caridade incondicional e a fraternidade indiscriminada constituem a melhor divulgação
de nossa doutrina, que chegará, a seu tempo, a todas as mentes sensíveis à sua evocação de paz e felicidade.