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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

CARTA DE UM MÉDICO À PRESIDENTE



Sra. Dilma Rousseff, tudo bem? Pelo que a senhora tem dito, está tudo bem, sim! Pude observar por fotos sua boa aparência enquanto visitava hoje pela manhã a cidade em que eu moro: Catanduva, aqui no interior de São Paulo. Porém, nós brasileiros não estamos tão bem quanto a senhora!

Desculpe-me não poder aplaudi-la hoje. Eu estava trabalhando, como sempre. A propósito, é isso que os brasileiros mais fazem para tentar consertar o seu desgoverno. Confesso, adoro trabalhar. Isso não é problema para mim. Porém, trabalhar sem perspectivas de mudança e melhoria, isso me incomoda. Cansamos de improvisar para resolver os desatinos do seu governo. Quem gosta de dar um jeitinho em tudo, são vocês aí de cima; nós, médicos, cansamos!

A senhora veio até a nossa cidade e “exigiu” um leito de UTI reservado apenas para atender um eventual problema. Senhora presidente, nossos pacientes que vivem à espera de um leito, às vezes até morrem aguardando, como ficam? A senhora deveria dar o exemplo: primeiro, como cidadã que se preocupa com seus pares, cedendo sua vaga para aqueles que realmente precisam; segundo, como autoridade, indicando a postura a ser seguida. Agindo como fez, reiterou o caos que se encontra a saúde pública desse país. Até a senhora precisa reservar leito, tamanha dificuldade de vagas! 

Mas fique tranquila, caso sofresse algum mal súbito ou algum atentado contra sua saúde, atenderíamos a senhora com muito prazer. Porém, se precisasse de vaga de UTI, deveria aguardar na emergência até surgir um leito. Poderia demorar dias, até semanas. Aliás, é assim que funciona. A senhora não sabia? Passe uns dias aqui conosco para averiguar. Venha sentir o ambiente da emergência e das enfermarias. Quem sabe isso desperte compaixão perante o povo sofrido que cuidamos incessantemente. 

Como se não bastasse, exigiu reserva de um leito na enfermaria. Precisamos muito do espaço que a senhora solicitou. No hospital de nossa cidade atendemos outras 19 cidades circunvizinhas que encaminham seus pacientes para cá. Nossa emergência vive lotada, os corredores contêm macas por todos os lados. Alguns pacientes aguardam dias até surgir uma vaga na enfermaria. Por que a senhora quer um leito reservado?

Convém recordar que a senhora é representante do povo, todos pagam impostos expressivos sobre o salário e todos os bens e serviços. Vale destacar que a senhora é o funcionário que mais dá prejuízo nesse país. Basta olhar os noticiários do Brasil e do mundo.

Notei barulho de vários helicópteros. Desculpe, não tive tempo de olhar pela janela para ver como eram. Cabe informar que seu transporte muito confortável poderia estar sendo utilizado para salvar vidas. Aqui em nossa região temos inúmeras estradas vicinais. Os acidentes são constantes e inúmeros óbitos são registrados. Já que melhorar as estradas não é possível, pelo menos nos dê condições de atender as vítimas com agilidade. 

A cidade referência de nossa região, São José do Rio Preto, precisa ainda mais de um helicóptero como o seu. Faça um favor, ande de carro. Seja humilde, assim como seu povo é. Bem como o papa Francisco foi, quando visitou o Brasil. Assim conhecerá melhor as estradas do Brasil sob o seu desgoverno e dará exemplo de dignidade.

Como se não fosse suficiente toda a reserva no hospital tirando leito de quem precisa, ainda solicitou que três viaturas do SAMU estivessem ao seu dispor. Senhora presidente, trabalho no SAMU há seis anos. Conheço muito bem as necessidades e prioridades desse serviço. Cobrimos, 24 horas por dia, 19 cidades. Muitas vezes precisamos de suporte de mais viaturas para atender ocorrências com inúmeras vítimas, porém não temos disponível, nem profissionais.

Observe, atendemos cerca de 500 mil habitantes em nossa região, com apenas um médico disponível do SAMU para socorrer! Agora, a senhora vem aqui nos visitar e exige um médico apenas para a senhora? Faça-me o favor, senhora presidente! Estamos sobrecarregados e ainda a senhora vem tumultuar nosso ambiente?

Além de tudo, veio acompanhada de três médicos, exaustivamente acompanhando a senhora, inclusive com desfibrilador a postos. Saiba que Catanduva, SP, tem médicos competentes o suficiente para atendê-la em caso de necessidade. Tenha certeza que será muito bem atendida, enfrentamos bem situações adversas.

Aliás, a senhora solicitou que uma sala cirúrgica estivesse livre e desocupada, ao seu dispor. Não sei se a senhora não sabe, mas precisamos de mais salas cirúrgicas para atender toda a demanda de pacientes. Não raramente, precisamos priorizar quem operamos. Alguns precisam aguardar a sala cirúrgica ser desocupada para ser operados. Às vezes, não dá tempo… Ora, a senhora quer uma disponível exclusivamente para uma eventual cirurgia? Pergunto: e o José, a Maria e o João? A vida deles é menos importante que a sua? 

E a segurança? Além dos seus inúmeros seguranças particulares, a senhora mobilizou nosso contingente para resguardar sua integridade. Cerca de 50 policiais à sua disposição, além de viaturas. Ora, e a segurança da nossa população? Somos 115 mil habitantes e precisamos de mais segurança. Atendemos baleados, esfaqueados e agredidos com frequência em nosso serviço. Muitos deles precisam do espaço que a senhora reservou para seu “eventual” atentado.

Enfim, senhora Dilma, desculpe-me alongar. São tantas as dores que guardamos no coração… Vê-la dissimuladamente festejar entrega de casas populares dá-nos náuseas. Não estamos de brincadeira, senhora, queremos respeito com nosso suor. Exigimos que nos represente com honestidade e cuide de nossa população, ainda mais dos que precisam de condições mínimas de saúde. 

Não me venha dizer que não sabia de nada dos desvios do seu governo e que não tinha conhecimento do comportamento delituoso das pessoas com quem estava se envolvendo. Agora responda por suas ações (e pela ausência delas!), cumpra com seus deveres e ao menos conserte o estrago feito. 

Não temos que agradecer nada que a senhora fez, pois não fez mais do que a obrigação. O dinheiro é nosso, a cidade é movida pelo nosso empenho. O povo é seu patrão! Portanto, da próxima vez, nem venha. Trabalhe! Busque soluções concretas para o poço sem fundo que o país está. Rápido, antes que nosso Brasil vire pó.

Agora, pergunto: 

Sra. Dilma, a que veio?

Da próxima vez, peça licença.

Chega, estamos cansados!

— Dr. Cacciari

domingo, 30 de agosto de 2015

ROUSTAING: A CISÃO NO INTERIOR DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA (1920 – 1922).”


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Pedro Paulo Amorim

O movimento espírita brasileiro empenha-se pela coesão de sua doutrina e afiliados. Porém desde o início do século XX vem editando incessantemente o livro “Os Quatro Evangelhos” de J. B. Roustaing (1805 – 1879) foco de grande controvérsia desde o seu lançamento em 1866 em Paris – França. Desta forma, desejo entender as razões pelas quais a Federação Espírita Brasileira (FEB) ainda mantém e divulga as edições da obra que tantos problemas trouxe à coesão do espiritismo desde o seu lançamento. Nesta comunicação procurarei evidenciar apenas uma parte de minha pesquisa, onde enfocarei as influências da doutrina Roustanguista em Santa Catarina desde meados do século XX até os nossos dias. 

Início com um breve relato sobre os primórdios da Doutrina Espírita ou Espiritismo como é mais conhecido. Podemos datar o surgimento do Espiritismo Moderno em 28 de março de 1848 em Hydesville (Estado de Nova York – EUA) na residência dos Fox 1. A família compunha-se de John Fox, sua esposa e três filhas, Leah, Margareth e Kate, as quais contavam com 23, 15 e 12 anos respectivamente. Os Fox eram membros atuantes da comunidade da Igreja Presbiteriana, na qual gozavam da mais alta reputação, considerados incapazes de constituírem fraudes a fim de proporcionar autopromoção 2. 

A partir deste dia iniciou-se uma série de fenômenos ditos estranhos, como por exemplo, uma série de barulhos bizarros nas paredes e no teto do quarto das meninas assustando-as. A casa já possuía, há algum tempo, a fama de mal-assombrada desde a época dos seus últimos ocupantes os Weekmans 3. Na noite de 31 de março de 1848, os fenômenos repetiram-se mais uma vez, sendo que nesta noite Kate, a filha mais nova, passou a imitar as pancadas e a travar um “diálogo” com o comunicante invisível e, através de um acordo, pode-se travar uma comunicação inteligente. 

Vários vizinhos foram chamados para observarem o fenômeno e interagir com ele. Perguntas foram feitas e respondidas através deste método 4. As irmãs Fox, como ficaram conhecidas, viajaram, mudaram de casa e os fenômenos continuaram a se reproduzirem por aonde iam. Devido à integridade e respeitabilidade dos Fox, estes fenômenos ficaram conhecidos por todo os Estados Unidos e em seguida atingiram a Europa 5. A seguir, um outro fenômeno que ficou conhecido pelo nome de mesas girantes 6 ou falantes, tornou-se uma verdadeira epidemia mundo a fora.

Os jornais da Europa e dos EUA, da época, retrataram seguidamente o grande divertimento dos salões, desde os mais humildes até os mais célebres e refinados de Paris, Londres, São Petersburgo, Nova York e outros. O fenômeno era considerado mero passatempo pela maioria das pessoas e cientistas, porém, alguns outros, dentre eles, o físico inglês Faraday, observou além das aparências os fenômenos das mesas, entendendo-os como resultado da ação de um fluido magnético ou elétrico ou de outra natureza qualquer. Este fenômeno foi o responsável pela aproximação de Allan Kardec com o espiritualismo, na forma de um cientista de caráter eminentemente positivo 7. 

Hippolyte Leon Denizart Rivail, mais conhecido pelo pseudônimo Allan Kardec, nasceu em Lion, a 3 de outubro de 1804, de uma família antiga e católica, a qual se notabilizou na magistratura e na advocacia. Desde a juventude, sentiu-se inclinado ao estudo das ciências e da filosofia. Com dez anos foi enviado, por seus pais, para ser educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Suíça), tornando-se um dos mais eminentes discípulos desse célebre professor e um dos principais divulgadores do seu sistema de educação, que tão grande influência exerceu sobre a reforma do ensino na França e na Alemanha 8.

Ao voltar para França, por volta de 1822, erradicou-se em Paris. Profundo conhecedor da língua alemã e inglesa fez diversas traduções para estes idiomas e em dezembro de 1823 lançou seu primeiro livro de cunho pedagógico: Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método Pestalozzi, para uso dos professores e das mães de família 9. Em 1825, fundou e dirigiu a Escola de Primeiro Grau, seu primeiro estabelecimento de ensino em Paris. Já em 1826, fundou a Instituição Rivail também em Paris, a qual funcionava segundo o método desenvolvido por Pestalozzi 10, com algumas modificações, funcionando até 183411. Em 1832 casou-se com a professora Amélie Gabrielle Boudet, sua colaboradora na instituição 12. 

Foi membro da Academia Real de Arras, onde, em 1831, foi premiado pela notável Memória sobre a educação pública a respeita da seguinte questão: Qual o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidades da época? 13. Além dos já mencionados, Rivail publicou diversas obras sobre educação, entre elas as seguintes: Plano proposto para melhoramento da educação pública (1828), Gramática francesa clássica sob um novo prisma (1831), Manual dos exames para os títulos de capacidade; Soluções racionais das questões e problemas de Aritmética e de Geometria (1846), Catecismo gramatical da língua francesa (1848), Programa dos cursos usuais de Química, Física, Astronomia, Fisiologia, Ditados normais dos exames da Municipalidade e da Sorbone, Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas (1849), até recentemente editada. Durante trinta anos, de 1819 a 1850, o professor Rivail empenhou-se de forma contundente, completa na vida de educador 14.

Em maio de 1855, Allan Kardec teve seu primeiro contato com o fenômeno das mesas girantes, ficou muito impressionado com os fatos e pela maneira como foram feitos, sem deixarem margem a ilusões e engodos. A partir daí, realizou profundas observações sobre este e outros fenômenos, chegando, assim, aos princípios e leis naturais que regem as relações entre o mundo visível e o mundo invisível 15. As principais obras de Kardec a respeito do Espiritismo são: O Livro dos Espíritos, referente à parte filosófica (1857); O Livro dos Médiuns, relativo à parte científica (1861); O Evangelho segundo o Espiritismo, relativo à parte moral (1864); O Céu e o Inferno, ou A justiça de Deus segundo o Espiritismo (1865); A Gênese, Os Milagres e as Predições de (1868); A Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, periódico mensal começado a 1º de janeiro de 1858. Podemos dizer que a fundação do Espiritismo deu-se com a publicação de O  Livro dos Espírito.

O método de Pestalozzi apregoava que o desenvolvimento é orgânico, onde a criança desenvolve-se por leis definidas, gradativamente seguindo a natureza, dando grande importância à impressão sensorial. Para maiores informações ver <http://www.centrorefeducacional.com.br/pestal.html>. Acessado em 20/12/2006 às 12:20. Livro dos Espíritos, visto que, até então, existiam apenas escritos dispersos sobre o tema. Allan Kardec faleceu em 31 de março de 1869, vítima de um aneurisma cerebral deixando inúmeras obras inacabadas ou ainda sem publicação 16. 

Jean-Baptiste Roustaing nasceu em 15 de outubro de 1805 em Sègles, França, oriundo de família muito pobre, teve uma juventude cheia de dificuldades. Começou a trabalhar cedo para poder financiar seus estudos 17. Entre 1823/26, tornou-se professor de Literatura, Ciências e Filosofia em Toulouse, onde residia. Com o dinheiro que conseguia com as aulas pagou seus estudos das leis e do Direito18. Em 1830 ingressou na advocacia, alguns anos depois, voltou para Bordeaux.

Entre 1848 e 1849, tornou-se Bastonário (presidente) da Ordem dos Advogados de Bordeaux, aos 42 anos, com grande prestígio e realizado economicamente19. Em 1853, como quase todos na Europa, tomou contato com fenômenos das “mesas girantes e dançantes”, uma vez que em Bordeaux ocorreram diversos casos. A sua primeira impressão é de incredulidade 20. Entre os anos de 1858/61 foi vítima de uma longa enfermidade, no início deste último ano Roustaing volta à advocacia e decide se informar sobre os fenômenos citados através do estudo, exame, observação e experimentação.

Primeiramente lê O Livro dos Espíritos, depois O Livro dos Médiuns, a seguir pesquisa na história desde a Antiguidade até os seus dias como os diversos povos se relacionavam em relação a comunicação do mundo espiritual com o mundo material, depois, consultou os livros da filosofia profana e religiosa, antiga e recente, os prosadores e os poetas que refletiam as crenças, e os costumes dos diversos tempos, também o Velho e o Novo Testamento, conforme nos relata Roustaing na introdução de seu livro Os Quatro Evangelhos 21. 

Em maio de 1865, ficou pronta a primeira edição de Os Quatro Evangelhos – A Revelação da Revolução, seguidos dos mandamentos explicados em espírito e verdade pelos Evangelistas, assistidos pelos Apóstolos e Moisés, recebidos e coordenados por Jean-Baptiste Roustaing. Porém, somente em 5 de abril 1866 realizou-se o lançamento dos dois primeiros tomos da obra e, em 5 de maio, o terceiro e último tomo 22.

Em 2 de janeiro de 1879, desencarnou Roustaing, após uma longa moléstia, em seu domicílio, em Bordeaux, com 73 anos de idade 23. Em 1880 completou-se a primeira tradução de Os Quatro Evangelhos para o português, por João Kahl. Em 1909, a FEB publica sua 1ª edição com a tradução de Guillon Ribeiro 24. A Federação Espírita Brasileira (FEB) foi fundada no dia 2 de janeiro de 1884, no Rio de Janeiro, por Augusto Elias da Silva 25, e, tinha como objetivos principais: Promover o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo, com base nas obras da Codificação de Allan Kardec e no Evangelho de Jesus; a prática da caridade espiritual, moral e material, dentro dos princípios espíritas; e a união solidária e a unificação do Movimento Espírita, colocando o Espiritismo ao alcance e a serviço de todos. 26

Atualmente, no Rio de Janeiro funcionam a Seccional da FEB neste Estado e o Departamento Editorial e Gráfico da FEB. Na atual sede em Brasília funcionam: a administração, o Museu Espírita, uma biblioteca dirigida ao público em geral e uma outra contendo obras raras, além das atividades doutrinárias, passes, serviço assistencial e de estudos sistematizados da doutrina 27. A FEB já editou milhares de livros com tiragem superior a 39 milhões de exemplares, além de publicar a Revista Reformador desde a sua fundação. A instituição produz também programas de rádio e de televisão, transmitidos para todo o Brasil 28.

A FEB atua de modo federativo, através de Conselho Federativo Nacional (CFN) composto pelas Entidades Federativas espíritas de todos os Estados da União e do Distrito Federal, e por entidades especializadas de âmbito nacional. O CFN reúne-se uma vez por ano, em Brasília. Também anualmente, as Federativas Estaduais promovem reuniões das Comissões Regionais do Conselho Federativo Nacional, por regiões: sul, norte, centro e nordeste. Nessas ocasiões, tratam dos assuntos administrativos e também dos referentes à doutrina, reunindo-se às áreas de Atividade Mediúnica, Comunicação Social Espírita, Estudo Sistematizado da Doutrina Janeiro: FEB, 1983.p. 59. Espírita, Infância e Juventude, Serviço de Assistência e Promoção Social Espírita e Assistência Espiritual no Centro Espírita 29.

A Federação Espírita Catarinense (FEC), fundada em Florianópolis, em 24 de abril de 1945, nas dependências do Centro Espírita Amor e Humildade do Apóstolo, é formada pela união das instituições espíritas 30 do Estado de Santa Catarina a ela filiada 31. A FEC tem por finalidade entre outras 32: · coordenar e supervisionar o movimento espírita de Santa Catarina; · promover e desenvolver a difusão do Espiritismo em seu tríplice aspecto – científico, filosófico e religioso. O Conselho Federativo Estadual, constituído pelo Presidente da Diretoria Executiva, do Secretário-Geral da Diretoria Executiva e pelos Presidentes ou representantes dos CREs (Conselhos Regionais Espíritas 33), possui atribuições doutrinárias e administrativas cabendo entre outras atribuições a de orientar e supervisionar as atividades doutrinárias no âmbito de atuação da FEC. 

A polêmica entre Kardec e Roustaing, iniciou-se logo após a publicação dos comentários de Kardec sobre Os Quatro Evangelhos na Revista Espírita de junho de 1866, de onde podemos destacar duas objeções básicas apontadas pelo codificador: · a primeira, em relação à tese central do livro, ou seja, o corpo fluídico de Jesus (docetismo)34, sobre a qual o codificador retornou posteriormente em seu último livro A Gênese, publicado em 1868, onde condenou definitivamente esta tese; · e a segunda, a prolixidade da obra, que poderia ser reduzida a apenas um único volume 35. 28 FEB – História. Op. Cit. 29 FEB – História. Op. Cit. 30 Conforme o § 1 do artigo 4 do Estatuto da FEC, entende-se Instituição Espírita como: toda aquela que, orientando-se fundamentalmente pela Codificação de Allan Kardec, tenham por finalidade estudar e promover a difusão dos princípios evangélicos, filosóficos e científicos do Espiritismo; promover a educação e a cultura; e oferecer serviço assistencial espírita à coletividade, servindo desinteressadamente. 

Outra contradição flagrante entre as duas obras é o princípio da Metempsicose36 combatido por Kardec e defendido por Roustaing37. Outro ponto bastante conflitante da obra foi quando Roustaing afirmou que Jesus era demasiado puro para utilizar um corpo de carne, partindo do princípio que todo espírito encarnado ou já faliu ou deve falir, desta forma é culpado. Assim, Jesus não encarnou, e portanto, põe por terra um dos principais postulados do Espiritismo, ou seja, a encarnação e a reencarnação, através das quais operam as leis da evolução de causa e efeito, estabelecida no Livro dos Espíritos 38 questão 133 39. Uma das preocupações básicas de Kardec, no que diz respeito aos princípios do Espiritismo, ficou patente no emprego sistemático do princípio da universalidade, onde, uma questão era sempre submetida a vários médiuns em diferentes lugares e ocasiões, e as respostas compiladas em busca de uma resposta com o mesmo fundo moral, o que não ocorreu com Os Quatro Evangelhos 40.

Estes pontos citados acima e outros, os quais aqui não cabem enumerar, são fontes de constantes debates e polemicas dentro do Movimento Espírita, e nos dão conta de quão grande ainda é a questão da manutenção do livro de Roustaing como de estudo obrigatório pelos estatutos da FEB. Cabe ainda ressaltar, que durante o período de 1902 a 1915, o mesmo perdera a obrigatoriedade do seu estudo 41. Tendo em vista esta polêmica dentro do Movimento Espírita em todo país, como em Santa Catarina, esta questão é encarada? 

Após algumas conversas com aderentes da Doutrina Espírita em nosso Estado e algumas entrevistas, podemos apontar, inicialmente, alguma tendência sobre este assunto. Objetivando compreender como os espíritas catarinenses encaram o Roustanguismo, procurei a Federação Espírita Catarinense (FEC) e entrevistei o atual presidente o senhor Gerson Luiz Tavares, que nos informou a respeito do quase total desconhecimento por parte dos catarinenses sobre a polêmica e sobre Roustaing e sua obra, a ponto de algumas pessoas ao tomarem conhecimento dela, pensarem tratar-se de algo novo e de um novo autor. O presidente nos informou que há em grande parte do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, uma oposição sistemática a obra de Roustaing e a FEB, por conta da adoção deste livro como obra básica, esquecendo tudo de bom que a FEB fez em nome do Espiritismo.

Afirmou ainda que são publicadas diversas obras com intuito exclusivo de combater o Roustainguismo e a FEB, porém, no seu entendimento, são os seus maiores divulgadores no meio espírita e caso ficassem em silêncio, contribuiriam de forma mais eficaz para o esquecimento desta obra. Em Santa Catarina, pelo menos nos últimos tempos, não houve nenhum movimento em favor do Roustanguismo, relatou o presidente e também nos informou que a livraria da Federação Espírita Catarinense não possui exemplares da obra para venda e não a encomenda junto à editora da FEB.

Ainda a respeito da polêmica em outros estados, o presidente relatou que em conversa com um antigo presidente da FEB, já desencarnado, este contou ter sofrido ameaças contra a sua integridade física e moral, por meio de cartas, as quais levariam qualquer um a pleitear proteção policial. Recentemente a direção da FEB, em 2004, aproveitando a revisão de seus estatutos para adequá-lo ao novo Código Civil Brasileiro, tentou retirar a obrigatoriedade dos estudos dos Quatro Evangelhos e foi impedida por via judicial de fazê-lo, devido ao Sr. Luciano dos Anjos alegar em medida cautelar que a referida questão trata-se de uma cláusula pétrea dos estatutos da FEB. 

Esta questão judicial encontra-se ainda sem solução até o presente momento. Em outra entrevista com a Sra. Naira Salete Ramos Martins, praticante da doutrina há vinte e dois anos, tendo atuado como coordenadora dos grupos de estudos do COEM 42 e atualmente trabalha no atendimento fraterno com as entrevistas e no TE (tratamento espiritual) nos últimos nove anos, todos na SERTE 43. Hoje é a administradora da livraria da SERTE no centro de Florianópolis. A Sra. Naira Martins nos revelou que a procura pelos livros de Roustaing é diminuta, e os que os procuram, em sua grande maioria, o fazem como se tratasse de algo novo, onde o que impressiona é o título “Os Quatro Evangelhos”, há também os estudiosos da doutrina que também os procuram, alguns por concordarem com eles e outros, a grande maioria, por discordarem.

Como podemos verificar através dos depoimentos do atual Presidente da Federação Espírita Catarinense e de uma aderente com longa experiência na doutrina e no movimento espírita, e de outras conversas com vários espíritas não relatadas, ainda, de forma sistemática neste trabalho, o Roustanguismo é um movimento muito pouco difundido entre os espíritas catarinenses, sendo o mesmo praticamente desconhecido. 

A grande polemica encontra-se entre a FEB e as instituições espíritas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e nos demais grandes centros brasileiros, chegando mesmo a ocasionar algumas cisões dentro do Movimento Espírita, como a ocorrida em São José do Rio Preto no Estado de São Paulo em 1992 no Grupo Espírita Bezerra de Menezes, a qual é o objetivo maior deste estudo, sendo que o que ocorre em Santa Catarina é apenas uma parte deste estudo.



Notas:
1 Sobre este assunto ver WANTUIL, Zeus e THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. Vol:1. Rio de Janeiro:FEB,2004. Também MACHADO, Ubiratan. Os Intelectuais e o Espiritismo.Niterói:Lanchâtre, 1997.
2 MACHADO, Ubiratan. Os Intelectuais e o Espiritismo.Niterói:Lanchâtre, 1997.p. 45.
3 WANTUIL, Zeus e THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. Vol:1. Rio de
Janeiro:FEB, 2004. p23.
4 Ibidem, p.35.
5 Ibidem, p.35.
6 Os participantes colocam-se ao redor de uma mesa, em cima da qual colocavam suas mãos. A mesa levantando um de seus pés, enquanto se recitava o alfabeto, dava uma pancada toda vez que fosse falada a letra servisse ao espírito, a fim de formara as palavras. Aos poucos este processo foi sofrendo variações. Para maiores informações ver WANTUIL, Zêus.As Mesas Girantes e o Espiritismo. Rio de Janeiro:FEB, 1978. p.8.
7 WANTUIL e THIESEN. Op. Cit., p.261.
8 Ibidem, p.21-60.
9 Ibidem, p.96.
11 WANTUIL e THIESEN. Op. Cit., p.97.
12 Ibidem, p.129.
13 Ibidem, p.144 e 218.
14 Ibidem, p.133 – 180.
15 Ibidem, p.264.
16 WANTUIL, Zeus e THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. Vol:2. Rio de Janeiro:FEB, 2004. p260.
17 MARTINS, Jorge Damas. História de Roustaing. 1987. p.19.
18 Idem.
19 Idem.
20 Idem.
21 ROUSTAING, J. B. OS Quatro Evangelhos: Revelação da Revelação.Vol:1. Rio de
22 MARTINS. Op. Cit., 29.
23 Ibidem, p.39.
24 Ibidem, p.40 e 55.
25 Site da Federação Espírita Brasileira – História. Disponível em
http://www.febnet.org.br/apresentacao/content,0,0,305,0,0.html. Acessado em 22/12/2006 às 23:06.
26 Site da Federação Espírita Brasileira – Missão. Disponível em http://www.febnet.org.br/apresentacao/content,0,0,265,0,0.html. Acessado em 22/12/2006 às 23:06.
27 FEB – História. Op. Cit.
31 Primeira Consolidação do Estatuto da Federação Espírita Catarinense aprovado pelo Conselho Federativo Estadual em 16/08/2003. p. 2.
32 Idem.
33 Conforme o artigo 5º do Estatuto da FEC: para fins de descentralização da FEC, as instituições afiliadas a ela agrupar-se-ão em Conselhos Regionais Espíritas – CREs) situados na mesma região geográfica.
34 Docetismo (do grego [doke􀀀 ], "para parecer") é o nome dado a uma doutrina cristã do século II, que defendia que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua crucificação teria sido apenas aparente. Ver Conforme: FERREIRA, Aurélio B. Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1CD-Rom.
35 TOURINHO, Nazareno. As tolices e pieguices da obra de Roustaing. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 1999. p. 8 e 44.
36 Doutrina segundo a qual uma mesma alma pode animar sucessivamente corpos diversos, homens, animais ou vegetais; transmigração. Conforme: FERREIRA, Aurélio B. Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1CD-Rom.
37 PIRES, J. Herculano; ABREU FILHO, Júlio. O verbo e a carne: 2 análises do roustainguismo. São Paulo: Edições Caibar, 1973. p.24.
38 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Rio de Janeiro:FEB,1980.
39 TOURINHO. Op. Cit., p.50.
40 TOURINHO. Op. Cit., p.12.
41 MARTINS. Op. Cit., 53.
42 COEM – Centro de Orientação e Educação Mediúnica.
43 SERTE – Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação.



Referência Bibliográfica
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ROUSTAING, J. B. OS Quatro Evangelhos: Revelação da Revelação.Vol:1. Rio deJaneiro:FEB,1983.
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MARTINS, Naira Salete Ramos depoimento [dez. 2006]. Entrevistador: Pedro Paulo Amorim. Florianópolis: Livraria da SERTE, 2006. 1 fita cassete (60 min.).
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PIRES, J. Herculano; ABREU FILHO, Julio. O verbo e a carne: 2 análises do roustainguismo. São Paulo: Edições Caibar, 1973.Federação Espírita Catarinense. Florianópolis. Cadernos de informações ara uso interno de 2000.
TOURINHO, Nazareno. As tolices e pieguices da obra de Roustaing. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 1999.
WANTUIL, Zeus e THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador.Vol:1. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
WANTUIL, Zeus e THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador.Vol:2. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
WANTUIL, Zeus. As Mesas Girantes e o Espiritismo. Rio de Janeiro:FEB, 1978.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

ESPÍRITAS! IMPLOREMOS A PAZ SOCIAL ( Jorge Hessen )

Jorge Hessen

É óbvio que o dinheiro não é instrumento do mal; ao contrário, o dinheiro é suor convertido em cifrão. É importante que lhe demos funções nobres, lembrando que a moeda no bem faz prodígios de amor. Porém, vale refletir o preceito de Paulo, qual seja: "tendo sustento e com o que nos cobrirmos, estejamos, com isso, contentes". [1] Essa lição deve ser sempre ponderada quando nos faltam recursos financeiros.

O Espiritismo anuncia o regime da responsabilidade, em que cada Espírito deve enriquecer a catalogação dos seus próprios valores. Não se engana com as alucinações da igualdade absoluta [comunismo], em vista dos conhecimentos da lei do esforço e do trabalho individual, e não se transforma em instrumento de opressão dos magnatas da economia e do poder [capitalismo], por consciente dos imperativos da solidariedade humana.

Os espíritas, embora compreendamos e expliquemos muitos fenômenos sociais e econômicos através da tese reencarnacionista, somos evolucionários, porque propomos mudanças estruturais do ser humano; não contemporizamos com a concentração de riqueza e com a ausência de fraternidade, que significam a manutenção de privilégios e de excessos no uso dos bens, das riquezas e do poder de uns poucos em detrimento do infortúnio da maioria.

Importa esclarecer aos emissários do ódio político que a desigualdade das riquezas não se resolve com falácias e cartilhas de ideologia materialista. As pessoas não são ao mesmo tempo ricas em face de não serem igualmente inteligentes, ativas e laboriosas para adquirir, nem sóbrias e previdentes para conservar. Considerando a pluralidade das existências, a pobreza é para uns a prova da paciência e da resignação; a riqueza é para outros a prova da caridade e da abnegação, razão pela qual o pobre não tem, portanto, motivo para acusar a Providência, nem para invejar os ricos, e estes não têm para se vangloriar do que possuem. Se, por outro lado, estes abusam da fortuna, não será através de decretos nem de leis suntuárias que se poderá remediar o mal. [2]

A variedade das aptidões, ao contrário do ideal igualitário, é um meio propulsor do progresso social, já que cada homem contribui com sua parcela de conhecimento. As desigualdades que apresentamos entre nós, seja em inteligência ou moralidade, não derivam de privilégios de uns em detrimento de outros, mas do maior ou menor aproveitamento desse “tempo cósmico”, no esforço do alargamento das habilidades e virtudes que nos são inerentes, consoante o melhor uso do livre arbítrio por parte de cada um. Destarte, as desigualdades naturais das aptidões humanas são os degraus das múltiplas experiências do passado. E cremos que essas diferenças constituem os agentes do progresso e paz social.

Reconhecemos que os benefícios do desenvolvimento material não estão sendo divididos equitativamente e o fosso entre afortunados e deserdados (ricos x pobres) é gigantesco. Essa tendência é ameaçadora para o equilíbrio social, por isso é urgente corrigi-la. Caso contrário, as bases da segurança global estarão seriamente ameaçadas. Temos o conhecimento e a tecnologia a nosso favor, necessários para sustentar toda a população e reduzir os impactos das desigualdades, até porque os desafios econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e, juntos, podemos criar, de início, soluções emergenciais para que evitemos o caos absoluto em pouco tempo.

A Mensagem de Jesus não preconiza que os ricos do mundo se façam pobres, e sim que todos os homens se façam ricos de conhecimento, porque somente nas aquisições de ordem moral descansa a verdadeira fortuna. E mais: “a concepção igualitária absoluta é um erro grave dos estudiosos, em qualquer departamento da vida. A tirania política poderá tentar uma imposição nesse sentido, mas não passará das espetaculosas uniformizações simbólicas para efeitos exteriores, porquanto o verdadeiro valor de um homem está no seu íntimo, onde cada espírito tem sua posição definida pelo próprio esforço”. [3

Urge que se crie uma mentalidade crítica, que permita estabelecer novos comportamentos, reduzindo os extremismos, mormente dos discursos vazios dos que se fantasiam de “pais dos pobres” (no Brasil isso é tradição) e entronizar-se entre nós a solidariedade legítima. A sociedade deve formatar novos modelos de convivência lastreados na fraternidade e no amor. A falta de percepção da interdependência e complementaridade entre os cidadãos gera uma visão individualista, materialista, separatista. Isso não é alvissareiro.

É imperioso que se criem serviços necessários para uma vida humana decente. O crescimento desordenado da população, o desemprego estrutural, a pobreza, a miséria, a exclusão social, a falta de atendimento às necessidades básicas, o não reconhecimento dos direitos do cidadão, o desrespeito aos direitos humanos, a facilidade de acesso às drogas e às armas, a falta de Deus nos corações, a influência nociva das mídias e novas tecnologias, o uso abusivo de bebidas alcoólicas e outras drogas favorecerão todo tipo de desequilíbrio social. Em face disso, urge um alto grau trabalho de todos. Desapego, oração, sim! Muita rogativa ao Criador, a fim de conquistarmos decisivamente a paz social na Terra.

Referências bibliográficas:

[1] 1Timóteo 6:6-10
[2] Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVI, "Desigualdades das Riquezas"; RJ: Ed. FEB, 2000
[3] Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, ditado pelo espírito Emmanuel, RJ: Ed FEB 2001, pergs. 55,56,57

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Uma Biblioteca Espírita


         Surge o Espiritismo, o “consolador” prometido por Jesus: “são chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm de ser completados; em que o véu intencionalmente lançado sobre algumas partes desse ensino tem de ser levantado;” (1)

         Esclarecedor, e em perfeita sintonia com as máximas do Cristo, no entanto, como tudo do nosso Deus Onipotente, profundo, carecendo de seriedade em seu entendimento: “Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado”. (2) “A  verdadeira Doutrina Espírita está no  ensino que os  Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento.” (3)

           Por isso, espíritas se reúnem em locais apropriados para, através de palestras, estudos, cursos, entenderem a Doutrina, e dela tirar o seu conteúdo filosófico-moral que praticado, os tornam melhores, tendo por base: O Livro dos Espíritos, O que é o Espiritismo, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A Gênese, e Obras Póstumas, entre os hoje lançados, porém, em perfeita harmonia com as obras primeiras. Sem esquecer, entretanto, tantas outras, psicografadas pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco; CDs, DVDs, livros falados, livros em Braille (para deficientes visuais), todos a disposição dos que desejarem prestigiar os ensinos anunciados pela “Terceira Revelação”

            Contudo, no sentido de facilitar o entendimento literário das obras, sugerimos criar ou ampliar bibliotecas, em todos os centros Espíritas, para que o leitor possa tomar emprestado o livro, tornando mais cômodo o seu estudo. É necessário incentivar a leitura da extraordinária literatura Espírita.

           Para tanto, seria interessante que, em todas as reuniões doutrinárias, fosse o trabalho exaltado, as qualidades maiores de cada livro, estimulado mesmo a sua leitura, o estudo da filosofia Espírita, seu maior patrimônio.

           Um armário grande, para o arquivo dos livros, um computador para constarem nomes, endereços dos participantes, entradas e saídas dos volumes, e demais anotações, seriam o suficiente. Por certo, boa parte do material seria doado, sobretudo livros, mediante apelos.     

Esta organização possibilitaria ao leitor um estudo feito no silêncio e no recolhimento do seu lar, onde pudesse melhor observar um número infinito de 

ensinamentos, particularidades que passam despercebidos quando se faz uma observação superficial.        
           Diz Emmanuel: “A maior caridade que se pode prestar à Doutrina Espírita, é a sua divulgação”. Facilitar a leitura do livro Espírita é uma obra de caridade por incentivar o aprendizado da Doutrina que nos demove da ignorância espiritual. 


Fontes: 
(1)- E.s.E – cap. I, 8
(2)- LE - introdução - VIII
(3)- LE - Introdução - XVII  



Domingos Cocco
E-mail: domingoscocco1931@yahoo.com.br
Cachoeiro de Itapemirim, ES 
Rua Neca Bongosto n° 06 Bairro Sumaré
Telefone: (028) – 3522-4053 – CEP 29304-590 
Cachoeiro de Itapemirim – Estado do Espírito Santo

domingo, 23 de agosto de 2015

Servir a Deus e não a Mamon (Mateus, 06:24-34)

Arnaldo Rocha


E disse o Mestre Jesus
Não trabalham, nem fiam.
Aos seus seguidores:
Mas nem o rei Salomão
- Ninguém pode servir,
Se vestiu como um deles
Igualmente, a dois senhores;
Em toda a sua glorificação.


Porque ou odiará a um
Se o feno dos campos
E ao outro amará,
Deus cuida de vestir
Ou se submeterá a um
Que hoje existe, porém
E ao outro desprezará.
Amanhã vai se extinguir,


Não podeis servir a Deus
Sendo lançado no forno...
E a Mamon , igualmente;
Quanto mais a vós não dará,
Eis por que vos digo
Homens de pouquíssima fé,
Neste instante, claramente:
O que vierdes a precisar?


Não vos inquieteis
Não vos apoquenteis, dizendo:
Pelo que comereis,
O que comeremos?
Por aquilo que bebereis,
Mas que beberemos?
Nem com o que vestireis.
Ou como vestiremos?


A vida não vale mais
Como as gentes do mundo
Do que o alimento,
Que, assim, se esmeram
E o corpo, mais ainda
Na conquista dessas coisas,
Do que o indumento?
Pelas quais se desesperam.


Vede as aves do céu,
Procurai primeiramente
Caros companheiros:
O reino de Nosso Senhor
Não semeiam, não colhem,
E, também, a Sua justiça
Não enchem celeiros;
Com todo o vosso ardor,


Entretanto, vosso Pai
E todas essas coisas
Lhes dá alimentação.
Serão, afinal, dadas
Não sois muito mais
Por acréscimo de Deus
Do que elas, então?
Às pessoas confiadas.


E qual de vós pode,
Assim, não vos perturbeis
Com seu talento, porventura,
Pelo dia que virá,
Acrescentar um côvado
Pois o dia de amanhã
A mais na sua estatura?
De si mesmo cuidará...


E com as vestimentas
Basta para cada dia
Por que vos inquieteis?
A sua própria aflição...
Observai os lírios do campo,
Foi o que ensinou Jesus
Que crescem, e vereis:
Com esta nobre lição.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

ENDINHEIRADOS, MÃOS À OBRA! (Jorge Hessen)

Christopher Catrambone, um milionário empresário americano, dono de uma companhia que oferece seguros em zonas de conflitos, criou sua própria fundação de resgate de imigrantes. Desde 2014 sai com sua família pelo Mediterrâneo para salvar estrangeiros que se arriscam a atravessar o mar para chegar à Europa. Sem receio de investir toda fortuna e confiante de que se algum dia seu negócio falir, ele e sua mulher não teriam nenhum arrependimento em ter gastado todo dinheiro e tempo nas operações de resgate dos imigrantes.[1]

A tradição da filantropia americana vem de longe. Cremos que Andrew Carnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na segunda metade do século XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P. Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas, não certamente a maior, foi construir mais de 3 mil bibliotecas nos Estados Unidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of Weath”, defendendo que os ricos deveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de legar sua fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias delas, à sua escolha, ainda em vida. [2]

Em 2009 Bill Gates lançou, junto com Warren Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo à filantropia já visto: The Giving Pledge. A campanha tem mais de 120 signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta prometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetos humanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson, criador da Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje avaliada em US$ 56 bilhões. O próprio Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem observou o filósofo alemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no século XX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo. [3]

Sloterdijt obviamente não conhece bem o Brasil. Aqui na suposta “Pátria do Evangelho” a grandeza d'alma dos milionários em prol do altruísmo é pura miragem, ressalvando-se as infrequentes exceções. Nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a US$ 330 bilhões por ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que o montante não passa de US$ 6 bilhões por ano. Apenas 3% do financiamento a nossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70% no caso americano. Há, segundo a tradicional lista da revista Forbes, 54 bilionários no Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge.

Explicações não faltam para essa disparidade. Há quem goste de debitar a mesquinhez dos endinheirados brasileiros na conta de nossa “formação cultural”. Por essa tese, estaríamos atados a nossas raízes ibéricas, sempre esperando pelas esmolas do Estado, indispostos a buscar formas de cooperação entre os cidadãos para construir escolas, museus e bibliotecas, ou simplesmente para consertar os brinquedos e plantar flores na praça do bairro. É possível que haja alguma verdade nisso. O rei Dom João III, lá por volta de 1530, dividiu o país em capitanias hereditárias e as repartiu entre fidalgos e amigos da corte portuguesa. Fazer o quê? Enquanto isso, os peregrinos do Mayflower desembarcaram nas costas da Nova Inglaterra (EUA), movidos pela fé e pelo amor ao trabalho, para construir um novo país. [4]

O príncipe da Arábia Saudita, Alwaleed Bin Talal Al-Saud, é um dos homens mais ricos do mundo. Com uma fortuna que gira em torno dos US$ 32 bilhões, ele ocupa a 20ª posição no ranking de bilionários da Bloomberg. Porém, parece que ele quer mudar esse cenário. Ele pretende doar toda sua fortuna para causas filantrópicas. Em um comunicado em seu site, Al-Saud afirma que busca construir um mundo com mais tolerância, aceitação, igualdade e oportunidade para todos. O dinheiro vai para a Alwaleed Philanthropies, que tem parceria com a Bill & Amp; Melinda Gates Foundation, Carter Center e Weill Cornell Medical College, para reforçar os cuidados de saúde e de controle de epidemias pelo mundo. [5]

Há pessoas arquimilionárias que tem experimentado significativo desprendimento. Como vimos acima, Warren Buffett, quarto homem mais rico do mundo, prometeu doar 99% de sua fortuna antes de desencarnar. Buffett começou anunciando o direcionamento de 83% para a Fundação Gates. O bilionário afirmou que quer dar aos seus filhos somente o suficiente para que eles sintam que podem fazer tudo, mas não o bastante para que eles achem que não precisam trabalhar. O poderoso Bill Gates, Michael Bloomberg, Nigella Lawson e o músico inglês Sting não deixarão suas fortunas como herança para os filhos. Ambos defendem a tese que seus filhos precisam trabalhar para ganhar o próprio dinheiro. [6]

Em rápida digressão, vale aqui interpolar uma oportuna reflexão. No Brasil, o paternalismo e o inócuo assistencialismo estatal não atende às necessidades dos deserdados. Tal cultura gera cada vez mais dependência de raras doações e de crescentes arrecadações. Enfraquece a sociedade, diminui as expectativas de recursos para redistribuição de recursos financeiros. A filantropia pública é uma maneira disfarçada de ditadura ideológica, coerção de liberdade, que não sobrevive ante a necessidade do trabalho de todos. Para que a filantropia sustentável seja praticada, é preciso estímulo ao trabalho, igualdade nas ações públicas e eficiência na administração de recursos arrecadados (impostos). Temos muito o que amadurecer nesse quesito nestas plagas tupiniquins.

Mormente para os ricaços brasileiros, vai aqui um alerta do além. A reflexão é do Espírito Humberto de Campos: “se você possui algum dinheiro ou detém alguma posse terrestre, não adie doações, caso esteja realmente inclinado a fazê-las. Grandes homens, que admirávamos no mundo pela habilidade e poder com que concretizavam importantes negócios, aparecem, junto de nós [no além-túmulo], em muitas ocasiões, à maneira de crianças desesperadas por não mais conseguirem manobrar os talões de cheque.” [7]

Abastados mãos à obra!

Referências: 

[1] Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/o-milionario-que-resgata-imigrantes-no-mar  acesso 12/08/2015
[2] Disponível em http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/06/por-que-os-milionarios-brasileiros-nao-doam-suas-fortunas-universidades.html acesso 18/08/2015
[3] idem
[4] idem
[5] Disponível em http://www.infomoney.com.br/carreira/gestao-e-lideranca/noticia/4137147/principe-saudita-decide-doar-toda-sua-fortuna-mais-bilhoes acesso em 18/08/2015
[6] Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/sting-entra-para-a-lista-de-ricacos-que-nao-deixarao-heranca-para-os-filhos acesso em 02 de agosto de 2014
[7] Xavier, Francisco Cândido. Cartas e Crônicas, ditado pelo espírito Humberto de Campos, cap. 4 “Treino para morte” Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1967

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Sociedades pobres e sociedades ricas - o que faz a diferença


Querer ajudar os pobres e necessitados é um sentimento nobre e correto, e está presente em sua forma mais pura principalmente nos jovens e adolescentes.  Mas é necessário ter alguns cuidados para não se deixar ser manipulado.  É necessário estudar a situação com grande rigor científico, caso contrário corre-se o risco de acabar punindo aquele a quem se quer ajudar.
Riqueza e pobreza
A diferença entre o Robinson Crusoé pobre e o Robinson Crusoé rico é aparentemente simples, porém essencial: o rico dispõe de bens de capital.  E para ter esses bens de capital, ele teve de poupar e investir.  
Bens de capital são fatores de produção — no mundo atual, ferramentas, maquinários, computadores, equipamentos de construção, tratores, escavadeiras, britadeiras, serras elétricas, edificações, fábricas, meios de transporte e de comunicação, minas, fazendas agrícolas, armazéns, escritórios etc. — que auxiliam os seres humanos em suas tarefas e, consequentemente, tornam o trabalho humano mais produtivo.
Os bens de capital do Robinson Crusoé rico (por exemplo, uma rede e uma vara de pescar, construídas com bens que ele demorou, digamos, 5 dias para produzir) foram obtidos porque ele poupou (absteve-se do consumo) e, por meio de seu trabalho, transformou os recursos que ele não havia consumido em bens de capital.  Estes bens de capital permitiram ao Robinson Crusoé rico produzir bens de consumo (pescar peixes e colher frutas) e com isso seguir vivendo cada vez melhor.
Já o Robinson Crusoé pobre, por sua vez, não dispõe de bens de capital.  Todo o seu trabalho é feito à mão.  Consequentemente, ele é menos produtivo e, por produzir menos e ter menos bens à sua disposição, ele é mais pobre e seu padrão de vida é mais baixo.
O Robinson Crusoé rico é mais produtivo.  E, por ser mais produtivo, não apenas ele pode descansar mais, como também pode poupar mais, o que irá lhe permitir acumular ainda mais bens de capital e consequentemente aumentar ainda mais a sua produtividade no futuro.  Já o Robinson Crusoé pobre consome tudo o que produz. Ele não tem outra opção.  Como ele não é produtivo, ele não pode se dar ao luxo de descansar e poupar.  Essa ausência de poupança compromete suas chances de aumentar seu padrão de vida no futuro.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado para se diferenciar uma nação rica de uma nação pobre.
Que diferença há entre EUA e Índia?  Será que a população indiana é mais pobre porque trabalha menos?  Não.  Na Índia, trabalha-se até mais do que nos EUA.  Será que um indiano — ou um egípcio ou um mexicano ou um haitiano — possui menos conhecimento tecnológico que um americano ou um suíço?  Não, o conhecimento está hoje disperso pelo mundo e tende a ser o mesmo.  Com efeito, os técnicos indianos são reconhecidos como uns dos melhores do mundo.  Então, por que há pessoas desnutridas e morrendo de inanição em Calcutá mas não em Zurique ou em San Francisco?
A diferença entre uma nação rica e uma nação pobre pode ser explicada exclusivamente por um único fator: a nação rica possui uma quantia muito maior de bens de capital do que uma nação pobre
Ao passo que na Índia um agricultor cultiva sua terra com duas vacas e um arado, nos EUA, um agricultor utiliza um trator e um computador.  E, com esses bens de capital, ele é múltiplas vezes mais produtivo que seu congênere indiano.  O americano seria o Robinson Crusoé rico, que possui uma rede e uma vara de pescar; o indiano seria o Robinson Crusoé pobre, que utiliza as próprias mãos para colher alimentos.
Quando um indivíduo tem de utilizar apenas o trabalho de suas mãos, e o produto que ele produz é utilizado imediatamente para seu consumo final, ele é pobre.  Quando este mesmo indivíduo passa a utilizar bens de capital, como tratores, computadores e vários tipos de máquinas — os quais só puderam ser construídos graças à poupança e ao subsequente investimento de outras pessoas —, ele pode multiplicar acentuadamente sua produtividade e, consequentemente, ser muito mais rico.
Quanto maior a estrutura de produção — isto é, quanto maior o número de etapas intermediárias utilizadas para a produção de um bem —, mais produtivo tende a ser o processo de produção.  Por exemplo, se o bem de consumo a ser produzido é o milho, você tem de preparar e cultivar a terra.  Você pode fazer tal tarefa com um arado ou com um trator.  O trator moderno é um bem de capital cuja produção exige um conjunto de etapas muito mais numeroso, complexo e prolongado do que o número de etapas necessário para a produção de um arado.  Consequentemente, para arar a terra, um trator moderno é muito mais produtivo do que um arado.  Portanto, o processo de produção do milho será mais produtivo caso você utilize um trator (cuja produção demandou um processo de várias etapas) em vez de um arado (cujo processo de produção é extremamente mais simples).
Isto explica por que um trabalhador nos EUA ganha um salário muito maior do que um trabalhador na Índia executando a mesma função.  O primeiro possui à sua disposição bens de capital em maior quantidade e de maior qualidade do que o segundo.  Logo, o primeiro produz muito mais do que o segundo em um mesmo período de tempo.  Quem produz mais pode ganhar salários maiores.
Essa é a característica que diferencia um país rico de um país pobre.
Implicações lógicas
A única maneira de se favorecer as classes trabalhadoras e os mais pobres, portanto, é dotando-lhes de bens de capital, os quais são produzidos graças à poupança e ao investimento de capitalistas
O que é um capitalista?  Capitalista é todo indivíduo que poupa (que consome menos do que poderia) e que, ao abrir mão de seu consumo, permite que recursos escassos sejam utilizados para a criação de bens de capital.
Consequentemente, se um determinado país pobre quer enriquecer, ele deve criar um ambiente empreendedorial e institucional que garanta a segurança da poupança e dos investimentos.  A única maneira de se sair da pobreza é fomentando a poupança, permitindo o livre investimento da poupança em bens de capital, e estabelecendo um sistema de respeito à propriedade privada que favoreça a criatividade empresarial e a livre iniciativa.  Em suma, deve-se permitir que os capitalistas tenham liberdade e segurança para investir e desfrutar os frutos de seus investimentos (o lucro).
Um país que persegue os capitalistas, que tolhe a livre iniciativa, que não assegura a propriedade privada, que tributa os lucros gerados pelos investimentos, e que cria burocracias e regulamentações sobre vários setores do mercado é um país condenado à pobreza.  Já um país que fomenta a poupança, que respeita a propriedade privada, e que permite a liberdade empreendedorial e a acumulação de bens de capital é um país que sairá da pobreza e em poucas gerações poderá chegar à vanguarda do desenvolvimento econômico.
Cigarras e formigas
Vivemos em um mundo repleto de demagogia e de políticos populistas.  Estes são os principais inimigos da criação de riqueza.  Acrescente-se a isso um arranjo democrático, e o estrago tende a ser irreversível.
Se um partido político prometer que, uma vez eleito, os salários serão duplicados e as horas de trabalho serão reduzidas à metade, suas chances de chegar ao poder tendem a aumentar.  Caso ele de fato seja eleito e decrete tais medidas, o país empobreceria de imediato.  Manipular salários ou mesmo imprimir dinheiro para manipular a taxa de juros são medidas que absolutamente nada podem fazer para contornar o fato de que vivemos em um mundo de escassez.  E escassez significa que os recursos têm antes de ser poupados para só então serem investidos para criar bens de capital.  Manipulação de salários e juros não pode abolir a escassez.  Não pode aumentar a quantidade de bens de capital e nem a produtividade dos trabalhadores.  A necessidade de se abster do consumo (poupar) é um sacrifício que não pode ser encurtado por políticas populistas.  O enriquecimento não é algo que pode ser alcançado pela demagogia.
Se este mesmo partido prometer apenas uma "redistribuição de riqueza", tirando dos ricos para dar aos pobres, os efeitos tendem a ser igualmente devastadores.  Seria o triunfo da filosofia da cigarra sobre a filosofia da formiga.  É fácil entender como se daria este efeito deletério.
Os proprietários dos bens de capital de uma economia são os capitalistas.  Se o partido que está no poder for seguidor de uma ideologia socialista que defenda a expropriação dos capitalistas e a subsequente entrega de seus bens de capital para os trabalhadores, o que ocorrerá caso esta política seja implantada é que estes trabalhadores irão apenas consumir este capital, pois tal consumo fará com que seu padrão de vida aumente momentaneamente.  A consequência?  Tendo consumido o capital, todas as etapas intermediárias dos processos produtivos serão extintas.  A estrutura de produção da economia será dramaticamente reduzida.  A produtividade despencará.  Todos estarão condenados à pobreza. 
A riqueza física dos ricos está justamente na forma de sua propriedade de bens de capital — que foram criados por meio da poupança e disponibilizados para o uso dos trabalhadores —, os quais possibilitam um aumento da produtividade e consequentemente dos salários dos trabalhadores.  A redistribuição da propriedade destes bens de capital levará apenas ao seu consumo imediato, impossibilitando-os de criar mais riqueza no futuro.
A riqueza só pode ser criada por meio da poupança e da acumulação de bens de capital.  Não há atalhos para esse processo. 
O mesmo raciocínio é válido para uma situação que envolva apenas a redistribuição de dinheiro.  Um milionário que tenha quase todo o seu dinheiro distribuído aos pobres, de modo a ficar praticamente com a mesma renda deles, fará apenas com que a população desta economia esteja indubitavelmente mais pobre no futuro.  Os beneficiados por essa redistribuição irão apenas consumir o seu dinheiro — pois isso lhes trará um imediato aumento de seu padrão de vida — e não mais haverá poupança (abstenção de consumo) nesta sociedade que permita a acumulação de bens de capital.  Em vez de postergar o consumo para possibilitar a criação de bens de capital, haverá apenas um intenso consumo presente do capital existente.  O Robinson Crusoé rico deu sua rede e sua vara de pescar para Sexta-Feira, que as consumiu e deixou ambos com um padrão de vida futuro bem mais reduzido.
A redistribuição de riqueza gera pobreza e perpetua a pobreza.  Porém, como tal fenômeno não é imediato, ele pode ser implantado durante algum tempo sem que suas consequências sejam imediatamente sentidas. 
Para uma sociedade prosperar, a poupança e a acumulação de capital devem ser incentivadas; jamais devem ser punidas.  Sociedades que permitem que as cigarras imponham sua filosofia às formigas jamais poderão ser ricas. 


(*) Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor de A Escola Austríaca: Mercado e Criatividade EmpresarialSocialismo, cálculo econômico e função empresarial e da monumental obra Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos.