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quinta-feira, 31 de julho de 2014

Algumas reflexões adicionais sobre a Associação Roustaing-Ubaldi


Leonardo Marmo


Leonardo Marmo Moreira
            A partir dos comentários suscitados em função da publicação de meu artigo denominado “Roustaing e Ubaldi: Uma estranha união de forças cismáticas”, reuni alguns pequenos esclarecimentos para que os confrades possam ter mais subsídios sobre a respectiva questão.
1)    De maneira nenhuma, uma suposta desmaterialização de Jesus indica que seu corpo físico era fluídico. Yvonne Pereira, Fábio Machado e pesquisas de Alexander Aksakov e Gabriel Delanne, entre outros, com diversos médiuns, demonstram que tal fenômeno era comum para médiuns com grande potencialidade em termos de ectoplasmia. Será que Jesus teria menor capacidade? É óbvio que não. Se os corpos de Dona Yvonne, de Fábio Machado, entre outros, não era fluídicos, por que Jesus, que tinha todas as qualidades elevadas ao grau máximo, precisaria desse recurso para gerar fenômenos semelhantes?! Portanto, essa argumentação é muito fraca para defender que o corpo de Jesus era fluídico.
            Dona Yvonne do Amaral Pereira se desmaterializou, inclusive com desaparecimentos de partes com corpo, como, por exemplo, os braços. Fábio Machado, certa vez, desmaterializou seus membros inferiores, de maneira que foi gerada certa apreensão por parte dos confrades que participavam da referida reunião. Só com muita dificuldade suas pernas foram inteiramente “rematerializadas”. Vale, igualmente, citar os trabalhos de Alexander Aksakov e Gabriel Delanne, envolvendo materializações e desmaterializações.
2)    Orgulho e vaidade são paixões humanas que apresentam grande leque de nuances em termos de manifestação. Alguém pode ser desapegado de bens materiais e altamente vaidoso intelectualmente, a ponto de jamais pedir desculpas e/ou modificar um ponto de vista, mesmo contra as mais explícitas evidências. Aliás, no movimento roustainguista temos vários exemplos desse tipo de comportamento. Logo, desapego material não significa humildade intelectual. O fato de Pietro Ubaldi ser, pressupostamente (conforme nosso confrade defende), desapegado dos bens materiais é questionável porque consta que Pietro Ubaldi não doou os direitos autorais de nenhuma de suas obras. Aliás, se eram obras mediúnicas (atribuídas a “Sua Voz”) e se Ubaldi fosse espírita, conforme também afirma nosso confrade, então definitivamente ele não poderia ficar com os direitos autorais da obra. A mediunidade gratuita é ponto de honra do Espiritismo, e trata-se de princípio que não pode jamais ser relativizado sob quaisquer argumentos. Qualquer neófito em Espiritismo sabe disso (aliás, mesmo que a obra não fosse mediúnica, um espírita consciente deveria doar os direitos autorais). Ainda sob a questão da vaidade, Pietro Ubaldi recomendou fortemente que sua obra fosse adotada pelo movimento espírita, pois o mesmo, incluindo Kardec, estaria ultrapassado (o que por si só, já é suficiente para não considerá-lo espírita); segundo Ubaldi, Kardec precisava ser atualizado. Vejamos o que Jorge Rizzini relata a respeito do famoso debate entre Ubaldi, crítico de Kardec e do Espiritismo, e o Professor Herculano Pires, “o metro que melhor mediu Kardec” (vide “Herculano Pires, O Apóstolo de Kardec”):


CASO PIETRO UBALDI
Jorge Rizzini
Escritor e sensitivo nascido em Gúbio (Itália) em 1886 e desencarnado no Brasil aos oitenta e cinco anos de idade, Pietro Ubaldi celebrizou-se com a obra A Grande Síntese, cujas páginas recebera intuitivamente da Alta Espiritualidade e cuja Entidade ele fazia conhecer com o pseudônimo de “Sua Voz”. Elogiada por cientistas, entre os quais Albert Einstein e Enrico Fermi (inventor da pilha atômica) e intelectuais do porte de Ernesto Bozzano, que a considerava “a mais extraordinária, concreta e grandiosa mensagem mediúnica”, foi A Grande Síntese, primeiramente, traduzida para o nosso vernáculo por Guillon Ribeiro e publicada em 1939 pela Federação Espírita Brasileira. Mario Corbioli também traduziu-a e dez anos depois a editora Lake de Batista Lino lançou-a (outros livros de Ubaldi foram publicados pela Lake, mas apenas A Grande Síntese era mediúnica) conquistando a intelectualidade espírita de norte a sul e recebendo elogios, inclusive, do Espírito Emmanuel através da psicografia de Chico Xavier, que a chamou de “O Evangelho da Ciência”. Mas, terminada a fase de namoro com esses livros as lideranças espíritas notaram que alguns conceitos ubaldinos conflitavam com o espiritismo, e os livros de Pietro Ubaldi passaram a ser vistos com reserva... Herculano Pires, com seu infalível bom-senso, porém, escreveu estas palavras a respeito de Pietro Ubaldi:
“Simplesmente humano, ele é um espírito da maior amplitude, aberto às altas indagações da mais pura filosofia espiritualista. (...) O fato de Ubaldi não se dizer espírita, não se filiar à doutrina, não tem a menor importância, pois o que define a sua posição é a natureza da sua obra e não a sua opinião pessoal. Tanto mais, que ele afirma estar fora da sua consciência normal, sempre que trabalha os seus livros.”
Herculano Pires, admirador de A Grande Síntese (ele possuía a terceira edição impressa na Itália) foi, no entanto, o primeiro a apontar, publicamente, “falhas de percepção e alguns desajustamentos” na obra máxima do sensitivo italiano. E mais tarde assumiria atitude enérgica em relação às pretensões e críticas de Pietro Ubaldi à obra da codificação. O fato deu-se por ocasião do VI Congresso Espírita Pan-americano realizado em outubro de 1963 em Buenos Aires. Ubaldi enviara ao congresso uma tese (vide o Libro del Sexto Congreso, pp. 296-304, editado pela Confederação Espírita Pan-americana em 1964) cujo teor absurdo os ubaldistas de São Paulo divulgaram antes pela imprensa profana e cujas conclusões insólitas são estas:
1. O espiritismo estacionou na teoria da reencarnação e na prática mediúnica.
2. Não possuindo “um sistema conceptual completo”, não pode ele ser levado a sério pela cultura atual.
3. A filosofia espírita é limitada, não oferece uma visão completa do todo e “não abrange todos os momentos da lei de Deus”.
4. O espiritismo não construiu uma “teologia espírito-científica, que explique o que a católica não explica”.
5. O espiritismo corre o perigo de ficar parado no nível Allan Kardec, como o catolicismo ficou no nível São Tomás e o protestantismo no nível Bíblia.
E para “salvar” o espiritismo Pietro Ubaldi propunha que seus livros fossem adotados pelo movimento doutrinário...
Herculano Pires, com a rapidez que o assunto exigia, redigiu um artigo que fez publicar no Diário de São Paulo e na Revista Internacional de Espiritismo¹, do qual destacamos o seguinte trecho (ele ignorava, até então, que o congresso de Buenos Aires rejeitara a proposta de Ubaldi):
“A sua crítica ao espiritismo, resumida nos cinco pontos acima, coincide com a dos adeptos menos instruídos na doutrina, e pode ser respondida, ponto por ponto, por qualquer adepto de inteligência e cultura medianas, que conheça a doutrina espírita. Por outro lado o oferecimento de suas obras ao espiritismo revela desconhecimento da natureza da nossa doutrina e das exigências metodológicas para a aceitação da proposta, que não cobre essas exigências.
“Ubaldi desenvolveu suas faculdades mediúnicas à margem do espiritismo. Seu primeiro livro, A Grande Síntese, apresenta curioso paralelismo com o espiritismo, o que lhe valeu a simpatia e a amizade dos espíritas brasileiros. Na Itália ou no Brasil, porém, Ubaldi recusou-se sempre a integrar-se no movimento espírita, filiando-se à península na corrente Ultrafania, do prof. Trespioli, que pretende haver superado a concepção espírita. Em seu livro As Noúres, Ubaldi nos oferece a concepção ultrafânica da mediunidade, na qual enquadra o seu caso pessoal. É uma pretensiosa concepção de mediunidade cósmica, fugindo à naturalidade e simplicidade das comunicações espirituais entre espíritos desencarnados e médiuns. As pretensões de Ubaldi transformaram-no, de simples médium, em autor messiânico, agora arvorado em reformador do espiritismo.
“Respondemos aos itens de sua crítica da seguinte maneira: 1) O espiritismo é uma doutrina evolucionista, como provam as suas obras fundamentais e o seu imenso desenvolvimento em apenas cem anos de existência; 2) O sistema conceptual espírita é completo, e sua síntese está em O livro dos espíritos; 3) A filosofia espírita não pode abranger o Todo e muito menos ‘todos os momentos da lei de Deus’, porque isso não está ao alcance de nenhuma elaboração mental, no plano relativo da vida terrena; 4) A teologia espírita é limitada às possibilidades atuais do conhecimento de Deus, segundo ensina Allan Kardec, e essas possibilidades não admitem ainda a criação na Terra de uma teologia-científica, nem dentro nem fora do espiritismo; 5) O ‘nível Allan Kardec não é o do espiritismo, mas sim o nível Espírito da Verdade’, de quem Kardec, segundo dizia, foi um ‘simples secretário’.”
E Herculano Pires assim encerra seu artigo:
“Não sabemos ainda como o Congresso de Buenos Aires recebeu a proposta de Ubaldi. De nossa parte, não obstante o respeito que votamos ao médium e sua obra, altamente inspirada, não poderíamos dar-lhe outra resposta, além da que apresentamos nestas linhas. Se Ubaldi tivesse lido O livro dos espíritos, certamente jamais faria a proposta que fez. Mesmo porque a sua obra, como a de Flammarion, a de Delanne, a de Denis, a de Bozzano, e tantas outras, longe de completar o espiritismo, apenas procura desenvolver alguns dos grandes temas que o espiritismo levantou e sustenta no mundo moderno.”
Informemos ainda que a comissão redatora dos anais do VI Congresso Espírita Pan-americano (congresso presidido pelo filósofo Humberto Mariotti) respondeu às críticas e pretensões de Pietro Ubaldi transcrevendo, integralmente, os cinco itens acima redigidos por Herculano Pires. Posteriormente, outros confrades refutaram a proposta de Ubaldi, inclusive, Mariotti, de maneira brilhante.²
 Oito anos depois Hermas Culzoni, então presidente da Confederação Espírita Pan-americana, encontrou-se em São Paulo com Herculano Pires e convidou-o a participar do próximo congresso da CEPA.
“Não sei se irei à Argentina (escreveu em 9 de novembro de 1971 ao amigo Deolindo Amorim). Meu encontro com o Culzoni deixou-me aborrecido. O homem quis impor-me condições. Tem um programa que deve ser cumprido à risca. As conclusões a que o congresso deve chegar já estão fixadas. Advertiu-me, sem muita tática, de que não devia tratar do problema religioso, que eu considero (e lhe disse isso) fundamental. Preferi não aprofundar o assunto, mas vi que a situação lá não me será favorável. Além disso, não posso fazer a viagem por minha conta. Eles custeiam tudo e isso me constrange ainda mais. Não, não irei. Estou escrevendo a eles agora mesmo sobre isso.”
E Herculano Pires não foi. Aliás, nunca saiu do Brasil, pois tinha consciência que sua missão era aqui.
 ¹Edição de novembro de 1963.
²Vide folheto de Mariotti intitulado “Codificação Espírita Superada?”, traduzido por Conrado Ferrari e publicado em Curitiba (Paraná) em 1964.

3)     Nosso confrade alega que os Espíritas perseguiram Pietro Ubaldi. Tal informação também é, no mínimo, questionável, pois muitos Espíritas brasileiros ajudaram financeiramente a manutenção material de Pietro Ubaldi e de sua família. O que acontece é que Espíritas como o Professor Herculano Pires não aceitaram as imposições de Ubaldi e o escritor italiano ficou melindrado com isso. No entanto, Pietro Ubaldi sempre foi tratado com muito respeito e reverência pelo movimento espírita nacional, mesmo por aqueles que não concordavam com o conteúdo da sua obra. Daí a considerar Kardec ultrapassado e Ubaldi a atualização de Kardec vai uma imensurável diferença.
4)    A obra de André Luiz em nenhum momento chancela a queda espiritual ou qualquer postulado roustainguista. Tal informação carece de qualquer respaldo. Seria interessante para os confrades a releitura de toda a obra de André Luiz com mais atenção e com especial destaque para “Evolução em Dois Mundos”.
5)    Com relação à opinião de que Emmanuel e Chico Xavier teriam grande afinidade pela obra de Ubaldi com base no prefácio que Emmanuel escreveu para Pietro Ubaldi, temos que admitir que tal alegação constitui igualmente um argumento muito fraco. A partir do momento em que Chico Xavier e Emmanuel começaram a ganhar grande notoriedade no movimento espírita nacional, os mesmos foram muito solicitados, e até mesmo pressionados por autores que gostariam, obviamente, de ter suas obras respaldadas por ambos. Assim, muitos autores pediram prefácio para Emmanuel, através de Chico Xavier. E, obviamente, sobretudo nos tempos de maior saúde física e juventude, Chico não poderia declinar de todos os insistentes convites. Chico Xavier e Emmanuel comentariam negativamente qualquer obra espiritualista, mesmo que não concordassem com alguns conceitos dessas obras? É óbvio que não. Toda a vida de Chico Xavier e seu modus operandi no movimento espírita demonstra isso.
6)    Ainda sobre a questão de elogios, ninguém foi mais elogiado por Emmanuel do que o Professor Herculano Pires, chamado de “o metro que melhor mediu Kardec” e “a maior inteligência espírita contemporânea” pelo mentor espiritual de Chico Xavier. Detalhe, Herculano Pires foi o maior crítico de Roustaing durante vários anos. Aliás, Chico Xavier, Emmanuel e os Espíritos da equipe de Emmanuel publicaram cinco livros em parceria com Herculano Pires (“Chico Xavier Pede Licença”; “Diálogo dos Vivos”; “Astronautas do Além”; “Na Era dos Espíritos”; e “Na Hora do Testemunho”). E Chico Xavier prentendi manter a parceria em um número maior de livros, como fica claro em “Na Hora do Testemunho”. A desencarnação de Heculano, pouco tempo depois, além dos problemas que Herculano enfrentou na Federação Espírita de São Paulo (FEESP), vide “Na Hora do Testemunho”, contribuiu para que não tivéssemos mais obras dessa extraordinária parceria. Entretanto, seria de se questionar: Será que Emmanuel escreveria vários livros em parceria com um Espírita equivocado, que combatia tenazmente Roustaing e Ubaldi se esses dois autores fossem realmente atualizadores do pensamento espírita?
7)    Nosso confrade ironiza um dos mais importantes princípios espíritas, que é o “Princípio da Não-retrogradação Espiritual” (Revue Spirite). Sutilmente (ou não tão sutilmente assim) critica o Codificador do Espiritsmo. Sem repetir outros estudos que já foram amplamente discutidos por renomados espíritas do presente e do passado, o artigo intitulado “Princípio da Não-retrogradação Espiritual” foi escrito quando Kardec soube que uma obra “apócrifa” estava sendo redigida, no caso “Os Quatro Evangelhos” de J. B. Roustaing, a qual enfatizava que a encarnação pressupõe Queda Espíritual, e somente ocorre por Castigo Divino. Ver também Questões 132 e 133 de “O Livro dos Espíritos”. Tal princípio foi enfatizado por Allan Kardec. Vale citar também o item “Necessidade da Encarnação”, da “Instrução dos Espíritos”, do capítulo IV de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” (Ninguém Pode Ver o Reino de Deus se Não Nascer De Novo).
8)    Poderíamos também questionar quais as evidências científicas encontradas na natureza da Queda Espíritual proposta por Roustaing e/ou por Ubaldi?! Ou, por outro lado, qual a citação de texto de autor doutrinário que situa Ubaldi como o “atualizador” da obra de Kardec?!
9)     Também não é possível concordar que a obra de Roustaing representa contribuição ao movimento espírita; a não ser que consideremos que todos os problemas, lutas, adulterações e cismas geradas tenham um aspecto de positivo para o amadurecimento da avaliação do conteúdo da mensagem mediúnica. Entretanto, a obra propriamente dita, representou, e infelizmente ainda representa, grande fonte de deturpações doutrinárias. É evidente que a obra foi ditada por Espíritos católicos inimigos do Espiritismo, fato este que já foi demonstrado exaustivamente por vários estudiosos da respectiva questão. Nesse aspecto, a obra de Ubaldi parece estar em patamar superior à obra de Roustaing (o que não quer dizer muito, isto é, não representa excelência com respeito ao conteúdo), pois não parece ter sido uma elaboração claramente urdida por Espíritos mistificadores. De qualquer forma, gostaria de citar o artigo do confrade Alexandre Fontes da Fonseca, que faz uma análise crítica da obra “A Grande Síntese”, cujo título é “Uma análise científica de algumas afirmações de “A Grande Síntese”. No resumo do respectivo artigo, publicado em  “jornal de Estudos Espíritas”, o autor afirma “Afirmações científicas contidas na obra A Grande Síntese, de Pietro Ubaldi, são analisadas aqui com base em conhecimentos atuais da Ciência. O nível dos erros científicos e de interpretação dos conceitos da Física contrastam com a pretensão do autor espiritual de estar com a verdade. Isso mostra que a obra não tem valor científico”.
10)   Por fim, gostaria de enfatizar que meu texto é focado, predominantemente, sobre o posicionamento de alguns roustainguistas, e não dos ubaldistas ou monistas, como prefere nosso confrade (em nenhum momento, pretendi distorcer o conteúdo contido nas obras de Pietro Ubaldi, mas achei que denominando “ubaldistas”, não causaria nenhum melindre nos estudiosos das respectivas obras. Também é importante considerar que o conceito de “monista” já esteve associado a outros autores e, portanto, geraria mais confusão do que elucidação). Realmente, alguns roustainguistas célebres no movimento começaram a recorrer a Ubaldi, alegando, com essa associação, suposto respaldo doutrinário às teses roustainguistas. Portanto, apesar de não aceitar a Queda Espiritual proposta por qualquer um deles, meus questionamentos estão direcionados fundamentalmente aos adeptos de Roustaing e não aos estudiosos de Pietro Ubaldi. Afinal, é a obra de Roustaing que se auto-denomina “Revelação da Revelação”, “Nova Revelação”, “Espiritismo cristão” etc. e a priori são os roustainguistas que têm recorrido a Ubaldi, forçando essa associação, e não o contrário.

A REEDUCAÇÃO SOLIDÁRIA DOS APENADOS (Jorge Hessen)

Jorge Hessen
http://aluznamente.com.br

A finalidade da lei correcional não é punir puramente, entretanto igualmente possibilitar a recuperação do criminoso. Para os especialistas do assunto, a pena é uma resposta punitiva estatal contra um determinado crime e deve ser proporcional à extensão do dano, jamais poderá violar a dignidade humana, pois estaria reparando um erro com outro erro. A punição por si só não muda o comportamento transgressor do ser humano socialmente opresso, é preciso reeducá-lo para que possa compreender a importância da liberdade. 
O adolescente marginalizado é, quase que invariavelmente, vítima de desigualdade social, pois que não tem renda suficiente para usufruir de bens e serviços básicos, como saúde, educação, habitação e lazer. Situações determinantes para que o jovem se torne revoltado ou ansioso por experimentar o que da vida lhe é suprimido. Para tais adolescentes, o melhor recurso é o processo de ressocialização; não com vistas à repreensão judicial, mas à reinserção desse jovem infrator na sociedade que ele mesmo rejeitou. Por essa razão  é auspicioso os programas de reeducação desses jovens que tendem aproveitar as oportunidades que algumas  instituições de ressocialização lhes proporcionam.  
No Brasil existem algumas empresas que agem semelhante  a certa rede de supermercados que oferece emprego e orientações a esses adolescentes. A rede mantém um programa intitulado de “Gente de Futuro”,  propondo formar os jovens para o mercado de trabalho, oferecendo apoio às suas famílias. O programa é executado em parceria com a Fundação Casa (antiga FEBEM)  para recrutar e contratar jovens que ainda cumprem, ou já cumpriram medidas socioeducativas, para atuarem nos supermercados. (1)
A lógica do amor diz que  os mais conscienciosos devem ajudar os mais atrasados, os mais inteligentes aos menos dotados intelectualmente, o maior ao menor, e assim por diante, inoculando, portanto no tecido social a vacina do Evangelho ao próximo. O menor infrator, portanto, deve ser alvo dessa intensa providência socioeducativa  e de outros  recursos psicoterapêuticos, para o seu regresso ao bom convívio social.
A reeducação de qualquer delinquente pode ser feita por meio da implantação de frentes de trabalho para profissionalização, como vimos acima, não apenas para tirar criminosos apenados da ociosidade, porém igualmente abrir perspectiva de integração futura na sociedade. Nesse sentido reverenciamos os grupos de várias denominações religiosas  que desenvolvem excelentes projetos de recuperação do encarcerado, por intermédio de uma efetiva programação de visitas permanentes aos centros de reclusão. Tais religiosos promovem palestras de valorização humana, divulgação doutrinária, instituição de voluntários padrinhos, contato com parentes, distribuição de cestas básicas para familiares dos recuperandos,  objetivando a o aumento do índice de recuperação dos internos nos presídios brasileiros.
Há dois mil anos o Mestre forneceu importantes convites sobre esse trabalho. Recordemos Suas considerações sobre a prática de um sublime código de caridade, ante as questões da vida dos criminosos: "Senhor, quando foi que te vimos preso e não te assistimos?". Ao que Ele respondera: "Em verdade vos digo - todas as vezes que faltastes com a assistência a um destes mais pequenos. deixastes de tê-la para comigo mesmo." (2)
Somente a experiência do Evangelho pode estabelecer as bases da concórdia, da fraternidade e constituir os antídotos eficazes para minimizar a violência que ainda avassala a Terra. Na verdade, o homem cresce e se expande na medida em que se projeta no coração do semelhante. Assim, a realização de qualquer investimento de solidariedade, ante os presos de menor ou maior periculosidade, se consubstanciará no mais eloquente ato cristão.
A sentença   “perdoar setenta vezes sete vezes” proferida por Jesus precisa ser aplicada ao limite máximo das nossas experiências cotidianas. Os Benfeitores Espirituais nos instruem que devemos “amar os criminosos como criaturas que são, de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a nós, pelas faltas que cometemos contra sua Lei.”.(3) Em muitos casos  somos “mais repreensíveis, mais culpados do que aqueles a quem negamos perdão e comiseração, pois, as mais das vezes, eles não conhecem Deus como O conhecemos, e muito menos lhes será pedido do que a nós.”(4)

Referências bibliográficas:
1 Disponível em http://sonoticiaboa.band.uol.com.br/noticia.php?i=5137 acesso em 18/07/2014
2 Mateus 25.31-46
3 Kardec, Allan . O Evangelho Segundo O  Espiritismo. Cap. XI “Amar o próximo como a si mesmo - Caridade para com os criminosos”, RJ: Ed FEB, 1990
4 Kardec, Allan . O Evangelho Segundo O  Espiritismo. Cap. XI “Amar o próximo como a si mesmo - Caridade para com os criminosos”, RJ: Ed FEB, 1990

DESCARREGANDO O PESO


Por Leonardo Paixão (*)
03/12/2013
Muitas pessoas vivem a falar da infelicidade que atitudes e palavras de pessoas queridas a elas lhes causam. São pessoas ligadas ao que o outro faz ou deixa de fazer, não compreenderam ainda que cada qual tem o seu caminho e que cada ser humano é um ser único com suas idiossincrasias, logo não há possibilidade de encontrarmos dois seres humanos internamente iguais, cada qual traz em si o seu entendimento, a sua visão de vida, daí a imensa variedade de comportamento entre os seres humanos. Colocarmos no outro a responsabilidade da nossa felicidade é simplesmente dar a ele o poder do controle da nossa vida, revelando você com isto mesmo, o pouco ou até nenhum valor que você se dá. Ora, nós não estamos em aprendizado na Terra para nos deixarmos dominar pelo outro, seja ele quem for: um líder religioso, político, reitor, presidente. Não. Estamos em aprendizado na Terra para, justamente, descobrirmos o nosso EU INTERIOR e, para isto, é preciso que, muitas vezes, haja corte de relações, tomadas de decisões que venham a contrariar muita gente, mas que você só VOCÊ sabe da importância desta atitude e o quanto ela te fará bem.

Pessoas há que vivem uma vida inteira infelizes porque veem que para serem aceitas em seu 'mundinho' elas tem de seguir as regras que a família, em muitos casos, conservadora e rígida lhes impôs. É assim que vemos mulheres infelizes no casamento, mas fazendo o papel de Amélia, mulher de verdade, não se dando conta de que com isto só estão a reprimir desejos e realizações possíveis e que não prejudicariam-nas, pelo contrário, as veriam perceber o quanto não é preciso estar presa para ser feliz e que liberdade e moral nada tem a ver com regras de família, pois felicidade real não é aparência. Por outra vemos homens que seguem por profissões que não são o seu sonho, mas se prendem a tradição da família que sempre, por gerações, esteve a frente deste ou daquele negócio.

Ser feliz é descobrir o seu caminho e, descobrindo o seu caminho sair da etapa idealizadora para lutar pela etapa concretizadora.
Não seja um dominado nem um dominador, mas tenha o DOMÍNIO da sua VIDA, isto é o que importa e é por isto que você está na Terra: para aprender a se conhecer e conhecendo-se saber-se UNO COM O CÓSMICO.

Descarregue o peso de "vou fazer para fulano não falar isto ou aquilo"; "o que a minha família vai dizer"; "não posso decepcionar a Beltrano"; se você continuar com estes pensamentos que são voltados para o olhar do outro e não para o seu próprio olhar, você será um eterno dominado e para se colocar acima poderá surgir o sentimento de ser dominador e isto não é raro de ocorrer, portanto, para que nenhuma destas duas hipóteses ocorram, liberte-se já, reavaliando seus valores e vendo até que ponto eles são realmente seus ou são influências de família, de sociedade, etc.

Lembre-se: ser livre é ser você mesmo, realizando o caminho da busca pela Comunhão real com Deus. Esta é a caridade conosco. assim farás o Bem a você mesmo e a quem mais esteja ao seu redor, pois transmitirás paz ao próximo.
Seja Feliz!

(*) - Leonardo Paixão é Orador espírita (que tem viajado por alguns Estados brasileiros, quando possível, na divulgação da Doutrina Espírita), articulista, poeta, tem críticas literárias publicadas no site orientacaoespirita.org e um artigo publicado em Reformador em Agosto de 2010, A Revelação - uma perspectiva histórica e tem escrito alguns artigos no jornal eletrônico O Rebate. Participa com um grupo de amigos de ideal do GE Semeadores da Paz em Campos dos Goytacazes, RJ, onde exerce direção de estudos e trabalhos na área mediúnica, atuando como médium psicofônico na desobsessão e como psicógrafo de mensagens esclarecedoras, poesias e cartas consoladoras.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O papel dos médiuns na comunicação

Paulo Neto 

Paulo da Silva Neto Sobrinho
www.paulosnetos.net
paulosnetos@gmail.com
jul/2014
O papel dos médiuns na comunicação
O amigo Felipe Fagundes, Itumbiara-GO, nos questiona sobre se, de fato, pode o médium exercer um papel de facilitador (animismo) e não de um real transmissor para os desencarnados (mediunismo), quando estes querem passar suas mensagens a nós, os encarnados, apresentando trecho de O Livro dos Médiuns, que nos leva a essa conclusão. Mencionou, inclusive, que no site da FEB existe algo a respeito, o que, obviamente, fomos conferir.
No artigo Mediunismo e animismo, postado em 15/07/2013, a autora Marta Antunes Moura, coordenadora das Comissões Regionais na área da Mediunidade da Federação Espírita Brasileira (FEB), Vice-presidente da FEB, afirma o seguinte:
Todas as manifestações mediúnicas (psicofonia, psicografia, vidência, audiência, intuição, cura, etc.), classificadas por Allan Kardec em fenômenos de efeitos físicos e fenômenos de efeitos inteligentes, trazem o teor anímico do médium, uma vez que este não age como uma máquina, na recepção e transmissão da mensagem do Espírito comunicante. Funciona como um intérprete do pensamento do Espírito, imprimindo naturalmente às comunicações mediúnicas que intermedia características peculiares de sua personalidade […]. (MOURA, 2013, grifo nosso).
Realmente, pelo que encontraremos em O Livro dos Médiuns, Capítulo XIX, que trata do papel dos médiuns nas comunicações espíritas, a ideia, em princípio, é essa mesma; vejamos as seguintes questões que fazem parte do item de nº 223:
6ª O Espírito, que se comunica por um médium, transmite diretamente seu pensamento ou este tem por intermediário o Espírito encarnado no médium?
O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar a grande distância uma notícia e, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente, que a receba e transmita”.
9ª Compreende-se que seja assim, tratando-se dos médiuns intuitivos, porém não relativamente aos médiuns mecânicos.
É que ainda não percebeste bem o papel que desempenha o médium. Há aí uma lei que ainda não apanhaste. Lembra-te de que, para produzir o movimento de um corpo inerte, o Espírito precisa utilizar-se de uma parcela de fluido animalizado, que toma ao médium, para animar momentaneamente a mesa, a fim de que esta lhe obedeça à vontade. Pois bem: compreende igualmente que, para uma comunicação inteligente, ele precisa de um intermediário inteligente e que esse intermediário é o Espírito do médium.”
a) Isto parece que não tem aplicação ao que se chama – mesas falantes, visto que, quando objetos inertes, como as mesas, pranchetas e cestas, dão respostas inteligentes, o Espírito do médium, ao que se nos afigura, nenhuma parte toma no fato.
É um erro; o Espírito pode dar ao corpo inerte uma vida fictícia momentânea, mas não lhe pode dar inteligência. Jamais um corpo inerte foi inteligente. É, pois, o Espírito do médium quem recebe, sem que saiba, o pensamento e o transmite, sucessivamente, com o auxílio de diversos intermediários.”
10ª Dessas explicações resulta, ao que parece, que o Espírito do médium nunca é completamente passivo?
É passivo, quando não mistura suas próprias ideias com as do Espírito que se comunica, mas nunca é inteiramente nulo. Seu concurso é sempre indispensável, como o de um intermediário, embora se trate dos que chamais médiuns mecânicos.” (KARDEC, 2007b, p. 280-282, grifo nosso).
No item 225, que, também, nos foi apresentado como sustentação para o animismo em todo tipo de mediunidade, encontramos algo interessante, que pode estar causando alguma confusão, especialmente, por conta de tradução. Inicia-se, esse item, com a informação de que dois Espíritos superiores – Erasto e Timóteo –, resumiram a questão do papel do médium. Eis um trecho do que disseram:
a) Tradução Herculano Pires:
"Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, mecânicos, semimecânicos ou simplesmente intuitivos, nossos processos de comunicação por meio deles não variam na essência. Com efeito, nossas comunicações com os Espíritos encarnados, diretamente, ou com os Espíritos propriamente ditos, se realizam unicamente pela irradiação do nosso pensamento. (KARDEC, 2006, p. 194, grifo nosso).
b) Tradução Guillon Ribeiro:
"Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, quer mecânicos ou semimecânicos, quer simplesmente intuitivos, não variam essencialmente os nossos processos de comunicação com eles. De fato, nós nos comunicamos com os Espíritos encarnados dos médiuns, da mesma forma que com os Espíritos propriamente ditos, tão só pela irradiação do nosso pensamento. (KARDEC, 2007b, p. 288, grifo nosso).
c) Tradução Salvador Gentile:
Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, quer sejam mecânicos, semimecânicos, ou simplesmente intuitivos, nossos procedimentos de comunicação com eles não variam essencialmente. Com efeito, nos comunicamos com os próprios Espíritos encarnados, como com os Espíritos propriamente ditos, unicamente pela irradiação do nosso pensamento. (KARDEC, 1993a, p. 252, grifo nosso).
Na primeira tradução, a de Herculano Pires, justamente a com o teor que nos foi apresentado, faltou a conjunção “quer” ou a expressão “quer sejam”, fundamental para o entendimento da explicação, pois, sem ela, têm-se a impressão que se está falando dos médiuns de uma maneira geral, quando, na verdade, se refere somente aos médiuns escreventes.
Por outro lado, para nós, há diferença significativa em dizer “comunicação com eles” e “comunicação por meio deles”. Observando-se o contexto, fica claro que a explicação se prende à primeira expressão, pela qual eles informam como os Espíritos se comunicam com os demais Espíritos desencarnados, quanto com o Espírito dos médiuns escreventes.
Especificamente, sobre os médiuns escreventes mecânicos, temos:
[…] Pode, pois, o Espírito exprimir diretamente suas ideias, quer movimentando um objeto a que a mão do médium serve de simples ponto de apoio, quer acionando a própria mão.
Quando atua diretamente sobre a mão, o Espírito lhe dá uma impulsão de todo independente da vontade deste último. Ela se move sem interrupção e sem embargo do médium, enquanto o Espírito tem alguma coisa que dizer, e para, assim ele acaba.
Nesta circunstância, o que caracteriza o fenômeno é que o médium não tem a menor consciência do que escreve. Quando se dá, no caso, a inconsciência absoluta; têm-se os médiuns chamados passivos ou mecânicos. É preciosa esta faculdade, por não permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que escreve. (KARDEC, 2007b, p. 230, grifo nosso).
[…] O papel do médium mecânico é o de uma máquina; […]. (KARDEC, 2007b, p. 231 grifo nosso).
[…] Em Saint-Jean d'Angély vimos um médium mecânico que podemos considerar excepcional. Trata-se de uma senhora que redige longas e formosas comunicações enquanto lê o jornal ou conversa com os presentes, e isto sem nunca olhar para sua própria mão. Sucede muitas vezes que, distraída, não se apercebe de que a comunicação chegou ao fim. Os médiuns iletrados são numerosos, e muitos há que psicografam sem jamais terem aprendido a escrever. Isso não é mais surpreendente do que ver um médium desenhar sem ter sido iniciado nessa arte.  […]. (KARDEC, 2000d, p. 29, grifo nosso).
Entendemos, com base nessas transcrições, que o papel do médium escrevente mecânico, também ocorre sem animismo, porquanto, o Espírito comunicante age diretamente no órgão físico do médium, no caso a sua mão, para expressar seu pensamento.
Até quanto ao fato de transmissão de pensamento dos espíritos, ou seja, fenômenos de efeitos inteligentes, não há nenhuma dúvida, porquanto, o Espírito do médium é quem transmite aquilo que o desencarnado tem interesse em passar aos destinatários.
Quanto aos fenômenos de efeitos físicos é que nos pareceu estranhos, diante da seguinte explicação em O Livro dos médiuns, cap. IV, sobre a teoria das manifestações físicas:
VIII. Como pode um Espírito produzir o movimento de um corpo sólido?
Combinando uma parte do fluido universal com o fluido que o médium emite, próprio àquele efeito.”
XIII. Se compreendemos bem o que disseste, o princípio vital reside no fluido universal; o Espírito tira deste fluido o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é ainda por meio deste fluido que ele atua sobre a matéria inerte. É assim?
É. Quer dizer: ele empresta à matéria uma espécie de vida factícia; a matéria se anima da vida animal. A mesa, que se move debaixo das vossas mãos, vive como animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é este quem a impele, como faz o homem com um fardo. Quando ela se eleva, não é o Espírito quem a levanta com o esforço do seu braço: é a própria mesa que, animada, obedece à impulsão que lhe dá o Espírito.”
XIV. Que papel desempenha o médium nesse fenômeno?
Já eu disse que o fluido próprio do médium se combina com o fluido universal que o Espírito acumula. É necessária a união desses dois fluidos, isto é, do fluido animalizado e do fluido universal para dar vida à mesa. Mas nota bem que essa vida é apenas momentânea, que se extingue com a ação e, às vezes, antes que esta termine, logo que a quantidade de fluido deixa de ser bastante para a animar.” (KARDEC, 2007b, 94-97, grifo nosso).
A não ser que estejamos totalmente enganados, pelo acima exposto, temos a impressão de que, no caso, o médium apenas fornece a energia para que o Espírito comunicante possa agir diretamente sobre o móvel, fazendo-o transmitir sua vontade. Se assim for, então o papel do médium se restringe a fornecer a energia, o ectoplasma, para a produção do fenômeno; portanto, não é, propriamente, um agente transmissor do pensamento, mas, apenas, o doador da energia que move o objeto.
Acreditamos, também, que, em relação aos chamados médiuns mecânicos, ocorra algo nesse sentido, levando-se em conta essa explicação de Allan Kardec (1804-1869):
179. Quem examinar certos efeitos que se produzem nos movimentos da mesa, da cesta ou da prancheta que escreve não poderá duvidar de uma ação diretamente exercida pelo Espírito sobre esses objetos. A cesta se agita por vezes com tanta violência que escapa das mãos do médium e não raro se dirige a certas pessoas da assistência para nelas bater. Outras vezes, seus movimentos dão mostra de um sentimento afetuoso. O mesmo ocorre quando o lápis está colocado na mão do médium; frequentemente é atirado longe com força, ou, então, a mão, bem como a cesta, se agitam convulsivamente e batem na mesa de modo colérico, ainda quando o médium está possuído da maior calma e se admira de não ser senhor de si. Digamos, de passagem, que tais efeitos demonstram sempre a presença de Espíritos imperfeitos; os Espíritos superiores são constantemente calmos, dignos e benévolos; se não são escutados convenientemente, retiram-se e outros lhes tomam o lugar. Pode, pois, o Espírito exprimir diretamente suas ideias, quer movimentando um objeto a que a mão do médium serve de simples ponto de apoio, quer acionando a própria mão.
Quando atua diretamente sobre a mão, o Espírito lhe dá uma impulsão de todo independente da vontade deste último. Ela se move sem interrupção e sem embargo do médium, enquanto o Espírito tem alguma coisa que dizer, e para, assim ele acaba.
Nesta circunstância, o que caracteriza o fenômeno é que o médium não tem a menor consciência do que escreve. Quando se dá, no caso, a inconsciência absoluta, têm-se os médiuns chamados passivos ou mecânicos. É preciosa esta faculdade, por não permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que escreve. (KARDEC, 2007b, p. 229-230, grifo nosso).
Do explicado, entendemos que a ação do Espírito comunicante é direta sobre a mão do médium; daí este não ter a menor consciência do que escreve. Isso demonstra, para nós, que aqui também não há como se falar do Espírito transmitindo seu pensamento ao médium e este retransmitindo aos presentes.
Será que há contradição no que os Espíritos disseram sobre o assunto? Acreditamos que não é bem o caso. Sabemos que alguns pontos não foram desenvolvidos suficientemente e outros foram reformulados, como, por exemplo, a questão da possessão, em que um desencarnado toma posse, no sentido literal do termo, do corpo do médium. Em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns, Kardec não admite essa possibilidade; porém, em dezembro de 1863, especificamente na Revista Espírita, como veremos, ele volta ao assunto, reformulando-o, passando, agora, a admitir tal fato, o que o leva a em A Gênese tratar novamente desse tema.
Em O Livro dos Médiuns, cap. XIII – Da psicografia, destacamos este parágrafo:
Chamamos psicografia indireta à escrita assim obtida, em contraposição à psicografia direta ou manual, obtida pelo próprio médium. Para se compreender este último processo, é mister levar em conta o que se passa na operação. O Espírito que se comunica atua sobre o médium que, debaixo dessa influência, move maquinalmente o braço e a mão para escrever, sem ter (é, pelo menos, o caso mais comum) a menor consciência do que escreve; a mão atua sobre a cesta e a cesta sobre o lápis. (KARDEC, 2007b, p. 209, grifo nosso).
Aqui Kardec não fala em transmissão de pensamento, mas em atuação do Espírito que faz com que o médium, sob essa influência, passe a escrever, pela ação direta do Espírito comunicante sobre o braço do médium.
Vejamos o que consta na Revista Espírita 1863:
Um caso de possessão
Senhorita Julie
Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar da palavra, mas subjugados; retornamos sobre esta afirmação muito absoluta, porque nos está demonstrado agora que pode ali haver possessão verdadeira, quer dizer, substituição, parcial no entanto, de um Espírito errante ao Espírito encarnado. Eis um primeiro fato que é a prova disto, e que apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade. […].
[…] Ele [o espírito] declara que, querendo conversar com seu antigo amigo, aproveitou de um momento em que o Espírito da Senhora A…, a sonâmbula, estava afastado de seu corpo, para se colocar em seu lugar. […].
P. Que fez durante esse tempo o Espírito da senhora A…? – R. Estava lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me nesse vestuário.
(KARDEC, 2000b, p. 373-374, grifo nosso).
Ora, se o espírito da Senhora A…, “estava lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me nesse vestuário”, ele não participou em nada do processo de comunicação do Espírito (que a possuía) com os presentes na reunião, embora, obviamente, seu corpo físico estivesse sendo utilizado.
Em A Gênese, no capítulo XIV, Os Fluidos, tratando das obsessões, a certa altura de suas explicações, Kardec diz:
47. – Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado por uma como que teia e constrangido a proceder contra a sua vontade.
Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção. (Cap. XI, nº. 18.)
De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra; quem o haja conhecido em vida, reconhece-lhe a linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia. (KARDEC, 2007e, p. 349, grifo nosso).
Vemos, pois, que a ação do Espírito comunicante é direta sobre o corpo físico do encarnado, pelo qual age “conforme o faria se estivesse vivo”; ou seja, não há transmissão de seu pensamento para a mente do médium, para que este, a seu turno, transmita aos presentes.
E, ainda em A Gênese, ao falar das manifestações físicas, Kardec argumenta:
41. Por meio do seu perispírito é que o Espírito atuava sobre o seu corpo vivo; ainda por intermédio desse mesmo fluido é que ele se manifesta; atuando sobre a matéria inerte, é que produz ruídos, movimentos de mesa e outros objetos, que os levanta, derriba, ou transporta. Nada tem de surpreendente esse fenômeno, se considerarmos que, entre nós, os mais possantes motores se encontram nos fluidos mais rarefeitos e mesmo imponderáveis, como o ar, o vapor e a eletricidade.
É igualmente com o concurso do seu perispírito que o Espírito faz que os médiuns escrevam, falem, desenhem. Já não dispondo de corpo tangível para agir ostensivamente quando quer manifestar-se, ele se serve do corpo do médium, cujos órgãos toma de empréstimo, corpo ao qual faz que atue como se fora o seu próprio, mediante o eflúvio fluídico que verte sobre ele. (KARDEC, 2007e, p. 343, grifo nosso).
Demonstra, também, que o Espírito comunicante age diretamente usando o corpo do médium, que toma de empréstimo.
Na Revista Espírita 1869, mês de fevereiro, Kardec narra a respeito de um Espírito que não acreditava ter morrido, e que se manifestou “em se servindo do corpo do Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo”, durante uma hora. Recebeu, posteriormente, uma explicação para esse fenômeno:
Há aqui, uma substituição de pessoa, uma simulação. O Espírito encarnado recebe a liberdade ou cai na inação. Digo inércia, quer dizer, a contemplação daquilo que se passa. Ele está na posição de um homem que empresta momentaneamente a sua habitação, e que assiste às diferentes cenas que se realizam com a ajuda de seus móveis. Se gosta mais de gozar da sua liberdade, ele o pode, a menos que não haja para ele utilidade em permanecer espectador.
Não é raro que um Espírito atue e fale com o corpo de um outro; deveis compreender a possibilidade deste fenômeno, então que sabeis que o Espírito pode se retirar com o seu perispírito mais ou menos longe de seu envoltório corpóreo. Quando esse fato ocorre sem que nenhum Espírito disto se aproveite para ocupar o lugar, há a catalepsia. Quando um Espírito deseja para ali se colocar para agir, toma um instante a sua parte na encarnação, une o seu perispírito ao corpo adormecido, desperta-o por esse contato e restitui o movimento à máquina; mas os movimentos, a voz não são mais os mesmos, porque os fluidos perispirituais não afetam mais o sistema nervoso do mesmo modo que o verdadeiro ocupante. (KARDEC, 2001b, p. 48-49, grifo nosso).
Se o Espírito que se comunica está atuando e falando com o corpo do médium, e que o seu Espírito encarnado pode se retirar mais ou menos longe do seu corpo, então, fica claro que a ação é totalmente realizada pelo primeiro, sem que o médium esteja recebendo seu pensamento para transmiti-lo, uma vez que sua ação é direta.
É oportuno vermos essas explicações de Léon Denis (1846-1927), que têm muito a ver com o nosso assunto:
Indagam certos experimentadores: o Espírito do manifestante se incorpora efetivamente no organismo do médium? ou opera ele antes, a distância, pela sugestão mental e pela transmissão de pensamento, como o pode fazer um espírito exteriorizado do sensitivo?
Um exame atento dos fatos nos leva a crer que essas duas explicações são igualmente admissíveis, conforme os casos. As citações que acabamos de fazer provam que a incorporação pode ser real e completa. É mesmo algumas vezes inconsciente, quando, por exemplo, certos Espíritos pouco adiantados são conduzidos por uma vontade superior ao corpo de um médium e postos em comunicação conosco, a fim de serem esclarecidos sobre sua verdadeira situação. Esses Espíritos, perturbados pela morte, acreditam ainda, muito tempo depois, pertencerem à vida terrestre. Não lhes permitindo seus fluidos grosseiros entrarem em relação com Espíritos mais adiantados, são levados aos grupos de estudo, para serem instruídos acerca de sua nova condição. É difícil às vezes fazer-lhes compreender que abandonaram a vida carnal e sua estupefação atinge o cômico, quando, convidados a comparar o organismo que momentaneamente animam com o que possuíam na Terra, são obrigados a reconhecer o seu engano. Não se poderia duvidar, em tal caso, na incorporação completa do Espírito.
Noutras circunstâncias, a teoria da transmissão à distância parece melhor explicar os fatos. As impressões oriundas de fora são mais ou menos fielmente percebidas e transmitidas pelos órgãos. Ao lado de provas de identidade, que nenhuma hesitação permitem sobre a autenticidade do fenômeno e intervenção dos Espíritos, verificam-se, na linguagem do sensitivo em transe, expressões, construções de frases, um modo de pronunciar que lhe são habituais. O Espírito parece projetar o pensamento no cérebro do médium, onde adquire, de passagem, formas de linguagem familiares a este. A transmissão se efetua, em tal caso, no limite dos conhecimentos e aptidões do sensitivo, em termos vulgares ou escolhidos, conforme o seu grau de instrução. Daí também certas incoerências que se devem atribuir à imperfeição do instrumento.
Ao despertar, o Espírito do médium perde toda consciência das impressões recebidas no sentido de liberdade, do mesmo modo que não guardará o menor conhecimento do papel que seu corpo tenha desempenhado durante o transe. Os sentidos psíquicos, de que por um momento havia readquirido a posse, se extinguem de novo; a matéria estende o seu manto; a noite se produz; toda recordação se desvanece. O médium desperta num estado de perturbação, que lentamente se dissipa. (DENIS, 1987, p. 252-254, grifo nosso).
Temos, portanto, as duas hipóteses, ou seja, a de transmissão de mente a mente e a de usar diretamente o corpo do médium, processo ao qual Denis denomina de incorporação, tema que alhures já tratamos.
Em duas das obras da série André Luiz, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier (1910-2002), encontramos a confirmação do segundo caso mencionado por Denis, quais sejam: Missionários da Luz e Nos domínios da mediunidade, que recomendamos a sua leitura.



Paulo da Silva Neto Sobrinho
www.paulosnetos.net
paulosnetos@gmail.com
jul/2014




Referências bibliográficas
DENIS, L. No Invisível, Rio de Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Araras, SP: IDE, 1993a.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo: Lake, 2006.
KARDEC, A. Revista Espírita 1863. Araras, SP: IDE, 2000b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1869. Araras, SP: IDE, 2001b.
KARDEC, A. Viagem Espírita em 1862. Matão, SP: O Clarim, 2000d.
XAVIER, F. C. Missionários da Luz. Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Nos Domínios da Mediunidade, Rio de Janeiro: FEB, 1987.

MOURA, M. A. Mediunismo e animismo. Disponível pelo link: http://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/mediunismo-e-animismo/, acesso em 27.07.2014, às 07:53hs.